A Construção Gramatical de Hiperbolização

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
LUCILENE HOTZ BRONZATO
A CONSTRUÇÃO GRAMATICAL DE HIPERBOLIZAÇÃO: UM CASO DE
COERÊNCIA METAFÓRICA DA GRAMÁTICA
NITERÓI
2010
UNIVERS IDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
Lucilene Hotz Bronzato
A Construção Gramatical de Hiperbolização: um
caso de coerência metafórica da gramática
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do
Grau de Doutor. Área de Concentração:
Estudos da Linguagem.
Orientadora: Prof. a Dr.a SOLANGE COELHO VEREZA
Coorientadora: Prof.a Dr.a NEUSA SALIM MIRANDA
Niterói
31 de março de 2010
Ao Max e às minhas boas crianças:
Luigi, Pedro e Bernardo
AGRADECIMENTOS
Agradeço muito à Profa. Dra. Solange Coelho Vereza que, sem perder jamais a
amabilidade, compreendeu todas as minhas fraquezas e todos os meus defeitos.
Agradeço à vida a oportunidade de ter conhecido um ser humano de tamanha grandeza e
de tamanha competência.
Agradeço à Profa. Neusa Salim Miranda pela orientação competente e solidária.
Agradeço à Universidade Federal de Juiz de Fora e à Capes pela bolsa PICDT.
Agradeço à Carmen Rita pelo companheirismo ao longo da jornada.
Agradeço o apoio da Direção do Colégio de Aplicação João XXIII, aos
professores do Departamento de Letras e Artes pela vo ntade em me ajudar e por
possibilitar meu afastamento para capacitação.
Agradeço à Profa. Mariângela Rios pelas contribuições no exame de
qualificação.
Agradeço à Thaís pela ajuda com o Corpus e pela força amiga de sempre.
Agradeço à Profa. Margarida Salomão, por ter aberto a primeira porta desse
longo caminho.
Agradeço aos meus amigos Sérgio, Solange Faraco, Mônica, Luiz e Ricardo que
acompanharam com entusiasmo todo o desenvolvimento do trabalho.
Não poderia deixar de agradecer a boa vontade da Nelma e da Tânia, da
secretaria da pós que, sempre que puderam, facilitaram a minha vida.
Agradeço ao meu marido, Max, pela compreensão e ajuda em momentos
cruciais. Agradeço aos meus filhos por respeitarem meu momento de estudo e muitas
vezes, minha ausência.
Agradeço a meu pai, que sempre achou “que estudo é a coisa mais fina do
mundo” e à minha mãe, por estar disponível.
Aos meus irmãos e sobrinhos. Aos meus cunhados.
Agradeço a todos que valorizam a minha luta e dignificam a minha pessoa:
Rachel, Vicente, Paulo, Sylvia, Maristela, Begma, Cristina Weitzel, Marilda, Rossana,
Venise e outros, muitos outros. É a todas essas pessoas que dedico este poema de
Cecília Meireles:
Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.
E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.
De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro, minha verdade, sem troca,
sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................p.11
2 A METÁFORA NO ESCOPO DA LINGUÍSTICA COGNITIVA................ p.17
2.1 A LINGUÍSTICA COGNITIVA.......................................................................p.17
2.1.1 A linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma ...........................p.19
2.1.2 Gramática: conceptualização de uma rede de construções.......................p.20
2.1.3 O conhecimento linguístico emerge do uso da língua............................... p.21
2.1.4 Todo processo de significação procede pela projeção entre domínios ....p.23
2.2 COMO OS ESTUDOS DA METÁFORA ENTRAM NESSA HISTÓRIA? ...p.24
2.2.1 A metáfora como comparação implícita ...................................................p.30
2.2.2 A metáfora como transferência de significados .......................................p.31
2.2.3 Mas, então, como de finir a metáfora? ........................................................p.34
2.2.3.1 A metáfora na Teoria da Metáfora Conceptual..........................................p.35
2.2.3.2 A metáfora na Teoria da Integração Conceptual.......................................p.38
2.3 A INSERÇÃO DO CORPO NA MENTE ........................................................p.40
2.3.1 As metáforas primárias ..............................................................................p.44
2.3.1.1 A metáfora primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS..............................p.45
2.4 PROBLEMATIZANDO O ESTUDO DA METÁFORA .................................p.49
2.4.1 O sentido literal e o sentido metafórico ......................................................p.49
2.5 METÁFORA E HIPÉRBOLE ..........................................................................p.55
2.6 COMO A METÁFORA PODE DAR SENTIDO À FORMA .........................p.61
3 GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES E TEORIA COGNITIVA DA
METÁFORA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL .......................................................p.65
3.1 A GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES: PANORÂMICA GERAL ............p.66
3.2 O MODELO CONSTRUCIONAL RADIAL: DE LAKOFF A GOLDBERG.p.73
3.2.1 A metáfora na versão de Lakoff e Goldberg ............................................p.79
3.3 O DIÁLOGO ENTRE A ABORDAGEM CONSTRUCIONAL E A
SEMÂNTICA DOS FRAMES ................................................................................p.84
3.4 A GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES: CONFIRMAÇÃO NA ONTOGÊNE..p.89
3.4.1 A metáfora na perspectiva de Tomasello....................................................p.93
4 METODOLOGIA................................................................................................p.96
4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................p.96
4.2 A LINGUÍSTICA DE CORPUS ......................................................................p.97
4.3 SOBRE A NECESSIDADE DE UM CORPUS ESPECÍFICO ......................p.100
4.3.1 A escolha da ferramenta ............................................................................p.102
4.3.2 O corpus organizado ..................................................................................p.107
4.3.3 Procedimentos de pesquisa no corpus Blogs UOL ..................................p.112
4.3.4 Sobre a representatividade do Corpus Blogs UOL ................................p.119
5 ANÁLISE ...........................................................................................................p.121
5.1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................p.121
5.2 A CONSTRUÇÃO GRAMATICAL DE HIPERBOLIZAÇÃO .....................p.124
5.2.1 O fenômeno originário ...............................................................................p.124
5.2.2 a CGH e suas condições de validação .......................................................p.131
5.2.2.1 A validação dos tipos verbais ...................................................................p.133
5.2.2.2 A CGH e a frequência no corpus dos tipos verbais ...................................p145
5.2.2.3 Os tipos verbais e sua (in)dependência de molduras comunicativas
específicas...............................................................................................................p.150
5.2.2.4 A validação do SN-sujeito.........................................................................p.151
5.2.2.5 Sobre a agentividade ................................................................................p.157
5.2.2.6 a validação do sintagma preposicional ....................................................p.163
5.2.3 A CGH e suas molduras comunicativas preferenciais ..........................p. 165
5.2.3.1 O blog como moldura comunicativa otimizada da CGH...........................p.166
5.2.3.2 A moldura dos fóruns opinativos...............................................................p.172
5.2.4 Retomando: as condições de validação da CGH..................... ................p.174
5.2.5 A inversão construcional do julgamento de valor: avaliação negativa vs
avaliação positiva .......................................................................................p.176
5.3 A METÁFORA................................................................................................p.180
5.3.1 A metáfora como processo figurativo fundador da CGH.......................p.180
5.3.1.1 A metáfora como filtro de seleção lexical da CGH...................................p.190
5.3.1.2 A conceptualização dos eventos sociais como arenas de guerra..............p.192
5.3.2 Destruição e sucesso como construals alternativos .................................p.201
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................p.212
REFERÊNCIAS ..................................................................................................p.218
LISTAS DE TABELAS, FIGURAS, QUADROS E ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1- quadro comparativo das diferentes versões da Gramática das
Construções ...................................................................................p.69
FIGURA 2- rede de herança das Construções oracionais do PB.......................p.81
FIGURA 3- exemplo de uma rede de frames a partir de uma sentença..............p.87
FIGURA 4- quadro comparativo entre a análise goldberguiana e o projeto
FrameNet........................................................................................p.88
FIGURA 5- áreas de trabalho do Corpógrafo................................................. p.102
FIGURA 6- área de pesquisa do Corpógrafo................................................... p.103
FIGURA 7- exemplo ilustrativo de pesquisa por concordância frase.............. p.104
FIGURA 8- exemplo ilustrativo de pesquisa por concordância janela............ p.106
FIGURA 9- exemplo ilustrativo de pesquisa por concordância KWIC............p.106
FIGURA 10- exemplo ilustrativo de pesquisa Estudo N-gramas ....................p.106
FIGURA 11- ilustração da janela de busca por URL do Corpógrafo..............p.109
FIGURA 12- lista de ficheiros..........................................................................p.109
FIGURA 13- exemplo ilustrativo de lista de arquivos em ficheiro..................p.112
FIGURA 14- amostra da planilha de análise....................................................p.115
FIGURA 15- amostra da tabela simples...........................................................p.115
FIGURA 16- planilha completa dos sintagmas preposicionais....................... p.116
FIGURA 17- lista dos tipos verbais e algumas instanciações na CGH............p.135
FIGURA 18- frame de destruição (destroying)................................................p.140
FIGURA 19- estrutura radial dos verbos causativos de destruição................. p.142
FIGURA 20- tabela de ocorrências dos tipos verbais ......................................p.148
FIGURA 21- charge do jogador de futebol Ronaldo .......................................p.160
FIGURA 22- quadro das propriedades da CGH: polo da forma e do sentido..p.176
FIGURA 23- representação do nexo causal do evento de destruição.............. p.181
FIGURA 24- representação do nexo causal metaforizado ...............................p.181
FIGURA 25- representação do mapeamento metafórico- metonímico
SUCESSO É GUERRA ............................................................p.197
FIGURA 26- imagem do jogador de futebol Diego Tardelli.......................... p.209
RESUMO
O presente trabalho pretende investigar o papel fundador que a metáfora exerce
na produção/interpretação da Construção Gramatical de Hiperbolização (CGH). Tal
Construção se caracteriza, no eixo da forma, por ser nucleada por um verbo causativo de
destruição, como arrasar, detonar, destruir, arrebentar, dentre outros, destituído de seu
complemento verbal. No eixo do sentido, por sua vez, a inferência semânticopragmática agregada à CGH é a hiperbolização e a hipervalorização da força de ação da
entidade-sujeito, o que a situa no topo de uma escala avaliativa de sucesso. Instanciada
frequentemente em enunciados como A nova musa do carnaval arrasou na avenida, a
Construção de Hiperbolização reflete o mapeamento metafórico do domínio- fonte
GUERRA no domínio-alvo SUCESSO, pervasivo em nossa cultura e em nossa
linguagem cotidiana, como evidenciou nossa análise do corpus. A função semânticopragmática da Construção de Hiperbolização é, portanto, reenquadrar o frame de
destruição, evocado pelo verbo, no frame de sucesso, evocado pela Construção de
Hiperbolização por meio de um sistema de implicações metafóricas e metonímicas
muito coerentes.
Palavras-chave: Construção Gramatical, metáfora, sucesso, hipérbole.
ABSTRACT
The present study aims at investigating the founding role that metaphor plays in the
production and interpretation of what is referred to in this thesis as the Grammatical
Construction of Hyperbolization (GCH). This construction is characterized, in the axis
of form, by its being structured, in Portuguese, by a causative verb of destruction, such
as arrasar (to wipe out) detonar (to detonate), destruir (to destruct) and arrebentar (to
burst), among others, without its complement. In the axis of meaning, on the other hand,
the pragmatic-semantic inference, together with the grammatical construction under
study, is the hyperbolization and the hypervalorization of the force of action of the
subject-entity, which places it at the top of an evaluative scale. Instantiated in utterances
such as “A nova musa do carnaval arrasou na avenida”, the Construction of
Hyperbolization reflects the metaphorical mapping of the source domain of WAR onto
the target domain of SUCCESS, pervasive in our culture and in our everyday language,
as our corpus analysis has evidenced. The semantic-pragmatic function of the
construction is, therefore, to reframe the domain of destruction, evoked by the verb, into
the domain of success, evoked by the GCH through a highly coherent system of
metaphoric and metonymic implications.
E os homens combatem pelo que julgam saber.
E eu, que estudo tanto,
Inclino a cabeça sem ilusões,
E a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos.
(Cecília Meireles)
À medida que a ideia foi se tornando familiar para mim, gradualmente foi
assumindo, por si própria, a presente configuração. Durante sua execução,
ela exerceu completo domínio sobre mim; e agora constato que tudo o que
foi realizado e sofrido nestas páginas, estou seguro de ter feito e sofrido eu
mesmo.
(Charles Dickens)
Quem entender a linguagem entende Deus cujo filho é verbo.
Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada
para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la. Um peixe vivo com as mãos.
Puro susto e terror . (Adélia Prado )
1
INTRODUÇÃO
“No domingo, a matinê estava desfalcada do residente
Robson Mouse, que mais uma vez está na Alemanha.
Quem ficou em seu lugar foi o DJ Pacheco, residente da
Babylon (The Week), e ele detonou, arrebentou,
destruiu, bombou, arrasou...Tudo isso e mais um pouco!
Tocou até bootleg de Offer com vocal do hino de muito
tempo Cha Cha Heels (...)”
www.arrasa.com.br
Não é necessário ser linguista para perceber que o enunciado acima ilustrado se
constrói de uma forma muito peculiar. Tal peculiaridade advé m do fato de que,
aparentemente, o DJ Pacheco não destruiu, não arrebentou, nem arrasou nada. O que o
autor desse enunciado quer realçar, de modo enfático e hiperbólico, é o SUCESSO que
o DJ Pacheco fez ao substituir outro DJ, Robson Mouse, e isso é mais peculiar ainda. O
que um olhar um pouco mais atento pode observar é que o elogio ao DJ Pacheco,
claramente a intenção comunicativa do falante, é emoldurado, linguisticamente, por
verbos causativos de destruição (detonou, arrebentou, destruiu, bombo u, arrasou)
sem seus complementos verbais, o que a mim causa muito estranhamento. Foi
exatamente esse estranhamento e a procura por respostas a esse fenômeno que me levou
ao doutorado e, mais especificamente, ao curso Indeterminação e Metáfora, oferecido
no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense. Tomei
essa iniciativa, porque, intuitivamente, eu achava que a insólita relação entre
DESTRUIÇÃO e SUCESSO só podia ser válida no escopo da projeção metafórica.
A investigação emp reendida e as considerações dela resultantes são, acredito,
de causar deslumbramento a todos que se debruçam sobre a linguagem, na tentativa de
descobrir seus meandros misteriosos. Durante quatro anos, identifiquei, colecionei e
pesquisei enunciados como o citado, procurando explorar as seguintes questões: 1) será
que esses verbos causativos de destruição, destransitivizados, instanciam um par forma/
sentido, ou seja, aquilo que se entende por uma Construção Gramatical?; 2) que tipo de
relação pode existir entre um evento de destruição e um evento de sucesso, de modo a
11
permitir homologias entre eles ?; 3) em que tipo de base conceptual se ancoram os
mapeamentos metafóricos que licenciam tais homologias?
Partindo
de
uma
agenda
teórica
diversificada, que
acredito
serem
complementares, porém não inconsistentes entre si, tentei, primeiramente, mapear a
Construção Gramatical e estabelecer, com a maior adequação descritiva possível, suas
condições de validação. Para tanto, alicercei minhas considerações na versão
construcionista de Lakoff e Goldberg (1995; 2006) e de suas várias interpretações e
contribuições por Salomão (1999; 2009a ; 2009b). O arcabouço teórico sobre a metáfora
veio predominantemente dos trabalhos de Lakoff e Johnson (1980; 1999) e suas leituras
por Kövecses (2000; 2002; 2006).
Uma pesquisa de doutorado que tem como proposta não só mapear uma
Construção Gramatical do Português do Brasil, como também mostrar que as
Construções Gramaticais são evidências do importante papel que a operação cognitiva
da metáfora exerce na gramática da língua teria, penso, a qualidade de ser ao mesmo
tempo inovadora e relevante, considerando a agenda atual dos estudos da linguagem.
A princípio, meu trabalho contribuirá como argumento favorável à tese de que
é necessário abordar as Construções Gramaticais como unidades básicas da
descrição linguística. Além disso, o mapeamento e a descrição de mais uma
Construção Gramatical do Português farão avançar o esforço em se descrever o
repertório de Construções Gramaticais da Língua Portuguesa do Brasil, conforme
se compromete a fazer a maioria das pesquisas sob a égide da Gramática das
Construções.
Estudar de modo mais sistemático o inter-relacionamento entre a operação
cognitiva da metáfora e a produção/interpretação de Construções Gramaticais nãotípicas
ratificaria,
uma
vez
mais,
as
abordagens
do
Cognitivismo
e
do
Sociocognitivismo como ferramentas teóricas relevantes para o tratamento desses dois
fenômenos da linguagem que há muito vêm instigando os linguistas.
12
Derivaria desse estudo, ainda, um forte argumento em favor de se garantir à
metáfora um lugar de fundamental importância na gramática das línguas, ratificando e
validando os conhecimentos que já se construíram sobre tal importância e procurandose ampliar as pesquisas empreendidas na tentativa de se construir uma Teoria da
Metáfora de inegável adequação descritiva. Nesse aspecto, minha pesquisa contribuiria
para evidenciar a motivação metafórica das Construções Gramaticais, comprova ndo,
assim, a sensibilidade da gramática do Português do Brasil (PB) a fatores que são
construídos cognitivamente e que, ao mesmo tempo, mantêm-se funcionando de
maneira ativa no sistema da língua por meio das práticas socioculturais. Portanto, meu
trabalho seria uma forte evidência daquilo que Lakoff e Johnson (1980) identificaram
como sendo reflexos da coerência metafórica da gramática.
Tendo em vista as justificativas por mim arroladas para validar a minha
pesquisa, poderia elencar os seguintes objetivos gerais almejados: (i) contribuir com a
descrição da Língua Portuguesa do Brasil, mapeando e formalizando mais uma
Construção Gramatical, formada a partir do processo de destransitivização verbal,
trazendo, com isso, novos argumentos à necessidade de se tratar as Construções
Gramaticais como constructos teóricos essenciais à descrição da língua; (ii) descrever,
de forma mais fundamentada e detalhada, o papel que a metáfora desempenha na
gramática; não só identificando, a partir do estudo das Construções dessa gramática,
casos exemplares de coerência metafórica, como também estabelecendo, como um dos
recursos de validação de uma Construção Gramatical, a metáfora.
Como objetivos mais específicos, pretendo tentar responder às perguntas de
pesquisa, confirmando ou refutando as hipóteses fundadoras e norteadoras da
exploração linguística a ser empreendida, que são:
i) há, no Português do Brasil contemporâneo, uma Construção Gramatical,
significativamente produtiva, nucleada por verbos causativos de destruição sem seus
complementos verbais (objetos diretos) e cuja função semântico-pragmática é localizar
a entidade-sujeito no topo de uma escala avaliativa de SUCESSO, ao hiperbolizar e
13
hipervalorizar a força de ação desta entidade. No escopo desse trabalho, essa
Construção será cha mada CONSTRUÇÃO GRAMATICAL DE HIPERBOLIZAÇÃO.
ii) A causalidade dos predicadores verbais, habilitados a participarem da Construção de
Hiperbolização, arrasta consigo o Esquema Imagético da Força e, por conseguinte,
estabelece como estrutura conceptual a metáfora primária 1 CAUSAS SÃO FORÇAS
FÍSICAS. A partir de um sistema de implicações metafóricas e metonímicas muito
coerente, nosso modelo cultural licencia a metáfora estrutural SUCESSO É GUERRA,
que se mantém ativa na Construção de Hiperbolização.
iii) Os cenários de guerra onde as ações engendradas pela entidade sujeito se
desenrolam e podem vir a resultar no SUCESSO da mesma são, na verdade, qualquer
evento social. Portanto, devido à metáfora SUCESSO É GUERRA, todos os eventos
sociais são metaforizados como ARENAS DE GUERRA.
O esforço analítico a que tal estudo se propõe é, a partir de evidências no uso,
confirmar ou refutar as hipóteses acima delineadas, mantendo, ainda, um espaço aberto
às intervenções suscitadas pelo próprio corpus. Para tanto, a partir dessa introdução, a
tese estruturar-se-á em cinco capítulos nucleares. No capítulo 2, A metáfora no escopo
da Linguística Cognitiva, tanto a Gramática das Construções quanto a metáfora serão
discutidas sob a luz dos arcabouços cognitivistas e sociocognitivistas. De início, traço
um panorama bem geral da Linguística Cognitiva, enfatizando três de seus pressupostos
fundamentais: i) a linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma; ii) o
conhecimento linguístico emerge do uso da língua; iii) todo processo de significação
procede pela projeção entre domínios cognitivos. A seguir, tento localizar a metáfora na
agenda teórica cognitivista, colocando em foco duas teorias principais: a Teoria da
Metáfora Conceptual e a Teoria da Integração Conceptual. Descrevo, ainda, o caminho
percorrido por Johnson (1987) que deriva na concepção do significado corporificado
por meio das experiências corpóreas. O aspecto da teoria da mente corporificada mais
1
A hipótese da Metáfora Primária foi formulada primeiramente por Grady (1997) e posteriormente
ampliada por Lakoff e Johnson (1999). As metáforas primárias seriam aqueles padrões metafóricos
originados diretamente da experiência e que, por sua vez, daria m origem às metáforas conceptuais.
Segundo Grady (1997), elas resultariam de interações entre particularidades dos aparatos físico e
cognitivo humanos, com suas experiências subjetivas no mundo, independentemente de língua e cultura.
14
ressaltado são, exatamente, os Esquemas Imagéticos, em especial o Esquema Imagético
da Força e sua consequência pressuposta, ou seja, a causalidade. Considerando, pois,
que à Construção de Hiperbolização subjaz a metáfora primária CAUSAS SÃO
FORÇAS FÍSICAS, esta será tratada em detalhes. A seguir, um ponto polêmico da
teoria da metáfora é apontado: a dicotomia sentido literal/ sentido metafórico. Discuto,
ainda, a relação que existe entre “metáfora e hipérbole ” e “metáfora e gramática”,
desenvolvendo a noção de Lakoff e Johnson (1980) de coerência metafórica da
gramática.
Já no capítulo 3, o foco principal é o diálogo entre a Teoria Cognitiva da
Metáfora e a Gramática das Construções, com ênfase na versão adotada neste trabalho:
a Gramática das Construções de Lakoff e Goldberg (1995; 2006). Como a noção de
frame semântico (FILLMORE, 1977, 1988; PETRUCK, 1996) é fundamental para a
análise do fenômeno pesquisado, nesse capítulo procuro estabelecer a relação entre essa
noção e a Gramática das Construções. Cito, ainda, os estudos de Tomasello (1992;
1999; 2003) como referência para a confirmação das Construções Gramaticais como
artefatos simbólicos e da metáfora como recurso expressivo de categorização e
perspectivização.
No capítulo 4, descrevo as opções metodológicas tomadas. Inicio essa parte,
fazendo uma retomada da Linguística de Corpus (SARDINHA, 2004; SINCLAIR,2004)
e justifico a necessidade que senti de organizar um corpus específico para esta pesquisa.
A seguir, explico em detalhes o funcionamento da ferramenta de coleta de dados
escolhida: o Corpógrafo e a organização do corpus resultante.
O capítulo de análise (capítulo 5), por questões unicamente didáticas, é
dividido em duas partes: a primeira aborda de maneira mais focada a Construção
Gramatical de Hiperbolização e seu mapeamento sintático-semântico-pragmático.
Analiso cada um de seus elementos constituintes e suas condições de validação,
inclusive as molduras comunicativas preferenciais da CGH: o blog e o fórum opinativo
(SCHITTINE, 2004; CHAGAS, 2007; KOMESU, 2004; HEWITT, 2007). A segunda
parte, por sua vez, enfoca a metáfora como processo figurativo fundador da Construção
15
de Hiperbolização. A análise se desenrola a partir de duas pressuposições básicas: i) à
escolha de verbos causativos pela CGH subjaz o Esquema Imagético da Força, que por
sua vez arrasta o esquema da causalidade (JOHNSON, 1987); ii) a seleção de verbos
causativos de destruição pela CGH reflete o reenquadramento do frame de
DESTRUIÇÃO, evocado pelas entradas verbais em um frame de SUCESSO, evocado
pela Construção de Hiperbolização.
Portanto, a pista dada pela seleção dos
predicadores verbais habilitados a participarem da CGH revela a atuação do Esquema
Imagético da Força e, por conseguinte, da metáfora primária CAUSAS SÃO FORÇAS
FÍSICAS, além da metáfora estrutural SUCESSO É GUERRA. O papel fundamental da
metáfora na Construção de Hiperbolização, pois, atua tanto como filtro de seleção
lexical dos predicadores verbais que irão nucleá-las, como também na conceptualização
dos eventos sociais como arenas de guerra.
Por fim, no sexto capítulo, volto às perguntas de pesquisa e às hipóteses
levantadas para discutir os resultados deste estudo, as considerações finais suscitadas
pela
pesquisa,
suas
possíveis
limitações
teóricas
e
analíticas
e
prováveis
desdobramentos para futuros estudos.
16
2 A METÁFORA NO ESCOPO DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
2.1 A LINGUÍSTICA COGNITIVA
Para descrevermos a estrutura das revoluções científicas que marcaram a
história da humanidade, poderíamos usar a metáfora da onda: quando uma onda começa
a se formar no mar, ela avança em direção à praia, engolindo tudo que encontra pela
frente e, ao fazê- lo, acaba se tornando ainda maior por se misturar às ondas menores. O
que se vê com os avanços das ciências é um movimento contínuo de novos paradigmas
que ocupam o lugar de velhos dogmas, sem, no entanto, conseguir descartar tudo o que
é considerado antigo.
Nos estudos da linguagem, o paradigma gerativo, sem dúvida, constituiu uma
gigantesca e avassaladora onda. Os pressupostos teórico- metodológicos de Noam
Chomsky estabeleceram um novo olhar sobre os fenômenos linguísticos e fizeram
avançar com grande força os estudos das línguas humanas. Enquanto isso, uma nova
onda se formava, crescia e aguardava o momento de ocupar o seu lugar.
Nas décadas de 50 e 60, o idealizador da Gramática Gerativa, Noam Chomsky,
criava seu modelo de análise linguística. Na década de 70, contudo, o calcanhar de
Aquiles do modelo gerativista, os estudos da significação, veio a constituir o centro de
interesse dos estudiosos da linguagem, que não viam no paradigma gerativo um
conjunto teórico adequado a essa tarefa. E, embora essa nova onda estivesse longe da
consistência teórica e da eficácia metodológica do paradigma chomskiano, ela veio para
ficar e ficou conhecida como Linguística Cognitiva.
De um lado, a vontade de saber como o sentido aflora e, do outro, a certeza de
que a soma do significado das partes não resultava no sentido do todo fizeram com que
os linguistas cognitivistas se enveredassem pelas chamadas “irregularidades sintáticas”,
exatamente aquelas que o modelo chomskiano sequer reconheceu. Poderíamos dizer,
17
então, que a Linguística Cognitiva surge para se “levar a sério” os estudos da
significação:
Levar a sério o estudo da significação e xigia abandonar tanto a exclusão
do sujeito, cultivada pelos estruturalismos de todos os matizes, como
desistir da exclusividade do sujeito, enobrecida pela reflexão platônicocartesiana. A gênese da “linguística cognitiva” decorre, em parte, desse
corte com Chomsky (SALOMÃO, 2009a , p.21-22).
A partir da publicação do jornal “Cognitive Linguistics”, o corpo doutrinário do
novo paradigma começa a se desenhar, segundo Croft e Cruse (2004), ancorado em três
pressupostos fundamentais:
•
a linguage m não é uma faculdade cognitiva autônoma.
•
Gramática é conceptualização.
•
O conhecimento linguístico emerge do uso da língua.
Em Salomão (2009a, p.22), as três asserções fundamentais do paradigma
cognitivista assim se delineiam:
•
a cognição linguística é contínua aos demais sistemas cognitivos;
portanto, a linguagem não é um sistema cognitivo autônomo.
•
A gramática é uma grande rede de Construções; por isso, postula-se uma
continuidade básica entre sintaxe e léxico, calcada no uso linguístico.
•
Todo processo de significação procede pela projeção entre domínios
cognitivos; logo, a semântica cognitivista tem um viés inferencialista que
a diferencia do referencialismo da ortodoxia.
Croft; Cruse e Salomão coincidem inteiramente quanto ao primeiro ponto, ou
seja, quanto ao argumento de não ser a linguagem uma capacidade cognitiva especial,
descontínua a outras que o ser humano, inegavelmente, possui. No segundo ponto,
Salomão avança um pouco mais, atrelando a conceptualização da gramática à sua
constituição primária, isto é, a uma rede de Construções Gramaticais que emergem do
uso. No terceiro ponto, no entanto, Salomão coloca a projeção entre domínios como
uma das grandes assunções teóricas advindas do paradigma cognitivista. A razão disso é
que a projeção interdomínios, notadamente, é um aspecto cognitivo de grande influência
18
na manifestação da linguagem, principalmente quando estamos situados no terreno da
linguagem figurativa. Além disso, um dos estudiosos mais notáveis da projeção
interdomínios, Gilles Fauconnier, foi juntamente com Lakoff, um dos fundadores da
Linguística Cognitiva.
A seguir, uma análise mais detalhada de cada um desses tópicos.
2.1.1 A linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma
Para a Linguística Cognitiva, a linguagem não é um sistema autônomo nem
uma faculdade cognitiva autônoma. Portanto, a oposição opera em duas vias: nega o
estruturalismo (a linguagem como um sistema que basta a si mesmo) e nega também o
gerativismo (faculdade da linguagem como componente autônoma da mente). Disso
decorrem outras negações: a separação entre conhecimento propriamente linguístico e
conhecimento enciclopédico (conhecimento de mundo); a arbitrariedade do signo; a
discrição e homogeneidade das categorias linguísticas; a geratividade da linguagem por
meio de regras lógicas e traços semânticos objetivos, a autonomia e a não motivação
semântica e conceptual da sintaxe (SILVA, 2004, pp. 1-18).
Quando a Linguística Cognitiva subdetermina o interesse pelo conhecimento
da linguagem e amplifica o interesse pelo conhecimento através da linguagem, o
corolário básico que apóia tal decisão é o de que a representação do conhecimento
linguístico é a mesma de outras estruturas conceptuais e sua utilização se assemelha ao
uso de outras habilidades não linguísticas, como por exemplo, a percepção visual. Para
a linguística cognitivista, a capacidade humana de linguagem é, sim, distinta, mas ela
existe porque lança mão de ferramentas cognitivas usadas para outras tantas habilidades.
Não existe, pois, uma capacidade linguística inata, autônoma e especial. Cabe ao
linguista cognitivo determinar a estrutura conceptual e as habilidades cognitivas que se
aplicam à linguagem. Como ponto de partida dessa empreitada, as ferramentas da
Psicologia Cognitiva foram acessadas de imediato e contribuíram, por exemplo, com a
19
noção de frame (modelo de memória) e com a Teoria dos Protótipos (modelos
psicológicos de categorização).
Por desenvolver uma análise linguística a partir do uso (conhecimento do
mundo através da linguagem) podemos dizer que a Linguística Cognitiva é
pragmaticamente orientada, tanto teórica quanto metodologicamente.
2.1.2 Gramática: conceptualização de uma rede de Construções
Ao estudar fenômenos linguísticos postos de lado pela agenda gerativista, os
linguistas cognitivos puderam afirmar que a estrutura conceptual não pode ser reduzida
a uma simples correspondência entre as condições de verdade de um enunciado e as
coisas do mundo. Um dos aspectos mais importantes da habilidade cognitiva humana é
a conceptualização da experiência a ser comunicada e também do conhecimento
linguístico que possuímos. Essa conceptualização remete a duas competências
cognitivas humanas fundamentais: a categorização e a perspectivização.
A categorização é um processo mental de identificação, classificação e
nomeação de diferentes entidades como membros de uma mesma categoria. Segundo a
Linguística Cognitiva, esse processo se dá na base do reconhecimento de protótipos, ou
seja, exemplares típicos e mais representativos. Ao se tentar categorizar, o que se busca
é reconhecer similaridades parciais e estabelecer um grau de parecença que permita a
nova categorização.
A perspectivização, por sua vez, caracteriza uma habilidade cognitiva primária
da percepção visual que é a distinção entre figura e fundo. Nos estudos da semântica
cognitiva, principalmente naqueles entabulados por Charles Fillmore, a correspondência
dessa capacidade visual é a noção de cena/enquadramento. Nessa abordagem, os
predicadores linguísticos evocariam cenas que, por sua própria natureza, estão
predispostas a diferentes perspectivas (diferentes olhares), a depender de quem olha e
daquilo que se queira focalizar e os significados, assim, estão intimamente atrelados a
essas cenas perspectivizadas. A noção de perspectiva é fundamental até mesmo na
20
produção/interpretação de enunciados frequentes na linguagem cotidiana: o fato de
dizermos que O livro está em cima da mesa abre uma perspectiva diferente em relação a
uma escolha que, apesar de possível, é no Português do Brasil bastante improvável, caso
se dissesse que A mesa está embaixo do livro. As opções lexicais e sintáticas que os
falantes fazem refletem a perspectiva que eles tomam diante de uma dada cena,
estabelecendo os focos de atenção a que se quer dar relevo. Salomão (1999) cita como
exemplo de Construção Gramatical, totalmente vulnerável à perspectivização, a
modificação adjetival em expressões como uma boa prova que pode ser dita pelo
professor e, dessa perspectiva, significar um bom conjunto de questões avaliativas; já
dita pelo aluno muda de perspectiva e passa a significar um bom conjunto de respostas,
capaz de garantir uma boa nota.
No paradigma cognitivista, portanto, a gramática é um sistema de organização
conceptual, já que as categorias que a constituem são simbólicas, isto é, significativas
(simbolizam um conteúdo conceptual) e devem, por isso mesmo, ser consideradas
respeitosamente nessas duas dimensões. A gramática, como um sistema de símbolos,
implica, na verdade, um conjunto de pares forma/sent ido, ou seja, um repertório de
Construções Gramaticais. Dentro dessa perspectiva, léxico e gramática não se separam
e a motivação de ambos resulta das funções conceptuais e semânticas. Langacker
(1987), com sua Gramática Cognitiva, e Fillmore (1988), com a Gramática das
Construções, são os dois expoentes maiores na exploração dessa natureza simbólica da
gramática.
2.1.3 O conhecimento linguístico emerge do uso da língua
Para a Linguística Cognitiva, as categorias e estruturas da linguagem são
construídas, num processo indutivo de abstração e esquematização, a partir de nossa
cognição de enunciados específicos em situações comunicativas também específicas.
Essa teoria, portanto, consegue abrigar, entre seus dados, aquelas Construções altamente
especificadas que foram abandonadas pelo paradigma gerativo, exatamente por serem
consideradas idiossincrasias.
21
O corolário fundamental que permeia a valorização do uso linguístico é o de
que a linguagem é parte integrante da cognição, ela é um meio pelo qual se dá a relação
epistemológica entre sujeito e objeto e que, portanto, revela muito do nosso
conhecimento de mundo. Pressupõe-se, de antemão, que fatores situacionais,
biológicos, psicológicos, históricos e socioculturais são necessários e originários na
configuração da estrutura linguística.
A prevalência da semântica e a crença na natureza enciclopédica e
perspectivista do significado derivam da concepção da categorização como função
básica da linguagem: se a linguagem categoriza o mundo, não pode, pois, dele se
dissociar. Contudo, a linguagem não espelha o mundo de forma objetiva, ela é um meio
de o interpretar e de o construir, de organizar conhecimentos que refletem as
experiências dos indivíduos e das culturas. Por isso, como método, podemos afirmar
que a Linguística Cognitiva é um Modelo Baseado no Uso (LANGACKER, 1987;
CROFT; CRUSE, 2004). Para tanto, vale-se da observação do uso real das expressões
linguísticas com base em corpora. A questão que se coloca é, pois, a necessidade de se
fundamentar e mpiricamente as interpretações das enunciações linguísticas na
experiência individual, coletiva, histórica nelas fixadas, no comportamento
interacional e social e na fisiologia do aparato conceptual humano.
Como já sabemos, no paradigma da Linguística Cognitiva, as mentes
individuais não são vistas como entidades autônomas, mas como entidades encarnadas,
corporificadas, que mantêm com o ambiente uma constante interatividade. É nesse
processo interativo entre cognição e linguagem que as estruturas conceptuais se criam,
se modificam, enfim, se desenvolvem. É devido a isso que o paradigma cognitivo da
linguagem é uma versão inteiramente contextualizada do significado.
22
2.1.4 Todo processo de significação procede pela projeção
entre domínios cognitivos
Não é a Linguística Cognitiva que “inventa” a noção de projeção entre
estruturas linguísticas. Quando o modelo chomskiano lança mão de regras
transformacionais tem-se aí um processo de projeção entre duas estruturas formais. No
entanto, a natureza das projeções em cada um dos modelos difere na essência.
No paradigma cognitivista, as operações projetivas se dão para relacionar
diferentes tipos de bases de conhecimentos e não são propriedades inerentes a nenhum
tipo de linguagem especial, como a linguagem poética, por exemplo. Muito pelo
contrário. Na década de 80, o trabalho pioneiro de Lakoff e Johnson demonstrou que
processos figurativos, especialmente os metafóricos, permeiam toda a linguagem
cotidiana, refletindo-se e motivando grandemente as gramáticas das línguas naturais. Ao
definir a metáfora como um modo de compreender um domínio em termos de outro,
Lakoff e Johnson (1980[2002]) destacaram- na como uma operação conceptual de
projeção entre domínios de fundamental importância e é a Teoria dos Espaços Mentais,
de Fauconnier (1997) que irá reforçar o papel central que essa operação cognitiva
exerce na cognição humana. Segundo Fauconnier, há três tipos de projeções entre
domínios: i) projeções de domínios conceptuais estruturados (MCIs) que projetam
parte de um domínio em outro. As metáforas e as analogias seriam exemplos desse tipo
de projeção; ii) projeções de funções pragmáticas, quando dois domínios relevantes e
locais correspondem a duas categorias de objetos, que são projetados um em outro por
uma função pragmática. A metonímia seria um exemplo desse tipo; iii) projeções de
esquema, quando um esquema geral abstrato é usado para estruturar uma situação no
contexto. As Construções Gramaticais são casos desse tipo de projeção. O processo
cognitivo de projeção que revela correspondências homológicas entre domínios é um
modo eficiente e econômico da mente criar e interpretar novos significados.
23
2.2 COMO OS ESTUDOS DA METÁFORA ENTRAM NESSA HISTÓRIA?
Se eu tivesse que precisar a época em que a metáfora adquiriu status de objeto
digno de estudo na Linguística, diria, automaticamente, que foi a partir dos estudos de
Lakoff e Johnson, na década de 80, que culminam na obra seminal Metaphors we live
by, publicada em 1980 2 .
Para quem sabe um pouco da história da linguística, fica fácil imaginar que tal
interesse pela linguagem figurativa tem seu motivo: é essa linguagem que será capaz de
desafiar o rigor formal chomskiano e desapontar os resultados de toda uma linha de
pesquisa, baseada no idealismo de um falante/ouvinte ideal e na crença do significado
linguístico como resultado da simples soma da contribuição semântica das partes. A
dissidência gerativista, portanto, busca na língua os fatos nos quais se percebe, com
clareza, que nenhuma das premissas anteriores podem ser validadas. A pesquisa
empreendida sobre os pedaços de linguagem que deixavam os pressupostos gerativistas
desamparados, inevitavelmente, fez emergir novas questões que eram instigantes por si
só, e, dentre essas questões, está a metáfora.
Os pedaços de linguagem a que me refiro e que impuseram ao paradigma
chomskiano o desafio de se fazer validar são, principalmente, as velhas e conhecidas
expressões idiomáticas. São elas que garantem aos semânticos gerativistas rebelados
que: i) a soma das partes constituintes da expressão não tem exatidão matemática, ou
seja, não produz um resultado previsível; ii) para que essas expressões tenham sentido,
todo o contexto comunicativo, incluindo o falante, precisa ser muito bem localizado. É
exatamente a falta de precisão matemática, ou seja, é exatamente a propriedade da
linguagem de não ser a soma de dois mais dois que levou os estudiosos da linguagem à
metáfora.
Raciocinando nesses termos com a Língua Portuguesa, poderíamos exemplificar
com a expressão “bater as botas”. Somando as partes, teríamos que ter necessariamente
o significado de “segurar um tipo de calçado (bota) e arremessá-lo contra um outro
2
Obra traduzida para o Português em 2002, pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da MetáforaGEIM, com o título ‘Metáforas da vida cotidiana’.
