Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA, DA JUVENTUDE E DO IDOSO DA COMARCA DA CAPITAL @, absolutamente incapaz, nascido em @, neste ato representado por sua genitora, @, brasileira, solteira, atendente de padaria, carteira de identidade sob o número @ emitida pelo IIFP, domiciliada na Rua @, nº 21, @, @, CEP @, por intermédio da Defensoria Pública, vem propor AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA MATRÍCULA EM CRECHE em face do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público, pelos fatos e fundamentos seguintes. .I. DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA Inicialmente, afirma, nos termos do disposto na Lei n. 1.060/1950, com as modificações introduzidas pela Lei n. 7.510/1986, não possuir condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu próprio sustento e/ou de sua família, pelo que faz jus ao benefício da gratuidade de justiça, indicando a Defensoria Pública para o patrocínio de seus interesses. 1 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente .II. DOS FATOS A criança autora da presente demanda conta com menos de seis meses de idade1 e não está matriculada em creche da rede pública municipal, pois tem o seu ingresso inviabilizado pelo réu, tendo vista que a Resolução Municipal 1099/2010 (doc. 02) dispõe que 6 (seis) meses é a idade mínima para ingresso nas creches públicas e conveniadas do Município do Rio de Janeiro. Desta forma, por não conseguir matricular seu filho na creche, conforme impõe o art. 54, IV da lei 8.069/90, a genitora do autor não consegue retornar às atividades laborativas, cuja remuneração é, por óbvio, fundamental para a manutenção digna de sua família. De acordo com o que prevê a Resolução 1099/2010 da Secretaria Municipal de Educação (doc. 02), o Município não viabilizou a inclusão da criança em creche, pois a criança não possui idade mínima de 6 (seis) meses exigida pelo art. 1º da Resolução. Desta forma, a representante do autor se vê absolutamente impedida de exercer seu trabalho, já que não tem com quem deixar seu filho em segurança para os cuidados necessários, o que revela um grande paradoxo do cotidiano das pessoas necessitadas, pois, se de um lado é dever jurídico e moral dos pais prover o sustento dos seus filhos, de outro lhes é imposta a obrigação de não deixá-los com estranhos, ou mesmo em situação de abandono. Portanto, a negativa do Município do Rio de Janeiro - MRJ em matricular o infante na creche, com base na Resolução 1099 na Secretaria Municipal de Educação, subverte toda a lógica de absoluta prioridade2 traçada na Cumpre assinalar que, quando da propositura da presente demanda, o autor conta(va) com 5 meses de idade, tendo em vista o seu nascimento em 15 de novembro de 2011. 2 Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo 1 2 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Constituição, já que impede que o autor tenha acesso a seus direitos fundamentais, em especial o acesso à educação e seu sustento com dignidade. III. DIREITO III. A. DA COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE O conhecimento e julgamento da presente demanda incumbem ao Juízo da Infância e da Juventude, vez que essencialmente fundada em interesse individual da criança. Neste sentido os arts. 148, IV; 209; e 212, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209. Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores. Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes. Trata-se de competência absoluta em razão da matéria. Por outro lado, a norma faz expressa remissão às ações previstas no Capítulo VII, dentre as quais, as que se referem ao não oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. Neste sentido também aduz a jurisprudência: de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). 3 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Agravo de Instrumento. Mandado de Segurança visando resguardar o direito à matrícula de menor em creche municipal. Preliminar de incompetência absoluta que deve ser acolhida. Isto porque, a ação mandamental de que trata o presente recurso de agravo de instrumento está fundamentada no art. 212, §2º, da Lei 8.069/90 (ECA) e tem por objetivo proteger o direito do menor à matrícula em creche municipal, o que se considera como um direito da criança e um dever do poder público, que deve ser cumprido através de sua administração direta ou da ação daqueles a quem esta delega ou autoriza o exercício de alguns serviços públicos fundamentais. Inteligência dos arts. 148, IV c/c 208, III e 209 do