1 A PERSONALIDADE Tolerante, impaciente, autoritário, omisso, obstinado, alegre, triste, extrovertido, introvertido, calado, falante, quais dessas características poderiam ser atribuídas a você? Todas revelam traços de personalidade que utilizamos para descrever a nós mesmos e a outras pessoas. Traços de personalidade também são utilizados por roteiristas na composição de personagens teatrais. Personalidade, aliás, deriva de persona - do latim – e quer dizer máscara. Persona se refere ao aspecto externo, comportamental, de um indivíduo e a maneira pela qual ele é percebido pelas pessoas e influenciado por elas. No antigo teatro grego, os artistas representavam usando máscaras para que ficasse bem evidente que a personalidade exibida não era a sua. Já na época de Shakespeare, as máscaras deixaram de ser, o que não causou menos admiração na atuação dos atores em cena. Existem várias teorias explicativas da personalidade, cada uma privilegiando um enfoque de pesquisa especifico do seu autor. Há os que privilegiam caracteres de ordem genética e os que privilegiam os de ordem social em seus estudos. Não se pode prever se será a herança de caracteres de nossos pais ou o tipo de meio em que vivemos o mais importante na formação de nossa personalidade, mas a influência de ambos é certa. Em todos os enfoques de pesquisa, a idéia de que o ser é único, se tratando de personalidade é consensual. Somos, portanto, diferentes de todas as outras pessoas. Possuímos características que se revelam estáveis, mas podemos apresentar inconsistências em nosso comportamento, conforme a fase de vida que estamos passando, o efeito do meio social, condições orgânicas etc. A seguir, examinaremos definições clássicas de personalidade e, depois, as contribuições de alguns autores. CONCEITOS Caráter ou qualidade do que é pessoal. O que determina a individualidade de uma pessoa, o elemento estável da conduta, sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra (Dicionário Aurélio). Características e tendências dinâmicas de uma pessoa que se formam ao longo do desenvolvimento infantil. (CabraI). Analisados os conceitos acima, passaremos à análise da produção de alguns autores que contribuíram para o entendimento da noção de personalidade. A PERSPECTIVA PSICANALíTICA DA PERSONALIDADE CONTRIBUiÇÃO DE FREUD Freud (1895) escreveu um texto bastante controverso para a época - Projeto para a construção de uma psicologia científica -, que apresenta uma dinâmica para o funcionamento do psiquismo humano. Assim, apresentou conceitos inéditos na comunidade científica. Conforme a teoria freudiana, o psiquismo humano é constituído por três componentes: O id (representado pelo inconsciente, onde se concentram o núcleo primitivo da personalidade e os impulsos básicos do ser humano). O ego (corresponde à consciência e vai se formando a partir do contato com o mundo social, representa o "eu"). O superego (se forma a partir da internalização das restrições e leis sociais. Este componente da personalidade recompensa o ego por sucessos e o pune pelos fracassos, gerando culpas). De acordo com a teoria psicanalítica, essas estruturas se inter-relacionam, justificando a dinâmica do comportamento. O inconsciente representado pelo id, se manifesta nos sonhos e, algumas vezes, no discurso do falante, que os analistas chamam de "atos falhos". O ego, que 1 Livro Psicologia nas organizações – Vilma Cardoso Regato – Editora Estácio de Sá – Disciplina Comportamento Organizacional – Professor Luiz Alberto Asato se faz representar pela consciência, estabelece o nosso elo com o mundo e o superego atua como censura nas situações que demandam limites. Vejamos a intermediação dessas estruturas no exemplo a seguir: Pelo id um funcionário deixaria de comparecer ao trabalho, num momento em que desejasse, por exemplo, algum tipo de lazer (trocaria uma atividade em nome de outra que lhe gerasse maior prazer). O ego aconselharia prudência (mostraria a possibilidade de procurar outra data mais apropriada para isso). Já o superego diria ser inaceitável faltar ao trabalho em função de ser um compromisso previamente assumido Freud acreditava que a vida psíquica é regulada pelos princípios do prazer e da realidade e que o id está para o prazer