24
objeto (uma outra bota, por exemplo)”. Todavia, fora da idealização, os sujeitosfalantes do PB dificilmente entenderiam esse idioma nesses termos. Para tanto, seria
necessário que o contexto fosse muito bem demarcado, de modo que o sentido algébrico
pudesse aflorar, algo como: Após caminhar no barro, fui obrigada a bater as botas
para entrar em casa. Isso porque no Português do Brasil, o sentido de “bater as botas”
é outro, completamente diferente e imprevisto, original. Nenhuma regra gramatical é
capaz de dar conta do significado mais usual dessa expressão, a saber, “morrer”. A
questão é: de onde vem esse significado? Se não sabemos de onde ele surge, uma
certeza nós temos: somente das palavras é que não é. A falta de objetividade da
expressão, no entanto, não nos lança, como poder-se-ia pensar, ao abismo da
arbitrariedade; existe, para aqueles que fa zem um esforço consciente de entendimento
do idioma “bater as botas”, uma certa intuição de algo motivado, não pelas palavras que
compõem a expressão, mas pela cena conceptual que ela evoca. Tal cena, contudo,
requer conhecimentos de mundo e vivências específicas que jamais foram considerados
pela doutrina gerativista. O compartilhamento da mesma cena conceptual pelos falantes
de uma dada comunidade é capaz de gerar a linguagem a ela apropriada e o
entendimento a que se quer chegar. Bater as botas, portanto, tem a ver, na cultura
brasileira, com a posição do corpo quando se está morto. Daí todo um campo semântico
muito próximo entre esta e outras expressões como: “juntar os pés”, “ir para a terra
dos pés juntos”, “esticar as canelas”. Evidentemente que um grau maior de
convencionalização de uma metáfora leva, no eixo da sincronia, à perda da motivação
semântica.
Essas reflexões, todavia, seriam mais simples se não estivéssemos tratando de
uma expressão, mas sim de uma palavra? Por tudo que foi dito acima, fica parecendo
que sim, porém, na verdade, quando se trata da construção do sentido, nada é muito
simples. Evans e Green (2006), em um capítulo cujo título é O que significa saber uma
língua?, discutem as diferentes interpretações do verbo “pular”. Para instigar a reflexão,
os linguistas propõem o enunciado O gato pulou o muro e dão quatro opções de gráfico
da trajetória que poderia m ser evocadas pelo predicador pular. Qualquer falante,
entretanto, não hesita em marcar a trajetória em arco como sendo a que descreve com
mais adequação o sentido da frase proposta. Fica evidente que a trajetória em arco não é
25
especificação do predicador “pular”, já que em outros enunciados, como por exemplo,
em O atleta pulou do trampolim; O sapo pulou do chão para a parede, a trajetória
interpretada é outra. As palavras, portanto, são “gatilhos” para a produção do sentido,
referindo-se a uma realidade projetada, ou seja, uma realidade tal qual representada e
construída pela mente humana, mediada pelos nossos sistemas perceptual e conceptual.
Nesse sentido, a metáfora aparece como ferramenta cognitiva capaz de mediar a
experiência do real e sua conceptualização através da linguagem.
Os estudos da linguagem registram, em sua história, o nome de três linguistas
principais que teria m o mérito de serem os fundadores da teoria da Linguística
Cognitiva: Ronald Langacker, Leonard Talmy e George Lakoff. É esse último que traz a
pesquisa da metáfora para dentro da agenda linguística. Lakoff participava do
movimento heterodoxo da semântica gerativa e, como tal, procurava revisar e elaborar
teorias para os fenômenos linguísticos tratados de modo tradicional ou não tratados pelo
modelo gerativo:
Durante esse período, eu tentava unificar a gramática transformacional de
Chomsky e a lógica formal. Eu havia ajudado a desenvolver muitos dos
detalhes mais recentes da teoria de gramática de Chomsky. Noam
argumentava então-e ainda o faz, pelo que eu saiba- que a sintaxe é
independente do significado, do contexto, de conhecimentos de base, da
memó ria, do processamento cognitivo, da intenção comunicativa, e de
qualquer aspecto do corpo. Trabalhando nos detalhes de sua primeira teoria,
eu encontrei vários casos em que a semântica, o contexto, e outros fatores
influenciariam as regras que governam as ocorrências sintáticas dos
3
sintagmas e dos morfemas”. .
Na década de 70, como o foco de atenção estava naqueles fenômenos que o
paradigma gerativo não havia investigado, ocorreu uma onda desenfreada de estudos
dos processos figurativos (ZANOTTO, MOURA, NARDI, VEREZA, 2002, p.33). Em
3
During that period, I was attempting to unify Chomsky's transformational grammar with formal logic. I
had helped work out a lot of the early details of Chomsky's theory of grammar. Noam claimed then — and
still does, so far as I can tell — that syntax is independent of meaning, context, background knowledge,
memory, cognitive processing, communicative intent, and every aspect of the body...In working through
the details of his early theory, I found quite a few cases where semantics, context, and other such factors
entered into rules governing the syntactic occurrences of phrases and morphemes3 .
Entrevista “Philosophy in the flesh” A talk with George Lakoff”.
Disponível em http://www.edge.org/3rd_culture/lakoff/lakoff_p1.html
A partir desta, todas as traduções não identificadas devem ser consideradas como de minha autoria.
26
1975, Lakoff toma conhecimento de várias pesquisas desenvolvidas dentro das ciências
cognitivas, dentre essas, a neurofisiolo gia da visão das cores (BERLIN; KAY, 1978), a
percepção prototípica das categorias (ROSCH, 1979), os conceitos de relações espaciais
(TALMY, 1988) e os frames semânticos (FILLMORE, 1975). A partir desses estudos,
Lakoff decide se enveredar por uma Linguística que supusesse uma teoria de mente
corporificada e a metáfora como um de seus mecanismos fundamentais. Nesse
contexto de efervescência, Lakoff e Johnson lançam, em 1980, a obra que irá promover
uma ruptura paradigmática nos estudos da metáfora: Metáforas da vida cotidiana.
Essa virada paradigmática (ZANOTTO et al. 2002, p.12) vem no rastro de uma
reformulação filosófica e epistemológica que ancora a Linguística Cognitiva, a saber, o
experiencialismo. Este seria, segundo Lakoff e Johnson (1980 [2002]), uma terceira via
entre o objetivismo e o subjetivismo radicais e que reconheceria o verdadeiro status da
metáfora na medida em que esta une razão e imaginação:
A razão de focalizarmos tanto nossa atenção sobre a metáfora é que ela une razão e
imaginação. A razão, no mínimo, envolve a categorização, a implicação, a inferência.
A imaginação, em um de seus muitos aspectos, implica ver um tipo de coisa em
termos de um outro tipo de coisa, o que denominamos pensamento metafórico. A
metáfora é, pois, uma racionalidade imaginativa” (LAKOFF; JOHNSON,1980[
2002], p.302).
A metáfora, como expressão da racionalidade imaginativa, passa a ser vista
como operação cognitiva fundamental no processo de conhecimento do mundo através
da linguagem. Enunciações representam estruturas conceptuais e, como tais, são
metafóricas por natureza. Tais estruturas conceptuais fundamentam-se na experiência
física e cultural dos indivíduos e, por consequência, também as metáforas. O sentido,
portanto, jamais é descorporificado ou objetivo. Essa nova concepção da metáfora
coloca em xeque o que na tradição ocidental se acreditava sobre a verdade, o sentido e a
compreensão.
Segundo Lakoff e Johnson (1980[2002]), a metáfora serve de base a essas
novas assunções epistemológicas por quatro razões principais: i) na tradição objetivista,
a metáfora é vista como apenas marginalmente relevante, excluída totalmente do estudo
27
da semântica; ii) como a metáfora está presente tanto em nossa linguagem como em
nosso sistema conceptual, ela é central a uma explicação da verdade e do sentido; iii) a
metáfora é um dos mecanismos mais básicos que temos para compreender nossa
experiência; iv) a metáfora pode criar sentidos novos, criar similaridades e, desse modo,
definir uma nova realidade.
Para os autores da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), os elementos
básicos de uma explicação experiencialista da compreensão seriam as propriedades
interacionais, as gestalts experienciais e os conceitos metafóricos. Sem esses, qualquer
tratamento de questões humanas torna-se inadequado.
A compreensão emerge da seguinte maneira: a natureza de nossos corpos e de nosso
ambiente físico e cultural impõe uma estrutura sobre nossa experiência. A experiência
recorrente leva à formação de categorias que são gestalts experienciais. Essas gestalts
definem a coerência em nossa experiência. Compreendemos diretamente nossa experiência
quando vemos que ela é estruturada de forma coerente em termos de gestalts que emergiram
diretamente da interação com (e em) nosso meio. Compreendemos a experiência
metaforicamente quando usamos uma gestalt de um domínio da experiência para estruturar
a experiência em outro domínio”. (LAKOFF ; JOHNSON, 1980 [2002], p.348)
As diversas pesquisas das ciências cognitivas levaram Mark Johnson e George
Lakoff a postularem três assunções principais: (i) a mente é inerentemente
corporificada;(ii) a maior parte do nosso pensamento é inconsciente; (iii) os conceitos
abstratos são altamente metafóricos. Os itens (i), (ii) e (iii) constituem as premissas
fundamentais de todo um corpo teórico a que se chama Teoria da Metáfora Conceptual
(TMC). O tópico (i), especificamente, promove a valorização dos estudos de um dos
subtipos de metáfora conceptual, a saber, as metáforas primárias. Dentro do arcabouço
da TMC, são as pesquisas sobre as metáforas primárias que ratificam a importância e a
influência do corpo na estruturação do nosso sistema conceptual e, por consequência, na
estruturação da linguagem.
Porém, o trabalho de Lakoff e Johnson (1980 [2002]) embora seja um marco,
não tem o mérito de construir, como se pensa, os principais pressupostos teóricos da
Teoria Cognitiva da Metáfora. Jakel (1997) é um dos autores que não reconhece Lakoff
e Johnson como predecessores dessa teoria. Segundo ele, na Alemanha, três autores:
28
Kant, Blumenberg e Weinrich, caminhando por trilhas diferentes, estabelecem mais do
que antecipações dos principais pressupostos da Teoria Cognitiva da Metáfora. Para
Jakel, o que esses autores escreveram sobre metáfora, enquanto tentavam reconstruir a
história de conceitos filosóficos, fazer observações linguístico-filosóficas da linguagem
cotidiana, ou ainda, perscrutar a compreensão
humana são, na verdade, preciosas
contribuições epistêmicas e metodológicas cuja influência na teoria de Lakoff e
Johnson, embora não explicitamente colocada, fica evidente a um olhar mais acurado.
Antes, porém, da teoria cognitiva, não havia a metáfora como objeto de
reflexão? Por tudo que foi colocado acima, fica parecendo que tal reflexão surge
somente a partir da segunda metade do século XX, entretanto a metáfora é um “assunto
que ocupou a humanidade por 2.500 anos” (SARDINHA, 2007, p.17). O objeto de
estudo “metáfora”, embora sendo o mesmo, ganha diferentes enfoques a depender do
ponto de vista a partir do qual ele é olhado. De início, as abordagens tradicionais viram
na metáfora apenas uma figura de linguagem cuja função seria a de ornar os discursos
ou mesmo um recurso de oratória para enganar os ouvintes/leitores. Nesse contexto,
portanto, a metáfora é apenas mais uma dentre as inúmeras figuras de linguagem que
foram categorizadas a partir dos quatro tipos primordiais elencados por Aristóteles 4 .
Nesse contexto, também, não existe um esforço teórico de reconhecimento da metáfora
como fenômeno linguístico de estatuto especial. O que vigora é a intuição de que essa
figura de linguagem se faz por meio de uma comparação implícita entre duas coisas não
relacionadas, como o exemplo clássico de Aristóteles A velhice é a tarde da vida5 . A
análise etimológica do termo grego que nomeia tal figura também estabeleceu um
consenso sobre o que seria a metáfora: meta significando mudança e pherein
significando carregar, levando a crer que a metáfora institui a transferência de sentido
de uma coisa para outra. Assim, o primeiro alicerce no qual os primeiros estudos
teóricos sobre a metáfora irão se apoiar baseia-se no binômio comparação/
transferência.
4
Segundo Aristóteles, haveria quatro tipos de metáfora: do gênero para a espécie, da espécie para o
gênero, da espécie para a espécie e de analogia.
5
Poética,III,IV,1, p.282
29
2.2.1 A metáfora como comparação implícita
Embora a definição tradicional de metáfora, ora como comparação implícita
entre duas entidades, ora como transferência de significado entre duas coisas, vigore até
hoje como senso comum, tal definição não está isenta de questionamentos que põem em
dúvida a sua adequação descritiva. Tomando como base o Português do Brasil, por
exemplo, poderíamos começar indagando o porquê de a língua portuguesa
disponibilizar dois recursos diferentes para o mesmo propósito semântico (no caso, a
comparação e a metáfora). Antes de qualquer coisa, isso já fere os princípios de
economia e eficiência que regem as línguas naturais. Além disso, os falantes do PB
sentem intuitivamente que o célebre enunciado shakespeareano Julieta é o sol 6 , por
exemplo, não equivale plenamente à sua provável paráfrase Julieta é como o sol.
Além disso, vê-se que a diferença entre metáfora e comparação não é de
natureza apenas semântica, mas também pragmática. Notamos isso claramente em
enunciados típicos da linguagem cotidiana que estabelecem dois contextos e dois
sentidos distintos para, por exemplo, (i) Ele é o pai; ii) Ele é como o pai. Em um
encontro de interação social entre algumas mães e seus filhos, o enunciado (i) terá
sentido em uma situação na qual alguém, vendo pela primeira vez o filho de um
conhecido, diz que ele é muito parecido fisicamente com o seu pai. No entanto, o
enunciado (ii) remete, nessa mesma situação, a uma semelhança que não é física, mas
comportamental. A razão disso talvez seja porque na símile o domínio-alvo não se
integra com o domínio- fonte, ele apenas a este se assemelha, mantendo, portanto, sua
integridade. Já na metáfora, cria-se um novo domínio que não é nem o domínio fonte,
nem o domínio alvo e onde os dois se fundem a partir dos mapeamentos selecionados.
Uma rápida pesquisa no Google apontou outra possível diferença que parece haver entre
a metáfora e a símile: a de que nesta o domínio-fonte existe concretamente, já naquela o
domínio- fonte pode existir em um espaço virtual, inventado, criado pela imaginação. Os
enunciados encontrados no Google são, na maioria, como os exemplos abaixo, nos
quais o domínio- fonte se ancora referencialmente no espaço do real:
a) Ele é como nós.
6
Shakespeare, W. Romeu e Julieta. Ato 2, cena 2.
30
(igreja-presbiteriana.org/Dialgreja/EB04.htm)
b) Ele é como um mestre ou padrinho para quem a gente pode ligar e perguntar
qualquer coisa.
(art-bonodo.com/carlosvonschmidt/artes/aldemirdeaaz/23.html)
c) No futebol, ele é como a Capela Sistina, perfeito, não pinta um ponto a mais.
(jbon-line.terra.com.br/jb/papel/paginadois/2001/08/25/jorpg220010825001.html )
A liberdade em relação ao domínio-fonte, todavia, permite que se tenham
metáforas como A esperança é um urubu pintado de verde 7 , na qual o domínio- fonte só
tem existência no espaço da virtualidade, da imaginação. Talvez seja por isso que
Marcuschi (2007) afirme que o conectivo “como” funciona, na verdade, como “um
ladrão de metáforas”. Segundo ele, “não é possível afirmar que todas as metáforas
tenham base na comparação”. Parafrasear determinadas metáforas em comparações
explícitas faz com que estas percam toda a sua força cognoscitiva, tornando-as triviais.
Neste sentido a metáfora como que produz a comparação e não a formula
simplesmente: a comparação é, no máximo, um resultado da metáfora e
não o contrário (...) Basicamente, é um sistema cognoscitivo que entra em
ação e não uma atividade lógica. (MARCUSCHI, 2007, p.130)
2.2.2 A metáfora como transferência de significados
Se já foi difícil argumentar sobre a coerência de se tratar a metáfora como
comparação implícita entre duas entidades, mais penosa ainda é a tarefa de sustentar a
definição da metáfora a partir da noção de transferência de significado. A dificuldade
se coloca primeiro na minha incapacidade de definir com precisão o que seja
significado. Segundo, porque minha experiência como falante, ouvinte e leitora de
metáforas me permite afirmar que a relação de sentido entre domínio- fonte e domínioalvo é sempre parcial, nunca plena.
7
Verso de autoria de Mário Quintana.
31
E isso já torna essa discussão ainda mais complexa, na medida em que, se
concordamos que a metáfora é uma transferênc ia de significado, pela lógica seremos
também obrigados a acreditar que o significado pode ser desmembrado a ponto de
permitir uma transferência parcial de alguns de seus aspectos.
Para exemplificar essa questão, vou lançar mão de uma expressão metafórica por
mim inventada: i) Seus olhos são duas jabuticabas maduras. A cena que tal expressão
evoca é a de alguém cujos olhos redondos são muito pretos e brilhantes. Sabemos,
entretanto, que o domínio- fonte, no caso, jabuticabas não significa apenas algo
redondo, preto e brilhante. Tal descrição, por si só, não daria conta de distinguir uma
jabuticaba de uma bolinha de plástico ou mesmo de uma uva. Portanto, na metáfora
acima, existem mais propriedades semânticas que delimitam a referencialidade das
jabuticabas que não foram transferidas ao domínio-alvo (no caso, olhos), mas que
podem ser acionadas em outras leituras, como por exemplo, numa situação discursiva
que enquadre a sedução poder-se-ia incluir o desejo que as jabuticabas despertam
quando estão maduras, ou ainda, o conhecimento de mundo de que jabuticabas são
rapidamente perecíveis poderia levar a uma leitura de que os olhos que se assemelham a
jabuticabas maduras perdem o viço de uma hora para outra.
Esse exemplo, embora simples, nos dá a dimensão do quão difícil é definir o que
seja significado e do quanto é ingênuo achar que definir a metáfora como transferência
de significado resolve a questão. O fato mais intrigante é que a metáfora não funciona
em termos semânticos com o que é mais raso, mais evidente no domínio- fonte. Por
exemplo, se fizéssemos uma pesquisa perguntando às pessoas o que é jabuticaba, a
maior parte delas se ateria em dizer que jabuticaba é uma fruta. No entanto, essa parte
do significado é a que menos tem relevância na metáfora por mim inventada, porque
com esse pedaço de sentido, eu poderia produzir outras dúzias de expressões
metafóricas (Seus olhos são duas ameixas, duas maçãs, duas mangas...) e em nenhuma
delas essa seria a informação mais relevante, isto é, não seria essa propriedade (ser
fruta) selecionada no mapeamento capaz de dar conta do objetivo comunicativo da
metáfora criada.
32
O significado do domínio que serve como fonte em uma operação de
metaforização pode, penso eu, ser visto como componencial (Hipótese Fraca da
Composicionalidade) 8 . Contudo, as camadas que o formam são de diferentes naturezas e
origem: uma delas se forma a partir do conhecimento acadêmico, aprendido em
dicionários ou na escola (saber que jabuticaba é fruta, por exemplo); outra, porém,
advém da nossa experiência com a entidade escolhida como domínio- fonte
(experimentar a jabuticaba, degustá- la, conhecê- la através dos cinco sentidos) e outra
ainda advém do conhecimento adquirido com a vivência dessas experiências (passar a
gostar ou a odiar jabuticabas, lembrar-se da infância, sentir saudade dos avós). A
depender de quantas camadas de sentido tem o domínio-fonte para o interpretante, a
metáfora Seus olhos são duas jabuticabas maduras pode variar entre não fazer sentido
algum a fazer mais de um sentido.
Não bastassem todas essas variáveis, que vão desde a objetividade mais direta
até a subjetividade mais específica, entra nessa relação entre significado e metáfora a
influência inequívoca do contexto, que é o fator que realmente assegura e avaliza a
interpretação metafórica. Podemos ver tal influência em enunciados inequivocamente
ambíguos: a) Magnólia é uma flor; b) Josefina é um docinho; c) Lucilene é uma
tartaruga; como em enunciados cuja ambiguidade não é tão evidente: d) Você é a
escada na minha subida9 ; e) A liberdade é um cachorro vira-lata10 . A ambiguidade a
que me refiro é ter de escolher entre uma leitura “literal” (Magnólia é realmente o nome
popular de uma flor) e uma interpretação metafórica (há pessoas com o nome de
Magnólia que podem ser avaliadas como “flor”, ou seja, como bonitas, delicadas,
agradáveis). Mas a crença na existência de significados literais contrapondo-se a
significados metafóricos também é muito polêmica e, por isso, será tratada em uma
seção específica.
8
Tal hipótese implica dizer que o significado de Construções mais específicas não se conforma ao
significado previsto em regras de interpretação semântica de Construções regulares, genéricas,
demandando regras semânticas mais específicas. Nesses termos, as idiossincrasias se distribuem em todos
os níveis de toda rede construcional de uma língua, não estando restritas, portanto, ao nível do léxico,
como postula a Hipótese Forte da Composicionalidade dentro dos paradigmas formalistas (MIRANDA,
2009, p.12).
9
Verso da canção Esperando na janela, do grupo Cogumelo Plutão.
Frase de Millôr Fernandes.
10
33
2.2.3 Mas, então, como definir a metáfora?
Nas duas seções precedentes, pretendi mostrar que, apesar das grandes e
importantes contribuições que os primeiros estudos sobre a metáfora promoveram à luz
de novos aparatos teóricos, essas contribuições, no entanto, têm se mostrado
insuficientes para explicar com adequação descritiva como se processa a
produção/interpretação da metáfora.
Embora não se tenha um conjunto teórico homogêneo e bem delineado sobre
esse tema, algumas premissas já se tornaram ponto de partida das mais recentes
pesquisas em metáfora, a saber: 1) a metáfora não é somente um recurso de linguagem,
limitado à função de embelezar o discurso, principalmente o poético; 2) a metáfora faz
parte do dia a dia das pessoas e se reflete sobremodo na linguagem cotidiana, ou seja, é
um fenômeno da linguagem em uso; 3) a metáfora é uma operação de natureza
cognitiva e, como tal, influencia o modo de ver e de agir das pessoas; 4) as pesquisas
em metáfora iluminam muito as questões sobre linguagem e pensamento humanos e a
relação entre essas dimensões fundamentais da natureza humana.
A partir desses “ganhos” epistemológicos, diferentes versões teóricas irão se
delinear, marcando cada qual sua diferença sobre aquele aspecto do objeto que se torna
o foco do estudo. Dessa forma, nas pesquisas mais recentes sobre metáfora, podemos
destacar
duas
linhas
teóricas
que
realmente
tiveram
impacto
em
termos
epistemológicos, ou seja, na constituição de novos conhecimentos: a) Teoria da
Metáfora Conceptual; B) Teoria da Integração Conceptua l.
34
2.2.3.1 A metáfora na Teoria da Metáfora Conceptual
Do ponto de vista da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), tal qual
concebida por Lakoff e Johnson (1980[2002], p.48), a metáfora é uma operação
cognitiva que nos permite “compreender e experienciar uma coisa em termos de outra”.
A sequência do processo cognitivo desencadeado pela metáfora seria, nesse
modelo, primeiramente conceptualizar um domínio, geralmente de caráter abstrato, em
termos metafóricos, ou seja, tentar entendê-lo a partir de um outro conceito de caráter
mais concreto. A seguir, essa reconceptualização metafórica de um conceito
influenciaria nossas atividades mais cotidianas e, por conseguinte, nossa linguagem
também seria estruturada metaforicamente. Nessa teoria, portanto, a metáfora não é uma
figura de linguagem, mas sim uma atividade do pensamento, situada no sistema
conceptual humano. A linguagem é, pois, mero reflexo desse processamento cognitivo
de tentar entender um conceito novo, abstrato, a partir de um conceito já conhecido
(Lakoff; Johnson, 1980 [2002]. Desse modo, a metáfora é vista como uma ferramenta
cognitiva epistemológica, ou seja, é uma atividade da mente humana capaz de produzir
novos conhecimentos. A metáfora como operação cognitiva subjacente tem a linguagem
como uma “janela para a cognição 11 ”, isto é, a análise criteriosa e sistemática dessa
relação entre domínios concretos e domínios abstratos revelar-nos-ia muito sobre o
sistema conceptual dos seres humanos.
Os domínios referidos na TMC dizem respeito a qualquer área da experiência
ou conhecimento humanos. Há, pois, dois tipos de domínio: fonte e alvo. O domíniofonte é aquele a partir do qual conceptualizamos alguma coisa metaforicamente. É o que
serve como base por ser, tipicamente, mais concreto; o domínio-alvo, por sua vez, é
11
FAUCONNIER,G. (to appear). Introduction to Methods and Generalizations .In T. Janssen and G.
Redeker (Eds). Scope and Foundations of Cognitive Linguistics. The Hague: Mouton De Gruyter.
Cognitive Linguistics Research Series. Disponível em:
http://cogweb.ucla.edu/Abstracts/Fauconnier_99.html
35
aquele de que necessitamos conceptualizar metaforicamente devido à sua natureza mais
abstrata. O entendimento do domínio-alvo se dá por meio dos mapeamentos que se
fazem entre este e o domínio-fonte. Segundo Sardinha (2007, p.32), outros pontos
importantes dessa teoria seriam:
a) a teoria da metáfora conceptual se contrapõe à visão lógico-positivista do
mundo, negando a existência de verdades absolutas e relacionando os
mapeamentos entre domínios aos valores ideológicos e culturais de uma
dada comunidade linguística;
b) o acesso às metáforas conceptuais é automático e inconsciente;
c) o corpo humano é a origem de muitas metáforas conceptuais ;
d) uma metáfora conceptual pode existir independentemente de haver uma
expressão metafórica que a represente ipsis litteris.
O termo metáfora conceptual se refere a uma ampla gama de tipos de
metáforas, classificadas de acordo com a natureza do domínio-fonte e o tipo de
mapeamentos que se estabelece entre os domínios fonte e alvo. Existem, pois, as
metáforas estruturais, aquelas que, como o próprio nome diz, estruturam um conceito
em termos de outros, ou seja, passam a existir a partir de mapeamentos complexos.
Essas metáforas fundamentam-se em correlações sistemáticas encontradas em nossa
experiência. O exemplo mais citado é o da metáfora estrutural DISCUSSÃO
RACIONAL É
GUERRA,
realizada
linguisticamente
em
muitas
expressões
metafóricas, como mostra o exemplo abaixo:
Câncer
21/6 a 21/7
Você suspeita que dessa vez não haverá como deixar de ter a vitória nas discussões em
andamento, pois encontrou razões fortes o suficiente para alimentar esta certeza.
Porém, discussões são como guerras, todos perdem, ninguém ganha. 12
12
Jornal Tribuna de Minas, de 11 de abril de 2008, Caderno Dois, página 4.Horóscopo assinado por
Oscar Quiroga.
36
As metáforas orientacionais, por sua vez, possuem no domínio- fonte uma
orientação espacial, agregada a um julgamento de valor, originado de nossas
experiências corpóreas. O fato, por exemplo, de relacionarmos uma postura ereta a um
estado emocional positivo e, por outro lado, relacionarmos um postura caída a estados
emocionais ne gativos, como depressão e tristeza, licencia expressões metafóricas como
“de cabeça erguida” e “Minha cara foi no chão”, muito usadas no Português do Brasil:
Minha cara foi no chão. Calei a boca no mesmo minuto. Pedi zilhões de
desculpas com a voz igual de criança. Eu ali dando crise de ciúme e ele
fazendo uma surpresa pra mim. Que cruel que eu fui.
(cc.msnscache.com/cache.aspx?q=72921349240752&mkt=pt-BR&lang=pt-Rw=841bdf65&FORM=CVRE )
Há, ainda, as metáforas ontológicas, as quais Lakoff e Johnson (1980[2002],
p.75) chamam de Metáforas de entidades e de substância porque servem ao propósito
de conceber eventos, atividades, emoções, ideias, entre outras coisas abstratas como
entidades e substâncias, originárias de nossas experiências com objetos físicos:
Enquanto aguardava na fila da agência o meu pensamento viajou, para o
conteúdo da próxima palestra - Hoje será melhor. Na minha imaginação via as
cenas já ensaiadas, culminando com os resultados que esperava conquistar: os
aplausos da platéia, feliz e satisfeita.
(http://www.widebiz.com.br/gente/rribeiro/descubraaintencaopositivaevendamais.html)
Quando o mapeamento se dá a partir de relações homológicas em que o
domínio-alvo herda propriedades humanas, a metáfora ontológica recebe o nome de
personificação:
Hoje, aos 28 anos, Cristiano considera-se na sua melhor forma, mais
experiente e capaz de ajudar o time do Sergipe a reconquistar sua hegemonia
no futebol sergipano. Segundo o atleta, ele recebeu uma boa proposta de um
outro clube, mas preferiu optar por jogar no Sergipe. “Deixei o coração falar
mais alto”, foi a explicação dele.
(cssergipe.wordpress.com/2007/12/18/o-coracao-falou-mais -alto-diz-cristiano/)
37
A coerência sistemática das metáforas conceptuais advém do fato de serem
estas construídas com base na nossa experiência corporal e, porque se está falando da
conceptualização do corpo e não do corpo propriamente dito, há enormes diferenças de
cultura para cultura, de tempos em tempos. Contudo, nossos corpos compartilham de
inúmeras semelhanças e são esses aspectos convencionalizados de nosso sistema
conceptual que tendem a ser estruturados.
Ao nos comunicarmos, acionamos o mesmo sistema conceptual disponível para
outras atividades cognitivas, por isso, Lakoff e Johnson (1980 [2002]) chegaram à
conclusão de que a linguagem seria uma fonte de evidências importante sobre como
funciona esse sistema, uma janela para a mente. A análise de um conjunto de expressões
linguísticas mostrou que nossa conceptualização do mundo é fortemente metafórica,
pois buscamos compreender um conceito (domínio) mais abstrato em termos de um
outro conceito mais concreto. O que seria, portanto, nossa conceptualização de um
domínio como DISCUSSÃO na cultura ocidental? Pelas pistas linguísticas fica evidente
que nós, ocidentais, concebemos uma discussão nos mesmos termos em que
compreendemos uma guerra, logo a metáfora conceptual que estrutura grande parte do
nosso pensar e do nosso agir na discussão é DISCUSSÃO É GUERRA. As evidências
linguísticas, ou melhor dizendo, as expressões linguísticas metafóricas dessa metáfora
conceptual permeiam tanto a linguagem cotidiana: a)Quem ganhou o debate
presidencial?; b)Lula destruiu o Alkmin no debate13 , quanto a linguagem poética:
c)Lutar com palavras é a luta mais vã/ entanto lutamos mal rompe a manhã14 .
2.2.3.2 A metáfora na Teoria da Integração Conceptual
Essa é uma teoria cujo foco da análise também é o pensamento e, nesse sentido,
a Teoria da Integração Conceptual compartilha de muitos aspectos com a TMC, sendo
consideradas, pois, teorias complementares (GRADY; OAKLEY ; COULSON, 1999).
13
14
www.jornaldedebates.ig.com.br
O Lutador, de Carlos Drummond de Andrade.
38
Enquanto a Teoria da Metáfora Conceptual baseia sua definição na
pressuposição da existência de dois domínios: um fonte e o outro alvo, a metáfora, na
Teoria da Integração Conceptual, requer o acionamento de quatro espaços mentais, ou
seja, quatro estruturas parciais e temporárias construídas pelos falantes, sendo que um
deles é o da integração entre os dois domínios-input. Tem-se, portanto, um espaço
genérico que, grosso modo, representa o que os espaços-input têm em comum, ou seja,
é o domínio que estabelece a base das homologias. Os dois espaços-input equivalem ao
domínio- fonte e ao domínio-alvo da TMC, exceto por uma maior parcialidade. Um
quarto espaço é o espaço da mescla ou da integração, no qual o material conceptual
selecionado dos dois domínios-input se mesclam e criam um novo domínio. No entanto,
“o espaço de mescla não contém somente uma seleção de propriedades originárias do
dois espaços-input: ele também contém material conceptual novo que surge a partir da
elaboração do espaço mescla baseado em conhecimento enciclopédico”(CROFT;
CRUSE, 2004, p.208).
Fauconnier e Turner (2002), no entanto, enfatizam em vários momentos da
obra The way we think que os mapeamentos metafóricos são exatamente os mesmos
da linguagem não metafórica. Os autores exemplificam com a construção XYZ que
tanto se realiza em Paulo é o pai de Sally (não metafórico) quanto em A necessidade é
a mãe da invenção (metafórico). Em ambos os enunciados, os esquemas de
mapeamentos são os mesmos, o que difere são “os tipos de redes de integração
dentro desses esquemas”. 15 No caso dos enunciados acima exemplificados, o primeiro
é um caso de um composto de duas redes simples e o segundo, metafórico, é um
composto de duas redes de duplo escopo, ou seja, em A necessidade é a mãe da
invenção, os inputs são diferentes frames organizadores, havendo um frame
organizador também para a mescla (blend) que inclui partes de cada um desses frames
e tem estrutura emergente própria, sendo que os frames de entrada contribuem para a
mescla a tal ponto que seu resultado é altamente criativo (FELTES, 2007, p.123). Isto
se dá, porque na concepção de Fauconnier e Turner (2002) a imaginação tem ampla
latitude para recrutar, projetar e mesclar conhecimento de fundo (background
knowledge), informações contextuais e dados de memória para desenvolver um
15
“On the other hand, even as the mapping schemes remain the same, the particular kinds of integration
networks within those schemes are different” . FAUCONNIER e TURNER , 2002,p.158. Op.cit.
39
significado pleno de um dado esquema de mapeamento. Por sua vez, também os
esquemas de mapeamentos têm amplitude suficiente para selecionar domínios e
elementos de contrapartes. O que limita a liberdade da imaginação de modo que nem
“tudo possa acontecer” é a existência dos frames, do conhecimento de fundo, das
experiências, dos cenários e da memória.
2.3 A INSERÇÃO DO CORPO NA MENTE
Nos fins dos anos 70, quando o mito do objetivismo começou a ser questionado
e o significado deixou de ser visto como a manipulação algorítmica de símbolos que
corresponderiam diretamente a coisas do mundo, uma nova opção de modelo ou crença
instituiu as estruturas originadas das experiências corpóreas como um aspecto
fundamental do sistema conceptual humano. Nessa abordagem, a noção que se tem de
corpo é genérica, relacionada às origens corporificadas das estruturas imaginativas da
compreensão. Esta, por sua vez, compreende as estruturas imaginativas que emergem de
nossas experiências como seres vivos em interação com o meio ambiente. Por fim, o
termo “experiência”, entendido em sentido amplo, inclui programas motores e
perceptuais básicos, dimensões emocionais, históricas, sociais e linguísticas, ou seja,
“tudo aquilo que nos faz humanos”. 16
Evidências empíricas mostravam a todo o momento que a correspondência
direta e imediata entre os símbolos e o mundo violava nossa compreensão mais primária
sobre a natureza do significado (JOHNSON, 1987). Desafiando a visão objetivista da
semântica estavam as pesquisas sobre categorização, as quais instituíram os esquemas,
as metáforas, as metonímias e os esquemas imagéticos, ou seja, os processos
imaginativos, como fatores primordiais na atividade de categorização exercida pelo
homem: “Qualquer explicação adequada do significado e da racionalidade tem que dar
um lugar central às estruturas imaginativas e corporificadas da compreensão através das
quais compreendemos nosso mundo.” 17 Além disso, os estudos sobre categorização
16
JOHNSON,M. 1987, p. xvi. Everything that makes us human.
JOHNSON,M. 1987,p.xiii. “ any adequate account of meaning and rationality must give a central
place to embodied and imaginative structures of understanding by which we grasp our world”.
17
40
viram que tais processos imaginativos estavam intimamente relacionados à natureza do
corpo humano, especialmente às nossas capacidades perceptuais e motoras. Em outras
palavras, sob esse enfoque, por meio da imaginação, as experiências corpóreas tornamse cada vez mais abstratas e passam a configurar modelos cognitivos.
Segundo Johnson (1987), o corpo foi ignorado pela visão objetivista porque ele
foi pensado como introduzindo elementos subjetivos que, nessa visão, são irrelevantes
ao significado. Isto porque a razão sempre foi vista como abstrata e transcendente, ou
seja, sem nenhum vínculo com os aspectos corpóreos da compreensão humana. Nos
estudos empíricos dos processos imaginativos, os quais fazem surgir a crise do
significado, a corporificação deste e da compreensão humana se manifesta cada vez
mais, criando padrões de estruturas imaginativas da experiência. Uma das mais
importantes estruturas imaginativas da experiência são, sem dúvida, as projeções
metafóricas, concebidas por Johnson (1987, p.xiv) como um modo pervasivo de
compreensão pelo qual nós projetamos padrões de um domínio da experiência para
estruturar um outro domínio de tipo diferente. A metáfora é, portanto, uma das
estruturas cognitivas chefes, por meio da qua l “somos capazes de ter experiências
ordenadas e coerentes sobre as quais podemos pensar e das quais podemos fazer
sentido. Por meio dela, fazemos uso de padrões que prevalecem em nossas experiências
físicas para organizar nossa compreensão mais abstrata” (JOHNSON, 1987, p.xv). 18
A inserção do “corpo na mente”, para Johnson, ocorreria de dois modos: i)
nossos movimentos e interações em vários domínios físicos da experiência são
estruturados e estas estruturas podem ser projetadas pela metáfora em domínios
abstratos; ii) a compreensão metafórica não é simplesmente uma questão de projeção
imaginativa e arbitrária de alguma coisa em algo, sem nenhum tipo de limite ou
restrição: as experiências corpóreas não só restringem o input das projeções metafóricas
como também operam sobre a própria natureza das projeções, ou seja, sobre os tipos de
mapeamentos que ocorrem entre os domínios. Logo, não é arbitrária, por exemplo, a
projeção que fazemos em MAIS É PARA CIMA. O esquema da verticalidade é
18
We are able to have coherent, ordered experiences that we can reason about and make sense of.
Through metaphor, we make use of patterns that obtain in our physical experience to organize our more
abstract understanding.
41
estruturado a partir de experiências corpóreas cotidianas de, por exemplo, adicionar
líquido a um recipiente e vê-lo encher-se de baixo para cima ou de empilhar objetos e
perceber o empilhamento crescer verticalmente. São essas experiências que fornecem a
base física para nosso entendimento abstrato da quantidade.
O ponto a que Johnson (1987) e, mais tarde, Lakoff e Johnson (1999), Grady
(1987), Fauconnier e Turner (2003) e Feldman (2006) querem chegar é que o fato de
sermos/termos um corpo influencia diretamente o que e como as coisas fazem sentido
para nós. O argumento base que sustenta essa tese é o de que os movimentos corpóreos,
a manipulação de objetos, as interações perceptuais envolvem padrões recorrentes sem
os quais nossas experiências seriam caóticas e incompreensíveis. A esses padrões
recorrentes, Johnson chama de esquemas imagéticos, devido ao fato de eles
funcionarem primariamente como estruturas imagéticas abstratas. São também
gestálticos, na medida em que consistem de partes que só funcionam na sua relação e
organização com o todo (JOHNSON, 1987, p.xix).
Johnson (1987) alega que os esquemas imagéticos tanto geram quanto
restringem os complexos padrões de significado. Dentre esses esquemas, ele destaca a
gestalt da FORÇA. Para sobrevivermos, diz Johnson, dependemos de sermos capazes
de exercemos a força tanto quando agimos sobre um objeto como quando estamos
subjugados por este, isso resulta em um papel fundamental da estrutura imagética da
força em nosso sistema conceptual. Nosso corpo é um aglomerado de forças e todo
evento do qual fazemos parte, consiste, minimamente, de forças na interação, mas só
nos damos conta disso quando a força é extremamente forte. No entanto, a onipresença
dessa experiência torna essa estrutura gestáltica uma das mais importantes para nossa
compreensão e comunicação.
O esquema da FORÇA tem as seguintes características: (i) a força é sempre
experienciada através da interação. Não existe nenhum esquema de força que não
envolva interação ou interação potencial (JOHNSON, 1987, p.43); (ii) nossa
experiência de força frequentemente envolve o movimento de algum objeto através do
espaço em alguma direção, ou seja, esse esquema tem uma propriedade vetorial, uma
42
direcionalidade; (iii) tipicamente, há apenas uma trajetória de movimento, mas em casos
menos prototípicos (explosões, por exemplo) a força se move em múltiplas direções,
criando um número de trajetórias potencialmente infinitas; (iv) forças têm origens ou
fontes e porque elas são direcionais, os agentes podem direcioná-las aos alvos; (v)
forças têm graus de intensidade ou poder; (vi) há sempre uma estrutura ou sequência de
causalidade envolvida. A força, na verdade, é o meio pelo qual realizamos interações
causais e, embora possamos pensar a força em termos abstratos como vetores de força,
todas as forças reais são experienciadas por nós como sequências causais.
No domínio da razão, existem forças relacionadas metaforicamente aos tipos e
estruturas de forças que atuam em nossa experiência sociofísica. Portanto, não é de se
estranhar que nossas ações linguísticas estejam também sujeitas a forças,
metaforicamente entendidas. Assim, argumenta Johnson, além da força física, da força
social e da força epistêmica, existe um nível de dinâmica de forças nos atos de fala
(força ilocucionária), baseada na gestalt da força elaborada metaforicamente e da qual a
metáfora do conduto 19 é um exemplo.