ECA. Competência absoluta em razão da matéria do Juízo da Infância e da Juventude para o julgamento da presente demanda. Precedentes do STJ e deste TJERJ. Dar-se provimento ao recurso, para declarar a incompetência absoluta do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Resende, anulando-se, em consequência, as decisões pelo mesmo proferidas, e, determinando-se, ainda, a remessa dos autos ao Juízo da 2ª Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Resende (Agravo de Instrumento nº 0031940-32.2010.8.19.0000 – TJRJ, Terceira Câmara Cível, Relatora: Des. Helena Candida Lisboa Gaede, julgado em 05.11.20010). II. B. ILEGALIDADE DA NEGATIVA DE MATRÍCULA EM CRECHE: IDADE MÍNIMA DE 6 (SEIS) MESES PREVISTA NA RESOLUÇÃO 1099/2010 DA SME O fundamento normativo para a impossibilidade de matrícula do autor na creche encontra-se na Resolução 1099/2010 da Secretaria Municipal de Educação, vez que a referida norma dispõe que as crianças devem ter a idade mínima de 6 (seis) meses para que possam ingressar na rede de atendimento municipal. Ora, o réu, ao contrário do que dispõe a Constituição, a lei 8.069/90 e as jurisprudências do STJ e STF, tem indeferido a matrícula nas creches às crianças de 0 (zero) aos 6 (seis) meses. 4 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Dispõe o art. 208, IV da CR/88 que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”. Trata-se de norma de eficácia plena e imediata, de maneira que não cabe à norma infraconstitucional limitar seu alcance, sob pena de inconstitucionalidade, muito menos uma norma infralegal, tal como a Resolução 1099/2010 da SME. A lei 8.069/90, no art. 54, IV, e lei 9.394/96, no art. 4º, IV repetem o mesmo mandamento no plano infraconstitucional, afirmando expressamente ser o Estado devedor de prestações positivas no sentido de assegurar o acesso à creche dos 0 (zero) aos 6 (seis) anos de idade. Neste mesmo sentido, a doutrina especializada assenta a clareza e cogência do dever constitucional do Estado em assegurar o acesso à creche para as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos, sem quaisquer ressalvas quanto à idade mínima: Por determinação da LDB, as creches deverão atender a crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos, ficando a faixa de 4 (quatro) a 6 (seis) anos para a pré-escola (LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à Educação: uma questão de justiça. Editora Malheiros, 1ª Ed, São Paulo: 2004) Na jurisprudência, é pacífico ser dever do Estado assegurar a creche às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS ANOS EM CRECHE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. DEVER DO ESTADO. 5 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública com o fito de assegurar a matrícula de duas crianças em creche municipal. O pedido foi julgado procedente pelo Juízo de 1º grau, porém a sentença foi reformada pelo Tribunal de origem. 2. Os arts. 54, IV, 208, III, e 213 da Lei 8.069/1990 impõem que o Estado propicie às crianças de até 6 (seis) anos de idade o acesso ao atendimento público educacional em creche e pré-escola. 3. É legítima a determinação da obrigação de fazer pelo Judiciário para tutelar o direito subjetivo do menor a tal assistência educacional, não havendo falar em discricionariedade da Administração Pública, que tem o dever legal de assegurá-lo. (Resp. 511.645, Min. Herman Benjamin, DJ 27/08/2009). CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATRÍCULA DE CRIANÇA DE ZERO A CINCO ANOS DE IDADE EM CRECHE E PRÉ-ESCOLAS MUNICIPAIS. DIREITO ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 208, IV, DA CF). I - O Estado tem o dever constitucional de assegurar a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade (art. 208, IV, da CF). II - Agravo regimental improvido. (AgRg no AI 592.075 do STF, Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 19/05/2009). Desta inconstitucional e forma, ilegal paira sobre obstrução ao a Res. acesso 1099/2010 à educação, da SME pois uma afronta diretamente a literalidade da regra constitucional e das normas legais incidentes. Ademais, não serve de argumento para essa odiosa discriminação eventual 6 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente política de fomento à amamentação, já que esse legítimo interesse nunca poderia servir como instrumento opressor do direito à matrícula na creche desde o nascimento da criança. Cumpre ressaltar que o argumento esposado pela Municipalidade para a limitação etária mínima para ingresso em creches é de preservação do aleitamento