assim como o superego para a realidade que nos é imposta pela cultura. O ego seria uma instância mediadora entre os impulsos (representados pelo id) e as leis (representadas pelo superego), cabendo ao mesmo a função do bem-estar para o homem. Nos distúrbios psíquicos, verifica-se uma falha da estrutura egóica em administrar os "apelos" das outras instâncias, podendo o ser humano sucumbir à loucura. A psicanálise propõe a chamada "associação livre" que consiste no discurso livre dos pacientes assistidos. Acredita-se que materiais inconscientes manifestem-se nesse tipo de discurso, o que pode ser captado pelo psicanalista e trazido para a consciência do analisando, que se encarregará de elaborar conteúdos exibidos no setting analítico. Freud construiu a teoria psicanalítica a partir de observações de pacientes que iam ao seu consultório, queixando-se de sintomas clínicos (paralisias, afonias etc.), mas sem uma causa patológica que os justificasse. A esses quadros, Freud chamou histeria de conversão, que significa a conversão de traumas psíquicos em sintomas físicos, ou seja: questões afetivas não resolvidas podem resultar no surgimento de sintomas não justificados organicamente. A descoberta da histeria fez com que entidades médicas deixassem de ver a doença acometendo somente o corpo físico. Mente e corpo são instâncias indissociáveis. O surgimento de Freud e de sua construção teórica provocou um grande incremento nos tratamentos das desordens neuróticas, a partir da aceitação da existência do inconsciente e do quanto o mesmo podia influenciar no comportamento humano. A TEORIA DO Eu DE CARL ROGERS OU PERSPECTIVA HUMANISTA Rogers (1978) define o eu, ou auto conceito, como um padrão organizado resultante de características percebidas pelo próprio sujeito, em relação a si e aos modelos externos. As relações com outras pessoas definem a nossa condição humana, o que é enfatizado por Rogers na formação da personalidade. O período da infância é especialmente situado nesta teoria como marca na formação de traços que podem ser modificados na vida adulta, dependendo do tipo de interação que se estabeleça entre crianças e adultos. Com o intento da aprovação social, as crianças negam, muitas vezes, o que sentem e o que querem, atuando de maneira a agradar os outros. Nessa ocasião, estariam mais propensas à formação de um falso self. Mais tarde, dependendo do quão anuladas se sentem por isso, deixam esta estratégia a favor de atuarem conforme seus sentimentos e desejos - o que Rogers definiu como o processo de "tornar-se pessoa" ou "estruturação do verdadeiro self”. O enfoque da perspectiva humanista está mais voltado, portanto, para o produto das interações sociais: podemos atuar de modo a satisfazer a demandas externas ou de entes queridos sem nos darmos conta de que, sem aquela demanda específica, poderíamos agir de um modo totalmente adverso. O medo da inadequação e até da rejeição nos motiva, inconscientemente, a isso. Rogers apostava que o verdadeiro self só poderia ser realmente conhecido, na maioria das vezes, na vida adulta, quando o sujeito já fortalecido e libertado dos temores de rejeição poderia assumir desejos e posturas, de fato, genuínas. A educação é muito discutida por Rogers como um elemento formador de opiniões e posturas "encomendadas", uma vez que tem a função de adestramento social. A teoria rogeriana defende que uma personalidade saudável aceita o próprio selj, que consiste na confiança do homem em suas experiências próprias e na aceitação do fato de que as pessoas são diferentes. "Sempre achei que deveria agir de determinada forma porque isso era o que as pessoas esperavam de mim ou, o que era mais importante fazer para ganhar aprovação e, assim, viver a idéia de ser amada. O fato é que muitas vezes isso me anulava. Agora acho que vou ser eu mesmo" (Relato de cliente). Rogers apontou como focos de sua teoria, o crescimento, o controle interior e a pessoa em experimentação. Para ele, o ser humano tende a se desenvolver, a menos que seja impedido. Essa idéia origina-se a partir do estudo de Rousseau que afirmava que a escola deveria encorajar a auto-expressão, em vez de disciplinar "comportamentos impróprios" (não espontâneos). Rogers considera que o surgimento