Segundo Kövecses (2006), muitos componentes do sistema conceptual humano
são organizados em termos das dinâmicas de força, ou seja, vários esque mas imagéticos
são centralizados ao redor da noção de “força”. Talmy (1988) foi quem primeiro
observou essa dinâmica e seus reflexos na linguagem. Segundo ele:
A primeira distinção que a linguagem marca é um papel diferente entre as
duas entidades que exe rcem as forças. Uma entidade executora da força é
escolhida para ser o foco de atenção- a questão saliente na interação é se esta
entidade está apta a manifestar sua tendência de força ou, ao contrário, se
está superada. A segunda entidade de força, correlativamente, é considerada
pelo efeito que tem sobre a primeira, efetivamente conquistando-a ou não.
Um evento descrito em termos de dinâmica de forças envolve: (i) as entidades
de força: um agonista e um antagonista; (ii) resultado da interação da força: ação ou
repouso; tendência à força intrínseca: em direção à ação ou ao repouso; equilíbrio de
forças: a entidade mais forte e a entidade mais fraca.
19
REDDY, M. J. The conduit metaphor - a case of frame conflict in our language about language. In. A.
Ortony (Ed.), Metaphor and Thought. 1.ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1979, p. 284-297.
43
A metáfora opera, também, no nível das projeções e elaborações de esquemas
imagéticos e exerce um papel constitutivo na estruturação de nossa experiência
(JOHNSON, 1987; SILVA, 2006). Portanto, “as estruturas conceituais significativas
surgem de duas fontes: (i) da natureza estruturada da experiência corporal e social; e (ii)
de nossa capacidade inata de projetar, pelos mecanismos da razão, certos domínios
estruturados da experiência corporal e interativa, para domínios de natureza abstrata”
(FELTES, 2007).
2.3.1 As metáforas primárias
Lakoff e Johnson (1999) afirmam que somos seres neurais20 e a metáfora
parece ser um mecanismo que nos permite adaptar os sistemas neurais usados em
atividades sensório-motoras para criarmos formas de raciocínio abstrato. Para
esses linguistas cognitivos, qualquer raciocínio demanda o trabalho das estruturas
neurais do cérebro cuja arquitetura determina quais conceitos temos e os tipos de
raciocínio que podemos fazer.
Seguindo uma tendência de otimização de tarefas, o cérebro, segundo os
autores, teria uma estrutura conceptual já formada e a partir dela sofreria acréscimos de
acordo com as necessidades. Da perspectiva biológica, essa estrutura conceptual
primária teria se formado (e ainda se forma) a partir do nosso sistema sensório- motor. A
metáfora tem a função de permitir que imagens mentais convencionais, originadas
no sistema sensório-motor, sejam usadas para a compreensão de experiências
subjetivas.
Na obra Philosophy in the flesh (1999), Lakoff e Johnson descrevem a teoria da
metáfora primária como sendo composta de quatro partes: i) a teoria da conflação, de
Christopher Johnson, cujo argumento é de que, na primeira infância, as crianças tendem
a conflatar experiências cujas bases não são sensório- motoras com experiências de
origem sensório- motora, de tal modo que elas se tornem indistintas. O exemplo típico é
20
“We are neural beings”. Philosophy In The Flesh"-A Talk With George Lakoff .
http://www.edge.org/3rd_culture/lakoff/lakoff_p1.html
44
a metáfora AFEIÇÃO É CALOR, estruturada a partir da sensação agradável de calor,
quando somos segurados pelas nossas mães. Embora a capacidade de diferenciação das
experiências conflatadas surja com o tempo, os mapeamentos interdomínios da primeira
infância permanecem ativos, daí a recorrência de expressões linguísticas metafóricas
como recepção calorosa, pessoa distante; ii) a teoria da metáfora primária, de
Grady: afirma que há metáforas moleculares (atômicas) que formam as metáforas
complexas. Essas metáforas atômicas, surgidas naturalmente pela conflação, são as
metáforas primárias; iii) a teoria neural da metáfora, de Narayanan, cujo argumento
defende uma ancoragem neural dos mapeamentos feitos no período da conflação: após
serem ativados mais de uma vez, as conexões neurais tornar-se-iam permanentes,
formando uma rede neural que serviria como base para as implicações metafóricas; iv)
teoria da mesclagem conceptual, de Fauconnier e Turner que parte do princípio de que
domínios distintos podem se mesclar para formar um terceiro domínio.
Lakoff e Johnson (1999), em sua teoria integrada (as quatro partes da teoria da
metáfora primária postas juntas), chegam às seguintes conclusões: 1o ) adquirimos um
grande sistema de metáforas primárias de modo totalmente automático e inconsciente,
simplesmente por estarmos vivos e ativos desde os mais tenros anos; 2o ) nós não temos
o menor controle sobre esse processo de formação e aquisição das metáforas primárias.
2.3.1.2 A metáfora primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS
Na descrição das metáforas primárias de Lakoff e Johnson (1999) são
considerados três aspectos essenciais à sua formação: o julgamento subjetivo; o domínio
sensório-motor e a experiência primária. O julgamento subjetivo é uma experiência
subjetiva, vivenciada a partir de uma experiência paralela e simultânea a uma operação
sensório- motora.
No
momento
da
conflação,
essa
correlação
se
instancia
neurologicamente, estruturando uma rede neural que servirá de base para diversas
implicações metafóricas.
45
Na descrição da metáfora primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS a
instanciação da correlação neural estaria assim esquematizada:
Julgamento subjetivo: realização/obtenção de resultados
Domínio sensório-motor: execução de força
Experiência primária: obtenção de resultado por exercer
força sobre objetos físicos, para
movê-los ou mudá- los.
Na teoria da metáfora conceptual, Lakoff e Johnson (1980[2002]) classificam
os conceitos em duas categorias: a) aqueles que emergem diretamente; b) aqueles que
emergem metaforicamente com base nas nossas experiências. No entanto, admitem os
autores que tal distinção não é clara, sendo a maioria dos conceitos hibridamente
construídos. Dentre esses está o conceito da causalidade que parece ter um núcleo de
emergência direta, que é elaborado metaforicamente. Nessa teoria, a causalidade é
caracterizada como um conceito humano básico, uma gestalt experiencial cujo protótipo
é a manipulação direta. Como esse conceito tem a ver com obtenção de resultados,
podemos afirmar, sem dúvida, que ele é fundamental ao nosso funcionamento no
mundo, já que somos seres inegavelmente intencionais, nas palavras de Tomasello
(1999[2003]) “um agente intenciona l- ou seja, um ser cujas estratégias comportamentais
e de atenção são organizadas em função de metas”. Lakoff e Johnson (1980[2002])
enumeram as doze propriedades prototípicas da gestalt experiencial da causalidade, a
saber:
1- o agente tem como objetivo a mudança de estado do paciente;
2- a mudança de estado é física;
3- o agente tem um plano para atingir o seu objetivo;
4- o plano exige que o agente use um programa motor;
5- o agente tem controle do programa motor;
6- o agente é o principal responsável pela realização do plano;
46
7- o agente é a fonte de energia e o paciente é o alvo da energia;
8- o agente toca o paciente ou com seu corpo ou com um instrumento;
9- o agente realiza o plano de maneira bem sucedida;
10- a mudança no paciente é perceptível;
11- o agente monitora a mudança no paciente por meio de percepção sensorial;
12- há um único agente específico e um único paciente específico.
Segundo Tomasello (1999[2003], p.32), a cognição intencional/causal se
diferencia de outros tipos de cognição, na medida em que exige por parte do indivíduo a
compreensão das relações antecedente-consequente entre eventos externos, sem seu
envolvimento direto. Até aí primatas e humanos dividem uma mesma capacidade. No
entanto, a capacidade humana excede à dos primatas não humanos no ponto em que o
entendimento da causalidade e da intencionalidade também requer o reconhecimento
das forças mediadoras atuantes nesses eventos externos. Estas não são observáveis
diretamente e explicam porque uma sequência antecedente-consequente ocorre de uma
determinada forma, não de outra. Portanto, os processos de raciocínio causal/intencional
têm a mesma natureza: evento antecedente > força mediadora > evento consequente.
Diferentes eventos antecedentes podem produzir a mesma força que causa o evento
consequente. Assim poderíamos ter:
a) O vento sopra, a árvore balança e, consequentemente, a fruta cai.
b) Alguém (um co-específico) sobe na árvore, faz com que ela balance e,
consequentemente, a fruta cai.
c) O próprio sujeito sobe na árvore, faz com que ela balance e, consequentemente,
a fruta cai.
Essa gestalt experiencial de natureza física se representa da mesma forma que
uma gestalt experiencial social que, na hipótese de Tomasello (1999/2003), é a origem
do raciocínio causal, usado para prever e explicar comportamento dos co-específicos,
sendo, somente em um segundo estágio, transposta para explicar e prever o
comportamento de objetos.
47
A primeira compreensão causal de eventos físicos por parte das crianças
deriva, a meu ver, de sua compreensão intencional de eventos
sociopsicológicos externos. Este é o fundamento da compreensão causal,
que emerge, sobretudo, durante o segundo ano de vida. (TOMASELLO,
1999[2003], p.97)
A sequência do raciocínio causal a partir de um evento social seria, por
exemplo, a seguinte:
a) Uma pedra cai, o sujeito se assusta, o sujeito foge.
b) Um predador aparece, o sujeito se assusta, o sujeito foge.
c) Um barulho ocorre, o sujeito se assusta, o sujeito foge.
Lakoff e Johnson (1980[2002]) situam a origem do raciocínio causal na
experiência de manipular diretamente um objeto, já Tomasello (1999[2003]) acredita na
sociogênese desse tipo de raciocínio. Mais coerente com a teoria de mente corporificada
é acreditar que o raciocínio causal nasça da experiência direta com objetos. Há
pesquisas, na área de Psicologia, que comprovam que a fase da criança de jogar
inúmeras vezes um objeto (brinquedo) ao chão para que um adulto o pegue ensina- lhe a
compreender, por exemplo, que quando os pais saem do seu campo de visão, eles, como
os objetos, voltarão para sua companhia. É bem provável também que a cognição
humana se desenvolva a partir dos dois inputs: interação com o meio físico e a interação
com o meio social.
As vantagens do pensamento intencional/causal, para Tomasello (1999[2003]),
seriam duas: i) esse tipo de cognição permite que nós resolvamos problemas de modo
criativo, flexível e presciente. Isso é importante, porque mesmo que o evento
antecedente seja distinto do usual, a observação da presença da força mediadora induz a
um cálculo inferencial do evento conseque nte, ou seja, se a árvore balançar, a fruta irá
cair. Do mesmo modo, diferentes eventos antecedentes podem ser “testados” para
produzir a mesma força mediadora e assim por diante. Logo, o raciocínio causal é um
elemento-chave no controle das situações usua is ou novas; ii) o raciocínio causal tem
poderosa função transformadora em processos de aprendizagem social.
48
2.4 PROBLEMATIZANDO O ESTUDO DA METÁFORA
2.4.1 O sentido literal e o sentido metafórico 21
Se as palavras engatilham algo, o que é que elas
efetivamente engatilham?
(MARCUSCHI, 2007)
Qualquer linguista que resolva escrever sobre metáfora vê-se obrigado, pela
tradição, a assumir que, contrapondo-se
a
um
sentido
metafórico,
existe
necessariamente um sentido literal que lho permite postular. Assim, o pesquisador opta
entre duas atitudes mais correntes: ou assume a existência do sentido literal sem
problematizá-lo, como faz a grande maioria, ou remexe a problemática da literalidade
sem, contudo, chegar a um bom termo.
Verdade é que a noção da literalidade faz mais sentido quando se acredita que a
metáfora é um uso figurativo da linguagem. Também quando se crê que uma expressão
metafórica pode ser parafraseada em linguagem “normal”. Todavia, na medida em que o
olhar sobre o fenômeno da metáfora mudou e as pesquisas, principalmente as
engendradas sob a perspectiva da psicolinguística, se ampliaram, essa noção de sentido
literal entrou em crise, a chamada crise da literalidade (VEREZA, 2007).
Sadock (1992), ao tocar nesse dilema da análise semântica sob uma perspectiva
linguística, conclui que tanto a literalidade quanto a figuratividade não caracterizam
categorias bem definidas, sendo mais bem tratadas como os dois extremos de uma
escala. Rumelhart (1992), por sua vez, adota uma perspectiva psicológica, mas chega,
no entanto, a essa mesma conclusão: a distinção entre linguagem literal e linguagem
metafórica não se reflete numa mudança qualitativa dos processos psicológicos
envolvidos no processamento da linguagem. Do ponto de vista da produção/
compreensão, portanto, a linguagem metafórica não tem um estatuto especial, já que “o
processo de adequar palavras a uma determinada situação é o mesmo nos dois casos
21
Um estudo relevante e pormenorizado dessa questão é feito por VEREZA, 2007.
49
[produzir linguagem literal ou metafórica]- a saber, encontrar a melhor palavra ou
conceito para comunicar a ideia que se tem na cabeça” (RUMELHART, 1992, p.73). 22
Se na esfera da academia a polêmica permanece, a dicotomia sentido literal/
sentido metafórico existe de fato no conhecimento de senso comum que as pessoas têm
sobre a linguagem, metalinguisticamente referida (VEREZA, 2007, p.25), quase
sempre, pela expressão “modo de dizer”. Ocorre, porém, que o que o senso comum
reconhece como metáfora está aquém daquilo que a Teoria da Metáfora Conceptual
garante ser metafórico. Ou seja, as pessoas não têm dificuldade em dizer que o
enunciado a) João é um leão é metafórico, mas se lhes fosse perguntado se há metáfora
na frase b) João está em perigo, provavelmente elas diriam que não. Se em b há
metáfora, vê-se que há um desencontro entre o conceito de literalidade das pessoas e o
dos metaforicistas cognitivos. A dúvida sobre a literalidade ou não de uma sentença
acontece até mesmo com enunciados menos sutis. Rumelhart (1992) dá como exemplo
João é uma pessoa fria.23 Segundo ele, se fosse perguntado se a sentença é literalmente
verdadeira em um contexto em que se pudesse interpretar João como uma pessoa pouco
afetiva, as respostas seriam no mínimo três: i) não, João não é realmente frio, portanto
é metafórico; ii) sim, “frio” tem várias acepções e uma delas é ser “ pouco afeito a
emoções”; iii) em parte sim, e em parte não. Originalmente “frio” na acepção de
pouco emocional é metafórico, mas esse uso se convencionalizou, tornando-se um
idioma. Dentro do idioma, o enunciado é literal.
Cada uma dessas respostas implica crenças e questionamentos bastante
diferentes. Na alternativa (i) nos vemos diante da complexa tarefa de decidir o que é e o
que não é metáfora, incluindo aí as metáforas convencionais; se escolhemos a (ii)
fechamos os olhos a uma rica relação que existe entre temperatura de um lado e estados
emocionais de outro 24 , refletidos em diferentes expressões linguísticas, como cabeça
quente, sangue frio, recepção calorosa, soltando fumaça pelas ventas, e usos
corriqueiros como o exemplo a seguir:
22
“Yet the process of applying words to situations is much the same in the two cases- namely that of
finding the best word or concept to communicate the idea in mind”.
23
RUMELHART, D. 1992,p.80.
24
Vale lembrar os trabalhos de Kövecses ( 1986;1995) sobre a raiva.
50
A mensagem tem tudo pra ser minha vida. Convivo o tempo todo com gente
morna. E o pior é que sou quente ou fria. Não há nada de pior do que a
omissão.
(http://somostodosum.ig.com.br/blog/blog.asp?id=1320 )
Se, em contrapartida, adotamos a alternativa (iii), sofreremos o julgo de sermos
acusados de falta de rigor teórico, além de termos de explicar a diferença de natureza
entre os idiomas do tipo (iii) e, por exemplo, os plenamente especificados como “bater
as botas” ou ainda aqueles cuja origem metafórica não é tão visível, conforme a
expressão “valer a pena”.
Portanto, a crença na existência do sentido literal representa uma escala que vai
desde a afirmação de que não existe sentido literal nem metafórico, só existe o sentido,
passa pela assunção de que sentido literal e metafórico convivem em plena harmonia e
chega ao ponto máximo com a afirmação de que só existem sentidos metafóricos.
.
Segundo Marcuschi (2007), o foco da polêmica sobre o sentido literal está em se
determinar quando o contexto opera no processo cognitivo de modo que sentidos nãoliterais sejam evocados. Apoiado fortemente no artigo de Giora (2002), Marcuschi cita
três modelos teóricos que tentam estabelecer o papel do contexto na criação do sentido.
São eles: (i) o modelo pragmático estândar; (ii) o modelo do acesso direto e, por fim,
(iii) a hipótese da saliência gradual. O primeiro modelo (modelo das implicaturas de
Grice) se apóia na noção de prioridade temporal e alega que o contexto só é acionado
quando há incompatibilidade entre a interpretação inicial (sem influência externa) e
aquela que se deseja. Logo, haveria uma interpretação literal obrigatória em primeira
mão e, em caso de incompatibilidade, recorrer-se- ia a ajustes de sentido compatíveis
com o contexto. O sentido não- literal, pois, seria acessado apenas por processos
inferenciais. O segundo modelo, descrito em Giora (2002) e citado por Marcuschi
(2007), é o modelo de acesso direto, cujo defensor mais notório é Raymond Gibbs. Ta l
modelo considera que a única significação compatível é aquela relativa e adequada ao
contexto. A hipótese da saliência gradual, por sua vez, baseia-se em experimentos que
mostram que não processamos primeiro um sentido literal, daí a Hipótese da saliência
51
gradual (HSG) que trabalha com a noção de sentidos salientes, isto é, aqueles
codificados primeiro independentemente de qualquer outro sentido literal ou contextual.
A saliência, segundo Giora (2002) é uma questão de grau, determinada pela freqüência
da exposição e da familiaridade experiencial com as significações em questão. Embora
a autora afirme a independência do contexto na HSG, este tem papel predominante já na
seleção do sentido a ser salientado, como bem nota Marcuschi (2007, p.88):
Na realidade vejo uma dificuldade não tratada por Giora em (2002) e (2003) que é
a presença do contexto já na seleção do sentido saliente. Pois me parece que
saliência é uma função contextual e deveria ser tratada como tal. Assim saliência
seria sempre ligada a um contexto mínimo.
As pesquisas em Linguística de Corpus que estão em voga na agenda dos
estudos da linguagem têm verificado exatamente isso: a recorrência de determinados
contextos e de determinados sentidos faz com que nem sempre o tradicionalmente
chamado “sentido literal” seja o mais frequente. O contínuo da saliência, portanto, se
ancora em quatro propriedades básicas (GIORA, 2003): a) frequência; b) familiaridade;
c) convencionalidade e d) prototipicidade/ estereotipia.
A adoção da hipótese da saliência gradual mostra-se uma opção teórica
interessante diante da polêmica dicotomia sentido literal/ sentido não-literal, na medida
em que o contexto já se encontra embutido na própria noção de saliência, tornando sem
sentido a classificação literal, não-literal, além do que admite certa autonomia da mente
em relação a significados descontextualizados, o que vai ao encontro da nossa intuição
como falantes e linguistas: “A informação contextual não pode dominar inteiramente
nosso pensamento (...) Se [o contexto] dominasse inteiramente nosso pensamento ele
solaparia o código linguístico”(GIORA, 2003).
Tem-se visto nas pesquisas linguísticas mais recentes que a sustentação de
noções elementares básicas em termos de contínuo, de gradiência, é muito mais
producente do que a manutenção de dicotomias e polaridades que raramente resistem ao
primeiro teste. Em 1997, Goatly também situou a discussão da diferença entre sentido
literal e metafórico em termos de contínuo:
52
Nossa conclusão geral será a de que esta distinção é frequentemente uma questão de
grau [...] Para entender o contínuo entre a linguagem metafórica e a literal, a natureza
parcialmente indeterminada da comunicação e a indistinção dos conceitos linguísticos
25
precisamos entender como a comunicação funciona.
Goatly (1997) propõe um modelo comunicativo composto de cinco estágios: a)
um estado de coisas real e de natureza física; b) o pensamento do falante, de natureza
mental, portanto; c) a proposição, que é o mais relevante por portar os pensamentos do
falante, também mental; d) o texto com o qual se pretende comunicar ao outro a
proposição desejada por meio de signos, ou seja, um artifício físico. O texto é
decodificado pelo ouvinte para carregar a proposição completa, e e) a interpretação do
pensamento do falante em termos do que o ouvinte acha que o falante quer comunicar.
Para Goatly, portanto, é o tamanho da distância entre a proposição expressada e o
significado pretendido que estipula uma maior ou menor metaforicidade: quanto maior
a distância, mais metafórico o enunciado. Seria simples, desse modo, distinguir entre
significados literais e metafóricos, porém o desalinhamento entre nossos conceitos e o
mundo, os limites embaçados da prototipia, a vaguidade e a indistinção dos conceitos
semânticos tornam essa tarefa impossível. A única possibilidade de sucesso nessa
empreitada seria concordar que:
o que os termo s da proposição significam terá de ser negociado no contexto
social e de acordo com o co-texto.(...) A metáfora está localizada na interface
entre a estabilidade e a unidade do sistema linguístico e a mutabilidade e
26
diversidade de seu uso operacional no contexto ( GOATLY, 1997, p.23).
Negar a estabilidade e a unidade do sistema linguístico, contudo, levar-nos- ia a
admitir o caos e a revivescência da Torre de Babel. Uma expressão como “voltar para
casa”
tem,
inegavelmente,
um
sentido
estável
que
nos
permite
dizer,
independentemente do contexto, o que ela, a princípio, significaria. É inegável que, no
contexto, a forma linguística ganha outros matizes e se enriquece. Na moldura do
futebol, por exemplo, quando se diz que um determinado time “voltou para casa” está se
25
“Our general conclusion will be that the distinction is often a matter of degree (...)To understand the
continuum between metaphorical and literal language, the approximative nature of communication and
the general fuzziness of linguistic concepts we need to understand how communication works”.
26
“what the terms in the expressed proposition mean will have to be negotiated in the social context and
according to the co-text.(…) Metaphor is located at the interface between the stability and unity of the
language system and the mutability and diversity of its operational use in context”.
53
dizendo também que ele perdeu e foi desclassificado de uma disputa. Em outras
molduras, tal expressão pode significar a retomada de um casamento, o fracasso
profissional de alguém, dentre outros sentidos possíveis. O grande equívoco que as
diferentes linhas de pesquisas cometem ao tratar explícita ou implicitamente a questão
do sentido literal é, penso eu, ignorar dois pressupostos básicos do sociocognitivismo:
1) o princípio da escassez do significante; 2) a contribuição fundamental da Construção
Gramatical na produção/interpretação do sentido (SALOMÃO, 1997; 1999).
Fácil é comprovar que os signos linguísticos são, por natureza, escassos. O
muito que dizemos se deve em parte aos poucos signos que usamos e em grande parte à
moldura comunicativa na qual enquadramos o discurso, ao nosso interlocutor, às
condições de produção do texto, enfim a uma gama bastante ampla de variáveis. Um
enunciado como A seleção brasileira volta para casa mais cedo capitaliza tantas
pressuposições que o sentido do todo se torna riquíssimo. Sabemos, por essa única
expressão, que (i) a seleção do Brasil saiu do país para disputar um torneio; (ii) a
seleção do Brasil foi derrotada; (iii) a seleção brasileira perdeu a possibilidade de vencer
a disputa, donde se configura um caso de “evocação metonímica da totalidade
complexa, via processo compressivo” (SALOMÃO, 2009a, p.24).
Mais difícil, no entanto, é perceber a contribuição da Construção Gramatical na
soma total do sentido de um enunciado. Todavia, de Aristóteles (A velhice é a tarde da
vida) a Shakespeare (Julieta é o sol) a ubiquidade da metáfora se faz ver pela
Construção X é Y. E isso não ocorre por acaso: tal Construção coloca sob a lupa a
identificação do domínio-alvo (X) a partir do domínio-fonte (Y). Segundo Croft e Cruse
(2004) a Construção X é Y instancia metáforas incomuns na linguagem cotidiana, ou
seja, mais criativas e menos convencionalizadas. No PB, entretanto, existe uma lista
bem grande de expressões metafóricas configuradas nessa Construção e cujo grau de
convencionalidade não se discute. Tomo, como exemplo, as seguintes expressões
linguísticas metafóricas:
Fábia é uma galinha.
O Alexandre é um doce.
54
Minha sogra é uma cobra.
Meu pai é uma mãe.
Meu namorado é um cachorro.
O que distingue essas metáforas de outras ditas mais convencionais me parece
ser o fato de nestas a interpretação metafórica ser inequívoca e consciente, devido à
Construção Gramatical que as instancia. Em um nível mais sutil e, por isso, menos
consciente, estão as expressões metafóricas que revelam metáforas convencionais, as
chamadas metáforas conceptuais, estudadas por Lakoff e Johnson. Nessas também a
Construção Gramatical tem papel preponderante. Para pensarmos sobre isso, proponho
a contraposição de dois enunciados potenciais: a) Rebeca está alucinada; b) Rebeca está
na pior. Pelo princípio da não sinonímia gramatical27 , Goldberg (1995) afirma que,
embora se tenha uma configuração sintática muito semelhante, na medida em que essas
sentenças não são iguais, instanciam, pois, Construções Gramaticais diferentes. A
diferença está no uso da preposição locativa “em” em posição predicativa, acompanhada
de um adjetivo, o que sugere a conceptualização metafórica ESTADOS SÃO
LUGARES. Portanto, a Construção b promove uma interpretação metafórica, porém
devido ao grau de convencionalidade dessa Construção, no eixo da sincronia, os falantes
não se dão conta desse índice de metaforicidade.
2.5 METÁFORA E HIPÉRBOLE
Desde o primeiro momento em que a metáfora passou a ser objeto de estudo,
independentemente do ponto de vista sob o qual foi abordada, sua função na linguagem,
no pensamento ou no discurso foi também objeto de especulação.
Nesse percurso, a metáfora já teve a função de ornar os discursos, torná- los
poéticos, também já foi reconhecida como recurso retórico capaz de enganar. Desde que
Lakoff e Johnson (1980 [2002]) restituíram à metáfora o seu estatuto de operação
cognitiva fundamental, as pesquisas sobre esse assunto têm procurado revelar o papel
27
Toda diferença na forma sintática leva a uma diferença no significado (ver p.81).
55
(ou papéis) do raciocínio metafórico no sistema conceptual humano. Em outras
palavras, a busca que se empreende nas pesquisas que acreditam ser a metáfora uma
ferramenta cognitiva primordial procura responder à pergunta: afinal, a metáfora nos
serve para quê?
Os dois autores citados, seguindo um raciocínio coerente com a própria
definição que dão à metáfora, ou seja, experienciar um domínio abstrato em termos de
outro domínio mais concreto, alegam que essa ferramenta cognitiva nos ajudaria a
compreender melhor o mundo e, portanto, a melhor agir nele. Essa função, embora
fundamental ao nosso sistema conceptual, não é a única que a metáfora parece
desempenhar. O primeiro argumento do qual me valho é o fato de haver metáfora mesmo
entre domínios que são concretos, como se nota no texto de Drauzio Varela :
MAL DESEMBARQUEI no aeroporto Santos Dumont, dei de cara com uma jiboia
contorcida que avançava em passo de procissão.
Se o texto de Drauzio Varela parasse onde parei, qualquer leitor interpretaria as
primeiras linhas como se houvesse, sabe-se lá por quê, uma serpente da espécie jiboia
solta pelo aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Todavia, com a continuação do
artigo, Drauzio esclarece para o leitor o que ele está chamando de jiboia:
Era uma fila longa e grossa constituída por mulheres com trajes formais e homens de
terno escuro, ejetados pelos aviões que aterrissavam no primeiro horário da manhã.
28
Na escala de concretude, tanto fila quanto jiboia ocupam a mesma posição. Os
mapeamentos que Varela faz entre o domínio-alvo fila e o domínio- fonte jiboia não
parecem ter uma motivação unicamente epistemológica, mas também uma necessidade de
compartilhamento da experiência subjetiva. Ao se deparar com uma fila longa, grossa e
com pontos escuros, esta evocou imediatamente uma imagem por ele já conhecida, a da
jiboia, e para compartilhar não só o conhecimento, mas também a experiência, Varela cria
a metáfora. Fica claro, também, que esta é uma metáfora hiperbólica, exatamente para
28
VARELA, Drauzio. A preguiça humana. Folha de São Paulo, seção Ilustrada, 12 de abril de 2008.
56
compartilhar a experiência de surpresa e espanto, vivenciada por Varela, ao ver tamanha
fila para o elevador, composta por pessoas que não queriam subir alguns poucos lances de
escada. Logo, além de seu caráter inegavelmente epistêmico, a metáfora possui também a
propriedade de compartilhar experiências.
Goatly (1997), considerando as três metafunções descritas por Halliday, a
saber, a função ideacional, a função interpessoal e a função textual, reconhece treze
funções da metáfora: 1) preenchimento de lacunas lexicais; 2) explicação e modelização;
3) reconceptualização; 4) argumento por analogia ou raciocínio falso; 5) ideologia; 6)
expressão de atitude emocional; 7) decoração, disfarce e hipérbole;
8) cultivo de
intimidade; 9) humor e jogos; 10) chamadas metafóricas para a ação ou resolução de
problemas; 11) estruturação textual; 12) ficção; 13) aumento da memorização, do
foregrounding e da informatividade. Não se trata, aqui, de dizer que uma função exclui
necessariamente a outra. Não raro, elas se sobrepõem.
A metáfora hiperbólica cumpriria, com maior predominância, a função de
número 13, ou seja, caberia a ela a tarefa de aumentar a memorização, o foregrounding e
a informatividade do texto. De certo modo, alega Goatly (1997, p.164), todas as metáforas
são hiperbólicas, “porque elas dão peso extra às propriedades da similaridade”. 29 No
entanto, ele chama de metáforas hiperbólicas àquelas que prendem a atenção, podendo
aumentar a memorização, devido ao seu exagero deliberado, representando um
movimento ao longo de uma escala de tamanho, quantidade ou violência. Esse tipo de
metáfora combina dois propósitos: (i) expressa emoção e (ii) prende a atenção, resultando
em contribuição efetiva para o foregrounding. Por isso, as metáforas hiperbólicas acabam
sendo altamente informativas, compactando muitas ideias em um curto espaço. Além da
natureza hiperbólica das metáforas em geral, Goatly (1997) chama a atenção para a
atração exercida pela hipérbole nas interações faladas e na linguagem dos jornais. Neste
caso, a hipérbole ocorre como força de persuasão para formar opinião.
29
A similaridade é definida nos termos de Tversky, ou seja, como modelo de contraste: a similaridade, S,
entre A e B é uma função das propriedades compartilhadas por A e B (An B) e o peso dado a elas (?f),
menos as propriedades possuídas por A, mas não por B (B – A) e o peso dado a elas (ßf). A escala f
representa o peso, a ênfase ou saliência particular dados à similaridade ou contraste. O peso depende da
saliência psicológica e pode não corresponder a similaridades lógicas e contrastes (GOATLY, 1997, p.
119)
57
No dia 3 de março de 2008, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre uma
manifestação popular ocorrida na Cidade de Deus, devido à morte de uma camareira,
que foi atingida por tiros disparados por policiais, enquanto lavava roupa em sua casa.
O marido, ao ser entrevistado, disse:
“Os policiais entraram atirando e mataram uma borboleta. Minha mulher não fazia
mal a ninguém. É uma tragédia. Ela morreu lavando a camisa do uniforme da nossa
filha”. 30
Nesse discurso, a metáfora usada por um homem comum, do povo, serve a
muitos propósitos: sem dúvida, que ela embeleza seu discurso, tornando-o mais poético e
mais como vente. Inegável, também, que a metáfora escolhida funciona como recurso de
retórica, fortalecendo a argumentação de que o crime cometido pelos policiais foi de uma
estupidez gigantesca. Fica parecendo ainda que, ao escolher como domínio- fonte
borboleta para fazer mapeamentos relacionados ao domínio-alvo esposa, o que o marido
da camareira quis, realmente, foi enfatizar, hiperbolizar suas características mais
relevantes ao contexto, a saber: sua fragilidade e sua inocência.
Na linguagem cotidiana, a metáfora é usada a todo o momento como
hipérbole. Não é à toa que pessoas que bebem muito são chamadas de “esponjas” e que,
da mesma forma, aqueles que comem muito são chamados de “dragas”, como mostram os
exemplos abaixo:
1) Dona esponja já incorporou
Já incorporou brahmará
Se alguém cantar pro seu santo subir
Vai perder o topete, vai, vai, vai
Dona esponja esculachaØ
Bebe mais de cinco caixas
Sem usar o toalete31
30
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2008/03/07/moradores_da_cidade_de_deus_fazem_nova_manifestacao_
apos_enterro_de_camareira -426128530.asp
31
Trecho da letra de música Dona Esponja, de autoria de Zeca Pagodinho. Álbum Outros
58
2)Quinta-feira, 13 de Março de 2008
Scarlett Johansson é uma draga nas horas vagas
Que duelo de gigantes!! De um lado
Scarlett Johansson, de outro o perigoso alface! Ali ao lado ainda resiste bravamente
uma bananinha frita..coitada...que treme já prevendo que a hora derradeira está
chegando!!E quantos refrigerantes a tarada tomou? Cruzes, haja líquido para descer
tanta comida!!Gatta, cuidado que isso ao lado é Celular, não vai jogar katchup
pensando ser mais um pedaço de carne!!
(http://topadanasestrelas.blogspot.com/2008/03/scarlett-johansson-uma-draga-nas-horas.html )
Há, no PB, além das Construções lexicais simples, Construções Gramaticais
mais complexas que garantem a leitura da metáfora como hipérbole. A primeira delas se
instancia em enunciados como:
a) Aquilo não é uma mulher, é um avião.
b) Isso não é um homem, é um monumento.
Outra Construção que direciona a metáfora a uma leitura hiperbólica se realiza
em enunciados como os exemplificados abaixo:
c) Vilma é a Marilyn da Favela.
d) Guilherme é o Pelé do time.
59
A Construção Gramatical de Hiperbolização, não raro, aparece em contextos
nos quais se contrapõem duas ações desempenhadas pela entidade-sujeito, sendo que a
primeira recebe uma leitura menos enfática que a segunda, como mostram os exemplos:
e) Jogou muito mesmo. Acho que ele não tem empresário forte pra jogar ele lá.
Mas joga muito mais bola que todos.
Alex não joga1 ele humilha 2
www.coritibafc.com.br/forum/index.php
Segundo Israel (1996), os itens lexicais possuem duas propriedades semânticas
que são fundamentais na leitura de escalas pragmáticas (FAUCONNIER, 1975; 1980):
o valor quantitativo (valor- Q) e o valor informativo (valor-I). O valor-Q pode ser alto
ou baixo e se refere à posição do elemento dentro de uma ordem escalar, refletindo o
fato notório de que uma porção mensurável de itens léxicos codifica alguma noção de
quantidade ou grau; já o valor-I pode ser enfático ou abrandado e diz respeito à questão
de que, no contexto e com relação às expectativas de base, algumas proposições são
mais informativas do que outras. Ao caracterizar qualquer situação, um falante pode
explorar esse recurso para apresentar sua enunciação como fortemente informativa e,
por isso, enfática ou como fracamente informativa, portanto, abrandada, de acordo com
seu objetivo comunicativo.
No caso da leitura da metáfora como hipérbole, estamos diante de uma escala
semântica que eleva o nível de informatividade da sentença, tornando-a enfática. Israel
(1996) define as sentenças enfáticas como sendo aquelas que fazem uma afirmação mais
forte do que o que era esperado. O valor-I, portanto, é uma propriedade sentencial. No
entanto, por processo metonímico, pode vir a se tornar parte da semântica lexical, se o
item léxico ocorrer frequente e sistematicamente em contextos enfáticos, passando a ser
estereotipado como carregando uma força pragmática enfática. Logo, o valor-I é
também uma propriedade pragmática das Construções na medida em que codifica uma
atitude do falante frente ao conteúdo comunicado: enunciados enfáticos expressam
envolvimento e compromissos intensos com o que é dito.
60
2.6 COMO A METÁFORA PODE DAR SENTIDO À FORMA 32
É notório o fato de que a TMC sempre privilegiou, em suas análises, a faceta
cognitiva da metáfora, relegando a um segundo plano a pesquisa da instanciação
linguística dessa operação cognitiva. Lakoff e Johnson (1980[2002]) não hesitam em
afirmar que as expressões linguísticas metafóricas são evidências das metáforas
conceptuais que estruturam nosso pensamento, sendo, pois, “janelas para a cognição”. No
entanto, sabem os fundadores da TMC que a influência da metáfora no pensamento se faz
de igual tamanho na linguagem, ainda que, nos momentos iniciais da TMC, essa
importância tenha ficado sub focalizada.
Esses autores argumentam que a metáfora pode, sim, dar sentido à forma
linguística. Uma das evidências desse fato seria a própria linearidade da fala e da
escrita, que, segundo eles, recobre a nossa metaforização do tempo como espaço,
transposta para a linguagem. “Esse fato cria ligações diretas e automáticas entre forma e
conteúdo,
com
base
em
metáforas
gerais
de
nosso
sistema
conceptual”
(1980[2002], p.220). A metáfora, portanto, é fonte de motivação da forma
linguística.
A metaforização espacial da linguagem leva, inevitavelmente, a outros
desdobramentos. Um deles é a crença de que MAIS FORMA É MAIS CONTEÚDO.
Por isso, quando queremos intensificar, enfatizar ou hiperbolizar uma enunciação,
recorremos, frequentemente, à repetição de palavras:
30 Novembro, 2006 00:21
menina tamarindo. disse...
ah nem me fale nisso. hoje acabei de perder meia hora da minha inutil exitencia vendo um
psiquiatra diretor-sei-la-o-que de um ambulatorio exclusivo para transtornos alimentares e
o jo só falou falou falou falou o que ele achava e falou e falou e falou. e o convidado lá
com cara de tacho (ou taxo, não sei).
32
O título desta seção remete ao capítulo 20 da obra Metáforas da vida cotidiana (LAKOFF;
JOHNSON, 1980[2002]).
61
Outros recursos, como o alongamento de uma vogal ou sílaba e a separação de sílaba
por sílaba de algumas palavras, refletem essa mesma conceptualização.
Terça-feira, 5 de Fevereiro de 2008
MA-RA-VI-LHO-SO!
Pessoal, é o que vos posso dizer. Foram três dias fantásticos, com muita aventura e
diversão pelo caminho… Choveu muito, mas não impediu que a descoberta fosse
espectacular! As cores, o cheiro da terra molhada, o som da água… Para NUNCA
esquecer!
http://brincosdecereja.blogspot.com/2008/02/ma -ra -vi-lho-so.html
Marista, o Arqui não pecava pela qualidade da formação cultural de seus mais de
3.000 alunos. Tínhamos teatro, cinema, dança, música, fanfarra e até coral, além,
obviamente do catecismo deliciooooso do Irmão Segismundo (muitas vezes em
latiiiiiiim). Fui expulso 2 vezes! Pudera, o homem marcava as aulas para as 7:00h
de domingo e antes da missa, a qual éramos obrigados a ir. Perdia ponto quem não
freqüentava. Sério!
http://ideiadejerico.com/?p=312
Um desdobramento da conceptualização espacial da linguagem seria, também,
a interpretação de que QUANTO MAIOR A PROXIMIDADE, MAIOR O EFEITO,
cujas evidências se mostram: (i) apenas no nível semântico:
De acordo com o ministro, um dos mais próximos a Lula, o presidente já explicou,
em conversas internas, que nunca tomou empréstimo algum. “O que eu tenho a
dizer é o que eu ouvi do presidente. Que ele não tomou empréstimo do PT, não
reconhece empréstimo do PT, não pagou empréstimo do PT”, disse.
(http://www.diarioon.com.br/arquivo/4154/nacional/nacional-36776.htm)
62
No exemplo,
o uso da expressão um dos mais próximos significa com maior
influê ncia; ou (ii) também no nível sintático no qual se tem uma proximidade de forma
alterando a semântica do enunciado, como, por exemplo, em a)Eu não estou feliz; e b)
Eu estou infeliz, em que o efeito da negativa se faz mais forte em b devido ao fato de o
prefixo de negação in- estar agregado, ou seja, o mais próximo possível do adjetivo a
que nega.
Os enunciados causativos também são sensíveis à conceptualização QUANTO
MAIOR A PROXIMIDADE, MAIOR O EFEITO, pois “quanto MAIS PRÓXIMA
estiver a forma que indica a RELAÇÃO DE CAUSALIDADE da forma que indica o
EFEITO, MAIS FORTE será o vinculo causal” (LAKOFF e JOHNSON,1980[2002],
p.226). O uso de predicadores causativos que amalgamam causa e efeito em um evento
único, matar, por exemplo, promove uma inferência de causalidade mais forte e mais
direta, conforme podemos perceber nas sentenças: c) Os traficantes mataram três
rapazes da favela; d) O tenente do exército fez com que três rapazes da favela
morressem. Os exemplos c e d mostram que diferenças na forma indicam diferenças,
ainda que sutis, no sentido e a “natureza dessas diferenças é dada pela metáfora
QUANTO
MAIOR
A
PROXIMIDADE,
MAIOR
O
EFEITO ” (LAKOFF;
JOHNSON,1980[2002], p.226).