materno a fim de garantir o estabelecimento de vínculo afetivo da criança com a genitora e a fim de garantir o desenvolvimento imunológico da mesma. Ocorre que a própria resolução menciona legislação federal de ampliação da licença maternidade (Lei 11.770/08) que não tem aplicação obrigatória, sendo opcional, pelo que nem todas as crianças poderão ser amamentadas com exclusividade até os seis meses de idade, tão somente porque suas genitoras têm que retornar às atividades laborativas antes de seus filhos completarem seis meses. A amamentação é direito da genitora e da criança e neste diapasão exsurge o direito insculpido no art. 9º da Lei 8069/90 in verbis: O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. A limitação etária imposta pela resolução municipal ao argumento de garantir o direito à amamentação não torna tal direito efetivo posto que as mães necessitam retornar ao mercado de trabalho antes de seus filhos completarem seis meses de idade e necessitam coloca-los em creches municipais para tanto, sendo, ainda, expressivo o número de mães que encontram-se no mercado informal de trabalho, não gozando licença maternidade. A medida que tornaria efetivo o direito à amamentação exclusiva encontra-se prevista no Art. 7 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente 9º, da Lei 8069/90 : fomentar os empregadores a garantirem condições propícias ( creche no local de trabalho, vg ) para o aleitamento materno. Neste sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 24, e: Assegurar que todos os grupos da população, nomeadamente os pais e as crianças, sejam informados, tenham acesso e sejam apoiados na utilização de conhecimentos básicos sobre a saúde e a nutrição da criança, as vantagens do aleitamento materno, a higiene e a salubridade do ambiente, bem como a prevenção de acidentes. O direito à amamentação é por um lado, o direito da mãe amamentar e por outro lado, o direito da criança ser amamentada e estreitar os vínculos com a genitora e o Estado não deve limitar um outro direito ( direito à creche de zero a seis anos de idade) ao argumento de garantir o direito ao aleitamento exclusivo até os seis meses de idade posto que inúmeras outras formas efetivas de garantir tal direito podem ser aventadas tais como: fomentar creches no local de trabalho; fomentar a coleta e armazenamento de leite materno para garantir o leite materno à criança mesmo quando distante de sua genitora, sendo ministrado pelos cuidadores da creche onde se encontre. Assim, a resolução afronta dispositivo legal federal infraconstitucional e afronta a Constituição da República que estabelece como direito fundamental o direito à vida e neste inclui-se o direito ao aleitamento materno, mas também estabelece o direito à assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e préescolas (art. 7º, XXV, CR). Ora, o direito ao aleitamento materno pode ser compatibilizado com a garantia constitucional do direito à creche sem limitação etária mínima com 8 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente adoção de incentivos e fomentos ao aleitamento materno no ambiente de trabalho e à amamentação com leite materno por cuidadores. Trata-se de função do Poder Judiciário, com absoluta prioridade, concretizar os direitos subjetivos de crianças e adolescentes contemplados em nossa Constituição e na legislação infraconstitucional, devendo para tanto julgar procedente o pedido ora formulado a fim de garantir o direito fundamental a atendimento em creche. III. C. PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE: FUNDAMENTO SUBSIDIÁRIO DE INAPLICABILIDADE DA RES. 1099/2010 AOS TRABALHADORES INFORMAIS E AOS QUE NÃO GOZAM DA LICENÇA ESTENDIDA DA LEI 11.770/2008 Ainda que não fosse evidente a ilegalidade da Res. 1099/2010, especialmente no que pertine à exigência de idade mínima de 6 (seis) meses de idade, pelo princípio da eventualidade, a presente demanda ainda assim mereceria acolhida, pois a referida norma regulamentar municipal não goza de juridicidade para servir de fundamento idôneo para a obstrução ao pleno acesso à creche. De início, é de suma importância mencionar as razões invocadas pelo réu para a criação da limitação dos 6 (seis) meses. Segundo o próprio considerando da norma municipal, o limite de idade buscaria fundamento na lei 11.770/2008, que trata da prorrogação facultativa da licença-maternidade para as empresas que aderirem ao Programa Empresa Cidadã. Art. 1º da lei 11.770/2008: É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal. § 1º: A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a 9 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licençamaternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal. Desta forma, de acordo com lei supracitada, as empresas que aderem ao Plano Empresa Cidadã passam a proporcionar às suas empregadas uma licença-maternidade não de 4 (quatro) meses3, mas sim de 6 (seis) meses. Logo, percebe-se que a gênese da referida norma é o fomento da própria amamentação como medida de incentivo à saúde da criança. Assim, a Resolução 1.099/2010 da Secretaria Municipal de Educação atrelou a concessão de matrícula às crianças nas creches ao atendimento do prazo mínimo de 6 (seis) meses de idade, tendo em vista o prazo de licença-maternidade estendida aos mesmos 6 (seis) meses da lei 11.770/2008. Contudo, é fundamental consignar que, de acordo com a lei 11.770/2008, a extensão da licença-maternidade é facultativa para empresa, ou seja, o empregador pode exercer a opção de receber incentivos fiscais, quais sejam, a possibilidade de compensar nas suas contribuições sociais o valor pago à trabalhadora a esse título, e com isso prolongar o gozo do referido direito social. Caso a empresa não adira ao Plano, a licença-maternidade será a ordinária, isto é, de 120 (cento e vinte) dias, conforme art. 7º, XVIII da Constituição. Ademais, a lei 11.770/2008 é precipuamente direcionada às trabalhadoras formais que têm filiação regular no Regime Geral de Previdência Social - RGPS (art. 202 da CR/88). Logo, as trabalhadoras 3 Art. 7º, XVIII da CR/88. 10 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente informais, que não são filiadas ao RGPS e os trabalhadores que perderam essa qualidade, não são contemplados pelo direito à licença nem pela sua respectiva extensão. À guisa de complementação, segundo dados do IBGE colhidos em 2009, os trabalhadores informais correspondem a mais de 28,2% do mercado de trabalho4 no Brasil. Como é intuitivo, grande parte destes cidadãos são assistidos da Defensoria Pública. Via de consequência, exsurge a seguinte ponderação: estariam as crianças filhas destas trabalhadoras alijadas do acesso à creche pelo fato dos seus responsáveis não possuírem trabalho formal? Logo, a vinculação da Resolução 1.099/2010 à lei 11.770/2008 revela uma grave ilegalidade pela quebra da isonomia e razoabilidade. A trabalhadora que não tem direito à licença-maternidade, ou que perdeu a qualidade de segurada do RGPS, é duplamente punida pelo ordenamento jurídico, pois, além de não perceber o benefício previdenciário pela falta de filiação no RGPS, ante a natureza contributiva da seguridade social, também não poderá matricular seu filho na rede pública de creches. III.D. OBSTRUÇÃO ILEGAL QUE IMPORTOU EM OFENSA À DIGNIDADE DO AUTOR: OBSTRUÇÃO AO ACESSO À EDUCAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO (ART. 37, § 6º DA CR/88) É cediço que a ato ilícito que dá ensejo à compensação por danos morais não é aquele ordinário, um mero aborrecimento ou dissabor. A gênese da idenizabilidade do dano moral, segundo a professora Maria Celina Bodin de 4 http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2010/09/08/trabalho-informal-no-brasil-cai-ao-menor-nivel-dahistoria.jhtm, acesso em 11 de abril de 2012. 11 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Moraes, está atrelada à ofensa direta a um direito da personalidade enquanto atributo da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88). Ademais, conforme estabelece o art. 37, § 6º da Constituição, o Estado responde de forma objetiva pelas suas condutas comissivas, ou seja, de acordo com a teoria do risco administrativo, que busca fundamento no princípio da solidariedade, o Estado tem o dever jurídico secundário (haftung) de compensar as vítimas de suas ações que causem dano, uma vez provado o nexo de causalidade. Neste sentido, na presente demanda, o réu, ao contrário do que impõe a literalidade do art. 208, III da CR/88, art. 54, IV da lei 8.069/90 e art. 4º, IV da lei 9394/96, veda o acesso à creche ao autor, sob o absurdo argumento de que ele não teria a idade mínima ilegalmente prevista no (ilegal) Decreto 1099/2010. Com isso, a genitora do autor passa por impensáveis dificuldades financeiras pelo fato de não poder retornar às suas atividades laborativas e, em consequência inexorável desta ilegal postura do réu, o autor é afetado visceralmente em seu desenvolvimento enquanto pessoa humana, o que denota uma grave subversão do papel do Estado delineado na Constituição em infância e juventude (art. 227 da CR/88). Com isso, provado o dano, a conduta e o nexo de causalidade, nasce para o Estado o dever jurídico de compensar o autor pelas ilegalidades a que foi submetido, tendo em vista que a negativa do réu ao acesso à creche não se insere dentre os atos ilícitos que apenas ocasionam um dissabor. O dilema a que se submete diariamente esta família não pode ser lida pelo operador do direito com um mero inadimplemento, sob pena de ser promovida uma séria leviandade e insensibilidade social e jurídica. 