do controle interno resulta dessa auto-expressão e das interações realizadas no meio social. Já o que chamou de experimentação contempla a idéia de que somos resultado do que vivemos. Somos verdadeiros quando capazes de deixar "a máscara cair", o que nos toma mais desprotegidos, porém mais auto-confiantes. A PERSPECTIVA DOS TRAÇOS DE PERSONALIDADE A idéia de uso de traços para descrição e entendimento da personalidade data de milhares de anos. Figuras bíblicas são descritas desse modo, e Teofrasto (inventor do teatro, na Grécia antiga) criou personagens, donos de traços específicos de personalidade até hoje conhecidos como, por exemplo, O Avarento, que atuava o tempo todo de modo a não gastar mais do que desejava, incluindo ser mesquinho e deselegante com os amigos. Assim como nos esquetes teatrais, que precisavam ter em seus personagens características marcantes que pudessem identifica-los com o passar dos tempos, a descrição da personalidade por traços propõe uma leitura do ser humano a partir de seus comportamentos mais freqüentemente observados, o que lhe identifica como ser único. O uso de traços, representados na linguagem por adjetivos, não só atribui uma identidade às pessoas, como torna mais previsível o seu comportamento. Jung propõe a introversão e a extroversão em sua teoria da personalidade. O conceito de extroversão foi defendido como uma inclinação do indivíduo para coisas externas a ele enquanto a introversão diria respeito à "inclinação do indivíduo de voltar-se para o interior e explorar sentimentos e experiência" (Friedman a Schustack, 2004, p. 204). Jung acreditava que uma pessoa podia tender tanto para um aspecto como para outro, embora um fosse dominante. A alternância entre e sses dois aspectos dependeria do estado emocional e do meio ao qual a pessoa estivesse inserida. Raymond Cattell (1930, apud Davidoff, 2001) é considerado um estudioso de traços de personalidade, preocupado com a categorização de ter mos que pudessem medi-Ia. Ele e seus assistentes coletaram 18 mil palavras, da língua inglesa, usadas para descrever as pessoas. Agruparam-nas, por similaridade de conteúdo, reduzindo o número inicial para 200. Depois, empregaram a técnica de análise fatorial (técnica de associação matemática), agrupando-as, o que resultou na apresentação de 16 grupamentos de palavras empregadas na definição da personalidade humana, observadas no Quadro 2. Quadro 2 Traços de Personalidade Propostos por Cattell Reservado x Expansivo Menos Inteligente x Mais Inteligente Afetado por Sentimentos x Emocionalmente Estável Submisso x Dominante Sério x Descontraído Oportunista x Consciencioso Tímido x Aventureiro Insensível x Sensível Crédulo x Desconfiado Prático x Imaginativo Franco x Falso Seguro x Apreensivo Conservador x Experimentador Dependente do Grupo x Auto-suficiente Incontrolado x Controlado Relaxado x Tenso Cattell apresentou os traços levantados como dimensões básicas da personalidade. O estudo de traços de personalidade ou traços-fonte nos leva a uma diferenciação entre traços originais (caracterizados pela estabilidade em que aparecem como, por exemplo: introversão ou extroversão) e traços superficiais (variáveis conforme o ambiente e a situação a que somos expostos). Os traços originais parecem ser influenciados por questões genéticas, ao passo que os traços de superfície por questões ambientais. Os traços de uma pessoa, segundo Cattell, são ponderados de acordo com sua importância para a situação de interesse. Os traços relevantes recebem muito peso ao passo que os menos relevantes, menor peso. Isto cria a equação de especificação que permite, por exemplo, combinar a capacidade de um indivíduo com requisitos exigidos para um cargo profissional. Há profissões, por exemplo, que um indivíduo introvertido pode exercer com sucesso, o que certamente não aconteceria no caso desse mesmo indivíduo ser convidado para o cargo de relações públicas de uma empresa ou para a instalação de liderança. Os líderes necessitam da presença de alguns traços como marca de sucesso (estes serão mais detalhadamente discutidos em "motivação para a liderança"). Allport, que também contribuiu para a compreensão da personalidade pelo uso de traços, definiu-a como "a organização