Os vínculos existentes entre a forma linguística e seu conteúdo, intermediados
pela metáfora, podem ser notados desde a prosódia até o uso aparentemente arbitrário de
algumas preposições. Portanto, as metáforas desempenham um papel importante na
caracterização das regularidades da forma linguística, criando uma coerência com o
nosso sistema conceptual que é também metafórico. A essa inter-relação coerente entre
forma e conteúdo, via metáfora, estamos chamando de coerência metafórica da
gramática.
63
3 GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES E TEORIA COGNITIVA DA
METÁFORA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
A Linguística Cognitiva colocou em sua pauta a Teoria da Metáfora
Conceptual (TMC), conforme desenvolvida por Lakoff e Johnson na década de 80. Por
sua vez, também, a gramática cognitivista assumiu, como modelo de descrição
linguística, a teoria da Gramática das Construções. Nada mais natural, portanto, que
ambas as teorias: a Teoria da Metáfora Conceptual e a Gramática das Construções se
casassem
para
dar
aos
fenômenos
linguísticos
figurativos
um
tratamento
descritivamente mais adequado.
Nessa empreitada de coadunar duas teorias linguísticas relativamente recentes,
os construcionistas se apoiam em dois conceitos de fundamental importância para os
cognitivistas: a noção de extensão e a noção de esquema.
O uso da noção de extensão relacionada ao estudo da metáfora não é novo. Em
um primeiro momento, aqueles usos linguísticos aos quais a gramática tradicional não
podia dar uma explicação totalmente lógica sempre foram designados de extensão
metafórica. No âmbito dos estudos linguísticos, a noção de extensão caminha lado a
lado com a noção de polissemia, por serem dois conceitos correlatos (SILVA, 2006).
Todavia, a polissemia transita, segundo Silva (2006), no plano intensional da
significação, já a extensão é fenômeno típico da referência. Em um segundo momento,
exatamente dentro da agenda cognitiva dos estudos da linguagem, a noção de extensão
deu as mãos a outro conceito primordial: a noção de protótipo.
Da mesma forma, o conceito de esquema foi percebido pelos construcionistas
como a noção capaz de fazer a ponte entre a TMC e a Gramática das Construções: as
metáforas conceptuais, em especial as metáforas primárias, são concebidas como frutos
de abstração e formadoras de esquemas conceptuais. As Construções Gramaticais
básicas, por sua vez, são vistas como representativas de esquemas conceptuais também
básicos, padrões abstratos de experiências humanas relevantes (cenas básicas da
experiência humana). Tais padrões são formados a partir de, por exemplo, movimentos
64
corpóreos através do espaço, manipulação direta de objetos, dinâmica de forças, dentre
alguns outros. Os esquemas, segundo Mandelblit (1997), “são ferramentas para
organizar nossa compreensão e comunicação e podem estruturar muitas percepções,
imagens e eventos”. Eles, portanto, têm papel fundamental na produção/ interpretação
metafórica, assim como, já se sabe hoje em dia, na aquisição da linguagem pelas
crianças (TOMASELLO, 1992, 1999, 2003).
3.1 A GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES : PANORÂMICA GERAL
O paradigma teórico que antecede a abordagem construcionista é o da
gramática gerativa e, por isso, ambas as abordagens compartilham alguns pressupostos
fundadores, a saber: que a linguagem é um sistema cognitivo; que deve haver um modo
de combinar estruturas para se criar novos significados (potencial criativo das línguas);
que uma teoria da aprendizagem linguística bem delineada é necessária. Em termos de
divergências teóricas, gerativismo e construcionismo discordam quanto ao formalismo
exacerbado do primeiro, desconsiderando as facetas semântica e discursiva da
linguagem. Também não cabe na abordagem construcionista a formulação de estruturas
derivadas, nem de níveis sintáticos subjacentes, nem de elementos fonológicos vazios.
Croft e Cruse (2004) definem a Gramática das Construções como o estudo da
sintaxe no escopo da Linguística Cognitiva. Boas e Fried (2005) afirmam que o berço
dessa teoria é Berkeley e o pontapé inicial de todas as pesquisas nessa abordagem é o
artigo de Fillmore, Kay e O’Connor (1988) Regularidades e idiomaticidades nas
Construções Gramaticais. Esses mesmos autores colocam a Gramática das Construções
como uma confluência de interesses em diferentes áreas: linguística, cognição,
antropologia, filosofia e computação, cuja crença mais evidente é a de que a forma
linguística está intimamente ligada a seu significado e à sua função comunicativa e é
exatamente essa ligação que deve se constituir como base de uma teoria descritiva e
explanatoriamente adequada da estrutura linguística (BOAS; FRIED, 2005).
65
Na abordagem da Gramática das Construções, o termo Construção adquire,
pois, um sentido distinto do tradicional, isto é, deixa de ser visto apenas como expressão
linguística que consiste de várias partes e passa a ser visto como associações
convencionalizadas entre a forma linguística, o significado e a função comunicativa. O
estatuto das Construções Gramaticais também muda: de simples rótulo de qualquer
coisa maior que a palavra, as Construções Gramaticais passam a ser encaradas como
unidades básicas da análise linguística.
O vínculo indissociável entre forma, significado e função comunicativa implica
alguns desdobramentos naturais: i) as Construções Gramaticais são entidades simbólicas
e, portanto, significativas (SILVA, 2006, p.261); ii) se as Construções Gramaticais são
da mesma natureza que os itens lexicais, logo léxico e gramática não se separam; iii) se
o significado só se manifesta na situação comunicativa, também não faz sentido separar
a semântica da pragmática; iv) à semelhança dos itens, as Construções Gramaticais de
uma determinada língua constituem um inventário estruturado, regido por relações
conceptuais de mesma natureza.
Depois de uma panorâmica geral, volto um pouco aonde tudo começou para
tentar trilhar o caminho que levou os estudiosos da linguagem a defenderem desde a
crença na existência da Construção Gramatical como entidade simbólica até a
concepção de que essas Construções são de natureza corpórea. No artigo de 1988,
Fillmore, Kay e O’Connor estudam minuciosamente a expressão inglesa Let alone e
comprovam que as propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas não poderiam ser
descritas por regras gerais da língua, mas poderiam ser explicadas pelas regras que
governam a Construção Let alone e algumas Construções a essa relacionadas. Dentre as
regras construcionais que governam a Construção Let alone, Fillmore et al. enfatizam o
fato de que, embora sintaticamente essa expressão pudesse ser descrita como uma
conjunção coordenativa, o uso dessa Construção não ocorre em todos os contextos nos
quais se usa a conjunção and. Ainda em termos sintáticos, tal Construção não permite a
elipse do sintagma verbal, como permitem as conjunções comparativas. Em termos
semântico-pragmáticos, Let alone é uma Construção de duplo ou mais focos com uma
prosódia característica, que ocorre em contextos negativos (item de polaridade negativa)
66
nos quais outros itens de mesma polaridade não ocorrem. Fillmore et al. observaram,
portanto, que tanto a sintaxe quanto a semântica da Construção Let alone são complexas
e não totalmente previsíveis a partir da estrutura sintática. A conclusão dos autores é
que para interpretar essa Construção, o interpretante precisa construir um modelo
escalar e as proposições devem ser passíveis de serem medidas pela mesma escala, de
terem a mesma polaridade. Quanto aos contextos em que a Construção Let alone tem
sucesso, Fillmore et al. observam que o contexto discursivo otimizado é um em que a
proposição mais fraca (menos informativa) está em discussão, sendo que tal proposição
rejeita ou aceita esse contexto, o falante sabe que a proposição mais forte (conjunção
inicial) é verdadeira.
Em resumo, o que Fillmore, Kay e O’Connor concluíram com o estudo da
expressão Let alone é que ela se trata, na verdade, de uma Construção Gramatical, ou
seja, de um pareamento entre uma forma sintática e uma função semânticopragmática, que possui propriedades inerentes e exclusivas da Construção. Nessa
mesma empreitada, outro trabalho muito importante, chega às mesmas conclusões:
There-construction 33 de Lakoff (1987) e, a partir desses, muitos outros (CROFT ;
CRUSE, 2004).
Croft e Cruse (2004, p.268) descrevem quatro modelos teóricos da Gramática
das Construções: a) o modelo de Fillmore e Kay; b) a versão de Lakoff e Goldberg; c) a
Gramática Cognitiva de Langacker; d) e o modelo de Croft a que ele chama Gramática
da Construção Radical.
Os pontos de semelhança e divergências entre as quatro versões elencadas por
Croft e Cruse (2004) são apontados por eles a partir de respostas dadas a quatro
perguntas, que giram em torno dos elementos sintáticos e suas relações e da relação
entre as Construções e o modo como a informação é armazenada. Os questionamentos
norteadores da comparação entre as diferentes versões da Gramática das Construções,
propostos por Croft e Cruse (2004) são: 1º) dada a existência das Construções, qual é o
estatuto dos elementos sintáticos ?; 2º) que tipos de relações sintáticas são postuladas? ;
33
Na verdade, o trabalho de Lakoff é anterior ao estudo de Fillmore, Kay e O’Connor.
67
3º) que tipos de relações as Construções mantêm entre si?; 4º) como a informação é
armazenada na taxonomia da Construção?
Goldberg (2006), por sua vez, estabelece um quadro comparativo entre as
quatro diferentes versões da abordagem construcionista: i) Gramática das Construções
Unificada (UCG), de Fillmore e Kay; ii) Gramática Cognitiva (CG), de Langacker; iii)
Gramática das Construções Radical (RCG), de Croft e iv) Gramática das
Construções Cognitiva (CCG), de Lakoff e Goldberg. O modelo de Berg e Chang, a
Gramática Corporificada, não é contemplado.
Goldberg (2006, p.215) argumenta que o modelo de Fillmore e Kay está do
lado oposto aos outros três (CCG, CG, RCG), considerando alguns aspectos
explicitados no quadro comparativo (1) abaixo:
(1) DIFERENÇAS ENTRE ALGUMAS VERSÕES DA GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES
CCG, CG, RCG
Construções
Papel das Construções
Não-derivacional
Herança
Baseado no uso
Formalismo
Papel da “motivação”
Ênfase e m
Pareamentos
UCG
aprendidos Pareamentos
aprendidos
de forma e função
de forma e função
Central
Central
Sim
Sim
Default
Default
Sim
Não uniformemente
Notação desenvolvida
Foco pesado no
somente para facilitar a
formalismo baseado na
exposição
unificação
Central
Nenhum
Plausibilidade psicológica
Explicitação formal,
generalizações
maximizadas
Fonte: GOLDBERG, 1995
68
A autora explica que a busca por generalizações maximizadas que não são
consideradas parte do conhecimento linguístico do falante e a não explicitação de
padrões gramaticais regulares permite afirmar que a UCG não é um modelo totalmente
baseado no uso, diferentemente das outras três versões que acreditam que mesmo o mais
irregular dos padrões gramaticais pode ser armazenado, se ocorrer com frequência
suficiente. Quanto ao formalismo 34 , Goldberg (2006) afirma que o modelo de Fillmore,
devido à sua ligação com o projeto FrameNet é fortemente formalista, embora não
consiga capturar propriedades semânticas dos itens em detalhe, “porque os significados
reais não são facilmente capturados por um conjunto fixo de propriedades” (ibidem,
p.216). Outra dessemelhança entre a UCG e as outras versões construcionistas está no
papel da motivação que nestas é central e naquela é nenhum. Como última diferença,
Goldberg destaca que a ênfase do modelo unificado está nas generalizações, já para os
outros modelos o desejo maior é graduar a validade psicológica dos fatos gr amaticais.
O modelo mais recente de análise construcional, não contemplado nem por
Croft e Cruse (2004) nem por Goldberg (2006), é a Gramática das Construções
Corporificada (GCC), assinada por Berg e Chang (2005). Esta versão construcionista é,
na verdade, um formalismo, cujo objetivo é integrar o processo de compreensão da
linguagem aos esquemas corpóreos por meio de simulação. Assim, as Construções
Gramaticais são vistas como “uma ponte entre conhecimento fonológico e
conhecimento conceptual” (BERG; CHANG, 2005, p.148). Elas atuam como a
principal fonte de conhecimento linguístico na medida em que conectam o domínio da
forma ao do significado.
Segundo essa abordagem, no processo de análise,
determinamos quais Construções um dado enunciado instancia, sendo que a partir delas
tem-se a especificação semântica do esquema conceptual evocado pelas Construções e,
em seguida, verificamos como elas estão relacionadas. Já no processo de simulação, a
especificação semântica entra como input e exploramos a representação subjacente à
ação e à percepção para simular ou decretar os eventos, ações, objetos, relações e
estados
especificados.
As
inferências
resultantes
modelam
processamentos
34
Segundo Salomão (2009b, p. 45), “a formalização da Gramática das Construções, desenvolvida por
Fillmore, Kay e O´Connor (1988) não é incompatível com as versões da GC de Goldberg (1995) ou Croft
(2001), recebendo um tratamento muito mais detalhado do pessoal que trabalha com o Projeto Teoria
Neural da Linguagem (FELDMAN; NARANAYAN (2004), CHANG (2005), BERGEN (2005).”
69
subsequentes e fornecem a base para as respostas dos usuários da língua. Segundo Berg
e Chang (2005), a vantagem de se trabalhar com um modelo de simulação baseado em
Construções Gramaticais seria a otimização e a divisão precisa do trabalho. As
Construções Gramaticais entram como informação mínima e suficiente para disparar
uma simulação que usará estruturas cognitivas e sensório-motoras mais gerais. Em
outras palavras, as Construções Gramaticais contribuem diretamente com os
significados convencionalizados, esquemáticos. O processo de simulação, isto é, a
ampliação das estruturas cognitivas mais gerais (esquemas corpóreos) fornece os
significados indiretos (inferências): “As Construções fornecem um meio limitado pelo
qual a ferramenta simbólica da linguagem pode aproximar o contínuo e
multidimensional mundo da ação e percepção” (BERG; CHANG, 2005, p.145).
Como o objetivo desta minha pesquisa é o de referendar o papel central que a
metáfora tem na constituição da gramática do Português do Brasil, em especial na
Construção Gramatical de Hiperbolização, o modelo de Berg e Chang, formalismo cuja
aplicação primeira seria computacional, está muito além desse objetivo. Tenho
dificuldades, também, em admitir o radicalismo de Croft e Cruse, que não admitem a
existência das noções sintáticas, independentemente das Construções nas quais são
usadas. O formalismo exacerbado do modelo unificado de Fillmore e Kay, também, não
me é confortável, pelos mesmos motivos citados por Goldberg (2006), e por alguns
outros apontados por Salomão (2009b), embora saiba que alguns conceitos
fundamentais, como o de frame semântico, típicos dessa abordagem, sejam
fundamentais para a análise das minhas questões de pesquisa.
Além do rigor formal, escolher a versão construcional de Fillmore significaria
optar por um modelo de herança completo, o qual se constitui estritamente como
taxonomia e só reconhece, dentre os quatro tipos elencados por Goldberg, 35 a herança
por polissemia e a herança por instanciação. Segundo Salomão (2009b), Fillmore e Kay
só lidam com dois tipos de motivação, isto é, de determinação conceptual da forma
linguística: i) a motivação sintagmática ou “composicional”; ii) a motivação por
unificação da Construção com o seu frame. As relações figurativas são parte da
35
Ver página 79.
70
estrutura conceptual, mas não funcionam, na versão fillmoreana, como motivação no
eixo da sincronia. Uma das cont ribuições mais importantes dessa pesquisa sobre a
Construção Gramatical de Hiperbolização, no entanto, é, exatamente, mostrar que a
conceptualização metafórica motiva grandemente a gramática no eixo da sincronia.
Por exclusão, portanto, sobram- me a Gramática Cognitiva e a abordagem de
Goldberg que, embora não incompatíveis, exibem algumas diferenças teóricometodológicas importantes, entre as quais está o peso que cada uma dessas versões dá
aos elementos sintáticos, atribuindo-se, mutuamente, o rótulo indesejável de abordagem
reducionista. Há, ainda, as inegáveis contribuições da pesquisas de Tomasello
(1992,1999[2003], 2003) que podem ser aproveitadas tanto em um quanto em outro
modelo. Porque lanço mão de relações gramaticais primitivas e atômicas (CROFT;
CRUSE, 2004) como sujeito e objeto e de categorias sintáticas primitivas (entendidas
como categorias radiais antes que no sentido de condições necessárias e suficientes)
como verbo, escolho o modelo construcional goldberguiano como suporte teórico
necessário para embasar meus pontos de vista, referentes à Construção estudada.
Salomão (2009b, p.55) elenca, como vantagens do modelo construcional
Goldberg- lakoffiano, o fato de i) este ter uma concepção consistente da gramática como
signo (pareamento forma/sentido) e a apropriação de um dos argumentos mais fortes em
favor da Linguística Cognitiva, a saber, o tratamento cognitivista das categorias
linguísticas, o que leva à proposição de redes de Construções, organizadas radialmente
em torno de uma Construção básica, da qual as demais herdarão características nem
sempre expressáve is em termos de unificação. Dentre os problemas levantados,
Salomão destaca: i) a falta de um formalismo mais rigoroso, o que torna difícil a
replicação das análises e a testagem das hipóteses correlatas; ii) a não explicitação da
noção de frame, o que leva a uma postulação mal especificada do processo de conexão
entre as estruturas conceptuais evocadas pelas Construções oracionais e as Construções
lexicais que as herdam; iii) o pequeno conjunto de fenômenos cobertos pelas análises:
Construções de Estrutura Argumental, apenas.
71
Portanto, a escolha pela versão de Goldberg/Lakoff demanda que eu assuma
não só suas virtudes, como também seus defeitos. Por isso, as seções seguintes darão
mais detalhes da Gramática das Construções na versão de Goldberg/Lakoff.
3.2 O MODELO CONSTRUCIONAL RADIAL: DE LAKOFF A GOLDBERG
Assim como Fillmore (1988) estabelece os fundamentos da sua versão da
Gramática das Construções ao estudar a expressão Let alone, Lakoff (1987) também o
faz ao analisar as chamadas There-constructions. A escolha dessas Construções se deve
ao fato de as teorias tradicionais terem fracassado em dois sentidos: não deram conta
das complexidades enormes relacionadas às Construções e também não conseguiram
dar um tratamento adequado às Construções a elas relacionadas.
Lakoff (1987) pretendeu estudar as Construções-There a partir dos
fundamentos de uma gramática cognitiva que pressupusesse: a) uma semântica
cognitiva que incluísse entre seus objetos os modelos metafóricos e metonímicos, os
espaços mentais, dentre outros fenômenos; b) uma teoria de gramática baseada na noção
de Construção Gramatical (Gramática das Construções); c) a noção de categoria
radial, ancorada no conceito de centros prototípicos e d) a noção fundamental de
motivação.
Segundo Lakoff (1987) as categorias radiais ocorrem na gramática e têm a
mesma função que têm no léxico, a saber, motivar correspondências entre forma e
significado. Portanto, os parâmetros da forma linguística na Gramática das Construções
não são independentes do significado: muitos aspectos da estrutura sintática são
motivados ou são consequência da estrutura dos modelos cognitivos. Nessa abordagem, a
Gramática das Construções é, pois, holística, ou seja, o significado da Construção é
motivado pelos significados das partes, mas não computável a partir deles. As categorias
sintáticas e as relações gramaticais são radialmente estruturadas e o centro prototípico é
definido semanticamente. O casamento da teoria dos protótipos com a Gramática das
Construções promove o estabelecimento de regularidades mais condizentes com a
72
realidade linguística. Nesse enfoque, pois, a gramática é “uma categoria radial de
Construções Gramaticais: cada Construção associa um modelo cognitivo (que caracteriza
o significado) a aspectos correspondentes da forma linguística” (LAKOFF, 1987, p.463).
Goldberg, discípula de Lakoff, é autora de uma produção acadêmica muito
significativa de sua versão da Gramática das Construções, no entanto, para efeitos
didáticos, vou recortar sua obra em dois grandes momentos: i) a obra de 1995:
Constructions: a construction grammar aproach to argument structure e ii) a obra de
2006: Constructions at work: the nature of generalization in language.
Em 1995, Goldberg adota a Gramática das Construções como o arcabouço
teórico mais adequado ao estudo de cinco tipos de Construções Gramaticais do Inglês.
Esses cinco tipos seriam, na sua concepção, as Construções basilares da gramática
inglesa, na medida em que teriam como função primordial a expressão de cenas básicas
da experiência humana. No escopo das Construções Gramaticais básicas, Goldberg
inclui:
a) as Construções ditransitivas na qual se tem o significado esquemático X
CAUSAR Y RECEBER Z, configurado sintaticamente por sujeito-verboobjeto1-objeto2. Por exemplo: Pat faxed Bill the letter.
b) as Construções de movimento causado cujo significado básico se descreve
X CAUSAR Y MUDAR Z e cuja configuração sintática requer sujeitoverbo-objeto-oblíquo. Por exemplo: Pat sneezed the napkin off the table;
c) as Construções resultativas em que o significado básico X CAUSAR Y
TORNAR-SE Z se configura sintaticamente por sujeito-verbo-objetoXcomp. Por exemplo: She kissed him unconscious.
d) As Construções de movimento intransitivo cujo significado básico é X
MOVER Y e cuja configuração sintática corresponde a um sujeito-verbo –
oblíquo. Por exemplo: The fly buzzed into the room.
73
e) As Construções conativas cujo significado básico é X DIRECIONA UMA
AÇÃO A Y e cuja configuração sintática corresponde a um sujeito-verbo oblíquo at. Por exemplo: Sam kicked at Bill.
No modelo goldberguiano, a existência das Construções Gramaticais é dada
pelo corolário: "C é uma Construção se C é um par forma-significado <Fi,Si> de forma
que algum aspecto de Fi ou de Si não seja estritamente predisível do conhecimento de
outras Construções que existam na gramática."
Para Goldberg, portanto, quando uma dada combinação de itens lexicais,
configurados numa estrutura sintática particular, faz surgir um significado que não pode
ser atribuído unicamente à soma dos significados dos itens tem-se uma Construção
Gramatical.
Goldberg (1995) se distancia de Fillmore (1988), quando este atribui ao
predicador verbal a propriedade de predizer o esquema de subcategorização sintática da
sentença, a partir de regras léxico-semânticas, levando, por consequência, à postulação de
sentidos adicionais quando o verbo tem sua valência alterada. Goldberg, por outro lado,
acredita que tanto as Construções quanto os itens léxicos possuem significados
independentes que se inter-relacionam na sentença para criar um sentido novo, singular.
Assim, enquanto para Fillmore (1988) algumas alterações de valências verbais podem ser
resolvidas pela derivação por regras lexicais (caso, por exemplo, das Construções inglesas
com objeto duplo), Goldberg (1995) radicaliza sua postura construcionista e parte do
princípio da não sinonímia gramatical, ou seja, sua abordagem assume que toda
diferença na forma sintática leva a uma diferença no significado. Para Goldberg, portanto,
Maria deu o livro a Pedro é uma Construção diferente de Maria deu a Pedro o livro.
Fillmore (1988) advoga que as regras lexicais deixam o léxico livre de
redundâncias. Goldberg (1995) retruca que a abordagem construcional mais estrita evita
que sentidos implausíveis e definições circulares sejam postulados para verbos com mais
de uma valência. Já a distinção principal entre os modelos lakoffiano e goldberguiano é
74
exatamente a exploração de categorizações não-clássicas na análise das relações entre
Construções (CROFT, 2004, p.272).
Croft e Cruse (2004) descrevem o modelo construcional goldberguiano,
respondendo às perguntas por eles postuladas da seguinte maneira: 1º) Qual é o estatuto
dos elementos sintáticos nessa abordagem? Tem-se, no modelo construcionista de
Goldberg, uma representação sintática reducionista36 na medida em que ela lança mão de
relações gramaticais primitivas e atômicas como sujeito e objeto e de categorias sintáticas
primitivas como verbo; 2º) Que tipos de relações sintáticas são postulados? Goldberg
analisa a estrutura argumental das Construções, focando seu interesse nas relações entre
Construções, a semântica da estrutura argumental e a conexão com os papéis sintáticos;
3º) Que tipos de relações são estabelecidos entre as Construções? Tanto Goldberg
quanto Lakoff discutem várias relações entre Construções. O que Lakoff chama de
relações taxonômicas, Goldberg designa instâncias, um sublink descrito diz respeito às
conexões partonímicas. Todos os links são links de herança cuja direção é oposta ao
modelo de Fillmore. Nesse modelo de herança há sentidos centrais, prototípicos e
extensões do protótipo, cujo caso mais claro é, exatamente, a extensão metafórica; 4º)
Como a informação gramatical é estocada na taxonomia da Construção? Tanto
Lakoff quanto Goldberg admitem a herança default, ou seja, um método para acomodar o
fato de que muito do que sabemos sobre uma categoria não é verdade em todas as suas
instâncias. Saber, por exemplo, que pássaros voam não é verdade no caso dos pinguins e
no caso de um pássaro cujas asas foram cortadas. Logo, a informação “CAPAZ DE
VOAR” deve ser armazenada na categoria PÁSSARO e pode ou não, ser herdada a
depender do conflito gerado por outras informações em casos mais específicos, como por
exemplo, ter as asas cortadas. Lakoff e Goldberg lançam mão da herança default como
link entre Construções:
A concepção de “herança” by default poderia ser tratada como uma variação
notacional da herança completa, como quer Fillmore, em nota (p.115) a seu
trabalho, já citado, sobre a Construção SAI: nessa nota, ele postula que as
heranças by default referem-se à instanciação de Construções cujos valores
são deixados inespecificados, quando da descrição das Construções
36
A única versão construcionista considerada por CROFT como não reducionista é o seu próprio modelo,
designado Gramática das Construções Radical. O argumento central dessa versão é o de que não existem
categorias linguísticas fora das Construções que as instanciam, o que as torna específicas para cada
língua. A única categoria “independente” é a própria Construção.
75
genéricas. Por exemplo, quando descrevemos a Construção de Determinação
de Quantidade, deixamos inespecificado o parâmetro Maximalidade do
sintagma, já que a Construção poderá instanciar-se ou não, como uma
projeção máxima. Teríamos, portanto, segundo essa definição, descrito by
default essas duas possibilidades de realização do sintagma. (SALOMÃO,
2009b, p.53)
Na obra de 2006, Goldberg objetivou investigar a natureza das generalizações
na linguagem, tanto infantil quanto adulta. O livro se divide em três partes. Na primeira,
os pressupostos da abordagem construcionista são clarificados e o Modelo Baseado no
Uso é evidenciado. Na parte 2, Goldberg pretende responder como e por que as
Construções Gramaticais são aprendidas. Na terceira parte, a autora dedica-se a abordar
generalizações intra e interliguísticas.
Quanto às Construções, Goldberg (2006) avança além das Construções básicas,
enfatizando, uma década depois, que um enunciado real envolve a combinação de muitas
Construções diferentes. Como exemplo, ela dá a expressão Uma dúzia de rosas, Nina
enviou a sua mãe, afirmando que tal enunciado se compõe de onze diferentes Construções
Gramaticais: 1) a Construção Ditransitiva; 2) a Construção de Topicalização; 3) a
Construção do Sintagma Nominal; 4) a Construção do Sintagma Verbal; 5) a Construção
do Determinante Indefinido; 6) a Construção de Plural; 7) as Construções dúzia, rosas,
Nina, enviou, mãe. O potencial criativo da linguagem, conclui Goldberg, é fruto da
combinação livre das Construções.
Outro posicionamento importante de Goldberg (2006) é a hipótese das
generalizações de superfície que postula a existência de generalizações poderosas,
cercando as formas superficiais particulares, e são muito mais amplas do que as
capturadas por derivações ou transformações. O foco, no entanto, continua sendo as
Construções de estrutura argumental: pareamento de forma e função usado para expressar
sentenças simples.
Goldberg (2006, p.38) ratifica, ainda, que a interpretação de uma sentença vai
além da Construção argumental usada para expressá-la. A interpretação plena aflora a
partir da integração da Construção argumental com o verbo principal e seus vários
76
argumentos, sob a luz do contexto pragmático no qual a sentença é enunciada. A
estrutura argumental reserva espaços para os papéis argumentais que, grosso modo,
correspondem aos tradicionais papéis temáticos, com exceção de que são mais específicos
e numerosos, já que são exigências semânticas de Construções particulares. Os
argumentos capturam generalizações de superfície a respeito de papéis participantes de
verbos individuais, ou seja, representam associações convencionais dos verbos com um
rico frame semântico. Este, por sua vez, especifica certos papéis participantes: o número e
o tipo de espaços reservados por um dado verbo. Um subconjunto desses papéis é
obrigatório (perfis lexicais) e funciona como pontos focais dentro da cena, realizando um
certo grau de “saliência”. A noção semântica de perfil lexical refere-se a um aspecto
estável do significado da palavra e pode evidenciar as diferenças de significado entre os
itens lexicais (comprar e vender, por exemplo, cf. FILLMORE, 1977).
A correspondência entre o frame verbal e os papéis argumentais da Construção
é dada por dois princípios: o princípio da coerência semântica e o princípio da
correspondência. O primeiro estabelece que os papéis participantes do verbo e os
argumentos da Construção devem ser compatíveis semanticamente. Esse princípio assume
que as Construções argumentais são aprendidas por meio de generalizações a respeito de
instâncias semânticas de padrões usados com verbos particulares (GOLDBERG, 2006,
p.40). O princípio da correspondência, por sua vez, estabelece que os papéis
participantes perfilados pelo verbo devem ser codificados por papéis argumentais
perfilados pela Construção, ou seja, tal princípio pressupõe um alinhamento entre a
semântica lexical, a pragmática discursiva e as relações gramaticais. Como é um princípio
default, ele pode ser suplantado por qualquer outra especificação da Construção.
A negociação que ocorre entre os papéis participantes, designados pelo verbo,
e os argumentos, requeridos pela Construção, pode criar, segundo Goldberg, quatro
situações: (i) um caso prototípico em que o preenchimento dos espaços do verbo
coincide com os espaços destinados aos argumentos da Construção; (ii) um papel nãoperfilado nem pelo verbo nem pela Construção é expresso por uma Construção-adjunto;
(iii) um argumento pode
corresponder a um participante não selecionado como
77
obrigatório pelo verbo e (iv) um participante obrigatório pode ser expresso como
expressão adjunta.
Pelo trabalho que desenvolvi no mestrado e que venho desenvolvendo no
doutorado, tomo a liberdade de acrescentar mais um tipo de situação à lista de
Goldberg: (v) um papel perfilado pelo verbo não encontra espaço como argumento da
Construção (casos de destransitivização verbal).
Em resumo, Goldberg argumenta que o reconhecimento de generalizações em
nível da superfície da estrutura argumental leva ao reconhecimento de generalizações na
linguagem. No entanto, é preciso estar ciente de que o significado do enunciado não se
resume ao significado da sentença usada para expressá- lo: os verbos individuais, os
argumentos selecionados e o contexto são fatores igualmente importantes.
3.2.1
A metáfora na versão de Lakoff e Goldberg
Não só para Goldberg (1995, 2006) quanto para qualquer construtivista, o
repertório de Construções Gramaticais de uma língua não é um conjunto desestruturado.
Existem, inegavelmente, generalizações sistemáticas entre as Construções, mostrando
que elas formam uma rede e estão conectadas por algum tipo de relação. Goldberg
(1995, 2006) argumenta que o inter-relacionamento entre as Construções se dá via
relações de herança que motivam muitas das propriedades das Construções particulares.
A rede de herança nos leva a capturar generalizações entre as Construções ao mesmo
tempo em que possibilita fazer considerações das subregularidades e das exceções.
Para capturar as relações de motivação, ou seja, para mostrar que uma dada
construção é motivada de modo que sua estrutura é herdada de outras Construções da
língua, links de herança assimétricos são postulados por Goldberg (1995, 2006) entre
Construções que são relacionadas tanto sintática quanto semanticamente. Isto é, a
Construção A motiva a Construção B se B é herdada de A. No modelo goldberguiano, a
rede de heranças construcional permite capturar o fato de que duas Construções podem
ser de algum modo a mesma e de outro, distintas. Goldberg descreve como vantagem em
78
se postular hierarquias abstratas nas quais níveis mais baixos herdam informações de
níveis mais altos o fato de a informação ser armazenada de modo mais eficiente e mais
facilmente modificável.
Em outras palavras, Lakoff/Goldberg recrutam para a
gramática os avanços feitos pela Linguística Cognitiva na
área da categorização linguística; por isto, as redes de
Construções organizam-se radialmente em torno de uma
Construção Básica, das quais as demais herdarão
características, nem sempre expressáveis em termos de
unificação (SALOMÃO, 2009b, p.54).
Segundo Lakoff (1987), a estrutura de dados em nosso sistema é constituída de
Construções. Nessa estrutura, múltiplas operações de heranças são permitidas. Os links de
herança capturam o fato de que toda a informação não conflitante entre duas Construções
relacionadas é compartilhada. Quatro tipos principais de links de herança são
distinguidos: links de polissemia (HP ), links de extensão metafórica(HM), links de subparte
(H S), e links de instância(HI).
Para explicitar melhor a rede de heranças das Construções oracionais do PB,
Ferreira (2005) 37 , estudando a Construção de Ação Rotineira, instanciada em enunciados
como Buscar menino no colégio; Pular carnaval na Bahia ou Jogar lenha na fogueira,
propõe a seguinte representação (figura 2):
37
FERREI RA, M. da S. Buscar menino no colégio, pular carnaval na Bahia, e, ainda por cima, jogar
lenha na fogueira: retomada de um diálogo sobre a questão da geratividade na linguagem. Dissertação
(Mestrado em Letras-Linguística)- ICHL. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2005.
79
(2) DIAGRAMA DAS REDES DE HERANÇA DAS CONSTRUÇÕES ORACIONAIS DO PB
CONSTRUÇÕES ORACIONAIS
HI
HI
SEM SUJEITO
COM SUJEITO
HI
HI
TRANSITIVAS
HI
HI
HI
HI
INACUSATIVAS
HI
HI
AGENTIVAS
PROPOSICIONAIS
FENÔMENOS
DA NATUREZA
HI
INERGATIVAS
ESTATIVAS
HI
INTRANSITIVAS
HI
AÇÕES ROTINEIRAS
HI
REFLEXIVAS
MOVIMENTO
HM
HM
RESULTATIVAS
HS
OBJETO INTERDITO
HS
DESREFLEXIVAS
Os princípios psicológicos que regulam tanto a necessidade de novas
Construções quanto o relacionamento entre Construções já existentes são, segundo
Goldberg (1995), os seguintes: 1) princípio da motivação maximizada : se a
Construção A é relacionada sintaticamente à Construção B, então o sistema da
Construção A é motivado semanticamente no mesmo grau à Construção B; 2) princípio
da não-sinonímia: se duas Construções são sintaticamente distintas, elas devem ser
semântica ou pragmaticamente distintas; 3) princípio do poder expressivo
80
maximizado : o inventário de Construções Gramaticais é maximizado para propósitos
comunicativos; 4) princípio da economia maximizada : o número de Construções
distintas é minimizado o quanto possível.
Portanto, a metáfora, na Gramática das Construções de Lakoff e Goldberg, é
um tipo de link de herança, ou seja, a metáfora é uma operação que permite que duas
Construções diferentes compartilhem de algumas propriedades. O modo como a
semântica da Construção dominante é mapeada na semântica da Construção dominada é
especificado pela metáfora. Assim, quando duas Construções estão relacionadas por um
mapeamento metafórico, um link de extensão metafórica é postulado entre elas. As
extensões metafóricas têm como domínio fonte o sentido central da Construção.
Goldberg (1995) dá como exemplo de link de extensão metafórica o interrelacionamento entre a Construção de Movimento Causado e a Construção
Resultativa em sentenças como a) Pat jogou o metal para fora da mesa38 na qual se tem,
segundo Goldberg (1995) uma Construção de Movimento Causado literal e b)Pat
martelou o metal plano39 que, na abordagem de Goldberg, classifica-se como Construção
Resultativa a partir do mapeamento metafórico do RESULTADO COMO OBJETIVO.
A Construção Resultativa é, pois, uma extensão metafórica do sentido central da
Construção de Movimento Causado, que é associado à semântica “X CAUSAR Y
MOVER Z”.
As Construções Gramaticais Resultativas devem ser entendidas como
codificando uma mudança metafórica de lugar. A metáfora necessária é uma metáfora
sistemática geral que envolve compreender uma mudança de estado em termos de
movimento para um novo lugar, seguindo o esquema:
movimento
mudança
lugar
estado
Várias expressões inglesas refletem essa metáfora:
38
39
Pat threw the metal off the table.
Pat hammered the metal flat.
81
a) A gelatina foi de líquida a sólida em questão de minutos. (The jello went from
liquid to solid in a matter of minutes).
b) Ninguém pôde ajudá-la enquanto ela escorregava para a insanidade. (No one
could help her as she slid into madness).
Dada a conexão metafórica entre movimento e mudança de estado, as
expressões resultativas implicam “X CAUSAR Y TORNAR-SE Z” ou “X PRETENDE
CAUSAR Y TORNAR-SE Z”
Goldberg (1995) cita um outro exemplo de link de herança intermediado pela
metáfora: a Construção Gramatical Ditransitiva e sua paráfrase preposicional,
linguisticamente instanciada em enunciados como a) João deu a Maria uma maçã; b) João
deu uma maçã a Maria. 40
Tal relação de herança a partir do link de extensão metafórica seria motivada
por uma metáfora que envolve a compreensão da possessão nos seguintes termos: (i) o
possuído está localizado próximo ao “possuidor”, (ii) transferir uma entidade para um
recipiente é causar a entidade mover-se para o recipiente, e (iii) transferir a posse do
possuidor é mandar a entidade para longe do possuidor. Também para esses casos a
língua inglesa forneceria, como evidências, várias expressões metafóricas:
a) They took his house away from him.
b) He lost his house.
c) Suddenly several thousand dollars came into possession.
Portanto,
a
metáfora
conceptual
TRANSFERÊNCIA
DE
POSSE
É
TRANSFERENCIA FÍSICA motivaria expressões como:
a) The judge awarded custody to Bill.
b) Bill gave his house to the Moonies.
40
a) John gave Mary an apple; b)John gave an apple to Mary
82
Esta metáfora é motivada pelo fato de dar prototipicamente correlacionar-se com
movimento de um possuidor a um recipiente, o que não implica literalmente transferência
de posse.
3.3 O DIÁLOGO ENTRE A ABORDAGEM CONSTRUCIONAL E A SEMÂNTICA
DOS FRAMES
O princípio que sustenta o conceito teórico de frame semântico é aquele
proferido por Fillmore na década de 70: Significados são relativizados a cenas. É esse
postulado que reúne diferentes abordagens semânticas dos fenômenos linguísticos e
também aproxima Fillmore de Goldberg.
Ao postular que os falantes compartilham de estruturas de conhecimento que
os capacitam a se comunicarem sobre cenas, Fillmore atrela a noção de
frames
semânticos à noção de protótipos : “Frames podem ser entendidos como descrições
prototípicas de cenas” (HAMM, s/d) e à noção de perspectiva, o que assegura o
significado independentemente da satisfação total das condições de verdade. O conceito
de frame, portanto, realça a continuidade inegável entre linguagem e experiência: “Na
Semântica dos Frames, uma palavra representa uma categoria da experiência ”
(PETRUCK, 1996).
O frame semântico é, por isso, um constructo teórico em diversos campos de
pesquisa como Inteligência Artificial, Psicologia Cognitiva e Gramática das
Construções. A ideia central é a de que o conhecimento e a experiência estruturados por
um determinado frame fornecem a base e a motivação para as categorias representadas
pelas palavras. Segundo Petruck (1996, p.1), “as palavras, isto é, o material linguístico,
evocam o frame (na mente do falante/ouvinte); o interpretante (de um enunciado ou
texto no qual as palavras ocorrem) invoca o frame.”
83
Embora muitos dos estudos sobre frame lidem com palavras individuais apenas
ou listas de palavras, o frame também se mostra uma ferramenta de análise importante
na semântica textual e na semântica gramatical. A conexão entre a Semântica de Frames
e a Gramática das Construções vai alé m da questão da representação (PETRUCK,
1996). A Gramática das Construções atribui igual importância aos padrões lexicais e
seus propósitos semântico-pragmáticos. Em termos da abordagem construcional
goldberguiana em que as propriedades do verbo se mesclam às propriedades da
Construção para que daí surja o significado pretendido, a noção de frame é aplicável
tanto a um quanto a outro. A diferença principal entre essa abordagem e a fillmoreana é
que esta trabalha com uma rica representação de frame semântico, enquanto aquela
trabalha com uma noção de frame mais abstrata e mais universal, na medida em que o
frame representa cenas básicas da experiência humana, independentemente de uma
língua particular. Nesse enquadre, a semântica do frame associada a um item lexical
fornece parte da informação semântica necessária para a interpretação de uma sentença.