12 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Com isso, requer-se a compensação dos danos morais, vez que provados todos os pressupostos para a sua verificação, conforme art. 37, §6º da CR/88. III.E. ANTECIPAÇÃO TOTAL DOS EFEITOS DA TUTELA (ART. 273 DO CPC). JUÍZO DE PROBABILIDADE: VEROSSIMILHANÇA E URGÊNCIA Tendo em vista a impossibilidade fática da matrícula em creche, a representante do autor tem tido sérias dificuldades em prover o seu sustento com dignidade, pois, por não ter com quem deixar seu filho para o exercício de sua atividade laborativa, não consegue voltar às suas atividades normais. Além disso, o autor fica alijado de iniciar o seu processo de evolução educacional como elemento fundamental de seu desenvolvimento. Vale ressaltar que a urgência do pedido liminar se justifica pelo fato de que a premência da medida se renova a cada dia, já que todo dia a representante do autor se desdobra para prover seus cuidados e o seu sustento. A verossimilhança, para fins de consubstanciação do juízo de probabilidade, encontra-se suficientemente demonstrada pelas provas documentais pré-constituídas na presente demanda, em especial o conteúdo da Resolução 1099/2010 da SME, a qual expressamente veda o ingresso na creche das crianças menores de 6 (seis) meses de idade. Portanto, o pedido liminar é fundamental para a efetividade do acesso à justiça do autor, bem como o fomento à sua saúde e sua educação, gênese do atendimento do seu melhor interesse. 13 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente Como bem nos chamam atenção em Diálogos em torno da República o saudoso mestre Norberto Bobbio e o Professor da Universidade de Princeton, Maurízio Viroli: A república, mesmo que muitos não o saibam, não é uma sociedade anônima; mas um modo de viver em comunidade que tem por fim a dignidade dos cidadãos. Por este motivo a república tem o dever de garantir assistência não como um ato de compaixão, mas como reconhecimento de um direito que deriva do fato de sermos cidadãos. Deve, portanto, assumir para si o ônus de assistir seus cidadãos sem fazer pesar a ajuda que oferece e sem confiar a privados o ônus que é seu5. Desta feita, requer-se a antecipação total dos efeitos da tutela no sentido de que o réu seja compelido a matricular o autor na creche mais próxima de sua residência, conforme estabelece o art. 208, III da CR/88 e art. 54, IV da lei 8.069/90. IV. PEDIDOS De todo o exposto, requer a Vossa Excelência: 1. a antecipação total dos efeitos da tutela, sem ouvir a parte contrária, na forma do art. 273 do CPC, no sentido de compelir ao Município do Rio de Janeiro a proceder a imediata matrícula do autor nas creches públicas próprias ou conveniadas da rede de atendimento, com imediato acesso gratuito, sob pena de multa cominatória de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia; Diálogo em torno da República: os grandes temas da política e da cidadania. Bobbio, Norberto; Viroli, Maurizio. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani, Rio de Janeiro, Campus, 2002, pág. 71/72. 5 14 Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente 2. a citação do Réu, para responder a presente demanda; 3. a intimação do membro do Ministério Público, na condição de custos legis; 5. o julgamento com resolução de mérito pela procedência total dos pedidos (art. 269 do CPC), a fim de condenar definitivamente o réu, confirmando o pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela no sentido de assegurar a matrícula do autor nas creches da rede municipal (item 1), bem como condenar o réu no valor não inferior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) pelos danos morais verificados; 6. a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, em favor do Centro de estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro. Protesta pela produção de todos os tipos de prova, em especial documental suplementar, pericial e testemunhal. Dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Rio de Janeiro, 16 de abril de 2012 @ IIFP @ @ DEFENSORA PÚBLICA MAT. @ 15