dinâmica dos sistemas psicofísicos do indivíduo, que det erminam seu comportamento e o modo de pensar caracteristicos" (Friedman 8: Schustack, 2004, p. 270). Ele, ao contrário de Freud que se preocupava mais com as pulsões, influenciando na formação da pessoa, preocupava-se mais com o superficial, com o aparente. Para Allport, a cultura influencia o modo de ser de cada um. Rogers critica a descrição da personalidade por traços, baseando-se no fato de estarmos sempre descrevendo as outras pessoas por suas características estáveis. Vale repetir a idéia já descrita de que a "pessoa rogeriana" é sempre um resultado recente, ou seja, revela-se a cada momento como fruto de sua própria experimentação. Essa consideração cria impedimentos para imaginarmos uma pessoa pronta. Rogers aposta no ser humano como uma obra inacabada. PERSPECTIVA BEHAVIORISTA E DA APRENDIZAGEM Os behavioristas rejeitam a idéia de traços, inconsciente e demanda social como influentes ou mesmo determinantes da personalidade. Para eles, as pessoas são somente controladas pelos estímulos ambientais. O poeta W.H. Auden (1970, apud Friedman 8: Schustack, 2004, 196) escreveu: "Não há dúvida de que o behaviorismo funciona. A tortura também. Coloque-me nas mãos um behaviorista firme, eficiente e realista, algumas drogas e aparelhos elétricos simples, que em seis meses farei com que ele recite em público um credo." A teoria behaviorista, ou comportamental da personalidade, baseia-se no condicionamento (repetição de comportamento mediante a apresentação de estímulos específicos) para explicar a atuação humana. Defende-se a formação de um padrão de comportamento resultante da interação entre homem e estímulos ambientais já conhecidos . A chamada para o jantar com um toque de sino pode nos fazer salivar; o bebê pára de chorar ao som da confecção de sua mamadeira (ruído do liquidificador) e até mesmo comportamentos depressivos podem ser aprendidos por nós quando as pessoas que nos eram mais próximas na infância apresentavam comportamentos similares. O modo de reagir a uma boa ou má notícia também depende de nossos modelos paternos e da recompensa ou não adquiridas por tais reações no meio social. Um grande estudioso, que também defendia que o comportamento era resultante único de nossas interações com o ambiente, foi Skinner (apud Davidoff, 2001): "Skinner acreditava que os teóricos da personalidade deveriam enfatizar o que as pessoas fazem sob condições específicas e não estados internos, sentimentos que ele considerava como meros subprodutos do comportamento" (p. 541). Skinner também considerava o comportamento humano como fruto da interação com outras pessoas e de pressões ambientais e entendia que a proposição de um conceito para personalidade seria uma ficção. Disposições interiores não geram comportamentos, mas os apelos externos sim. A força genética é vista pelo behaviorismo como um dado influente em nossas atuações, mas o ambiente é priorizado como o gerador de comportamentos. Voltando ao conceito de condicionamento, temos: Condicionamento operante Consiste na promoção de comportamentos específicos conforme os estímulos propositalmente apresentados ambientalmente. Requer punição, quando a atuação manifesta não é a desejada e reforço (premiaçâo), quando esperado toma-se evidente. É trabalhado .na nossa·educação e no adestramento de animais inferiores. Condicionamento respondente Envolve hábitos que praticamos rotineiramente, sem uma autocrítica como códigos que nos são passados para uma boa educação. Exemplos: cumprimentar com aperto de mão, não falar durante as refeições, usar talheres de modo adequado ete:. Os behavioristas reduzem o comportamento a um produto formado em resposta aos estímulos ambientais, não considerando fatores valorizados nas outras perspectivas explicativas da personalidade (como inconsciente, genética etc.). Os behavioristas ou comportamentalistas aceitam a seguinte fórmula para explicação do comportamento: E → R (em que E corresponde ao estímulo percebido e R, à resposta manifesta) Para os behavioristas, os comportamentos são muito mais padrões repetidos do que espontâneo o que pode explicar, inclusive, a dificuldade do homem em lidar com situações novas, cujas respostas desconhecem.