Os frames são, pois, informações de base sobre a cena organizada ou esquematizada
pela Construção. Apesar de perspectivas diferentes, a Semântica de Frames (Fillmore) e
a Gramática das Construções (Goldberg) podem ser consideradas compatíveis e
complementares, na medida em que as Unidades Lexicais (ULs) da Semântica de
Frames são postuladas também a partir do pressuposto teórico de que os significados
são relativizados a cenas.
A noção de frame semântico tem sido usada em trabalhos sobre a metáfora.
Um exemplo é a discussão que Lawler (1986) faz da metáfora TEMPO É DINHEIRO a
partir do Frame de Transação Comercial proposto por Fillmore (1977). Lawler recorreu
a esse frame para estabelecer uma coerência semântica entre os itens lexicais que o
evocam, como, por exemplo, comprar, vender, custar, pagar. A partir do mapeamento
metafórico do Frame de Transação Comercial, Lawler comprova a conceptualização
metafórica do tempo na língua inglesa, o que o leva a concluir “que a metáfora é válida
tanto empírica quanto semanticamente” (Lawler,1986, p.1).
O frame semântico, como constructo teórico, aplica-se, também, à análise de
diferentes fenômenos sintáticos (PETRUCK, 1996). Um dos trabalhos citados pela
84
autora é Lakoff (1986) no qual ele propõe a noção de “curso natural dos eventos” ou
“cenários” que são organizações de estados e eventos humanamente construídos, ou
seja, instâncias de frames. “Esta análise oferece uma maneira de usar os frames para
lidar com fenômenos sintáticos que são determinados, em parte, por critérios semânticos
e pragmáticos” (PETRUCK, 1996, p. 5). A associação direta de frames sintáticos com
seus significados faz com que as crianças aprendam, com a sintaxe das sentenças
simples, a maneira particular como certos cenários da experiência humana são pareados
com uma forma. O uso da noção de frame semântico nas descrições construcionistas
reforça o princípio da indissociabilidade entre forma e conteúdo que as caracterizam e
definem. O trabalho de Goldberg, afirma Petruck, demonstra a utilidade dos frames ao
relacionar conhecimento de mundo e estrutura linguística, além de servir como mais um
exemplo da conexão que existe entre os frames semânticos e as Construções
Gramaticais.
A primeira afirmação de Goldberg (1995) que vai ao encontro da noção de
frame é a de que a teoria semântica da qual ela lança mão reconhece a importância das
interpretações perspectivizadas (construals) centradas no falante, no sentido definido
por Langacker. Por isso, as informações sobre constituintes focalizados, topicalidade e
registro são representadas na informação semântica da Construção. Ao falar dos
significados verbais, Goldberg assegura que os verbos envolvem frames semânticos e,
portanto, suas designações devem incluir referência a um frame de base, enriquecido
com conhecimentos culturais e conhecimentos de mundo. Nesse sentido, um verbo
como boicotar receberia, baseado em seu frame, a seguinte definição: evitar comprar
mercadorias e/ou serviços de uma dada empresa com o objetivo de expressar uma
censura ou causar uma mudança em uma ou mais de suas políticas ou mesmo fazê-la
sair do negócio (GOLDBERG, 1995, p.28). Segundo ela, os frames semânticos são
necessários para dar conta da distribuição de advérbios e adjuntos, para a abordagem do
fenômeno de bloqueio, para permitir a possibilidade de interpretações e traduções que
fazem sentido e para predizer inferências corretas.
A abordagem da semântica de frames mais recente é a praticada pelos
linguistas que integram o Projeto FrameNet. Devido a um objetivo explicitado de
85
aplicação computacional, a ênfase do Projeto está em desenvolver um formalismo capaz
de descrever a noção de frame como o princípio organizador do léxico, sendo, pois, um
constructo teórico (PETRUCK, 1996). Para ilustrar a proposta de formalismo adotada
nas pesquisas vinculadas ao FrameNet, cito o trabalho de Micelli; Trijp; Beule (2009) e
sua proposta de representação (figura 3) da sentença The river forms a natural line
between the north and south sections of the city.
(3) EXEMPLO DE UMA REDE DE FRAMES EVOCADA POR UMA SENTENÇA
Figura 3: Na rede descrita, os frames são representados com letras maiúsculas, conectados aos seus
Elementos de Frame (letra minúscula) através das linhas tracejadas41 .
O quadro a seguir pretende mostrar, de forma esquemática, as principais
diferenças entre a abordagem construcional goldberguiana e a abordagem fillmoreana
mais recente, aquela praticada e preconizada no projeto FrameNet:
41
MICHELLI; TRIJP; BEULE (2009). Framing Fluid Construction Grammar. Disponível em
www.csl.sony.fr/downloads/papers/2009/micelli-09a.pdf.
86
(4) QUADRO COMPARATIVO ENTRE A VERSÃO GOLDBERGUIANA
E O PROJETO FRAMENET
Objeto de análise
Papel do frame
Análise goldberguiana
Projeto FrameNet
Sentenças básicas- Construções
Unidades Lexicais (ULs)-
Gramaticais Argumentais.
Construções Lexicais.
Formação de esquemas
Enquadramento da Unidade
simbólicos estáveis,
Lexical dentro de uma moldura
representativo das cenas
cognitiva, socioculturalmente
humanamente relevantes.
construída, adequada à situação
comunicativa em questão.
Evocação da Cena
Sentenças básicas representam
As cenas são enquadradas pelas
Conceptual
cenas humanamente relevantes.
ULs em uso pelos falantes.
A metáfora é um dos links de
A metáfora atua apena s como
herança construcional,
motivação conceptual, sem
motivando, portanto, a
influência na sincronia.
Papel da metáfora
sincronia.
Polissemia
Reconhece a polissemia
Reconhece a polissemia das
construcional, mas tende a
Unidades Lexicais: diferentes
admitir um único sentido para
ULs evocam diferentes frames.
os verbos.
Sentido da sentença
Negociação entre o frame
O predicador evoca um frame
sintático do verbo e o frame
principal que será preenchido
semântico evocado pela cena
com Elementos do Frame,
conceptual.
centrais e periféricos.
Fonte: Do autor
87
3.4 A GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES : CONFIRMAÇÃO NA ONTOGÊNESE42
Partindo do pressuposto de que a linguagem é cognição, Tomasello (1992,1999,
2003) acredita que, na medida em que as crianças vão aprendendo as palavras, elas
também vão adquirindo um repertório de Construções Gramaticais mais complexas as
quais ele chama de gestalts linguísticas. Tais Construções linguísticas mais amplas
constituiriam unidades simbólicas significativas e poderiam ser divididas em
Construções linguísticas concretas, isto é, constituídas de palavras e sentenças
específicas; ou em Construções cuja base seria m categorias e esquemas léxicos gerais e
abstratos. A ideia central da abordagem de Tomasello seria o pressuposto de que, na
ontogênese, os seres humanos aprenderiam, desde cedo, a usar suas habilidades de
aprendizagem cognitiva, sociocognitiva e cultural, universais da espécie, para
compreender e adquirir as Construções linguísticas que suas culturas particulares
criaram ao longo do processo histórico por processos de sociogênese. Partindo desse
pressuposto, as Construções linguísticas complexas seriam apenas mais um artefato
simbólico, embora de estatuto especial devido a sua natureza sistemática, o que
promoveria as tentativas de categorização e esquematização das crianças: a partir de
enunciados concretos, elas tentariam elaborar Construções linguísticas abstratas, o que
teria implicações importantes no seu desenvolvimento cognitivo (conceituar eventos e
estados complexos e suas inter-relações).
Segundo esse teórico, o que se deve considerar nos primórdios do uso da
linguagem são os eventos e estados de coisas neles envolvidos como um todo-cenas
complexas da experiência com um ou mais participantes em seus contextos espaciotemporais – porque é disso que as crianças falam, numa gradação que iria da holófrase,
passaria pelas Construções verbais insuladas, Construções abstratas e, por fim
Narrativas. As holófrases seriam a expressão linguística de uma só unidade que
exprimiria todo um ato de fala (por exemplo, “bola” para dizer “pegue a bola”). O
princípio geral, segundo esse psicólogo, é o de que as crianças vêm equipadas para se
mover em qualquer direção- da parte para o todo ou do todo para as partes-ao
42
As discussões dessa seção são baseadas em TOMASELLO (1999[2003]), especificamente no capítulo
Construções linguísticas e cognição de eventos, do livro Origens culturais da aquisição do
conhecimento humano.
88
aprenderem a falar fluentemente sobre cenas básicas da experiência. As Construções
verbais insuladas, por sua vez, seriam enunciados com mais de um nível de
organização, com vários componentes significativos (o evento e os vários participantes
nele envolvidos). Interessante é que, ao aprenderem a marcar simbolicamente os papéis
participantes de um evento, as crianças o fazem a partir de cada verbo, um a um. Daí, a
“hipótese dos verbos insulados” propor que a competência linguística inicial das
crianças seja composta de um inventário de Construções linguísticas a partir de verbos
específicos com espaços para participantes cujos papéis são marcados simbólica e
individualmente. Nessa fase, as crianças ainda não fizeram generalizações sobre padrões
de Construção verbal. O que justificaria tal processo seria o fato de, cognitivamente, as
crianças perceberem estados e eventos como não intercambiáveis, daí a referência
individual a cada um deles. Em um nível mais avançado, as Construções abstratas
representariam esquemas cognitivos que vão sendo lentamente construídos na medida
em que se extraem padrões das Construções verbais insuladas, resultando num
protótipo no centro da Construção e exemplos mais periféricos que diferem dele de
várias maneiras. Como casos dessas Construções teríamos:
a) imperativas (Sorria);
b) transitivas simples (Eliane chutou a bola);
c) intransitivas simples (Ela sorriu);
d) resultativas (Ela deixou a mesa limpa );
e) dativas/ ditransitivas (José deu um carro à filha);
f) passivas (Ele foi assaltado pelo pivete );
g) atributivas e identificativas (A Salete é minha mãe)
Nesse enfoque, o ponto principal é que a Construção, percebida como uma
estrutura abstrata, torna-se um símbolo que carrega um sentido de certa forma
independente das palavras envolvidas. Se inventássemos um predicador verbal
qualquer e o inseríssemos dentro de um dado esquema construcional já conhecido dos
falantes de uma dada língua, veríamos que eles atribuiriam sentido à Construção. Fica
claro, também, que as crianças trabalham cognitivamente num crescendo: principiam com
Construções linguísticas baseadas em vocábulos individuais e, gradualmente, vão
89
formando Construções abstratas que podem se tornar entidades simbólicas, parte da
competência linguística. Cada criança tem de aprender as Construções linguísticas
particulares, concretas e abstratas, da sua língua nativa. Para tanto, atuariam três
conjuntos de processos muito importantes: a) aprendizagem cultural; b) discurso e
conversação e c) abstração e esquematização.
O papel da aprendizagem cultural na aquisição de Construções Gramaticais
concretas (itens linguísticos específicos) basicamente se iguala à aquisição de palavras
isoladas, ou seja, a criança tem de entender para que aspectos da cena de atenção conjunta
o adulto quer que ela preste atenção ao usar aquela Construção específica e, por imitação,
a criança aprende a adequar tal Construção a uma função comunicativa específica. O que
parece é que toda a criatividade das crianças pequenas no início de sua expressão
linguística decorre de elas colocarem material linguístico novo e diferente nos encaixes de
participante/substantivo das Construções verbais insuladas.
Logo, fica claro que é
aprendizagem por imitação, pura e simples. Quanto ao discurso e à conversação, a
habilidade que se requer da criança é que ela aprenda que os vários símbolos linguísticos
de
uma
oração
complexa
dividem
a
cena
referencial
em
elementos
perceptuais/conceptuais passíveis de serem isolados, e que esses dois elementossimbólico e referencial- têm de estar alinhados adequadamente. Essa elaboração apoia-se
na interação das crianças com outras pessoas, em que diferentes elementos da frase se
destacam de várias maneiras. Tomasello (1999, 2003) chama tal habilidade de análise
distributiva funcional: para entender a importância comunicativa de uma estrutura
linguística, a criança tem de determinar a contribuição dessa estrutura para a intenção
comunicativa do adulto no seu conjunto. Quanto à abstração e à esquematização, a
hipótese que vigora é a de que as crianças formam um esquema de Construção linguística
da mesma maneira como formam esquemas de eventos não linguísticos: esquemas gerais
de diferentes tipos de eventos (X chuta Y; X ama Y; X encontra Y) percebidos como
pertencentes a um esquema mais geral. Para aprender a usar a Construção adulta da
maneira como os adultos o fazem, as crianças têm de fazer as generalizações adequadas,
não só sobre quais verbos podem ocorrer em determinadas Construções, mas
também sobre que verbos não podem ocorrer. Portanto, o caráter abstrato das
Construções linguísticas pode ser visto como um padrão desenvolvimental em forma de
90
U: as crianças aprendem as Construções item por item, generalizam-nas, às vezes
excessivamente, e depois reduzem tais generalizações até atingirem sua extensão
convencional:
Assim, a aquisição da linguagem é uma arena privilegiada em que podemos
observar o complexo interjogo entre as linhas individual e cultural do
desenvolvimento cognitivo, na medida em que as crianças criam
individualmente Construções linguísticas abstratas, mas o fazem usando os
artefatos simbólicos (Construções ) culturalmente convencionados, que já
existem em seus grupos sociais (TOMASELLO, 1999[2003], p.209).
A cognição linguística possui, portanto, três aspectos fundamentais: i) a divisão
das cenas referenciais em eventos (ou estados) e seus participantes; ii) a tomada de
perspectiva em relação às cenas referenciais e iii) a categorização das cenas referenciais.
O primeiro aspecto reconhece que o usuário da língua divide seu mundo em unidades
discretas, distinguindo entre eventos e seus participantes, o que nos reme te à distinção
cognitiva entre fenômenos que se assemelham a “coisas” e fenômeno que se assemelham
a “processos” e a “tópico da conversa” e “foco da conversa”. Os seres humanos só
realizam essas tarefas quando se comunicam linguisticamente entre si, fazendo-o porque
existem razões cognitivas e comunicativas e porque foi assim que seus antepassados
fizeram. O segundo aspecto, a perspectivização, se refere às diferenças entre os eventos
discursivos e à necessidade de assentar a cena referencial de que se está falando na cena
de atenção conjunta que se compartilha com o interlocutor (adaptação dos meios
simbólicos ao contexto comunicativo específico). Quando se trata de orações completas,
os falantes assentam suas falas na cena de atenção conjunta presente, adaptando seu
enunciado sobre a cena referencial aos conhecimentos, às expectativas e ao foco de
atenção atual do ouvinte naquele momento preciso. O sujeito gramatical seria o
“participante focal primário” e os outros participantes potenciais dividem-se em
“participante focal secundário” (objeto direto) e “participante ancilar” (marcado por uma
preposição), ou totalmente excluído. Talmy (1996) descreve o uso de determinadas
Construções linguísticas como modos diferentes de abrir janelas ou criar diferenças na
atenção. Ficher, Gleitman e Gleitman (1991) caracterizam as Construções como uma
espécie de “zoom” que o falante usa para direcionar a atenção do ouvinte para uma
perspectiva da cena. Por isso, muitas das complexidades sintáticas resultam da
pragmática da comunicação. Assim, as Construções Gramaticais mais comuns e
91
recorrentes de uma língua fornecem pacotes preestabelecidos, convencionalizados ao
longo do tempo histórico, para desempenhar tal função, e as crianças simplesmente os
aprendem.
3.4.1 A metáfora na perspectiva de Tomasello
Para Tomasello (1999; 2003) as Construções Gramaticais abstratas dão lugar a
operações cognitivas únicas, sem paralelo no reino animal. A interação entre tais
Construções e itens lexicais cria novas e poderosas possibilidades de interpretação
derivacional, analógica e até metafórica das coisas. Em inglês, por exemplo, podemos
interpretar:
a) propriedades e atividade como se fossem objetos: O azul é minha cor favorita;
b) objetos e atividades como se fossem propriedades: Sua voz de rato me assustou;
c) objetos e propriedades como se fossem atividades: Ele molhou as calças;
d) praticamente qualquer evento e objetos como se fossem outros: A vida é uma
viagem.
Os seres humanos criam esses tipos de analogias quando os recursos de seu
inventário linguístico são insuficientes para satisfazer as demandas, inclusive as
demandas expressivas, de uma determinada situação comunicativa, ou seja, demandas
funcionais para adaptar meios convencionais de comunicação linguística a exigências
comunicativas particulares. A aquisição de uma língua natural, no entanto, faz mais que
expor as crianças a informações culturalmente importantes. Ela também serve para
sociabilizar, estruturar culturalmente a maneira como as crianças habitualmente
percebem e conceituam diferentes aspectos de seu mundo. São processos muito
especiais de categorização e perspectivização conceptual com vistas à comunicação
linguística. As categorias e os esquemas imanentes à linguagem possibilitam às crianças
adotar múltiplas perspectivas em relação à mesma entidade simultaneamente: um
objeto pode ser, ao mesmo tempo, uma rosa e uma flor (e muitas outras coisas),
dependendo de como se quer interpretá- lo numa dada situação comunicativa.
Para Tomasello (1999 [2003]) a manifestação, sem dúvida, mais interessante e
cognitivamente mais significativa de categorias relacionais na linguagem é aquela que
92
concerne às analogias e metáforas, porque são compostas de eventos e relações que
podem ser reconhecidos como “semelhantes” em diferentes campos de objetos.
Segundo ele, o que as tornam peculiares é que diferem das categorias de objetos num
sentido fundamental: os objetos são sempre os mesmos objetos, independentemente do
contexto em que são encontrados. Por exemplo, um Tyrannosaurus rex é um
Tyrannosaurus rex num museu, numa peça de teatro, na floresta. Já eventos e relações
são dependentes do contexto de objetos. Por exemplo, a fotossíntese só ocorre no
contexto das plantas (porque depende de certos objetos e substâncias específicos).
Portanto, se quiséssemos falar de fotossíntese no contexto de automóveis, teríamos de
invocar algum tipo de analogia ou metáfora em que substituíssemos um objeto pelo
outro de modo que se preservasse a mesma estrutura relacional nos diferentes campos
de objetos. A Linguística Cognitiva e Funcional mostrou que as metáforas permeiam
até mesmo os usos mais corriqueiros da língua. Os adultos dizem para as crianças
“entrarem na linha”, “tirarem isso da cabeça” e não “perderem a paciência”. Conhecer
esses modos figurados de falar abre para as crianças a possibilidade de tecer analogias
entre os domínios concretos que elas conhecem a partir de suas experiências sensóriomotoras e os domínios mais abstratos da interação e da vida social e mental adultas
sobre as quais estão aprendendo. Depois de ouvir uma quantidade suficiente de certos
tipos de expressões metafóricas, as crianças deveriam supostamente ser capazes de ter o
tipo de entendimento metafórico amplo e abrangente que conduz à produtividade. As
metáforas conceptuais (LAKOFF; JOHNSON, 1980) como
A VIDA É UMA
VIAGEM, instanciadas em várias expressões linguísticas como “Nossa relação perdeu
o rumo”, levariam os falantes a criar padrões e a criar novas metáforas conexas, como
por exemplo, Partimos para uma vida de casados, mas não levamos as coisas certas
para a viagem.
As crianças levam certo tempo para apreciar explicitamente a linguagem
metafórica, provavelmente porque os mapeamentos relacionais desse tipo são bastante
complexos. Gentner e Medina (1997)43 examinaram uma grande quantidade de dados
empíricos e concluíram que a apreciação do pensamento analógico/metafórico pelas
crianças é facilitada e possibilitada pelo contato delas com a linguagem relacional. À
43
apud Tomasello, 1999 [2003]
93
medida que as crianças ganham proficiência nas várias Construções abstratas,
aprendem a interpretar coisas que sabem ser de determinado tipo como se fossem de
outro. Com vários tipos de propósitos comunicativos e expressivos, as pessoas, ao longo
do tempo histórico, utilizaram as categorias e os esquemas abstratos de modo
inovador, o que exigiu, para sua compreensão, a interpretação analógica e metafórica de
aspectos da realidade. As crianças, ao se depararem com esse aspecto do inventário
linguístico de sua cultura, têm de lidar com ele e, finalmente, usá- lo. “A linguagem não
cria ex nihilo a capacidade de categorizar, perspectivar ou fazer analogias ou metáforas”
(TOMASELLO, 1999[2003], p.236). Isso seria impossível, porque a linguagem
depende dessas aptidões, e elas devem estar presentes numa forma básica tanto em
primatas não- humanos como em bebês em idade pré- linguística. No transcurso do
tempo histórico, no entanto, os seres humanos criaram, colaborativamente, uma incrível
coleção de perspectivas e interpretações categoriais sobre todo tipo de objetos, eventos e
relações e as incorporaram em seus sistemas de comunicação simbólica chamados de
línguas naturais. À medida que as crianças se desenvolvem ontogeneticamente, usam
suas aptidões básicas de categorização, perspectivização e pensamento relacional- em
combinação com sua capacidade de compreender as intenções comunicativas dos
adultos- para aprender o uso das formas relevantes. Isso lhes permite tirar vantagens de
um vasto número de categorias e analogias que outros membros de sua cultura
consideraram adequado criar e simbolizar e que, muito provavelmente, elas nunca
teriam pensado em criar sozinhas.
Em alguns casos, as crianças também podem generalizar tudo o que
aprenderam e criar categorias e analogias novas por conta própria. Importante notar,
ainda, que a linguagem também está estruturada para simbolizar, de maneira complexa e
variada, os eventos e seus participantes, o que é instrumental para que as crianças
“esmiúcem” suas experiências
dos eventos de várias maneiras complexas. As
Construções linguísticas abstratas podem, então, ser usadas para pensar e
intercambiar cenas experienciais de modo analógico e metafórico.
94
4 A METODOLOGIA
4.1 INTRODUÇÃO
Não há dúvidas de que a ciência se faz ancorada em uma metodologia de
pesquisa, ainda que variada em procedimentos e em taxonomias, devido às tentativas de
se encontrar uma perfeita adequação entre o tipo de objeto pesquisado, os objetivos
previamente estabelecidos e o arcabouço teórico que sustenta o empreendimento
científico considerado válido.
Ninguém duvida também que Linguística é ciência, assim instaurada por
Ferdinand de Saussure, que brilhantemente reconheceu a impossibilidade de se fazer
ciência não se determinando a natureza do objeto pesquisado, pois sem essa operação
elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método para si própria (Cours, p.
10).
O presente trabalho, portanto, como projeto de pesquisa em Estudos
Linguísticos, não pode se furtar de estabelecer um método de análise que seja coerente
com a agenda do Sociocognitivismo e com o Modelo Baseado no Uso da Gramática das
Construções. Nesse sentido, os desafios metodológicos exigem muita responsabilidade e
esforço, o que não garante uma metodologia isenta de erros. Por isso, cito novamente
Saussurre (Cours, p.11): “Do ponto de vista metodológico, porém, há certo interesse em
conhecer esses erros”, na esperança de que esta pesquisa sirva também como incentivo a
um investimento mais intenso em estudos de metodologias adequadas às pesquisas
linguísticas.
O primeiro desafio que qualquer pesquisa em Linguística Cognitiva enfrenta é
sustentar empiricamente o “compromisso cognitivista” de encarar a linguagem como uma
janela para a cognição. A questão prática que se coloca aqui é desmistificar o desencontro
que se acreditou existir entre as metodologias usadas pelas outras ciências cognitivas
(neurociências, psicologia cognitiva, psicologia desenvolvimentista, etc), que se utilizam
cada vez mais de métodos empíricos sofisticados em seus experimentos e aquelas usadas
95
pela Linguística que, como acredita alguns, respalda grande parte de suas hipóteses e
teorias unicamente em evidências linguísticas, consideradas pelos críticos insuficientes
(VALENZUELA, 2007), ou em impressões intuitivas, resultantes de análise introspectiva.
Sinclair (2004), embora reconhecendo a importância da intuição do linguista (usuários
sofisticados, nas palavras dele), elenca dois problemas principais das pesquisas baseadas
apenas na intuição do pesquisador: (i) o fato de não podermos justificar o uso da intuição
além do testemunho pessoal e (ii) o fato de as pessoas diferirem profundamente em seus
julgamentos intuitivos. Por isso, a estratégia que esse autor propõe é usar a intuição em
conjunto com outros critérios de natureza mais verificável.
Os outros critérios mais verificáveis a que Sinclair (2004) faz referência
podem ser as evidências vindas de outras fontes e de outras disciplinas, mas que, de
alguma forma, apontam para uma mesma direção. Isso é o que Valenzuela e Soriano
(2005) chamam de “noção de evidência convergente”, conseguida a partir de alianças
metodológicas. Outra forma de minimizar a insuficiência das evidênc ias estritamente
linguísticas é decidir-se pela utilização de corpora.
4.2 A LINGUÍSTICA DE CORPUS
A Linguística de Corpus é o coroamento natural de todo um modo de pensar a
linguagem, principalmente após a contestação veemente do falante-ouvinte ideal
chomskiano pelos gerativistas dissidentes. A partir da década de 70, a perspectiva
cognitivo- funcional semeia a ideia de que a gramática surge de padrões de uso da língua
em discursos reais e a Linguística de Corpus, com o estatuto em que se encontra hoje na
agenda dos estudos linguísticos, é o fruto bom dessa semeadura.
Embora pareça que a Linguística de Corpus seja a grande novidade dos estudos
linguísticos contemporâneos, a sua origem remonta, segundo Francisco Gomes de
Matos 44 , a uma obra estruturalista, dos anos 40, assinada por Charles C. Fries: American
English Grammar. Matos relata que Fries faz nessa obra uma abordagem descritiva da
44
MATOS, F.G. Notas sobre livros. Revista DELTA, vol.20, n o .2 , São Paulo, 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502004000200014&script=sci_arttext
96
gramática do Inglês, destinando um espaço, ainda que pequeno, a comentários de
natureza quantitativa. Usando amostras retiradas de cartas de militares aos seus
familiares, a descrição de Fries conseguia estabelecer as variantes de uso mais
freque ntes. Sardinha (2000) 45 , no entanto, situa o marco da Linguística de Corpus nos
anos 60, a partir do advento do primeiro corpus eletrônico, composto por um milhão de
palavras: o corpus Brown.
Não há dúvidas de que o que revolucionou a empreitada, iniciada por Fries, na
verdade, foram os avanços tecnológicos, especialmente, os computacionais. A
Linguística vive atualmente mais uma de suas revoluções, propiciada pelo computador
pessoal, de livre acesso ao pesquisador da língua e que é capaz de armazenar uma
quantidade inesgotável de dados, isto é, de evidências linguísticas e disponibilizá- la, a
qualquer tempo, ao olhar atento do observador. Essa possibilidade pode alterar tudo o
que se pensava a respeito de determinado fenômeno linguístico ou em nível mais amplo,
tudo que se concebia como língua. “Passamos da idealização para a sistematização da
observação da evidência” (SARDINHA, 2004, p. XVII). Nessa perspectiva, a língua
passa a ser um sistema probabilístico, abordado de maneira empirista.
O computador, por meio de suas ferramentas cada vez mais otimizadas,
permite ao analista da língua a extração, a organização e a reorganização de dados por
ele mesmo selecionados. Poderíamos elencar três das ferramentas computacionais
principais: a) programas para listar palavras, contando-as; b) concordanciadores, que
permitem a busca de uma palavra específica e seus contextos usuais; c) etiquetadores,
que conseguem indexar os dados automaticamente com informações de natureza
morfossintáticas e semântico-discursivas.
Essas ferramentas computacionais permitem ao linguista reconhecer padrões da
linguagem, intimamente relacionados a contextos situacionais específicos e a
frequências de uso quantificadas. Na Linguística de Corpus, há três parâmetros que
evidenciam essa padronização: a colocação, a coligação e a prosódia semântica. A
45
SARDINHA,T.B. Retrospectiva/ retrospective Linguís tica de Corpus: histórico e problemática (Corpus
Linguistics: History and Problematization). In: Revista DELTA, Vol.6, N.º2, 2000 , pp.323-36.
97
colocação diz respeito à associação entre itens lexicais ou entre o léxico e campos
semânticos; a coligação, por sua vez, refere-se à associação entre itens lexicais e
gramaticais, já a prosódia semântica remete à associação entre itens lexicais e conotação
ou instância avaliativa.
Fazer Linguística de Corpus significa ocupar-se da
coleta e da exploração de corpora, ou conjunto de dados linguísticos
textuais, coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a
pesquisa de uma língua ou variedade linguís tica. Como tal, dedicar-se à
exploração da linguagem por meio de evidências empíricas, extraídas por
computador (SARDINHA, 2004, p.3)
Dessa forma, todo corpus é criado a partir de coletâneas de textos escritos ou transcrições
de fala, mantidos em arquivos de computador, com o objetivo de promover a pesquisa.
Por isso, o corpus em si é artificial, na medida em que é um objeto criado com fins
específicos de estudo (SARDINHA, 2004). Sabe-se que as línguas naturais não têm
limites preestabelecidos com relação, por exemplo, ao tamanho de seu vocabulário, ao seu
repertório de estruturas significativas, à diversidade de contextos nos quais ela se realiza.
Não importa, pois, o quão extenso é um corpus, nem com que cuidado ele foi desenhado,
nenhum corpus é capaz de ter exatamente as mesmas características que a linguagem da
qual ele é apenas uma amostra (SINCLAIR, 2004).
Nas seções seguintes, passo a detalhar os procedimentos metodológicos que
segui para realizar a tarefa de montar um corpus constituído apenas de blogs, relatando
as razões que motivaram a decisão de constituir um corpus específico para esta
pesquisa, além de descrever a ferramenta que melhor se adaptou aos meus objetivos, o
corpus que foi possível organizar e as análises quantitativas que pude dele derivar.
4.3 SOBRE A NECESSIDADE DE UM CORPUS ESPECÍFICO
O esforço investigativo que empreendo nesta pesquisa de doutorado veio no
rastro de um outro estudo que realizei no mestrado. Neste, tentei mapear uma
Construção Gramatical a que chamei Construção de Objeto Interdito, cuja instanciação
98
se dá em diversos enunciados da linguagem cotidiana como Se beber, não dirija, na
qual se tem verbos tradicionalmente tratados como trans itivos que, ao anularem o
complemento verbal da configuração sintática, recebem uma interpretação semânticopragmática de interdição. O fato é que, depois de concluído esse trabalho, continuei
atenta a casos de destransitivização verbal e foi assim que constatei a frequência cada
vez maior do uso do predicador bombar: as festas bombavam, as pessoas bombavam,
o Big Brother bombava, enfim tudo que era extremamente apreciado e, por isso mesmo,
recebia uma avaliação positiva, bombava. Esse neologismo verbal muito chamou a
minha atenção, especialmente por me remeter, automaticamente, ao nome bomba:
artefato de destruição ativado por carga explosiva (cf. Dicionário Houaiss) e que,
portanto, não recebia, tradicionalmente, uma avaliação pragmática de valor positivo.
Logo, o que tinha nas mãos eram duas Construções Gramaticais, cujos
predicadores verbais apareciam na configuração sintática sem seus complementos à
direita e que, no uso, disparavam inferências semântico-pragmáticas completamente
diferentes: uma, a já estudada46 , servia de gatilho para o acesso a um Modelo Cognitivo
Idealizado (MCI) de interdição, ratificando, na gramática, uma determinação
sociocultural muito operante e, por isso mesmo, muito conhecida pelos falantes do
Português do Brasil: a de que assuntos interditos (tabus sociais) devem ser evitados. A
outra Construção, por estudar, a mim se mostrava como uma instrução semânticopragmática quando se queria dar realce às ações (e aos efeitos por elas produzidos) do
elemento linguístico que ocupava a função de sujeito gramatical, melhor dizendo, a
inferência semântico-pragmática dessa segunda Construção por destransitivização
parecia ser a de hiperbolizar e hipervalorizar as ações do sujeito. Por isso, meu filho
chegava da escola e dizia-me: Mamãe, arrebentei Ø na prova; da mesma forma, as
revistas e os jornais tinham como manchetes: Em bela atuação, Argentina massacra Ø;
Ivete Sangalo abala Ø no show de Recife. Ouvia o carro de som anunciar que O curso
Visão detonou Ø no vestibular e nas novelas sempre tinha alguém que arrasava Ø.
Baseando- me nessas cinco entradas verbais, tentei traçar um perfil inicial e
intuitivo dos verbos usados destransitivizadamente para induzir a uma interpretação de
46
BRONZATO, Hotz Lucilene. A abordagem sociocognitiva da Construção de Destransitivização: o
enquadre da interdição. 2000. 115 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)- ICHL/UFJF, Juiz de Fora,
2000.
99
hiperbolização e hipervalorização da ação engendrada pela entidade sujeito. Busquei,
na plataforma Google, pela destransitivização de verbos como arregaçar, estraçalhar,
trucidar, metralhar, dentre muitos outros. Abria, uma a uma, as ocorrências elencadas
pelo buscador, verificando se havia, realmente, destransitivização e se tal
destransitivização era um caso de hiperbolização. Esse procedimento, embora bastante
demorado e trabalhoso, mostrou-me evidências do uso da Construção de Hiperbolização
muito relevantes: (i) o perfil inicial traçado para as entradas verbais estava correto; (ii)
a Construção Gramatical de Hiperbolização seguia um padrão de uso e de seleção
lexical altamente coerente; (iii) o número de tipos verbais destransitivizados e
habilitados pela Construção de Hiperbolização passou de cinco para trinta e três; (iv) as
ocorrências mais frequentes da CGH localizavam-se nos blogs 47 .
Foi essa última
constatação e o fato de minha pesquisa com as mesmas entradas verbais em corpora
disponíveis para o Português não retornar nenhuma ou quase nenhuma ocorrência que
me obrigaram a criar um corpus específico, constituído unicamente por textos alocados
em blogs.
4.3.1
A escolha da ferramenta
No momento em que verifiquei a necessidade de montar um corpus específico
para estudar a Construção Gramatical de Hiperbolização, já que nos corpora existentes e
disponíveis os resultados de busca que eu obtinha eram pouco satisfatórios, se
comparados, por exemplo, às buscas realizadas com a plataforma Google, a principal
decisão que tive de tomar foi sobre qual ferramenta utilizar para formar o banco de dados.
Após fazer algumas tentativas, optei pela utilização da plataforma Corpógrafo,
disponibilizado pelo projeto Linguateca 48 . O Corpógrafo é uma ferramenta de coleta e
análise de corpora cuja maior vantagem, a meu ver, é permitir a formação de corpora de
maneira fácil e bastante eficiente.
47
Blog é uma corruptela de weblog, expressão que pode ser traduzida como “diário na rede” ( ver p.166)
O objetivo da Linguateca, um centro de recursos, distribuído, para o processamento computacional
da Língua Portuguesa, é servir a comunidade que se dedica ao processamento da Língua Portuguesa (
mais informações em http://www.linguateca.pt/)
48
100
O Corpógrafo se compõe de quatro áreas de trabalho: Gestor, Pesquisa, Centro
de Conhecimento e Centro de Comunicação, assim configuradas:
Gestor
Pesquisa
Centro de Conhecimento
Centro de Comunicação
Figura 5: ilustração das áreas de trabalho do Corpógrafo. Fonte: Corpógrafo
O Gestor é a área em que se pode trabalhar a edição e o pré- funcionamento
dos ficheiros 49 . Todas as operações de armazenamento, pré-processamento e organização
dos ficheiros são executadas nessa área de trabalho, por isso, o gestor é considerado como
a base do Corpógrafo. O armazenamento dos ficheiros se dá via dois caminhos: a partir
de dados já armazenados no computador pessoal do pesquisador ou através de uma URL
(Universal ou Uniform Resource Locator).
Com os dados armazenados, é possível, ainda na área do Gestor, organizá- los:
cada arquivo armazenado passa a ser um ficheiro ao qual se pode atribuir informações,
como idioma, autor, fonte, editora, que o organizem. A depender, também, dos
objetivo s da pesquisa, o analista tem o recurso de limpar os ficheiros, modificar a
divisão em frases, classificá- los e categorizá- los. Depois de tratados, os ficheiros podem
passar a fazer parte do corpus, “unidade de texto que é efetivamente pesquisável”.50
Para que se agreguem ficheiros ao corpus, basta que se abra no Gestor a janela
CORPORA e, em seguida, NOVO CORPUS.
Com o corpus já tratado e organizado em pastas, saímos da área do Gestor para
a área da Pesquisa na qual visualizamos as cinco opções de busca no corpus:
49
Cada URL copiada se divide em um dado número de ficheiros (arquivos), que, por sua vez, se
subdividem em novos arquivos.
50
Pinto, Ana Sofia. Introdução à utilização do Corpógrafo: um pequeno tutorial. Disponível em
HTTP://web.usal.es/~gpalacios/decencia/doctorado/tutorialCORPOGRAFO.pdf
101
Pesquisa
Concordância Frase
Estudo de N-Gramas
Concordância Janela
Concordância KWIC
Concordâncias paralelas
Figura 6: ilustração da área de pesquisa do Corpógrafo. Fonte: Corpógrafo
O estudo de expressões regulares se faz por meio de uma das janelas de
concordância: Concordância Frase, Concordância Janela ou Concordância KWIC. Na
pesquisa via Concordância Frase, a concordância aparece no contexto da frase em que
ocorre. Já no modo Janela, aparece, também, o número de átomos 51 que antecedem e
precedem a concordância. Na última modalidade, Concordância KWIC, pode-se
determinar o tamanho do contexto de visualização da frase. A pesquisa de um termo
pode ser feita por meio de palavra específica, por exemplo, “massacrou” ou utilizandose um recurso que consiste em acrescentar ao radical da palavra a ser pesquisada a
terminação \w+, cuja vantagem maior é proporcionar uma busca mais ampla, com
maior ganho de tempo, embora tenha o inconveniente de fazer com que o pesquisador
do corpus tenha um trabalho maior ao “limpar” seus dados, já que essa busca
generalizada produz um resultado “menos limpo”. Logo, se digitarmos na janela de
busca da Concordância Frase a seguinte expressão massacr\w+, obteremos o seguinte
resultado:
Expressão de pesquisa: massacr\w+
51
No Corpógrafo, o conceito de atomização equivale à noção de “tokenização” na qual se consideram
como átomos não só as palavras propriamente ditas como também: (...), [...], reticências , aspas " « e » ,
números (inclusive os romanos), URLs, e-mails , sinais de pontuação, abreviaturas, palavras ligadas por
hífen (o que inclui verbos com clíticos, palavras compostas por aglutinação, tais como couve-flor,
politico-econômico-social, e casos mais livres e problemáticos como Benfica-Sporting, direita-esquerda,
palavras ligadas por barra, como e/ou; CDS/PP; EPUL/Rio. (http://www.linguateca.pt/Corpografo/)
102
0#
f
Info
Frase onde ocorre a concordância
1
1954 Aliás , estou me retirando aos poucos porque me dá ânsia de VÔMITO frequentar o
mesmo espaço de alguém que defende o massacre de inocentes .
2
222
Entre outras coisas , Gerald fala da identidade cultural do Brasil nos anos 80 , de
polêmica , de seu teatro , de sua amizade com Samuel Beckett ( ou Mr. Beckett ) , de
honestidade , de tempo , falta dele , do massacre que ele promove na cabeça do artista
, e atesta : "A arte é um estado de flutuação migratória" .
3
767
Pensando nisso eu me sinto um ganso q é massacrado por tanto consumo q me é
empurrado goela abaixo para q eu vire um produto , essa massa , esse patê cultural .
4
1129 Os xiitas querem um xiita , os sunitas querem um sunita , e os curdos querem um curdo
, que dê poder a sua etnia e massacre as demais .
Figura 7: ilustração da pesquisa por Concordância Frase
Como podemos perceber, pelo exemplo, a pesquisa por Concordância Frase
generalizada traz alguns inconvenientes, como a não restrição a uma classe gramatical
específica. No caso do presente estudo, em que os verbos são o foco da análise, as
ocorrências do item massacre (substantivo) ou massacrado (adjetivo) nas frases
acima, por exemplo, não são relevantes. Além disso, esse tipo de busca no Corpógrafo
não elimina o risco de ocorrências de frases repetidas, o que leva a um trabalho de
limpeza do corpus mais apurado. Se a mesma pesquisa fosse realizada na janela de
busca da Concordância Janela, teríamos o seguinte resultado:
Expressão de pesquisa: massac\w+
#
4
3
2
1
conc.
1
2
#
1 embrulhada
ao
lembrar
do
massacre
de
Zidane
4
2 ,
com
toques
de
Massacre
da
Serra
3
3 conhecido
como chacina
ou
massacre
da
Candelária 3
4 alguém
que
o
massacre
de
inocentes
Um
massacre!
defende
5
6 [
link
7 anterior.Qual o
]
30/07/2006 MASSACRE Para uma
resultado desse
massacre?
2
2
2
2
Figura 8: exemplo ilustrativo de pesquisa por Concordância Janela. Fonte Corpógrafo
103
Na janela de busca da pesquisa por Concordância KWIC, a mesma pesquisa
resultaria no seguinte:
# POS (C/P)
esq.
conc.
dir.
nº frase info
1
117 / 23 que defende o
massacre
de inocentes .
1954
2
210 / 45
dele , do
massacre
que ele promove
222
3
40 / 10
ganso q é
4
115 / 27
sua etnia e
5
267 / 53
( o constante
massacrado por tanto consumo
massacre
MASSACRE
767
as demais .
1129
que os Chineses
1535
Figura 9: exemplo ilustrativo de pesquisa por Concordância KWIC. Fonte Corpógrafo
Abrindo-se a opção Estudo de N-Gramas, o Corpógrafo possibilita uma análise
da frequência de palavras coocorrentes, favorecendo a visualização de características
que se destacam no texto, como por exemplo, Construções sistemáticas com mais de
uma palavra.
Expressão de pesquisa: arregaçar
Corpus pesquisado: Blogs-Uol (9378418 átomos : 2505 ficheiros)
# POS (C/P) esq.
conc.
dir.
1 160 / 32
rge Pedro Galli ( ambos arregaçar
as
mangas
também do RS ) jamais
trabalhar .
se negaram em
2 45 / 10
iso planejar ,
arregaçar
nº frase
info
e 171
as
mangas
, 97
trabalhar
muito
e
plantar sempre o Bem
.
Figura 10- exemplo ilustrativo de pesquisa por Estudo N-gramas. Fonte: Corpógrafo
A Concordância Paralela serve, por sua vez, para se trabalhar com dois corpora
ao mesmo tempo.
A outra área do Corpógrafo, o Centro de Conhecimento, é um espaço onde se
pode armazenar e pesquisar informações de nível lexical, morfológico, sintático e
104
semântico. A informação que o Corpógrafo permite “armazenar e gerir é uma teia
complexa de elementos que representam a formalização do conhecimento linguístico e
conceptual de um determinado domínio” (PINTO, 2006, p.17)
No estágio em que se encontra, o Corpógrafo é considerado pelos seus
criadores como uma plataforma em construção. Por isso, o centro de conhecimento do
Corpógrafo ocupa-se quase que exclusivamente na gestão das bases de dados
terminológicas, que não são simplesmente listas, na medida em que permitem
estabelecer
relações
interlexicais,
gerando
uma
malha
(teia)
conceptual
multidimensional.
Por fim, o Centro de Comunicação se destina a ser um canal de informação
sobre a própria ferramenta, através de mensagens, ajudas, tutoriais e publicações sobre o
Corpógrafo que podem ser baixadas para os computadores dos usuários.
4.3.2
O corpus organizado
A pesquisa informal que fiz na plataforma Google, com o objetivo de verificar
se minhas intuições iniciais revelariam alguma coerência, acabou me mostrando, como
já disse, que a Construção Gramatical de Hiperbolização possui uma ocorrência mais
frequente em sites de blogs. Com as hipóteses já delineadas, o meu interesse maior era
observar, descrever e explicar nos dados reais do Português: 1º) a estruturação sintáticosemântico-pragmática da Construção Gramatical de Hiperbolização; 2º) a motivação e o
processamento metafórico subjacente à mesma.
Por possuir recursos que permitem a confecção de um ou mais corpora e por
dispensar, a depender do objetivo do pesquisador, o uso de ferramentas de análise,
como, por exemplo, o WordSmith Tools, o Corpógrafo
pareceu- me o recurso
computacional mais adequado à minha necessidade de criação de um corpus específico.
105
O primeiro grande desafio foi conseguir que o Corpógrafo incorporasse as
URLs, indexadas pelos blogs. O modo disponibilizado por essa plataforma é acessar a
área do Gestor, clicar em Ficheiros e, logo em seguida, clicar em Adicionar Ficheiros e
escolher a opção “a partir de uma URL”. De início, eu copiava as URLs resultantes da
pesquisa no Google. O resultado, quase sempre, era uma tentativa de busca demorada e
uma mensagem de erro como resposta, o que me fez pensar na existência de um tipo de
licenciamento de cópia de URL sobre o qual eu desconheço os detalhes. Porém, nessas
tentativas e erros, pareceu- me ser mais promissora a tarefa de tentar adicionar blogs
“mais oficiais”, ou seja, blogs certificados por algum portal52 .
Com essa intuição, busquei no servidor Universo Online (UOL) 53 a lista de
blogs certificados por essa bandeira, ou seja, os chamados blogs da redação UOL.
Baixei um a um, copiando os endereços oficiais e colando-os na janela de busca do
Corpógrafo, conforme o exemplo:
Carregar ficheiros a partir de uma URL
Parametros de selecção de ficheiros
1. Indique o URL do sítio web a pesquisar: http://
2. Número máximo de ligações a visitar:
http://blogdolele.blog.uol.com.br/
50
3. Visitar apenas locais "abaixo" do URL indicado:
4. Tempo máximo de pesquisa:
2 min.
5. Apresentar:
todos os tipos de documentos
apenas PDF
apenas PS
52
Um portal é um site na internet que funciona como centro aglomerador e distribuidor de conteúdo para
uma série de outros sites ou subsites dentro, e também fora, do domínio ou subdomínio da emp resa
gestora do portal (pt.wikipedia.org).
53
Embora esteja usando a primeira pessoa do singular, todo o trabalho de cópia das URLs foi feito em
parceria com a doutoranda Thaís Ferreira, da Universidade Federal de Juiz de Fora.
106
apenas HTML
apenas DOC
apenas RTF
apenas TXT
Salvar ficheiros originais em disco
Pesquisar
Figura 11- ilustração da janela de busca por URL do Corpógrafo. Fonte: Corpógrafo
Cada busca de um blog UOL bem sucedida resultou em um ficheiro a mais no
Gestor, o que, ao final, me proporcionou uma lista com 100 blogs, agregados em um
único arquivo-ficheiro denominado BLOGS UOL. Cada ficheiro copiado para o
Corpógrafo se compõe de subficheiros, a depender do número de seções de texto que o
constitui. Os blogs UOL copiados, que constituem o corpus pesquisado nessa pesquisa,
estão abaixo relacionados:
(12) Lista de ficheiros
10paezinhos.blog.uol.com.br
140.zip.net
aalonso.blog.uol.com.br
adoteumgatinho2.zip.net
alexandrepires.blog.uol.com.br
algodaodoce.cp.zip.net
angelaroro.blog.uol.com.br
atirenodramaturgo.zip.net
blog mabel veloso
Blog Preta Gil
blogdajussarasilveira.blog.uol.com.br
blogdathati.blog.uol.com.br
blogdofalcao.zip.net
blogdofininho.blog.uol.com.br
blogdoihp.blog.uol.com.br
blogdolingua.zip.net
blogdolovatto.zip.net
blogmariacandida.zip.net
blogoh.blog.uol.com.br
blogtodateen.blog.uol.com.br
brunomotta.zip.net
celsocardoso.zip.net
carapuceiro.zip.net
celsocavallini.zip.net
37 Ficheiros
10 Ficheiros
41 Ficheiros
45 Ficheiros
16 Ficheiros
12 Ficheiros
8 Ficheiros
6 Ficheiros
32 Ficheiros
41 Ficheiros
16 Ficheiros
17 Ficheiros
15 Ficheiros
8 Ficheiros
14 Ficheiros
39 Ficheiros
21 Ficheiros
7 Ficheiros
15 Ficheiros
8 Ficheiros
41 Ficheiros
13 Ficheiros
43 Ficheiros
10 Ficheiros
107
marcelotas.blog.uol.com.br
claudiacollucci.blog.uol.com.br_
contato.luapio.blog.uol.com.br
contosbregas.zip.net
debora70.blog.uol.com.br
decarapralua.zip.net
despropaganda.zip.net
diariodaodalisca.zip.net
dobispo.zip.net
encarnacaododemonio.blog.uol.com.br
escutaze.blog.uol.com.br
etiquetesima.zip.net
fabiotv.zip.net
felipeandreoliblog.blog.uol.com.br
fisicamoderna.blog.uol.com.br
helpfumo.blog.uol.com.br
janecorona.blog.uol.com.br
jumentodetroia.blog.uol.com.br
kleine.zip.net
laerteeomundo.zip.net
leojaime.blog.uol.com.br
luisa.mell.blog.uol.com.br
magalyprado.blog.uol.com.br
mangabastudios.blog.uol.com.br
marcelotas.blog.uol.com.br
mariellalazaretti.zip.net
mauriciomanieri.blog.uol.com.br
Nahyfa blog
nineaalves.blogger.com.br
nosexandthecity.zip.net
obuxixo.zip.net
olhoslivres.zip.net
olhossempreabertos.zip.net
os.dias.e.as.horas.zip.net
otavionapeneira.zip.net
papelmanteiga.zip.net
paulofreireblog.zip.net
peixedeaquario.zip.net
popindie.zip.net
prohiphop.blog.uol.com.br
pueril.zip.net
qualidadedeconteudo.blog.uol.com.br
queridoleitor.zip.net
rafael.cortez.zip.net
revistaatrevida.blog.uol.com. br
rodaamerica.blog.uol.com.br
rodolfomartino.blog.uol.com. br
rolocompressor.zip.net
rrtv.zip.net
semgelo.zip.net
sergiodavila.blog.uol.com.br
Televisao
teojose.zip.net
42 Ficheiros
40 Ficheiros
42 Ficheiros
33 Ficheiros
8 Ficheiros
43 Ficheiros
30 Ficheiros
29 Ficheiros
11 Ficheiros
8 Ficheiros
3 Ficheiros
44 Ficheiros
43 Ficheiros
8 Ficheiros
36 Ficheiros
5 Ficheiros
8 Ficheiros
7 Ficheiros
14 Ficheiros
45 Ficheiros
9 Ficheiros
13 Ficheiros
37 Ficheiros
42 Ficheiros
43 Ficheiros
10 Ficheiros
25 Ficheiros
5 Ficheiros
36 Ficheiros
44 Ficheiros
44 Ficheiros
12 Ficheiros
10 Ficheiros
4 Ficheiros
6 Ficheiros
17 Ficheiros
44 Ficheiros
25 Ficheiros
10 Ficheiros
21 Ficheiros
46 Ficheiros
43 Ficheiros
40 Ficheiros
9 Ficheiros
6 Ficheiros
16 Ficheiros
6 Ficheiros
9 Ficheiros
43 Ficheiros
5 Ficheiros
42 Ficheiros
7 Ficheiros
45 Ficheiros
108
terrasdecabral.zip.net
tomze.blog.uol.com.br
tricortando.zip.net
trivialfenomenal.zip.net
uolesporte.blog.uol.com.br
02neuronio.blog.uol.com.br
afischer.blog.uol.com.br
biancasoares.blogger.com.br
blogboasaude.zip.net
blogdofred.folha.blog.uol.com.br
blogdogalhardo.zip.net
blogdojuca.blog.uol.com.br
blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br
blogdotorero.blog.uol.com.br
danilogentili.zip.net
delfuego.zip.net
erikgaldino.com.br
euamoossapinhos.blogger.com.br
geraldthomas.blog.uol.com.br
jcbernardet.blog.uol.com.br
liliprata.blog.uol.com.br
sheilamello.blog.uol.com.br
uoltecnologia.blog.uol.com.br
5 Ficheiros
10 Ficheiros
42 Ficheiros
28 Ficheiros
2 Ficheiros
42 Ficheiros
42 Ficheiros
3 Ficheiros
40 Ficheiros
42 Ficheiros
43 Ficheiros
44 Ficheiros
37 Ficheiros
39 Ficheiros
22 Ficheiros
1 Ficheiro
22 Ficheiros
45 Ficheiros
43 Ficheiros
31 Ficheiros
43 Ficheiros
42 Ficheiros
33 Ficheiros
Pelos nomes dos blogs elencados, é possível sabermos quem são seus autores e,
por inferência, quais são os principais assuntos abordados em cada um deles. Há uma
lista de celebridades artísticas como Preta Gil, Luísa Mell, Alexandre Pires e Ângela
Rorô; outros blogs são assinados por jornalistas famosos: Marcelo Tas, Danilo Gentili;
muitos comentaristas esportivos figuram também nessa lista: Téo José, Juca Kfouri,
José Roberto Torero que, como Xico Sá, é um jornalista que se envereda pela literatura,
sendo autor de treze livros e de vários roteiros para o cinema. Em termos de “amostras”
de linguagem, o corpus Blogs UOL é, portanto, bastante variado, já que seus autores
pertencem a comunidades discursivas bastante diversificadas.
Cada um dos ficheiros, composto por um dos blogs acima, é constituído de um
número variado de arquivos, cada qual com uma determinada qua ntidade de átomos e
uma composição variada de gêneros. O blog carapuceiro.zip.net, alocado no portal
109
UOL e assinado por Xico Sá, é um bom exemplo dessa miscelânea de gêneros textuais.
O autor, sendo jornalista e escritor, dedica-se a escrever em seu blog crônicas, a que ele
chama “Blônicas”, isto é, “crônicas de blog”, 54 mostrando com isso o nascimento e o
reconhecimento de um novo gênero. Mas há também contos e há ainda comentários,
abertos a qualquer internauta, a princípio sobre as crônicas e os contos, mas que podem
tangenciar os mais diversos assuntos nos mais diferentes registros, o que resulta em um
emaranhado linguístico de textos e autores. Essas “divisões” do blog são captadas pelo
Corpógrafo como arquivos separados, como mostra o exemplo:
FICHEIROS:\blogs uol\ [carapuceiro.zip.net]
1
2
3
4
5
6
arch2005-04-24_2005-04-30.html 4129
arch2005-06-05_2005-06-11.html 5979
arch2005-07-03_2005-07-09.html 4693
arch2005-07-24_2005-07-30.html 4674
arch2005-08-14_2005-08-20.html 4814
arch2005-08-21_2005-08-27.html 4813
átomos
átomos
átomos
átomos
átomos
átomos
palavras
palavras
palavras
palavras
palavras
palavras
Figura 13- exemplo ilustrativo de uma lista de arquivos de um dado ficheiro. Fonte: Corpógrafo
Portanto, o corpus Blogs UOL foi formado a partir do acesso a 100 blogs,
alocados no portal UOL, e cada um deles composto por um número variado de arquivos
que, por sua vez, contêm uma quantidade diversificada de palavras e gêneros textuais.
4.3.3
Procedimentos de pesquisa no corpus Blogs UOL
Com o corpus pronto, a segunda etapa que precisei cumprir foi a da pesquisa.
Para tanto, em consonância com os objetivos do meu trabalho, decidi que a pesquisa por
Concordância Frase generalizada (\w+) seria a mais apropriada, porque quase sempre
esse tipo de busca retorna um fragmento de texto suficiente o bastante para que dúvidas
a respeito de recuperabilidade anafórica possam ser devidamente sanadas, enquanto as
54
SÁ, Xico. Blônicas: crônicas de blog. Ed. Jabuticaba
110
outras opções me obrigariam a decidir sobre o número de palavras à esquerda e à direita
do tipo verbal pesquisado, o que não seria uma decisão muito fácil.
Antes de iniciar a pesquisa no corpus Blogs UOL, no entanto, é preciso
esclarecer que o manuseio dos dados na área Gestor do Corpógrafo consistiu, apenas,
em arquivar ficheiros a partir de URLs disponibilizadas pelos blogs UOL e, com eles,
organizar um corpus a que chamei Corpus Blogs UOL. As etapas de edição de texto,
correção de fraseamento e verificação de contextos foram realizadas no editor de texto
Word, a partir dos dados gravados em meu computador pessoal. Assim, cada tipo verbal
gerou um arquivo. Esses arquivos-Tipo, em Word, foram criados, seguindo-se os
seguintes passos: 1º) foi feita a busca no Corpógrafo, utilizando-se a opção de pesquisa
por Concordância Frase; 2º) todo o resultado foi copiado (Crtl c) e colado (Crtl v) para
um arquivo Word, designado Expressão de pesquisa X, sendo x o nome do tipo verbal;
3º) todo o material copiado foi reformatado, eliminando-se as ocorrências repetidas e
contextualizando-se as frases 55 , quando necessário, o que gerou um arquivo assim
constituído:
Expressão de pesquisa: arras\w*
Corpus pesquisado: Blogs- uol (9.378.418 átomos, 2505 ficheiros)
1. Íris arrasa mais uma vez em desfile em São Paulo.
55
Há casos em que a ocorrência gerada no Corpógrafo não traz um contexto suficiente para se saber se a
ausência do complemento verbal pode ou não, ser recuperada. O próprio Corpógrafo permite a
identificação do arquivo no qual a frase se encontra e, no meu caso, o próprio comando crtl c por mim
usado, abriu uma janela na qual uma das opções era uma busca na WEB. Portanto, casos como “Ele não
faz a marcação, faz pressão, cutuca, espinafra, invade, abafa” em que é difícil afirmar tratar-se ou
não da CGH, a pesquisa no contexto de origem foi necessária e suficiente para esclarecer quaisquer
dúvidas, como mostra o contexto de origem da ocorrência supracitada: Guiñazu joga curvado, baixa a
cabeça como um guarda-sol, fecha as brechas, rouba a bola como se tivesse emprestado rapidamente
aos adversários, mudado de idéia e decidido levar para casa. A sensação é que o Guiñazu é o dono da
bola. Ele não faz a marcação, faz pressão, cutuca, espinafra, invade, abafa. Santo Antônio de Pádua
inaugurou a ubiqüidade, estar em dois lugares ao mesmo tempo. Guiñazu aperfeiçoou o dom. É o John
Malkovich do Inter. Quero ser Guiñazu. Todos são ele, ele é todos. Não chuta a gol para não ser
vendido. Ama o seu time. Entendeu que, se ele fizer gol, será um gênio. Não deseja sair de Porto Alegre e
toca generosamente aos colegas - com a gentileza treinada de um garçom - quando poderia desferir o
golpe fatal.
(http://74.125.47.132/search?q=cache:F9bCQ4AxVoYJ:rolocompressor.zip.net/arch2008-09-28_200810-04.html)
111
2. E essa temporada se fecha com uma Fabiana Gugli arrasando, atriz magistral
como ela só, com o seu Juliano Antunes e uma companhia nova que achei nos
montes dourados de São Paulo,com seus Panchos uruguaios e seus Fabios e
todos esses atores que não verei mais depois de amanhã...que loucura meu deus.
3. O desejo de aliança de qualquer modo; de juntar poder com poder para todos
reinarem felizes, evitando o desconforto de dizer não, com coragem, ao que é
indevido, arrasam o Brasil. Cria-se uma Confederação de Interesses Mútuos e
impede-se que sejamos o que podemos ser."
Formados os trinta e três arquivos individuais em meu computador pessoal,
todas as pesquisas, como frequência, número de ocorrências com complemento, número
de ocorrências sem complemento, etc., a partir daí, foram feitas nesses arquivos Word.
Todos os arquivos-tipo, reunidos em um só arquivo, formaram meu corpus, versão
Word, a que chamei Corpus Completo Blogs UOL.
As repetições de ocorrências surgiram, suponho, por dois motivos: 1º) algum
tipo de falha técnica do mecanismo de busca do Corpógrafo; 2º) pela própria natureza
do corpus, já que é inerente aos blogs a citação de textos de outros blogs ipsis litteris, o
que gera duas buscas diferentes (duas URLs), todavia o mesmo resultado. No
Corpógrafo, a distinção entre o primeiro caso e o segundo se dá pelo número da frase
que antecede cada uma das ocorrências pesquisadas: frases com o mesmo número
significam a mesma ocorrência. Sem a eliminação de tais repetições, os dados
estatísticos do Corpógrafo, como o número de ocorrências obtidas e a frequência das
mesmas, se desvalidam. Volto a lembrar, no entanto, que todo esse processo de
tratamento do corpus poderia ter sido feito no próprio Corpógrafo, na área de trabalho
do Gestor.
Dentro do editor de texto Word, as ocorrências, já livres de repetições e
devidamente contextualizadas, foram numeradas. O estudo dessas ocorrências
consistiu em observar a configuração sintática das sentenças nas quais apareciam os
verbos-tipos por mim pesquisados, considerando: a) a presença ou ausência de
complementos à direita; b) o tipo de sintagmas nominais (SN) instanciados como
complementos verbais; c) a presença ou ausência de sintagmas preposicionais (SP);
d) os sentidos encontrados; e) a presença e a frequência da Construção Gramatical
de Hiperbolização, o que resultou em uma planilha de análise (figura 14),
112
composta de 33 tipos verbais, analisados nos seguintes tópicos: ocorrências totais
(OT); ocorrências destransitivizadas (OD); tipos de complementos (SN); ocorrência
da Construção Gramatical de Hiperbolização (CGH); tipos de sintagmas
preposicionais (SP); sentidos encontrados e observações relevantes dos dados,
conforme ilustra o exemplo:
(14) PLANILHA DE ANÁLISE56
TIPO
1.ABAFAR
OT
16
SN
seu eco, CPI´s,
o caso, uma
balada, a caixa da
bateria, as vozes
das mulheres, as
últimas palavras, o
cozimento, essa
dorzinha besta
OD
5
CGH
4
SP
0
SENTIDOS
1.cobrir para
conservar
o calor;2.
encobrir,
ocultar,
esconder,
disfarçar;3.
impedir
de ser ouvido,
amortecer,
abrandar
1.Existe dicionarizada a
expressão “abafar a
banca” cujo significado
é “fazer sucesso maior
do que qualquer outro
indivíduo.”2.Ocorrência
ambígua:“Ele não faz a
marcação, faz pressão,
cutuca, espinafra,
invade, abafa” .
Fonte: Do autor
Para visualizar melhor os dados estatísticos, uma tabela, simplificada, foi
criada a partir do apagamento dos dados não numéricos da planilha de análise e do
acréscimo
de
porcentagens
referentes
a:
a)
percentual
destransitivizadas, considerando-se as ocorrências totais;
de
ocorrências
b) percentual de
ocorrência da CGH, considerando-se as ocorrências destransitivizadas.
56
Essa planilha, devido a sua extensão (9 páginas), virá sob a forma de ANEXO A, do CD que
acompanha a tese.
113
(15) TABELA SIMPLES 57
VERBO
1.
2.
ABAFAR
ABALAR
3. ANIQUILAR
4. APAVORAR
5. ARRASAR
6. ARREBENTAR
OCORRÊNCIAS
TOTAIS
SEM
COMPLE
MENTO
%
CGH
%
16
45
8
8
65
40
5
3
1
2
51
21
31,25%
6,66%
12,5%
25%
76,9,3%
52,5%
4
3
0
1
51
16
80%
100%
0%
50%
100%
76,19%
Fonte: Do autor
Uma outra planilha foi criada, enfocando o percentual das Construções de
Hiperbolização (CGH), cujo verbo destransitivizado vem acompanhado de sintagma
preposicional (SP):
(16) PLANILHA DOS SINTAGMAS PREPOSICIONAIS
57
VERBO
O. TOTAIS
CGH
CGH COM SP
1.ABAFAR
2.ABALAR
16
45
4
3
3.ANIQUILAR
4..APAVORAR
5.ARRASAR
8
8
65
0
1
51
6..ARREBENTAR
40
16
7.ARREGAÇAR
8
1
0%
33,3%
NA GERAL
0%
0%
52,9%
EM DESFILE; NO PAN; POR TODOS
OS GRAMADOS; NA SP FASHION
WEEK; NAS DANCETERIAS; NO
BRASILEIRÃO; POR AÍ; NO PAPEL
DE TRAVESTI; COM O ROLAND; NA
BALADA; EM PORTO ALEGRE; NO
ESTÁDIO DO PACAEMBU; NA
NOVELA DA GLOBO; NAS PISTAS
DE GELO; NESSE ANO NOVO;
NESSE FILME; NO DISNEY
CHANNEL; NAS QUADRAS; NO
MADA; NO FESTIVAL MADA; NO
CINEMA; NA LAJE; DE CALCINHA;
NO BLING; NA DIVULGAÇÃO; NO
TEATRO DE LIVRO; NA PASSARELA
53,3%
EM JK; NOS COMENTÁRIOS; NO
CONTO; NAS PÁGINAS DA VIDA;
NA REVISTA; NAS BILHETERIAS;
NO ÚLTIMO DOMINGO; NA
EXECUÇÃO
0%
Essa tabela encontra-se completa à p. 147.
114
8.ARREPIAR
23
1
9.ATROPELAR
48
2
10.AVASSALAR
11.BARBARIZAR
3
5
0
2
12.BOMBAR
57
54
13.BOMBARDEAR
14.CAUSAR
15.DESTROÇAR
16.DESTRUIR
17.DETONAR
10
58
2
124
58
0
1
0
0
4
18.ESCULACHAR
19.ESTOURAR
0
71
0
18
100%
NO BATUQUE
50%
POR FORA
0%
50%
NAS SELETIVAS
33,9%
POR AQUI; EM AUDIÊNCIA; NO RIO;
NA CAMPANHA PRESIDENCIAL; NA
INTERNET; NA INTERNET; POR AÍ;
DE ADOLESCENTES; NO BRASIL;
AOS DOMINGOS; COM CELULARES;
NAS SUAS ATIVIDADES TEATRAIS;
NAS LOJAS E NA MÍDIA; NESTE FIM
DE ANO; NAS RÁDIOS; NOS EUA;
NO PRÓXIMO FASHION WEEK; NAS
LOJAS
0%
0%
0%
0%
25%
NESTES TESTES
0%
72,2%
COM 25% DOS VOTOS; NA
INTERNET; NA INTERNET; NAS
PARADAS; NO BRASIL INTEIRO;
NAS RÁDIOS; COM OS HITS
BREAKWAY; NAS RÁDIOS; NA
INTERNET; NA INTERNET; NA
EUROPA; NO BRASIL INTEIRO; EM
TODO O PAÍS
20.ESTRAÇALHAR
4
1
100%
EM SUA COLUNA SEMANAL
21.EXPLODIR
105
10
22.EXTERMINAR
8
0
70%
POR TODO O BRASIL; AOS 26 ANOS;
COM NOSSA ARTE FENOMENAL;
NO PALCO DA RECORD; NESTAS
REGIÕES; NO IBOPE; NA ATUAL
FASE DO SBT
0%
23.FULMINAR
9
1
50%
NA SAÍDA DO GOLEIRO
115
24.FUZILAR
19
11
25.HUMILHAR
26.INCENDIAR
27.LIQUIDAR
28.MALTRATAR
29.MASSACRAR
20
17
26
8
8
0
1
1
0
1
30.MATAR
304
6
45,4%
PARA FAZER 2 A 0; PARA FAZER 3 A
0; PARA MARCAR; PARA FAZER 1 A
0; POR CIMA
0%
0%
0%
0%
0%
31.METRALHAR
32.TRITURAR
6
6
0
0
100%
AOS 10 MINUTOS; COM ALTA
CATEGORIA; EM CHEIO; A PAU; A
PAU; A PAU
0%
0%
33.TRUCIDAR
6
0
0%
Fonte: Do autor
A planilha de análise, por ser bastante completa, me permitiu observar a
tolerância dos verbos pesquisados a uma possível destransitivização e os graus de
independência destes com relação aos seus complementos; os tipos de sintagmas
nominais instanciados como objetos diretos desses verbos mostraram- me o lugar em
que se encontram essas entradas verbais pesquisadas no contínuo do processo de
metaforização. A presença ou ausência dos sintagmas preposicionais e seus tipos
esclareceram a necessidade de se marcar ou não, esse elemento da configuração
sintática da CGH como opcional, as preposições preferidas para essa função
sintático-semântica e a maior ou menor dependência dos verbos estudados em
relação a esse complemento. Os sentidos encontrados iluminaram, também, o
processo metafórico e seu sistema de coerência, além de estabelecerem,
sincronicamente, aqueles sentidos que caíram em desuso e aqueles que, por outro
lado, estão fixando-se cada vez mais no sistema da língua. Embora todos os tipos
verbais tenham sido, comprovadamente atestados por meio de pesquisa no Google,
sendo usados sem complemento à direta, o quadro de análise revelou os diferentes
estágios de lexicalização do sentido da CGH em que se encontram os 33 tipos
pesquisados.
116
4.3.4 Sobre a representatividade do corpus Blogs UOL
Cada blog é, do ponto de vista linguístico, um sistema multivariado. Faz parte
desse espaço virtual incluir uma diversidade de gêneros textuais e, portanto, de normas
linguísticas variadas, que vão desde os textos literários, canônicos ou modernos, aos
comentários mais informais. Desta forma, o corpus organizado é quantitativamente
representativo, porque ao somar os átomos de cada ficheiro, o Corpógrafo encontrou
um somatório de 9.378.418 átomos e um total de 2505 ficheiros.
A e xtensão do corpus comporta três dimensões. A primeira é o número de
palavras. O número de palavras é uma medida da representatividade do
corpus no sentido de que quanto maior o número de palavras maior será a
chance do corpus conter palavras de baixa frequência, as quais formam a
maioria das palavras de uma língua. A segunda é o número de textos, a
qual se aplica a corpora de textos específicos.Um número de textos maior
garante que este tipo textual, gênero, ou registro, esteja mais
adequadamente representado. A terceira é o número de gêneros, registros
ou tipos textuais. Esta dimensão se aplica a corpora variados, criados para
representar uma língua como um todo. Aqui, um número maior de textos
de vários tipos permite uma maior abrangência do espectro genérico da
língua. (SARDINHA, 2004, p.24)
Portanto, o corpus específico para minha pesquisa, formado por Blogs UOL, é
considerado um corpus médio-grande (SARDINHA, 2004) que tem as seguintes
propriedades:
Corpus blogs UOL
tamanho
modo
tempo
conteúdo
autoria
finalidade
especificidade
9.378.418 átomos
escrito
contemporâneo
variedades
sociolinguísticas
falantes nativos
diversos
estudo
tipos variados de
textos
Poderia, assim, validar meu corpus com os seguintes argumentos:
I)
é totalmente constituído por textos naturais;
117
II)
abrange uma diversidade linguística bastante favorável aos objetivos da
pesquisa;
III)
abarca uma quantidade de dados estatisticamente significativa, podendo ser
classificado, segundo Sardinha 2004, como corpus médio-grande;
IV)
representa o Português do Brasil contemporâneo, em sua modalidade escrita,
tanto em registro formal quanto informal.
Quando um corpus de referência se fizer necessário, lançarei mão de pesquisas
no Google e/ou no site do jornal Folha de São Paulo, versão impressa
(http://search.folha.com.br/), que disponibiliza uma pesquisa em até mil ocorrências da
palavra pesquisada.
118
5 ANÁLISE
Ninguém me diga que somos bonzinhos, e só por acaso
lançamos o tiro fatal, feito de aço ou expresso em palavras.
Ele nasce desse traço de perversão e sordidez que anima o
porco, violento ou covarde, e faz chorar o anjo dentro de nós.
(Lya Luft)
5.1 INTRODUÇÃO
Quando iniciei a análise dos dados coletados no corpus Blogs UOL, as minhas
principais perguntas com relação à Construção Gramatical em si eram: 1º) que tipo de
padrão construcional é a Construção Gramatical de Hiperbolização (CGH), como ela se
caracteriza na sua forma sintática e na sua interpretação semântico-pragmática? 2º) que
motivações sociocognitivas tal Construção representa e evoca? 3º) quais são as
consequências semântico-pragmáticas na produção/interpretação desse tipo de
Construção? Já com relação à metáfora, foco desse trabalho, os principais
questionamentos centravam-se na expectativa de talvez poder desvendar o papel que
essa operação cognitiva fundamental tem 1º) na motivação da produção da CGH; 2º) na
seleção das entradas lexicais que se tornam habilitadas a participarem dessa Construção;
3º) na interpretação semântico-pragmática que essa Construção promove.
As hipóteses resultantes desses questionamentos iniciais e de algumas buscas
na plataforma Google assim se delinearam:
I)
há, no Português do Brasil contemporâneo, uma Construção
Gramatical significativamente produtiva, nucleada por
verbos causativos de destruição sem seus complementos
verbais (objetos diretos) cuja função semântico-pragmática
é localizar a entidade sujeito no topo de uma escala
avaliativa de SUCESSO, ao hiperbolizar e hipervalorizar a
força de ação desta entidade.
119
II)
A causalidade dos predicadores verbais arrasta consigo o
Esquema Imagético da Força e, que por sua vez, estabelece
como estrutura conceptual a metáfora primária CAUSAS
SÃO FORÇAS FÍSICAS. A partir de um sistema de
implicações metafóricas e metonímicas, nosso modelo
cultural licencia a metáfora estrutural SUCESSO É
GUERRA, que se mantém ativa na Construção de
Hiperbolização.
III)
Os cenários de guerra onde as ações engendradas pela
entidade sujeito se desenrolam e podem vir a resultar no
SUCESSO da mesma são, na verdade, qualquer evento
social. Portanto, devido à metáfora SUCESSO É GUERRA,
os eventos sociais são metaforizados como ARENAS DE
GUERRA.
O esforço investigativo a que tal análise se propõe é, a partir de evidências no
uso, confirmar ou refutar as hipóteses acima delineadas, mantendo ainda um espaço
aberto às intervenções suscitadas pelo próprio corpus, na medida em que é propriedade
dos estudos baseados em corpora a revelação de características da linguagem que o
analista sequer suspeita ou mesmo a constatação de um panorama bem diverso daquele
que preenchia suas expectativas (SINCLAIR, 2004). Considerando, pois, a abordagem do
previsto e do imprevisto, este capítulo estruturar-se-á, por razões unicamente didáticas,
em duas partes: a primeira abordando os aspectos da Construção Gramatical de forma
mais direcionada, a segunda enfocando a metáfora e sua relação com a Construção de
Hiperbolização.
Na primeira parte, em que discuto e analiso a Construção Gramatical de
Hiperbolização propriamente dita, a tentativa é, fundamentalmente, descrever o
fenômeno linguístico, originário desta pesquisa. A partir daí, busco mapear a CGH,
120
definindo suas condições de validação referentes aos seus elementos constitutivos, a
saber, os tipos verbais, o sintagma nominal que exerce a função de sujeito gramatical e
o sintagma preposicional, que opcionalmente faz parte da Construção. Em seguida, faço
uma breve análise das molduras comunicativas preferenciais da CGH: o blog e o fórum
opinativo.
O fato de a nossa sociedade conceber o sucesso como um construal alternativo
do frame de DESTRUIÇÃO levou-me, também, a analisar a inversão de julgamento
promovida pela Construção de Hiperbolização, que passa a evocar semântica e
pragmaticamente uma apreciação positiva da ação engendrada pela entidade-sujeito, o
que por projeção metonímica, torna-se uma avaliação positiva da própria entidade.
Já na segunda parte, o foco da investigação é a metáfora e a sua contribuição
para a produção e a interpretação da CGH. De início, proponho a representação
diagramada do reenquadramento metafórico do frame de DESTRUIÇÃO, evocado
pelos tipos verbais, em um frame de SUCESSO, evocado pela própria Construção de
Hiperbolização. A discussão que ganha corpo a partir de tal representação é a de que
duas noções básicas governam a CGH: o esquema conceptual (imagético) da força e seu
desdobramento pressuposto, ou seja, a causalidade. Força e causalidade serão, pois, o
eixo desencadeador da seleção lexical imposta pela CGH. O reenquadramento do frame
verbal de DESTRUIÇÃO no frame construcional de SUCESSO implica, ainda, a
conceptualização metafórica das arenas sociais como arenas de guerra. A partir dessa
argumentação, proporei um modelo cultural popular do conceito de SUCESSO que,
associado às contribuições epistemológicas da CGH, justifica a proposição da metáfora
estrutural SUCESSO É GUERRA.
.
121
5.2 A CONSTRUÇÃO GRAMATICAL DE HIPERBOLIZAÇÃO
5.2.1. O fenômeno originário
Exemplo 1 58 :
Já enviei um review sobre esta verdadeira obra-prima do Heavy/Thrash Metal.
Estou enviando este pois o anterior eu fiz sem tempo, mas mesmo assim o leitor
pôde perceber o meu fanatismo pelo Thrash Metal, e este é na minha opinião o 2o
melhor da história, perdendo somente para o inigualável "Master Of Puppets", do
Metallica. Além disso, estaria na minha lista de 5 CD'S que levaria a uma ilha
deserta. Um clássico do Rock/Paulera, um fenômeno quase imbatível! Max
Cavalera arrebenta e apavora nos vocais, com seus gritos e berros urrados, além
de detonar com sua guitarra pesada no máximo do limite. Andreas Kisser é quase o
Sepultura inteiro compondo, além de executar solos e principalmente riffs
espetaculares, vide "Inner Self", uma das melhores na história do Heavy Metal!
Igor Cavalera é na minha opinião o melhor bateirista de todos os tempos, ao lado
do fenomenal Dave Lombardo (Slayer). Nesse álbum ele mostra todo seu potencial e
mais um pouco!
(http://whiplash.net/materias/cds_users/047073.html). Publicado
em 14/01/03
O texto acima (exemplo 1) é o comentário de um apreciador do estilo
Heavy/Thrash Metal sobre os cinco melhores CDs nesse estilo. Para ressaltar as
qualidades de um dos vocalistas desse tipo de rock, no caso, Max Cavalera, o autor do
texto lança mão de três predicadores verbais: arrebentar, detonar e apavorar. É
provável que a maior parte dos falantes do Português do Brasil (PB) não tenha qualquer
dificuldade em captar o efeito de sentido que esses predicadores querem promover, a
saber: a hiperbolização da força de ação da entidade-sujeito, tópico da enunciação,
58
Em todos os exemplos, conseguidos por meio de busca no Corpus e no Google, serão mantidas a forma
linguística e a formatação originais. No caso de haver palavras de baixo calão, estas serão substituídas por
um asterisco.
122
promovendo uma hipervalorização da mesma e situando-a no topo de uma escala
avaliativa de sucesso. O objetivo comunicativo do falante que escreveu o texto parece
ter sido, portanto, alcançado, sobretudo pelo uso dos predicadores arrebentar, detonar
e apavorar. Essa afirmação, no entanto, não corresponde à verdade dos fatos ou, pelo
menos, não corresponde a toda a verdade. Se compararmos o uso desses mesmos
predicadores em outro padrão construcional mais frequente (de configuração sintática
transitiva), notaremos que
o efeito semântico-pragmático de hiperbolização e
hipervalorização da força agentiva da entidade-sujeito não se promove.
Vejamos alguns exemplos:
a)
No ápice da transa , naquele momento em que micro e macrocosmos se
unem , um agente imobiliário quase arrebentou a porta com socos e murros ,
gritando pelo nome do morador.Dessa maneira , notificando pra todo o bairro ,
quem é que iria ser repreendido. (Corpus Blogs UOL)
b) Oficiais graduados do governo americano dizem que os supostos terroristas
usariam Gatorade e iPod para detonar seus explosivos a bordo dos aviões .
(Corpus Blogs UOL)
c) No xadrez
Polícia prende quadrilha que apavorou Ortigueira
(http://www.bemparana.com.br/index.php?p=1&n=38994&e=51&s=&inicio=50
&t=)
Nos exemplos a, b e c, os predicadores verbais arrebentar, detonar e
apavorar não têm a mesma função semântico-pragmática, assumida no exemplo 1. Em a,
arrebentar significa romper; em b, detonar significa fazer explodir e em c, apavorar
significa causar pavor. Todos os sentidos elencados não remetem a nenhum tipo de
intenção comunicativa de situar as entidades que exercem a função de sujeitos gramaticais
no topo de uma escala avaliativa de sucesso. Aliás, podemos ver claramente pelo
exemplo c que as ações descritas pelos verbos podem receber uma avaliação pragmá tica
negativa que, por sua vez, se reflete metonimicamente na entidade-sujeito.
123
A pergunta que emergiu, portanto, foi: por que os enunciados a, b e c acima são
tão distintos daqueles do exemplo 1? Procurando pelo que é mais visível, a diferença
óbvia entre eles reside no fato de que, nos enunciados a, b e c, os complementos verbais
estão instanciados na configuração sintática, sendo, respectivamente, a porta, seus
explosivos e Ortigueira. No exemplo 1, por outro lado, os complementos verbais estão
suprimidos da configuração sintática. Dessa forma, ficou claro que eu estava diante de um
caso muito instigante de alteração de valência verbal que leva a uma mudança semântica.
O segundo questionamento que fiz foi sobre qual das valências (transitiva ou
intransitiva) seria a mais prototípica para os predicadores arrebentar, detonar e
apavorar. Tentei, pois, resgatar a cena conceptual que cada um deles evoca e o esquema
conceptual abaixo pareceu- me o mais apropriado:
i)
Algo/alguém arrebenta algo.
ii)
Alguém detona algo.
iii)
Algo/alguém apavora algo/alguém.
Esses esquemas conceptuais puderam ser recuperados na análise dos dados do
corpus Blogs UOL, já que das 40 ocorrências instanciadas com o predicador arrebentar
apenas 6 (15%) configuraram uma Construção genuinamente intransitiva, do tipo A
corda arrebenta sempre no lado mais fraco; já com o predicador detonar, apenas 3
(5,1%) das Construções dispensaram o complemento verbal; o verbo apavorar, por sua
vez, não instanciou nenhuma Construção sem complemento. Logo, no caso dos três
predicadores analisados (arrebentar, detonar e apavorar) o esquema conceptual
coincidiu, em termos de números de argumentos exigidos na estrutura argumental, com
o padrão de uso, o que levou à conclusão de que a valência verbal mais típica desses
predicadores é, realmente, a valência transitiva.
Se a valência básica dos predicadores arrebentar, detonar e apavorar é
aquela que destina um espaço a um participante cuja função gramatical correspondente
será a de complemento verbal (função de objeto direto), logo não há porque estranhar o
124
fato de
não se ter nenhum efeito semântico-pragmático não previsível quando tal
valência se realiza plenamente na configuração sintática. Por outro lado, a anulação do
complemento verbal desses verbos na cadeia sintagmática, induziu- me a formular a
hipótese da existência de uma Construção Gramatical a partir de destransitivização
verbal, tal qual a que estudei no mestrado.
Caso a configuração sintática, nucleada por verbos causativos como arrasar,
arrebentar, detonar, dentre outros, e sem o complemento verbal à direita, ou seja,
destransitivizada, se trate, realmente, de uma Construção Gramatical, as seguintes
propriedades construcionais poderão se levantadas:
(i) identificação de um significado associado à Construção que tem relativa
independência dos itens que a instanciam;
(ii) haverá um perfil sintático-semântico-pragmático bem demarcado das
entradas lexicais que dessa Construção possam participar;
(iii) em se tratando de uma Construção Gramatical disponibilizada pelo PB, a
produtividade
tanto em relação à frequência de uso, quanto ao leque de
opções lexicais (tipos) disponíveis mostrar-se-á satisfatória.
Analisemos, pois, algumas outras ocorrências.
Exemplo 2:
03/08/2005, 00h02
a única coisa que tenho a dizer é q o U2 destrói ao vivo, ou seja, sem
comparações... pra mim mais da metade das músicas ficam muito, mas mtooooo
melhor. Como todo mundo diz neh ( até os chatos dos críticos) : U2 arrebenta
ao vivo pq transfere toda emoção pra música, eu já ouvi mta banda ao vivo mas
nenhuma se compara, sei lá, vc ver q é somente uma versão ao vivo de uma
musica em estúdio, mas com U2 isso num acontece... :assobio: :assobio:
(http://www.ultraviolet-u2.com/foruns/archive/index.php/t-48.html)
125
No exemplo 2, além do verbo já citado, arrebentar, aparece, também
destransitivizado, o predicador destruir. O efeito semântico-pragmático da anulação
sintática do complemento do verbo destruir, considerando que a valência prototípica
desse verbo é transitiva, é exatamente o mesmo promovido pela destransitivização das
entradas verbais do exemplo 1, a saber, a hiperbolização e a hipervalorização da
força de ação da entidade que é o sujeito gramatical, elevando-a ao topo de uma
escala avaliativa de sucesso. O exemplo 2 trata-se, também, de um comentário
virtual59 , registrado em um fórum sobre a banda U2 e cujo autor tem a intenção de
exaltar as qualidades incomparáveis dessa banda quando esta toca ao vivo, donde se
conclui que a moldura comunicativa 60 é extremamente favorável ao uso de predicadores
prototipicamente transitivos, sem seus complementos verbais na estrutura sintagmática.
Esse exemplo, portanto, não somente reafirma o uso destransitivizado da entrada lexical
arrebentar como também seleciona o predicador destruir como possuidor das
propriedades consideradas relevantes para participar da Construção Gramatical que
estamos investigando. Avançando um pouco mais, temos:
Exemplo 3:
Em 11/08/2006, às 19:46:54, Vanise e Patrícia | página pessoal | e-mail disse:
Fico aqui babando com seu trabalho, me sinto um grãozinho de areia nesta praia
gigantesca que é a modelagem, você arrasa, detona, arrebenta.....é demais!
(http://fotolog.terra.com.br/patriciatng:68)
Ainda dentro do gênero comentário virtual, o exemplo 3 representa um texto
em que Vanise e Patrícia registram a intenção de elogiar efusivamente o trabalho de
59
Estou designando comentário virtual o gênero textual usado por internautas para dar opinião sobre
diversos assuntos em espaços virtuais interativos como blogs e fóruns virtuais, consideradas neste
trabalho as molduras preferenciais da CGH.
60
Para MIRANDA (1999), as molduras comunicativas são um tipo de domínio estável, assim como o
MCI e os Esquemas Genéricos. Elas se caracterizam por serem conhecimentos operativos configurados
no evento e incluírem identidades, papéis sociais, agenda de encontro, alinhamento, permitindo a
identificação do que está sendo posto em movimento na interação (MIRANDA, 1999, pp.81-95)
126
modelagem em biscuit de uma artista que trabalha com o que ela chama de topos de bolo,
ou seja, enfeites para a parte de cima de bolos comemorativos. Nessa moldura, aparecem,
destransitivizados, três predicadores verbais prototipicamente transitivos: dois deles
recorrentes nos outros exemplos já citados (detonar, arrebentar) e um outro, inédito no
contexto dessa análise: arrasar. O aparente ineditismo desse verbo transitivo numa
configuração destransitivizada só tem validade nos exemplos já citados, pois na
linguagem cotidiana, usamo- lo e nos deparamos com esse uso a todo o momento: na
mídia, as celebridades arrasam; nos supermercados as ofertas arrasam; nas campanhas
publicitárias as instituições arrasam. Dizer que algo ou alguém arrasa é o mesmo que
dizer que algo ou alguém se sobressai sobremaneira em alguma atividade ou evento
social, sendo, pois, apreciada e localizada no topo de uma escala avaliativa de SUCESSO.
É um uso corriqueiro que já vem de longa data. Na Folha de São Paulo, versão impressa,
por exemplo, há registros do predicador arrasar, instanciando a CGH, em 1997, em
textos como o exemplificado abaixo:
OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE
Globo, 1h30. (Saturday Night Fever). EUA, 1977, 118 min. Direção: John
Badham. Com John Travolta, Karen Lynn Gorney. Pobretão de Nova York
diverte-se aos sábados numa discoteca, quando dança e dança. E arrasa num
concurso de dança. Modesto, mas revelou Travolta.
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq271202.htm)
Em sua valência plena, arrasar significa destruir, causar estrago considerável
em. Portanto, assim como o verbo destruir, o predicador arrasar, quando
acompanhado de seu complemento à direita, expressa uma ação cujo efeito no paciente
(objeto direto) recebe, pragmaticamente, uma valoração negativa, por evocar um frame
de destruição, como mostram os enunciados a e b:
127
a) "Foi tudo muito rápido, o fogo destruiu tudo", declarou o amigo de
Cidelma Cleide, professor de Educação Fisica Francisco José Rodrigues
Santana. O fogo destruiu o teto da residência, todas as roupas e objetos
e até os equipamentos de artesanato de Cidelma Cleide, foi destruido
pelo fogo.
(http://www.meionorte.com/noticias,1--na-Web--Casas-pegam-fogo-na-zona-Norte-e-Sulde-THE,46454.html )
b) A Califórnia vai tremer: Em 1906, um terremoto arrasou São Francisco.
Agora, dizem, o Big One periga voltar, ainda mais devastador e poderá
mandar Los Angeles pelos ares.
(http://www.fimdostempos.net/california_bigone.html )
Destruir e arrasar, quando acompanhados de seus complementos, expressam,
pois, ações cujos efeitos, absorvidos pela entidade, semanticamente representada pelo
paciente e gramaticalmente configurada como objeto direto, são devastadores. Em
outras palavras, o uso transitivo dos predicadores, até aqui analisados, arrasar,
arrebentar, apavorar, detonar e destruir promovem uma interpretação semânticopragmática de que o paciente da ação verbal sofreu uma ação devastadora e, como
consequência, sofrerá uma mudança significativa em sua natureza. No exemplo a, a
força do sujeito-causativo fogo exerce uma ação devastadora sobre o paciente tudo
(sintetizando toda a residência) e o resultado é a destruição total. Do mesmo modo, no
exemplo b, o sujeito-causativo terremoto possui força suficiente para impor sua ação
sobre o paciente, no caso São Francisco (a cidade norte-americana) e, como
consequência, tem-se também a destruição total.
Portanto, o fenômeno linguístico a que me dediquei durante esta pesquisa diz
respeito a um processo de destransitivização verbal de predicadores, prototipicamente
128
transitivos, categorizados como verbos de ação-processo e que se enquadram
perfeitamente em um frame de DESTRUIÇÃO, sendo, pois, classificados como
“verbos de destruição”. O processo de anulação do complemento verbal da estrutura
sintagmática se traduz em um efeito semântico-pragmático de hiperbolização e
hipervalorização da capacidade de ação da entidade -sujeito, situando esta mesma
entidade no topo de uma escala avaliativa de sucesso e, ainda, na inversão do
julgamento de valor da ação que deixa de ser negativa e passa a ser positiva, devido a
um reenquadramento metafórico do frame de DESTRUIÇÃO em um frame de
SUCESSO, processo este que será detalhado mais tarde.
5.2.2 A Construção Gramatical de Hiperbolização e suas condições de
validação
Toda Construção Gramatical se caracteriza por ser um par forma/sentido,
sendo que, por motivos já mencionados, a face do significado engloba não só aspectos
propriamente semânticos como também peculiaridades pragmáticas.
Vimos, pelos exemplos analisados, que há verbos no PB, prototipicamente
transitivos, que, ao serem destransitivizados, promovem um efeito semânticopragmático de hiperbolizar e hipervalorizar a força de ação da entidade que, na cadeia
sintagmática, exerce a função de sujeito. A essa Construção Gramatical estamos
denominando Construção Gramatical de Hiperbolização Positiva da Ação do
Sujeito.
Em se tratando de uma Construção Gramatical, a Construção de
Hiperbolização porta um significado que, de certa forma, é independente dos itens
lexicais que a compõem. Tal significado é a hiperbolização positiva da ação executada
pela entidade-sujeito, o que se traduz, por projeção metonímica, na inferência
pragmática de SUCESSO desta, donde podermos falar em hiperbolização positiva do
sujeito ou, simplesmente, Construção Gramatical de Hiperbolização (CGH).
129
Como Construção, também, a CGH estabelece as condições de validação que
habilitam os itens lexicais a dela participarem. Portanto, poderíamos dizer que, a partir
do momento em que uma Construção Gramatical é plenamente mapeada em uma dada
língua, a análise linguística ganha um certo grau de previsibilidade . Assim, durante a
coleta de dados para formar o corpus e para testar as hipóteses levantadas, eu pensava
em um verbo de ação-processo cujo efeito semântico-pragmático é de ação de efeito
devastador (verbos de destruição), como incendiar, por exemplo, e o lançava na janela
de busca do Google, acreditando que iria encontrar uma instanciação desse predicador
destransitivado, uma CGH, no uso efetivo do PB. Nesse caso específico, obtive sucesso:
O músico está classificado em três categorias: existe o compositor regional, o
compositor nacional e tem o compositor essencial, que possui muitas fontes
para atingir... e é muito bom que você comece com alguma coisa. É
aconselhável, e também muito importante o músico começar como sendo
folclórico, porque é aquilo que pertence a ele, o seu lado nacionalista. Por
exemplo, Aram Khatchaturian compositor russo-armênio, é um folclorista
universal, por que ele toca o coração de todos.Todos os compositores russos, a
maioria que estão nos livros, eles estão... atingiram a universalidade. Por
exemplo Tchaikovski, ele ... Luiz Gonzaga é um folclorista nacional, incendeia,
pronto, ele vai cantando assim e o povo gosta."
(http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noticia.php?noticia_id=399
Nesse processo heurístico, pude atestar, no uso, a destransitivização de todos os 33 tipos
verbais elencados na lista 17 a seguir, para que o sentido de hiperbolização positiva da
entidade -sujeito pudesse aflorar.
130
Da mesma maneira, a existência e a produtividade da CGH pôde ser
inegavelmente atestada, primeiro, pelo número de tipos verbais habilitados a dela
participarem61 ; segundo, pela frequência de uso de alguns desses predicadores, quando
instanciados na Construção de Hiperbolização.
5.2.2.1 A validação dos tipos verbais
A minha lista inicial de poucos verbos (arrasar, bombar, detonar,
arrebentar) foi se estendendo ao longo da pesquisa, chegando ao final com um número
de trinta e três tipos verbais. Todavia, tenho consciência de que esse número continuaria
a crescer, caso investisse mais tempo em buscas na internet62 .
As buscas empreendidas, vale dizer, não foram aleatórias: havia um parâmetro
que as balizava. Esse parâmetro baseava-se no perfil preliminar dos verbos que estavam
sendo instanciados na Construção Gramatical de Hiperbolização, em conversas do dia a
dia, nas novelas, nos anúncios publicitários, nas músicas. Evidentemente que não se
pode fazer um “retrato falado” fiel com poucos dados, mas embora muito incipiente e
muito intuitivo, o perfil primário dos predicadores verbais habilitados a participarem da
CGH, após o corpus organizado, apenas se confirmou. Os trinta e três tipos verbais,
habilitados pela CGH e pesquisados no corpus Blogs UOL, são:
ABAFAR
ARREPIAR
DESTROÇAR
EXTERMINAR
MASSACRAR
ABALAR
ATROPELAR
DESTRUIR
FULMINAR
MATAR
ANIQUILAR
AVASSALAR
DETONAR
FUZILAR
METRALHAR
APAVORAR
BARBARIZAR
ESCULACHAR
HUMILHAR
TRITURAR
ARRASAR
BOMBAR
ESTOURAR
INCENDIAR
TRUCIDAR
ARREBENTAR
BOMBARDEAR
ESTRAÇALHAR
LIQUIDAR
ARREGAÇAR
CAUSAR
EXPLODIR
MALTRATAR
61
Segundo BYBEE (2007), a frequência tipo é o fator principal na determinação do grau de
produtividade de uma Construção.
62
Após encerrar a coleta e a análise dos dados, encontrei, no Google, o predicador verbal devastar
instanciando a CGH no seguinte enunciado: O Faith No More voltou e devastou, deu uma aula e enfiou o
dedo**** do bom mocismo chato que assola o rock atual. Só não foram reis absolutos daquela noite,
pois quem inventou essa *** toda chamada atitude rock, também estava causando, ao mesmo tempo, lá
no Playcenter...
(www.zonapunk.com.br/)
131
Desses, apenas um, esculachar, não é classificado por Borba (1991) como
verbo de ação-processo, é categorizado somente como verbo de ação. Para Borba
(1991, p.XII), um verbo de ação agrega o traço atividade relacionado a um sujeito
agente. Ele compõe sempre uma frase ativa que indica um fazer por parte do sujeito. Os
complementos desses verbos caracterizam-se pelo fato de não serem afetados pela ação
verbal, isto é, não experimentarem nenhuma mudança (de estado físico ou moral, de
condição, de posicionamento no tempo ou no espaço). O significado atribuído por
Borba (1991) ao verbo esculachar é fazer troça de, esculhambar. Porém, embora
esculhambar seja colocado como sinônimo do esculachar, aquele recebe a
classificação de verbo de ação-processo, enquanto este é classificado como verbo de
ação. Acredito ser mais coerente, pois, que tanto esculhambar quanto esculachar
sejam ambos classificados como verbos causativos, ou seja, de ação-processo.
Os verbos de ação-processo, por sua vez, elegem como sujeitos um agente ou
causativo e seu segundo argumento (SN2 ) é sempre um afetado, isto é, o sujeito faz com
que o SN2 mude de estado, condição, posição, ou então passe a existir (donde se fala
deste como efetuado). Os verbos de ação-processo são também chamados de verbos de
mudança de estado ou verbos causativos. Borba estabelece a categorização sintáticosemântica dos verbos, baseado na relação entre predicado e argumento. No caso
específico dos verbos de ação-processo, haverá, no mínimo, dois argumentos, sendo que
o sujeito (A1 ) caracteriza-se como ativo ou causativo e o segundo argumento (A2 )
representa uma entidade afetada ou efetuada. A relação entre A1 e A2 , no que se refere
aos verbos de ação- processo, é a de causatividade , ou seja, A1 promove em A2 uma
mudança de estado, condição ou posição ou então faz com que A2 passe a existir.
Portanto, a causalidade é uma propriedade que, certamente, é uma das restrições de
seleção da CGH.
Pela lista 17 a seguir, podemos notar a predominância quase absoluta dos
verbos causativos na composição da Construção Gramatical de Hiperbolização.
132
(17) LISTA DOS TIPOS VERBAIS E ALGUMAS INSTANCIAÇÕES DA CGH
VERBO
CLASSIFICAÇÃO
abafar
DADOS
63
Açãoprocesso
Residindo há mais de ano na Alemanha , onde abafa
fazendo shows de segunda a domingo num cabaré em
Hamburgo , ele irá aproveitar bem sua breve estada por
aqui : participará de temporadas com o Canal Três , a
partir de 8 de fevereiro no Teatro Tim , em Campinas e a
partir de 20 de fevereiro no Teatro Folha , em São Paulo .
(Corpus Blogs UOL)
abalar
Açãoprocesso
Gerald , vc abala na geral , no camarote e no estoicismo
bárbaro do poeta solitário , do dramaturgo afoito , do ser
humano único .
(Corpus Blogs UOL)
aniquilar
Açãoprocesso
Aew quem num foi perdeu Samir ANIQUILANDO na guitarra
do Sukrilhos, Kelsen detonando com estilo ANIMAL no vocal e
guitarra do C2P e Augusto(Valtor) Detonando a bateria.
Pow até o povo do cursinho foi...!!!
(http://www.flogao.com.br/comonoismesmos/foto/23/18466065+%22ani
quilando+na%22&cd=23&hl=pt-BR&ct=clnk )
apavorar
arrasar
Ação-
Golf turbo Nacional apavora nos EUA.
processo
http://www.fastdriver.com.br/site/noticia/not156_24.asp
Ação-
Não viu Marta e suas companheiras arrasarem no Pan e
não entendeu que esta frase é um grito de socorro de quem
morre de medo do espaço homoerótico que é o futebol .
processo
(Corpus Blogs UOL)
arrebentar Açãoprocesso
Segundo a colunista Mônica Bergamo o cachê de SJParker
teria sido de 600 mil dólares.O longa metragem está
arrebentando nas bilheterias dos Estados Unidos , Canada
e Inglaterra .
Corpus Blogs UOL
arregaçar
Açãoprocesso
arrepiar
Açãoprocesso
Ele arregaçou contra o mirasol,fez uma defesa no primeiro
tempo igualzinha uma do Schmeichel ex-manchester Utd.
(br.oleole.com/group/rogerio-ceni - 61k)
E o maravilhoso Estrela Brilhante , de Nazaré da Mata ,
comandando pelo talentoso Mestre Siba , ele mesmo , exband leader do Mestre Ambrósio.Como se isso ainda fosse
pouco , nos intervalos entre um maracatu e outro , ouvíamos
Mestre Lua e a molecada daquele bairro , o Tabajara ,
arrepiando no batuque .
(Corpus Blogs UOL)
63
Esta classificação é dada por Borba (1991), considerando, contudo, a valência transitiva dos verbos.
133
atropelar
Açãoprocesso
De repente , Kassab ATROPELOU – e , de certa forma ,
ocupou o espaço na reta de chegada e se transformou num
fato novo e relevante .
(Corpus Blogs UOL)
avassalar
Açãoprocesso
irmaaaaaaao,parabenssssssss,facul garantidinha,e se Deus
quizer vc vai avassalar na segunda fase da federal!pq na
primeira,já era!huhuhu!
(http://www.fotolog.com/guschultz/14918593+%22avassalar+na%22&c
d=4&hl=pt-BR&ct=c lnk)
barbarizar Açãoprocesso
bombar
Ação-
E barbarizou nas seletivas dos Jogos.
(Corpus Blogs UOL)
As peças no Rio estao bombando !
(Corpus Blogs UOL)
processo
bombardear
Açãoprocesso
causar
Verbaliza-
graffiti de rua na baixada santista Bombardeando geral ...
arte de rua graffiti vela.
(http://p15JVJlqLTQJ:nonprofit.smashits.com/video/tjabQSwqy5I/graffi
ti-na-baixada.html+%22bombardeando+geral%22&cd=11&hl=ptBR&ct=clnk)
Charlie Braun causando again Vi agora no SPTV .
dor
causativo
destroçar
Açãoprocesso
(Corpus Blogs UOL)
Melhor baixista,o do korn destroça tb!!!!
Melhor vocal, soh o que o Johnatan Davis (korn) faz com a voz
dele tb eh um milagre!!!
(http://www.gnn.com.br/forum/showthread.php?t=1000033392)
destruir
Açãoprocesso
No domingo, a matinê estava desfalcada do residente
Robson Mouse, que mais uma vez está na Alemanha. Quem
ficou em seu lugar foi o DJ Pacheco, residente da Babylon
(The Week), e ele detonou, arrebentou, destruiu, bombou,
arrasou... Tudo isso e mais um pouco! Tocou até bootleg de
Offer com vocal do hino de muito tempo Cha Cha Heels,
(www.arrasa.com.br)
detonar
Açãoprocesso
Um grande atleta e um grande ser humano.O Marcelo está
conquistando cada dia mais espaço , melhores resultados e
vai ficar por muito tempo dando alegrias.Dupla , levantem
a cabeça , vocês detonaram, mostraram para nós que vale
muito a pena torcer por vocês .
(Corpus Blogs UOL)
esculachar
Ação
D-Nox: Esculachou! foi uma das estrelas da festa, melhorou
muito o seu set, depois da tribe, que pra mim foi um fiasco.
Psycraft: perfeito, mandaram muito bem, pena que nao tocaram
nem 1h30m. mas tudo bem
Vibe Tribe: estava esculachando quando o som parou do nada!
134
em menos de 50 minutos de live. deu pena do stars tentando tocar
e nada! dae por diante o evento acabou...
http://forum.plurall.org/archive/index.php/t-20198.html
estourar
Açãoprocesso
A canção de autoria de Walter de Afogados e Fernando
Alves , estourou nas paradas de sucesso em 2000 , na voz
de Lairton dos Teclados .
(Corpus Blogs UOL)
estraçalhar
Açãoprocesso
BLAKE NA PADARIA O Marcelo Mirisola continua
estraçalhando em sua coluna semanal no site Congresso em
Foco .
(Corpus Blogs UOL)
explodir
Açãoprocesso
exterminar
Na época achávamos que íamos explodir com nossa arte
fenomenal.
(Corpus Blogs UOL)
Açãoprocesso
Estava usando um A64 X2 3600@5000, mobo m2n-e sli e
2048 667 corsair value; vendi e comprei um C2D e6750,
uma GA-965P-DS3 3.3 e 2048 800 Super Talent e o
desempenho aumentou absurdamente, não só o processador
(sei que o e6750 surra o X2 5000) mas o desempenho da
memória aumentou cerca de 40%...
Bem, sempre usei AMD desde 462 (época boa) mas agora a
Intel está "exterminando" geral.
(http://74.125.47.132/search?q=cache:nNGEIClJXk0J:forum.clubedohar
dware.com.br/dentro-microarquiteturaintel/518444+%22exterminando+geral%22&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk)
fulminar
Açãoprocesso
fuzilar
Açãoprocesso
humilhar
Açãoprocesso
O argentino ganhou uma dividida de uma bola espirrada pelo
pelo alto e fulminou na saída do goleiro , bem ao seu estilo .
(Corpus Blogs UOL)
jogo em Maracaibo começou bem.Com os brasileiros buscando a
iniciativa do jogo e com os uruguaios respondendo com altivez.E
na primeira chance real de gol , o gol aconteceu.Júlio Baptista
desceu bem pela direita depois de receber de Maicon , cruzou
para Vágner Love que fez o corta -luz para entrada de Mineiro ,
que fuzilou.O goleiro uruguaio defendeu parcialmente e a bola
sobrou para Maicon abrir marcador : 1 a 0 .
(Corpus Blogs UOL)
Garoto “humilha” no Guitar Hero 3
http://wordpress.moreiracastro.com/garoto-humilha-no-guitar-hero -3/
135
incendiar
Açãoprocesso
Aí o homi que mais uma vez jogou o fino pelo Barcelona.Ontem
contra o América do México ele novamente gastou a bola.Depois
da Copa , assim como todo brasileiro , cheguei a duvidar do
cidadão.Ficou aquele ranço de promessa não cumprida.Mas com
o passar do tempo o ranço foi passando.Acabou de vez quando vi
ele incendiar e virar o último Barcelona e Zaragoza no Camp
Nou em Barcelona.Um gol de cabeça , uma falta no ângulo e uma
no travessão que Saviola concluiu para dentro .
(Corpus Blogs UOL)
liquidar
Açãoprocesso
vc tem razão em mta coisa,mas o botafogo não liquidou na taça
rio por interesse dele própio,veja bem se vc fosse empresário e
tivesse a opurtunidade de triplicar tua renda(sendo q vc deve
mt),vc iria perder essa?se vc fosse cartola do bota ou ate mesmo
jogador,vc iria se importar com a torcida?
http://colunas.globoesporte.com/bolanascostas/2009/04/27/enquantoisso-no-mesmo -boteco/comment-page-9/
maltratar
Açãoprocesso
laoviahn - 12/8/2005 12:43:55
Esse ensaio maltratou. O tom, as poses, o angulo, a sensualidade
.. . Amei.
(http://www.pinmeup.com.br/membros/docepessego/albuns/986/)
massacrar
Açãoprocesso
matar
Açãoprocesso
metralhar
Açãoprocesso
A raposa massacrou no Mineirão
http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&sou
rce=a1843481.xml&template=4187.dwt&edition=9754&section=888
E por pouco , numa bobeada do goleiro Roger , Somália
não MATOU logo aos 10 minutos .
(Corpus Blogs UOL)
Em contraponto ao peso das composições, surgem em diversos
momentos, fraseados melódicos de guitarra, no melhor estilo do
heavy metal tradicional, à la Iron Maiden. A “cozinha” é muito
firme e entrosada, chamando a atenção principalmente o trabalho
com os dois bumbos do batera Parodi, “metralhando” em
diversos momentos, mas também, dosando bem em outras batidas.
(http://www.musicalsun.net/portugues/resenhas_cds_destaques.php%3Fc
odigo%3D81+metralhando+na+guitarra&cd=118&hl=pt-BR&ct=clnk)
triturar
Açãoprocesso
Além de Fluminense e Itabuna, Bahia e Vitória da
Conquista encerraram a 13ª rodada do Baianão. O tricolorde-aço venceu o time conquistense. Venceu é modo de dizer.
Triturou: 4×1, em Pituaçu. Apesar disso, o Bahia
permanece na segunda posição, com 31 pontos, dois a
menos que o Vitória.
(http://www.pimentanamuqueca.com.br/?p=1387)
136
trucida r
Açãoprocesso
Repeat)..bem, foi com meu mestre Borel que aprendi um dos
primeiros riffs de guitarra...qual a música!?...Birds, da Ùteros
que infelizmente não saiu em vinil(que eu tenho por sinal), só na
versão cd. POr sinal, em um dos shows da banda, idos 94 no
"Palco do Rock"(carnaval), eu já na Dr. Cascadura, ele mesmo
me convidou pra tocar esta música...hã, hã, como assim,
eu!!!!???? PO***, foi *****.Apú me deu a guitar, foi pra
harmonica e Borel trucidando na guitarra solo...claro fiquei com
os riffs, :):). Realmente inesquecível.
Um abraço meu querido e eterno irmão
(http://rockloco.Blogspot.com/2005/06/lovelyman.html+trucidando+na+guitarra&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk)
Fonte: Do autor
Moura Neves (2000) classifica como prototípicos os verbos transitivos cujos
complementos caracterizam pacientes de mudanças. Logo, outro elo que une os tipos
verbais acima elencados é a sua transitividade prototípica. As mudanças a que o
objeto-paciente está vulnerável, segundo Moura Neves, são: a) criação do objeto: o
objeto passa a existir; b) destruição do objeto: o objeto deixa de existir; c) alteração
física no objeto; d) mudança na localização do objeto; e) mudança provocada por um
instrumento que está implicado no próprio verbo; f) mudança superficial no objeto; g)
mudança interna no objeto. Desconsiderando as questões filosóficas que essa
classificação tão detalhada implica, observei, nos dados, quais tipos de mudança os
verbos pesquisados são capazes de produzir no objeto-paciente, quando instanciados em
sua valência plena e no sentido o mais próximo possível do literal. Cheguei à conclusão
de que 22 dos 33 tipos pesquisados, ou seja, quase 67%, se enquadrariam na
classificação de Moura Neves como verbos de destruição do objeto. Entre esses estou
considerando: aniquilar, arrasar, arrebentar, arregaçar, avassalar, bombardear,
destroçar, destruir, detonar, estourar, estraçalhar, explodir, exterminar, fulminar,
fuzilar, incendiar, liquidar, massacrar, matar, metralhar, triturar e trucidar.
O frame64 de DESTRUIÇÃO (destroying), descrito no Projeto FrameNet65 ,
caracteriza-se por descrever uma situação em que um Destruidor (uma entidade
intencional) ou uma Causa (um evento, ou uma entidade envolvida em tal evento) afeta o
Paciente (undergoer) negativamente de modo que o paciente não mais exista.
64
A noção de frame que adoto neste trabalho é aquela proposta por Fillmore (1988): Frame é uma
estrutura de conhecimentos compartilhada que habilita os falantes a se comunicarem sobre cenas.
65
http://framenet.icsi.berkeley.edu/
137
(18) Frame de DESTRUIÇÃO (DESTROYING)
Definição:
Um Destruidor (uma entidade consciente) ou Causa (um evento, ou uma entidade envolvida em tal evento) afeta
o Paciente negativamente de modo que o Paciente deixe de existir.
Elementos do frame (EFs):
Centrais:
Causa [Causa] O evento ou entidade que é responsável pela destruição do Paciente.
As sucessivas explosões ARRASARAM toda a ala leste do shopping.
Destruidor [Agt]Uma entidade consciente, geralmente uma pessoa, que exerce a ação
0
intencional que resulta na destruição do Paciente.
O policial
LIQUIDOU os bandidos.
Paciente [Und]
A entidade que é destruída pelo Destruidor.
O tsunami DESTRUIU a Tailândia .
Periféricos:
evento contenível; grau; descritivo; explanação; frequência; instrumento; modo; meio; lugar;
propósito; razão; resultado; papel; sub-região e tempo.
Fonte:
http://frameNet.icsi.berkeley.edu/
Os três elementos básicos do frame de DESTRUIÇÃO são, portanto, CAUSA,
DESTRUIDOR, PACIENTE66 . Tais elementos são centrais, na medida em que
instanciam componentes conceptualmente necessários ao frame, tornando-o único e
inconfundível em relação a outro frame67 . Como elementos integrantes, porém não
centrais do frame de DESTRUIÇÃO, são elencados: evento contenível; grau; descritivo;
explanação; frequência; instrumento; modo; meio; lugar; propósito; razão; resultado;
papel; sub-região e tempo. Desses elementos não centrais, o que parece ser de maior
66
Esse termo , embora não seja o mais adequado, está sendo usado para traduzir o Elemento de Frame ,
Undergoer.
67
RUPENHOFER et al., (2006). FrameNet II: extended theory and practice. Arquivo em PDF. Disponível
em http://framenet.icsi.berkeley.edu/index.php?option=com_wrapper&Itemid=126
138
importância na produção/interpretação da Construção de Hiperbolização é o componente
Instrumento, definido pelo projeto FrameNet como uma entidade direcionada pelo
destruidor que interage com o paciente para acompanhar a destruição deste. A partir da
análise dos dados encabeçados pelos 33 tipos verbais, fica clara a importância do
elemento “Instrumento” no frame de DESTRUIÇÃO, na medida em que eventos de
destruição podem ser engatilhados por entidades intencionais que aumentam sua força
destrutiva, agregando instrumentos de destruição (armas) que, postos em perspectiva,
passam a ser a causa da destruição, ou seja, ocupam um lugar de elemento central do
frame. Tal importância se reflete também na formação lexical dos ve rbos causativos de
destruição, porque alguns deles derivam de nomes referentes a instrumentos de
destruição: bombar/ bombardear-bomba; metralhar-metralhadora; fuzilar-fuzil.
Em termos de protótipo, os verbos de destruição mais prototípicos (espaço A,
no diagrama 19) seriam os verbos causativos cuja semântica agrega um sentido de
destruição total do objeto-paciente, ou seja, a ação destruidora é suficiente para fazer com
que o objeto deixe de existir (plano do concreto). Um pouco mais distante na escala de
prototipicidade (espaço B, no diagrama) estariam os verbos que, apesar de não destruírem
completamente o objeto afetado, fazem com que este sofra mudanças significativas em
sua estrutura física (plano do concreto). E, a uma distância um pouco maior do centro
prototípico (espaço C, no diagrama), estariam os verbos que representariam uma força
destruidora que faz com que a afetação do objeto não se dê no nível físico, mas
psicológico (plano do abstrato):
139
C
Arrepiar;
apavorar;
humilhar,etc
Abalar ,arregaçar,
atropelar, maltratar, etc
B
Arrasar, destruir, aniquilar,
arrasar, arrebentar, bombardear,
destroçar, destruir, detonar,
matar, etc
A
(19) Diagrama: Estrutura radial dos verbos causativos de destruição.
Fonte: Do autor
A relação entre distância e afastamento de um centro prototípico remete ao
conceito lakoffiano de Estrutura Radial. Segundo Johnson (1987), a categoria radial é um
tipo de Modelo Cognitivo Idealizado (MCI) proposicional e como tal apresenta as
seguintes propriedades: (i) são modelos representados como um contêiner: a categoria
radial é um contêiner e as suas subcategorias também o são; (ii) a relação entre as
subcategorias é feita pelo esquema imagético CENTRO-PERIFERIA em que as
subcategorias periféricas se ligam ao centro por vários tipos de ligações; (iii) as categorias
não centrais podem se tornar subcentros, impondo novas estruturas em termos de
CENTRO-PERIFERIA. Feldman (2006, p.100) afirma que as categorias radiais possuem
gradações. A metáfora é, na concepção de Johnson, um dos princípios de extensão que
caracterizam as ligações possíveis entre as categorias mais centrais e as menos centrais,
além da metonímia e dos esquemas imagéticos.
Aos conceitos de “figura e fundo”, presentes tanto na
enquadres como indispensáveis para a análise linguística do
se a noção de “radialidade” como princípio fundador
nos dois casos, trabalhamos com hipóteses teóricas
semântica dos
discurso, juntada gramática;
que tratam a
140
linguagem humana em continuidade
cognitivas. (SALOMÃO, 2009a, p. 25)
com
as
demais
capacidades
Na estrutura radial descrita (19), o que se nota, com base no dicionário e nos
dados do corpus Blogs UOL, é que a maior parte dos tipos verbais estudados transita
livremente ao longo da escala de destruição, evocando semânticas que ora permitem a
interpretação de destruição total e física, ora destruição parcial e também física, ora
destruição psicológica do objeto afetado. Os exemplos abaixo, retirados do corpus,
mostram essa tendência:
1. Nesta época, um terremoto gigantesco arrasou várias construções lá existentes.
(destruição física e total)
2. Um dia , após uma chuva que arrasou o Rio de Janeiro , nós fomos visitar Dona
Coema , certamente para fazer uma roupa para alguma ocasião especial.(destruição
física e parcial)
3. E a crua dualidade sobre o tamanho de um punho é o que me arrasa e faz chover
aqui dentro. (destruição figurativa)
Com o objetivo de testar minha proposta de classificação dos verbos de
destruição incluídos na lista de tipos pesquisados, baseada apenas em minha
introspecção, recorri a dois parâmetros de validação externos: os dados do corpus Blogs
UOL e o dicionário Houais, versão online68 . Na perspectiva dos dados do corpus, os
verbos de destruição prototípicos, ou seja, aqueles marcados positivamente quanto ao
traço DT (destruição total) seriam: aniquilar, arrasar, arrebentar, bombardear,
destroçar, destruir, detonar, estourar, explodir, exterminar, fulminar, incendiar,
liquidar, massacrar, matar, metralhar, triturar e trucidar. Portanto, 18 verbos (54,5%)
do total de tipos pesquisados. Pelo dicionário Houaiss, por outro lado, o número de
verbos de destruição total subiria de 18 para 22 (quase 69%). Desta forma, seriam
acrescidos à primeira listagem os verbos abafar, avassalar, estraçalhar e fuzilar.
68
Os quadros dessa análise virão como anexo C e D, respectivamente, no CD que acompanha esta tese.
141
Portanto, tanto o critério introspectivo quanto os parâmetros do dicionário e do
corpus Blogs UOL estabeleceram que, em média, 60% dos verbos da lista de tipos
verbais habilitados a participarem da CGH podem, realmente, ser classificados como
“verbos de destruição”.
Um questionamento que pode surgir da proposta de enquadrar os predicadores
verbais que participam da Construção Gramatical de Hiperbolização em um frame de
DESTRUIÇÃO é o fato de, no meio dessa lista, estar incluído o verbo causar. De
início, pensei que a habilitação dessa entrada verbal para participar da CGH devia-se,
unicamente, ao fato de ele ser o verbalizador da causatividade e, como acredito que
subjacente à CGH esteja a metáfora primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS,
considerei a presença desse predicador na lista de tipos como mais uma evidência do
processo de coerência metafórica que perpassa toda a gramática. Tal análise é, do ponto
de vista sociocognitivo, perfeitamente plausível. Todavia, os dados reunidos no corpus
revelaram um fato que jamais teria sequer suposto: as entidades que ocupam o espaço
destinado ao complemento-objeto do predicador causar recebem, na maioria absoluta
das ocorrências, uma avaliação sociocultural negativa. Tais entidades são lexicalmente
instanciadas por vocábulos como mal, câncer, pânico, polêmica, acidentes,
preocupação, etc. Das 58 ocorrências registradas no corpus Blogs UOL, apenas 5
(8,6%)
recebem uma le itura pragmática positiva, enquanto que 49 tokens (84,4%)
instanciam entidades “negativas” como complemento do verbo causar , como mostram
os exemplos:
1. A vacina deverá atuar contra a proteína beta-amilóide, cujo acúmulo excessivo
causa a doença.
2. Segundo os especialistas, na psoríase, as células imunológicas, que protegem
contra infecções, disparam a liberação de citoquinas que causam inflamações e
a superprodução de células da pele.
3. É esse que vai causar a febre, além de perda de apetite, fadiga e dores no
corpo, ao interagir com um receptor de neurônios chamado E3 na região do
cérebro conhecida como hipotálamo .
142
Essa constatação
é
significativamente
reveladora,
pois
evidencia
o
entrelaçamento do uso das Construções Gramaticais e a formação de esquemas cognitivos
abstratos muito coerentes e eficientes.
Outra constatação que merece destaque é o não enquadramento do predicador
bombar em nenhuma das três classificações propostas, considerando-se tanto os dados do
corpus como também o dicionário Houais. Esse não enquadramento do predicador
bombar em nenhuma das categorizações propostas indica seu alto grau de
convencionalização do sentido promovido pela Construção de Hiperbolização. Isso
significa que o predicador bombar, no uso contemporâneo do PB, lexicalizou o sentido
de Hiperbolização de forma tão intensa que ele reenquadra automaticamente o frame de
DESTRUIÇÃO no frame de SUCESSO, independentemente de ser usado com ou sem
complemento. Os dados reunidos no corpus Blogs UOL confirmam tal panorama na
medida em que das 57 ocorrências, 54 instanciam a CGH. Outras duas aparecem com
complemento, porém promovendo o sentido de hipervalorização e
hiperbolização da
entidade sujeito e apenas uma ocorrência transitiva retoma um dos sent idos dicionarizados
de bombar: ser reprovado em exame. O fato, por exemplo, de ele não ter sido flagrado
no corpus nem no Google em uso transitivo, como aqueles que constam no dicionário:
Ele bombou água para dentro de casa/ Seria bom se a gente tivesse um fole para bombar
ar dentro do formigueiro 69 , já é um forte indício de mudança. Também o fato desse
predicador estar promovendo no PB atual o mesmo sentido de hiperbolização positiva
mesmo na configuração transitiva é bastante revelador. No corpus Blogs UO L, as três
ocorrências transitivas são:
a) E acabou bombando a sexta série.
b) Quem começou a bombar esse tipo de loja foi a incrível Comme des garçons- tinha
até boatos de que teria uma assim em São Paulo, mas até agora nada.
c) A animadora promete bombar a festa do ator.
O sentido de (a), segundo Borba (1991) é ser reprovado, tomar bomba, em que
se tem não uma ação-processo, mas apenas o processo e o sujeito-paciente. Já em (b) e
69
BORBA, F.S. p.222. op. cit.
143
(c) o sentido do predicador verbal é o de causar o sucesso de, em que se tem não só o
processo como também a ação verbal. Esse sentido se mantém na CGH e a
destransitivização do predicador hiperboliza a força agentiva do argumento-sujeito.
Portanto, o estatuto do predicador bombar no PB contemporâneo é o de um
neologismo, cuja semântica é a mesma promovida pela Construção Gramatical de
Hiperbolização, a saber, de apreciação positiva da entidade sujeito, elevando-a ao topo
da escala avaliativa de sucesso. Pesquisando no Google o lexema bombou, pude
comprovar que as 700 primeiras ocorrências dadas pelo buscador evocam o sentido da
CGH.
A questão mais instigante do uso tão frequente de bombar na CGH é o fato de
ele revelar um processo de seleção lexical da Construção de Hiperbolização muito
coerente (i) com o frame de DESTRUIÇÃO que, segundo nossa teoria, a motiva; (ii)
com o processo metonímico- metafórico que a subjaz. O frame de DESTRUIÇÃO
comporta, como vimos, um papel de Instrumento que se executa por itens que
referenciam o que estamos chamando de “armas de destruição” e cuja função é
aumentar o poder de ação (a força) da entidade destruidora. Dentre essas armas estão os
artefatos explosivos como a bomba, a dinamite, a granada; as armas de fogo como o
fuzil, a metralhadora e a bazuca. Devido ao sistema de coerência que governa a
gramática, os verbos derivados desses substantivos estão, automaticamente, habilitados
a participarem da CGH. Daí a produtividade do bombar.
Portanto, é bastante previsível que predicadores como dinamitar, bazucar,
dentre outros verbos derivados de nomes que referenciam instrumentos de destruição
possam também vir a ser usados na CGH. Pesquisando no Google, encontrei o seguinte
texto:
DAe Rainha do Chopp! Quando eu vou poder te ver sem um copo na mão?
haha. Brincadeira!! Vcs pra variar dinamitaram neh! PQP! hahaha e ainda
faltam as fotos da festa a fantasia e do findi no cassino! Qta festa hein!! Wed
1-Feb-2006 01:03
(http://74.125.47.132/search?q=cache:MzCSTvy6LPIJ:stwfriends.fotopages.com/%3F%26pag
e%3D1+ele+dinamitou+no+show&cd=103&hl=pt-BR&ct=clnk&lr=lang_pt)
144
As armas de destruição, dentro do nexo de causalidade engatilhado por um
evento de destruição, preenchem o slot da causa que, como previsto no frame de
DESTRUIÇÃO, pode se intercambiar com outro elemento central desse frame, a saber,
o destruidor.
5.2..2.2 A CGH e a frequência no corpus dos tipos verbais
Dos 33 tipos verbais pesquisados no corpus Blogs UOL, 20 deles, ou seja,
60,6% apareceram instanciando a Construção Gramatical de Hiperbolização. Em termos
de número de ocorrência (tokens) da CGH, esses 20 verbos protagonizaram um total de
189 instanciações destransitivizadas 70 .
O verbo bombar responde no corpus por um total de 54 instanciações da
Construção de Hiperbolização, ou seja, pouco menos de 30% do total. O que chama a
atenção, no entanto, é o número de instanciações transitivas: apenas 3.
O predicador arrasar é o segundo verbo mais frequentemente selecionado para
instanciar a Construção de Hiperbolização: das 189 ocorrências da CGH do corpus
Blogs UOL, este verbo é responsável por 51 delas, isto é, aproximadamente, 27%. Isso
se deve a alguns fatores importantes como (i) a independ ência desse predicador de
molduras comunicativas específicas; (ii) o seu livre trânsito nas três classificações
propostas no diagrama radial, ou seja, ele tanto pode ser usado como verbo de
destruição total, parcial ou figurativa e (iii) a consolidação de seu uso destransitivizado
ao longo do tempo, na medida em que das 65 ocorrências totais nas quais arrasar é o
núcleo do sintagma verbal, 51(78,5%) instanciam tal predicador sem seu complemento
à direita.
Dentre os 33 tipos atestados, via pesquisa Google, como habilitados a
participarem da CGH, 13 deles (39,3%) não instanciaram a CGH nos dados do corpus
70
Todas as 189 instanciações da CGH analisadas estão listadas no anexo B do CD que acompanha a tese.
145
Blogs UOL. São eles: aniquilar; avassalar; bombardear; destroçar; destruir;
esculachar; exterminar; humilhar; liquidar; maltratar; metralhar; triturar; trucidar.
A tabela 20 abaixo resume a situação de cada um dos 33 tipos verbais
estudados no que concerne ao número de ocorrências totais no corpus Blogs UOL, o
número de ocorrências sem complemento e o número de destransitivizações motivadas
pela CGH.
(20) TABELA DE OCORRÊNCIAS DE CGHs NO CORPUS
VERBO
OCORRÊNCIAS
TOTAIS
SEM
COMPLE
MENTO
%
CGH
%
ABAFAR
ABALAR
ANIQUILAR
APAVORAR
ARRASAR
ARREBENTAR
16
45
8
8
65
40
5
3
1
2
51
21
31,25%
6,66%
12,5%
25%
76,9,3%
52,5%
4
3
0
1
51
16
80%
100%
0%
50%
100%
76,19%
ARREGAÇAR
ARREPIAR
ATROPELAR
AVASSALAR
BARBARIZAR
BOMBAR
8
23
48
3
5
57
1
1
5
0
3
54
12%
1,96%
10%
0%
40%
94,7%
1
1
2
0
2
54
100%
100%
40%
BOMBARDEAR
CAUSAR
DESTROÇAR
DESTRUIR
DETONAR
ESCULACHAR
ESTOURAR
10
59
2
124
55
0
69
0
1
0
14
7
0
47
0%
1,69%
0%
0%
7,27%
0%
72,3%
0
1
0
0
4
0
18
0%
100%
0%
0%
57,1%
0%
38,2%
ESTRAÇALHAR
EXPLODIR
EXTERMINAR
FULMINAR
FUZILAR
HUMILHAR
INCENDIAR
LIQUIDAR
MALTRATAR
MASSACRAR
MATAR
METRALHAR
TRITURAR
TRUCIDAR
4
104
8
9
19
18
17
26
8
8
304
7
6
6
1
79
0
1
12
2
4
0
1
1
53
1
0
2
25%
75.96%
0%
11,1%
63,15%
11%
23,5%
0%
0%
12,5%
17,43%
0%
0%
0%
1
10
0
1
11
0
1
0
0
1
6
0
0
0
100%
11,39%
0%
100%
91,6%
0%
25%
0%
0
100%
11,32%
0%
0%
0%
100%
100%
Fonte: Do autor
146
A posição da maioria desses 33 tipos verbais com relação à frequência de sua
instanciação na CGH, tendo como referência o corpus Blogs UOL, é muito semelhante
à situação com que me deparei no Google, por exemplo. Para a maioria dos verbos que
não ocorreram destransitivizados no corpus, a busca na plataforma Google exigiu uma
pesquisa demorada e persistente para que eu encontrasse, não raro, uma única
instanciação da CGH. Um caso, todavia, é completamente diverso: o do predicador
apavorar. Embora no corpus ele só apareça em apenas uma ocorrência hiperbolizada
(25% do total de tokens com esse verbo e 0,5% do total de CGH ), no Google, só na
primeira página de busca com o lexema apavorou, ele aparece destransitivizado e
instanciando a CGH em 6 (60%) das 10 primeiras ocorrências. No jornal Folha de São
Paulo, por sua vez, em 91 ocorrências destransitivizadas do predicador apavorar, de
um total de 1000, apenas duas (2,19%) aparecem instanciando a CGH:
1. A China apavorou no tênis e parou até a badalada Venus Williams -Ting Li e Tian
Tian Sun , que deram ao seu país a primeira medalha de ouro no tênis.
71
2. Hoje o velho rapper está em decadência, mas, no começo da carreira, Ice T
apavorou com seus versos contundentes.
72
A justificativa mais plausível que encontro para a discrepância dos valores de
frequência do predicador apavorar no corpus, na Folha de São Paulo e no Google é
considerá- lo um item lexical de uso otimizado em registros linguísticos marcadamente
informais. Como a plataforma Google é ampla o suficiente para abarcar esse tipo de
discurso, porque nesse ambiente a variação linguística é inegável, permitindo discursos
muito mais distensos do que os registros encontrados na Folha de São Paulo ou em um
corpus formado por blogs da redação de um portal, o uso destransitivizado do apavorar
é, talvez por isso, estatisticamente muito maior.
71
72
Folha de São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004.
Folha de São Paulo - Greatest Hits: The Evidence - 04/12/2000
147
5.2.2.3 Os tipos verbais e sua (in)dependência de molduras comunicativas
específicas
Analisando a frequência de uso dos 33 tipos verbais pesquisados, tanto no
corpus quanto na plataforma Google, fica evidente que alguns desses predicadores são
mais autônomos do que outros, no que diz respeito a molduras comunicativas
específicas. Os três verbos mais frequentemente usados na Construção de
Hiperbolização, de acordo com o corpus, a saber, bombar, arrasar e arrebentar têm
essa característica. Isto significa que eles podem ser usados em contextos variados,
hiperbolizando e hipervalorizando ações de entidades bastante diversas e em campos
conceituais multivariados como esporte, música, cinema, moda, arte, dentre outros.
Outros predicadores, contudo, demonstram uma maior dependência de campos
conceituais específicos e só se instanciam com uma valência alterada nesses campos. O
verbo estourar ilustra bem esse tipo de dependência. A Construção de Hiperbolização
nucleada por esse predicador restringe as entidades capazes de ocupar a posição de SNsujeito a artistas ou produtos artísticos (CDs, músicas, filmes), havendo uma preferência
explícita pela arte musical. Por isso, das 18 instanciações da CGH, encontradas no
corpus, 11 (61%) referem-se a esse campo conceitual, bem demarcado pelos sintagmas
preposicionais, como mostram os dados:
1. A canção de autoria de Walter de Afogados e Fernando Alves , estourou
nas paradas de sucesso em 2000 , na voz de Lairton dos Teclados.
2. A banda canadense Simple Plan , dos sucessos Shut up e Welcome to My
Life ( esta última está estourando nas rádios atualmente )fez bonito aqui no Brasil!
3. A música estourou no Brasil inteiro .
Um caso de dependência e especialização da moldura comunicativa
mais
marcante ocorre com o verbo fuzilar, quando instanciado destransitivizado e
encabeçando a Construção de Hiperbolização. No corpus, o único campo conceitual que
propicia a alteração de valência desse verbo, destransitivizando-o, é o da moldura
148
comunicativa do futebol. A instanciação da CGH nucleada pelo predicador fuzilar,
portanto, ainda se encontra em um estágio de lexicalização pouco avançado, de modo
que a moldura comunicativa tem um papel preponderante na evocação da significação
pretendida, ou seja, na Hiperbolização Positiva da entidade sujeito.
1. O atacante deu um drible seco no zagueiro uruguaio , que caiu sentado , e
fuzilou para fazer o terceiro gol .
2. Aos 30 , finalmente , André Lima deu belo drible na entrada da área , pelo
meio, e passou para Dodô que fuzilou.
Na medida em que a Construção de Hiperbolização com dado predicador
verbal, em moldura específica, vai se disseminando no uso, a tendência da língua é ir
autorizando novos contextos. Já podemos encontrar o verbo fuzilar instanciando a CGH
em fóruns de discussão sobre música, por exemplo.
3. Garoto de 9 anos fuzila em Crazy Train, do Ozzy Osbourne (com surpresa
do próprio Ozzy no final).
(http://www.voadoranajugular.com.br/2009/05/garoto-de-9-anos-fuzila-em-crazy-train.html )
5.2.2.4 A validação do SN-sujeito
O sintagma nominal que na configuração sintática da Construção de
Hiperbolização instancia o sujeito gramatical do enunciado é preferencialmente localizado
anteposto ao sintagma verbal. Das 189 Construções que fazem parte do corpus, em
nenhuma delas o sujeito ocorre em posição posposta ao verbo. Esta topicalização da
entidade-sujeito é importante e reflete o modo coerente como a metáfora organiza o nosso
sistema conceptual e, por conseguinte, o nosso modelo de gramática.
149
Elevar um sintagma nominal à posição de tópico não é uma escolha “inocente”,
isenta de motivações sociocognitivas. Lakoff e Johnson (1987[2002], p.219) já
observaram que “é natural que conceptualizemos metaforicamente a linguagem em
termos de espaço (...) e é possível aplicar diretamente à forma de uma frase determinadas
metáforas espaciais, porque temos uma concepção espacial dela”. Como vimos, um dos
desdobramentos da metaforização espacial da linguagem mais citado é a conhecida
prática de conceber que “ma is forma” equivale conceptualmente a “mais conteúdo”.
Portanto, quando dizemos algo como Eu vou beber, beber, beber até cair...73 estamos
associando a ideia de mais forma a mais conteúdo.
Na língua, a espacialização funciona todo tempo: quando o falante escolhe
onde ficará a partícula negativa, quando escolhe entre o advérbio de negação ou o prefixo,
quando formula uma relação de causalidade de forma simples ou composta. Logo, o fato
de falarmos e escrevermos de forma linear faz com que a seleção das palavras que serão
colocadas em primeira posição não seja desmotivada.
Em termos de protótipo, a pessoa canônica é aquela que está mais para ALTA
do que para baixa, está mais para FRENTE do que para trás, é mais ATIVA do que
passiva e é BOA antes que má (LAKOFF; JOHNSON, 1987 [2002], p.227). O sintagma
nominal que é, pois, alçado à posição de sujeito passa a cumprir todas essas expectativas e
o fato de estar localizado imediatamente anteposto a um verbo causativo reforça também
a conceptualização espacial
metafórica
traduzida
em
QUANTO
MAIOR
A
PROXIMIDADE, MAIOR O EFEITO. Em suma, o fato de o SN selecionado ser alçado à
primeira posição da frase, contribui para a identificação da entidade que o referencia
como MAIS IMPORTANTE e MAIS AGENTIVA (com maior força) e o fato de esse SN
estar imediatamente ligado ao verbo reforça o EFEITO de sua agentividade.
Observando as entidades que funcionam como SN-sujeitos das 189
Construções Gramaticais de Hiperbolização constantes do corpus, é possível verificar
que, na maioria das vezes, elas preenchem um mesmo campo semântico: produtores e/ou
produtos de entretenimento. Quando a entidade que referencia o SN da cadeia
73
Canção Me dá um dinheiro aí, de Moacir Franco.
150
sintagmática da CGH é do tipo [humano], ou seja, um representante da categoria dos
produtores de entretenimento cultural, as referências mais comuns encontradas nos dados
são desportistas famosos (principalmente jogadores de futebol); celebridades; artistas,
times. Já a representação das entidades-produtos se dá, na maioria das vezes, por
referência a peças teatrais, CDs, DVDs, filmes, músicas, programas de tevê, etc. Para
ilustrar, cito alguns tokens do corpus Blogs UOL, realçando as entidades que ocupam a
posição de sujeito gramatical da CGH e as molduras comunicativas nas quais ocorre a
Construção:
1. O Xico Sá [escritor, jornalista] arrasa.
Blog: Peixe de Aquário
Blogueira: Ana Rüsche
Perfil: poeta paulista, advogada, pesquisadora do grupo Semiótica e Análise do
Discurso da USP. Alguns livros de poesia publicados
Categoria do blog: Literatura e arte
2. Eu só sei que Waldick Soriano[ cantor] arrebentou.
Blog: Contos Bregas
Blogueiro: Tiago Góes
Perfil: Jornalista, escritor, bancário, potiguar, 29 anos.
Categoria do blog: Literatura ( contos); vídeos e músicas bregas, textos polêmicos
3. Madonna [cantora]está bombando no Brasil.
Blog: Querido Leitor
Blogueira: Rosana Herman
Perfil: bacharel em Física pela USP, mestre em Física Nuclear pela mesma
universidade, radialista , jornalista, roteirista e redatora de TV desde 1983,
apresentadora e repórter de TV, além de escritora.
Categoria do blog: generalidades
4. Charlie Braun[ cantor] causando again. Vi agora no SPTV.
Blog: Querido Leitor
Blogueira: Rosana Herman
Perfil: bacharel em Física pela USP, mestre em Física Nuclear pela mesma
universidade, radialista , jornalista, roteirista e redatora de TV desde 1983,
apresentadora e repórter de TV, além de escritora.
Categoria do blog: generalidades
151
5. A canção de autoria de Walter de Afogados e Fernando Alves[música] estourou nas
paradas de sucesso em 2000, na voz de Lairton dos Teclados.
Blog: Contos Bregas
Blogueiro: Tiago Góes
Perfil: Jornalista, escritor, bancário, potiguar, 29 anos.
Categoria do blog: Literatura ( contos); vídeos e músicas bregas, textos polêmicos
Nos dados, há os predicadores verbais que só selecionam sujeitos- humanos
como SN (entidades-produtoras): abalar, causar, estraçalhar, fulminar, fuzilar, liquidar,
matar e incendiar. Isso não significa, porém, que na linguagem cotidiana esses verbos não
sejam usados com entidades-produtos, como mostra o exemplo : Alex (Crítica do Leitor):
"Muito legal, é difícil eu me emocionar e esse filme abalou! Muito 10! Parabéns,
Robin." 74 Na verdade, todos os tipos verbais pesquisados parecem manter uma relação
paradigmática uns com os outros, de modo que, no contexto em que um deles é
selecionado, todos os outros acabam sendo potenciais candidatos. O predicador bombar
mostra, através dos dados, que é o mais versátil dentre os predicadores pesquisados, já
que as entidades referenciadas pelo sujeito abrangem uma maior gama de opções:
pessoas, bandas, músicas, livros, filmes, peças teatrais, lugares, empresas, enfim, uma
diversidade imensa de entidades.
A Construção Gramatical de Hiperbolização tem preferência notória pelo
campo conceptual das artes. Arte, entendida aqui, como sendo uma combinação de
habilidades e imaginação na criação de objetos, ambientes ou experiências75 , o que
envolve não só as artes propriamente ditas (musicais, cênicas, plásticas) como também
os esportes, a moda, dentre outras expressões. Evitando uma discussão ideológica sobre,
por exemplo, se moda é ou não, arte, prefiro usar um termo mais geral que englobe
todas essas práticas sociais de entretenimento e/ou cultura, que seria a indústria do
entretenimento, que, por sua vez, converge com outras duas noções: a noção de
sociedade do espetáculo e a noção de consumo em massa.
74
75
http://www.adorocinema.com/filmes/homem-bicentenário/homem-bicentenário.
Encyclopedia Britannica Ready Reference, 2003 apud Kövecses, 2006.
152
Segundo Hirata e Pilatti (2007), o esporte moderno, ou melhor dizendo, o
espetáculo esportivo, abrange as três características seguintes: (i) suas competições são
organizadas por ligas ou federações e os atletas envolvidos são submetidos a
treinamentos intensivos; (ii) suas competições são veiculadas por meios de
comunicação de massa e apreciados por espectadores em seu tempo de lazer; (iii)
existência de relações mercantis no campo esportivo, como os atletas que são
assalariados e os eventos esportivos, enquanto uma forma de entretenimento de massa,
que são financiados pela comercialização do espetáculo. 76 Com as devidas adaptações,
todas as práticas sociais de entretenimento adotadas pela indústria (moda, esporte,
música, cinema, teatro, etc.) terão esses três fatores apontados por Hirata e Pilatti e que
podem ser assim resumidos: (i) produtos e produtores institucionalizados (gravadoras,
times, grifes, etc.); (ii) veiculação massiva na mídia com apreciação valorativa ; (iii)
produtos e produtores geradores de renda. Essas três características fundamentais criam
para qualquer “produto” (incluindo os próprios produtores) encampado pela indústria do
entretenimento uma expectativa de confiabilidade, qualidade e status que acaba se
traduzindo em uma única noção: SUCESSO.
O campo conceitual em que a Construção de Hiperbolização tem maior
produtividade é, como vimos, o da indústria do entretenimento. Tal preferência se
comprova no uso, quando se observa a seleção que os falantes fazem das entidades que
irão ocupar a posição privilegiada de sujeito gramatical. A CGH, portanto, herda as três
expectativas pragmáticas acima descritas: confiabilidade, qualidade e status,
incorporando, por conseguinte, a função semântico-pragmática de denotar o SUCESSO
da entidade-sujeito. Isto estabelece, pois, uma via de mão dupla no processo de
produção/interpretação dessa construção: se a entidade que ocupa a posição privilegiada
de sujeito gramatical na CGH é conceptualizada como um produto de entretenimento,
ela automaticamente será avaliada como algo que é confiável, bom e que traz status,
situando-se, portanto, no topo da escala avaliativa de sucesso. Logo, o uso da CGH
em contextos nos quais a entidade-sujeito não tem uma avaliação reconhecida
76
HIRATA, E. ; PILATTI, L.A. Modernidade e a indústria do entretenimento: o produto esporte
moderno. In: http://www.efdeportes.com. Revista Digital - Buenos Aires - Ano 11 - N° 104 - janeiro de
2007. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd104/esporte-moderno.htm
153
socialmente faz com que o SN-sujeito herde, por processo metonímico, o tripé
semântico-pragmático da Construção de Hiperbolização, a saber: força, foco e
apreciação positiva.
1. Eu não uso essa sandalinha vagabunda, mas se eu fosse pobre, ia
arrasar na laje.(Corpus Blogs UOL)
2. ah, e o pessoal da arte gráfica que está arrebentando e se divertindo
muito... (Corpus Blogs UOL)
A análise dos tipos de sintagmas nominais que cumprem a função de sujeito na
Construção Gramatical de Hiperbolização ratificou a hipótese de que tal construção
reenquadra o frame de DESTRUIÇÃO em um frame de SUCESSO, na medida em que
é a indústria do entretenimento que fabrica produtos e produtores de sucesso.
Kövecses (2006) acredita que a metáfora A VIDA É UMA PEÇA DE
TEATRO tenha evoluído na América do século XX em algo mais geral, a saber A
VIDA É UM SHOW ou ENTRETENIMENTO. Tal expansão se deu, segundo ele,
devido à popularização dos esportes, à invenção dos filmes, do rádio e da televisão, e da
utilidade e popularização dos meios de comunicação de massa, além de outros fatores.
Assim, aspectos da vida começaram a assumir características de entretenimento. A
política, por exemplo, passou a ser compreendida como um show (no Brasil, temos até o
vocábulo showmício, que caracteriza um espetáculo de política no qual há shows
musicais); o processo de ensino (a aula) também passou a ser visto como forma de
entretenimento. O domínio, no entanto, onde menos se esperaria a aplicação da
metáfora do ENTRETENIMENTO seria o da guerra. (KÖVECSES, 2000, p.147),
porque, usualmente, a guerra é conceptualizada como a mais séria atividade que alguém
possa engendrar, porém, ainda assim, na América, a metáfora do ENTRETENIMENTO
é um dos modos principais de se falar e pensar sobre a guerra. Na obra Muito além do
espetáculo, de Adauto Novaes (2005), o autor discute a relação entre guerra e
espetáculo, justificando-a por um argumento quantitativo, ou seja, as guerras como
sendo grandes provedoras de imagens, o que alimenta os meios de comunicação de
154
massa, e por um argumento qualitativo, o qual institui a guerra como objeto privilegiado
de imagens bem antes da chamada sociedade do espetáculo. Durantes séculos, afirma
Novaes, a guerra foi admirada, celebrada, magnificada, como se fosse o espetáculo por
excelência. Todas as artes cantaram sua sublimidade. “A guerra é bela de se ver a tal
ponto que parece existir um parentesco etimológico possível, em Latim, entre a guerra
(bellum) e o belo (belus)”77 .
Por essa análise de Novaes (2005) vemos que o raciocínio de Kövecses talvez
possa estar invertido, ou seja, não é a sociedade do espetáculo que produziu uma nova
conceptualização da guerra, antes é a guerra que sempre serviu de domínio- fonte para
mapeamentos no campo conceptual do entretenimento. A guerra é um dos conceitos
correspondentes a tipos naturais de experiência, usado em definições metafóricas para
definir outros conceitos que não são suficientemente claros para servir aos propósitos
de nosso agir cotidiano (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 209).
O reenquadramento de frames, no caso em questão o frame de DESTRUIÇÃO
é reenquadrado no frame de SUCESSO, via Construção Gramatical (a Construção
Gramatical de Hiperbolização) é mais um argumento em favor da tese de que as
Construções Gramaticais constituem, por si só, poderosos esquemas cognitivos,
altamente influenciados por fatores de natureza sociocultural.
5.2.2.5 Sobre a agentividade
A Construção Gramatical de Hiperbolização, como vimos, emerge quando um
dos verbos causativos de destruição, cujo perfil sintático-semântico-pragmático foi
delineado em seção precedente, é destransitivizado e a entidade-sujeito, ainda assim,
não perde sua agentividade, sua força de ação. Esse foco na força de ação do sujeito é
importante, porque é um parâmetro que difere, por exemplo, a Construção (a) da
Construção (b) abaixo:
77
NOVAES , A. Muito DOp m do HVSHW
iculo. 6mo Paulo : Senac, 2005
155
a) (...) uma bomba detonou no banco da costa oeste em Woodburn.
( http://www.iconocast.com/B000000000000062_Portu/C1/News5.htm)
b) Rogério Flausino detonou no show do Jota Quest em Porto Alegre .
( http://nexozero.Blogspot.com/2004/11/rogrio-flausino-detonou-no-show-do.html)
Borba (1991) categoriza o verbo estraçalhar como de ação-processo com
sujeito causativo, mas, segundo ele, tal verbo pode ser só de processo quando “com
sujeito paciente, expresso por nome humano, significa sair-se bem, ter grande sucesso:
Robertinho estraçalha no jogo (MPB,157); Sabe que Norminha estraçalhou no baile de
Aleluia? (BORBA, 1991, p.711). A questão é que sair-se bem, ter grande sucesso é o
produto semântico-pragmático da Construção Gramatical de Hiperbolização, quando
um
verbo
de
ação-processo,
categorizado
como
“verbo
de
destruição”
é
destransitivizado. Vê-se que, nos exemplos dados por Borba, não é natural nem coerente
dizer que os SNs-sujeitos das duas frases (Robertinho/ Norminha) sejam pacientes da
ação verbal, pois é exatamente a força de ação dessas entidades que está sendo focada
pela Construção destransitivizada.
A manutenção da agentividade se comprova, quando lançamos mão do teste da
passivização: no caso dos sujeitos-pacientes o sentido da oração passiva é muito
semelhante ao da ativa, já na CGH, o sentido da Construção passiva é exatamente o
oposto ao que emerge na Construção ativa:
a’ ) Uma bomba foi detonada no banco da costa oeste em Woodburn.
b’) (?) Rogério Flausino foi detonado no show do Jota Quest em Porto Alegre.
Portanto, uma das restrições de seleção imposta pela CGH é que a entidadesujeito seja capaz de manter a sua agentividade, mesmo com a perda do complemento
verbal.
Pelos dados analisados, o sentido inerente à Construção, ou seja, a
hiperbolização e a hipervalorização positiva do sujeito, se promove sempre que esse
SN possuir o traço [+ humano] e disparar um acesso ao campo conceitual do
156
entretenimento, no qual a entidade referenciada no SN-sujeito possa ser interpretada
como produtora de entretenimento,
como fica claro pelas diferentes leituras dos
enunciados a, em que o SN-sujeito não referencia uma entidade humana e b, na qual a
entidade referenciada pelo SN-sujeito além de ser humana, preenche de modo coerente
a propriedade de produtora de entretenimento ( esporte é um entretenimento produzido
por atletas, no caso específico, jogadores de futebol):
a)
E completa: “O show foi massa, mas a Belina voltou rebocada pra
casa , sem contar que a corda que a puxava arrebentou umas duas
vezes...” . (Corpus Blogs UOL)
b)
No Manchester, na minha opinião o melhor time da atualidade , a
dupla Cristiano Ronaldo e Rooney vem arrebentando. (Corpus Blogs
UOL)
No entanto, as entidades que exercem a função de sujeito gramatical na
estrutura sintagmática da Construção de Hiperbolização podem não ser do tipo humano,
geralmente referenciando produtos da indústria de entretenimento como CDs, filmes,
DVDs, músicas, peças teatrais, dentre outros. Esse fato coloca em xeque a asserção de
que a agentividade é uma condição de validação da Construção Gramatical de
Hiperbolização,
“se fizermos coincidir o termo agente com Agentivo e atrelarmos a esses
termos o conceito de ação, então concluímos que só haverá ação quando
houver um fazer consciente, intencional/volitivo e controlador por parte de
um ser animado e, do ponto de vista filosófico, especificamente humano”78 .
Todavia, o teste da passivização para entidades-sujeitos não humanos tem o mesmo
resultado, como se pode ver em:
a) O filme 2012 arrebentou nas bilheterias.
b) (?)O filme 2012 foi arrebentado nas bilheterias.
78
IGNÁCIO, S.E. Ação, agentividade e causatividade em estruturas oracionais de ação-processo.
Faculdade
de
Ciências
e
Letras
de
Araraquara
–
UNESP.
Disponível
em
http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos-2007/sistema06/13.PDF
157
O que parece é que a força agentiva é propriedade da Construção de
Hiperbolização e as entidades que ocupam a posição de sujeitos gramaticais, sejam
humanas ou não, herdam do padrão construcional essa força agentiva.
Ao me deparar com uma charge do jogador Ronaldinho, acompanhada de uma
Construção Gramatical de Hiperbolização, algumas hipóteses sobre essa herança agentiva
sobrevieram- me. A Construção e a charge são essas:
Ontem 29/6 foi a final histórica, primeira decisão Brasil X Argentina valendo pela Fifa, Copa das
Confederações, Brasil com um time pouco acreditado jogou a melhor partida que eu já vi desde
que me conheço por gente, liquidou, deu um baile que acabou em samba...parabéns Brasil...
Figura 21- Charge do jogador Ronaldo. Fonte: http://transfalcao.Blog.uol.com.br/
Na Construção, o verbo liquidar, prototipicamente transitivo, aparece
destransitivizado. Esse é um verbo categorizado por Borba (1991) como de ação-processo
com sujeito agente/causativo e cujo significado é matar, destruir (BORBA,1991,p.885).
Coerente com o perfil estabelecido para os verbos habilitados a participarem da
Construção de Hiperbolização, não é de se estranhar a sua destransitivização em um
contexto em que se tem i) a moldura comunicativa do blog, subcategorizado em blog
158
sobre futebol; ii) o objetivo comunicativo de se elogiar, realçando o desempenho de uma
entidade.
A charge traz pis tas importantes sobre a Construção de Hiperbolização: a
entidade-sujeito (Seleção brasileira de futebol) é metonimicamente referenciada por um
de seus jogadores (Ronaldinho) que tem um instrumento de destruição nos pés (arma de
fogo), o que simboliza a metáfora da força (o poder de fogo). Ele é, portanto, o matador
e, junto a ele, estendidos no chão, liquidados, os adversários argentinos, em um evento
específico que é a partida final da Copa das Confederações entre Brasil e Argentina
(mapeada imageticamente como uma arena de guerra). Segundo Kövecses (2005, p.164;
2006, p.143) há várias possibilidades de uma metáfora ser realizada de modo não
linguístico e, não raro, o domínio- fonte se converte em realidade física quando, por
exemplo, ele é visualmente representado (na dança, na pintura, na escultura, nos gestos,
nos cartuns, etc).
O que é interessante na charge e, de certo modo serviu de pista para o início de
meu raciocínio, é o fato de a entidade herdar a “força” intrínseca à semântica do
predicador verbal (resultante de sua capacidade de agir e promover mudança). O verbo,
como núcleo da sentença, estabelece quais e quantos predicadores irão participar da cena.
No caso do verbo liquidar, fica estabelecido, de antemão, que a entidade sujeito deva ser
do tipo agente-causativo, com força e poder suficiente para exercer a ação de matar ou
destruir. A anulação do complemento objeto da configuração sintagmática direciona o
foco atencional inteiramente sobre o sujeito. Segundo Talmy (1996, p.236), a porção da
cena selecionada pelo falante para ser colocada em foco de atenção é direcionada pela
forma linguística e
o recurso linguístico forma l mais fundamental que media esse processo
cognitivo é a inclusão numa sentença de material explícito que se refere à
porção ou porções da cena completa que está para ser focada e a omissão de
material que se refira ao restante da cena não focalizado.
Nos dados que coletei, pude observar a distinção do foco atencional entre enunciados que
têm como núcleo o mesmo predicador verbal e cujo sujeito gramatical é uma entidade do
159
tipo [+ humano], porém diferem quanto à presença na cadeia sintagmática do
complemento-objeto, como os enunciados abaixo:
a) Cruzeiro massacra o Atlético-MG e fica perto do título
( http://www.estadao.com.br/esportes/not_esp163748,0.htm)
b) A raposa massacrou no Mineirão
( http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&
source=a1843481.xml&template=4187.dwt&edition=9754&section=888)
O processo de herança, a que eu me refiro como “herança da força agentiva ”
pela entidade sujeito, se mostra frequentemente de forma mais explícita via léxico, nos
casos em que a entidade-sujeito passa a ser referenciada por nomes ou atributos como
animal, fera, monstro, lenda, matador, detonador, furacão, trucidador dentre alguns
outros.
O Animal arrebentou no coletivo de ontem, entrou e fez 3
gols, humilhou. Todo esse tempo que ele ficou de fora serviu de pré-temporada, agora
sim ele está preparado. Não tem porque deixa-lo no banco, ele é melhor que Amoroso
e Amoroso vai jogar.
(http://parmerista.Blogspot.com/2007/03/o-professor-numa-encruzilhada.html)
tem tbem o grande Ravi Shankar que agora divide o palco com sua filha, eu não
me lembro do nome dela. Esse indiano fera arrebentou nos anos 60! Musica
nao datada de tao inspiradora.
http://www.camiseteria.com/profile Blogpost.aspx?usr=rodrigoreis&bid=5552
Gabriel, não conhecia o programa ainda, mas vi que é muito legal. E o cara é um
monstro cantando, arrasa. rs…
http://www.supra-sumo.org/2007/video-cantor-incrivel/
160
A herança da força pela entidade sujeito parece ser resultado do interrelacionamento de vários fatores de natureza sintática, semântica e pragmática, por meio
de: i) um processo de mesclagem entre as cond ições de validação de uma dada
Construção; as propriedades do item lexical verbal e as propriedades da Construção
Gramatical na qual ele irá ser instanciado; as propriedades da Construção intransitiva
canônica e as propriedades da Construção destransitivizada, e ii) um refinado processo de
extensão metafórica do esquema imagético da FORÇA.
5.2.2..6 A validação do sintagma preposicional
Outro elemento que chama a atenção na CGH é o sintagma preposicional (SP)
que ocupa predominantemente a posição imediatamente após o verbo. Nos dados, a
posposição desse sintagma chega a 100% das ocorrências preposicionadas. Sobre esse
elemento da Construção, os dados revelaram que: i) é um elemento de instanciação
sintática opcional; ii) a preposição mais frequentemente usada na CGH é em; iii) sua
função semântico-pragmática é ou situar e delimitar um campo de ação (uma arena)
onde a entidade sujeito é apreciada como sucesso ou circunstanciar o evento causativo.
Sobre a instanciação opcional do sintagma preposicional, os dados mostram
que das 189 instanciações da CGH, 90 (47,6%) configuram-se com um sintagma
preposicional, o que revela um equilíbrio entre instanciação e não instanciação desse
elemento. Os dados também mostram que há predicadores que possuem uma tendência
maior a dispensar esse sintagma da configuração, dentre estes está bombar, que tem 54
ocorrências de CGH e apenas 34% com SP instanciado. O predicador arrasar, por sua
vez, o segundo mais frequente na CGH, com 65 ocorrências e 51 instanciando a CGH,
mostra um equilíbrio entre a instanciação ou não, do sintagma preposicional: das 51
ocorrências da Construção de Hiperbolização, 27 (52,9%) são instanciadas com um SP.
161
Parece que existe uma estreita relação entre grau de convencionalização dos
tipos verbais e, portanto, uma maior independência de molduras específicas e a opção
por não usar um sintagma preposicional. Como explodir e explorar são muito presos à
moldura musical, o uso de SP em enunciados por eles nucleados ultrapassa os 70%. 79
Outra constatação em relação ao sintagma preposicional da Construção de
Hiperbolização é a preferência quase absoluta pela preposição e m. Do total de 90 tokens
instanciados com SP, 68 (75,5%) exibem, na estrutura sintagmática da CGH, a
preposição e m ou uma de suas contrações. Das 27 CGHs, instanciadas com o
predicador arrasar, acrescido de um SP, 23 delas (85,1%) têm como preposição o em
ou uma de suas contrações (no, na, nesse...).Com o verbo arrebentar, 100% das
ocorrências preposicionadas da CGH instanciam essa mesma preposição. Já com o
predicador mais usado na CGH, bombar, esse percentual chega a quase 73%. Segundo
Moura Neves (2000), a preposição em funciona, fora do sistema de transitividade,
estabelecendo relações semânticas no sintagma verbal de circunstanciação, ou seja,
lugar, tempo e modo. Não há dúvidas de que tais relações se encontram nos dados,
como mostram os exemplos, retirados do corpus :
1. Enquanto minha geração arrasava nas danceterias do Rio de Janeiro, eu e meus
amigos freqüentávamos as rodas de samba...
2. Mais uma vez estará ao lado do Kaká e Ronaldo, que também arrebentaram no
último domingo.
3. Espírito Macunaíma, Mário de Andrade matou em cheio.
Contudo, a função semântico-pragmática do sintagma preposicional na
Construção de Hiperbolização vai além de estabelecer somente uma relação de
circunstanciação. É esse sintagma que especifica, também, em que campo conceitual
do entretenimento a atuação da entidade-sujeito merece ser hiperbolizada e
hipervalorizada (apreciada como sucesso). A diferença entre função circunstancial e
79
A situação dos tipos verbais com relação à presença ou não de sintagmas preposicionais (SP) pode ser
observada na Planilha 16 do capítulo de metodologia à pagina 115.
162
função delimitadora conceitual pode ser notada, se comparamos, por exemplo, os dois
enunciados abaixo:
i)
E porque tem o Cillian Murphy que arrasa no papel de travesti.
ii)
A música estourou no Brasil inteiro.
O sintagma preposicional de (i) não só evoca o campo conceitual da indústria do
entretenimento como também especifica-o (cinema/teatro), além de restringir a
interpretação de hiperbolização e hipervalorização da entidade-sujeito a uma única
moldura comunicativa, no caso, o filme Café da manhã em Plutão, no qual a entidade
referenciada pelo sujeito atua como um personagem travesti. Ao selecionar esse SP
específico, o falante, no caso, Érika Palomino, o faz porque, segundo ela, foi nesse
papel específico que Murphy “caiu nas graças da crítica”. 80 É nesse filme em especial,
nesse papel específico de travesti, enfim, nessa arena, que Palomino avalia como
sucesso a atuação de Cillian Murphy.
Em termos semântico-pragmáticos, portanto, a função do sintagma
preposicional na Construção de Hiperbolização é demarcar um campo conceitual ou
uma arena na qual a entidade que ocupa a posição de sujeito se destaca e é avaliada
como sucesso. O uso predominante da preposição em, por sua vez, assegura a
interpretação desse elemento como arena, na medida em que circunstancia lugares ou
“eventos como lugares” por meio da metáfora EVENTOS SÃO LUGARES,
confirmando assim mais um caso de coerência metafórica da gramática.
5.2.3 A Construção Gramatical de Hiperbolização e suas molduras comunicativas
preferenciais
Os blogs são o lugar, por excelência, da Construção Gramatical de
Hiperbolização, principalmente para instanciações do verbo destransitivizado em primeira
pessoa (eu arrasei, eu detonei, eu arrebentei...). Isso se deve a dois fatores principais: (i)
80
http://www.erikapalomino.com.br/erika2006/lifestyle.php?m=1383
163
em termos de registro, essa Construção se aplica a discursos informais, característica
compatível com a linguagem utilizada na moldura do blog; (ii) a função semânticopragmática de hiperbolização e hipervalorização da ação engendrada pela entidade sujeito
só é bem aceita socialmente em molduras bem marcadas e o blog é uma dessas molduras,
na medida em que é uma ferramenta discursiva de autoexpressão:
FESTA DE 15 ANOS!!!
Nuossa gente nem contei do meu niver neh?! Mais ki foi irado foi...(...)
Todo mundo empolgado!! Dancei mto... AMANDINHAAAAA,DEEH, CAAA, BIBI,
ELO, MINAS E MOÇOS DO LUMEN!! É NOIZ!!!!
Causei mto na minha festa!! Foi irado!!! Melhor dia da minah vida... queria ki
voltasse...
(http://42Y3pXGga-sJ:jujuzinha22.zip.net/+eu+causei+na+minha+festa+de&cd=12&hl=pt-
Outra moldura otimizada quanto ao aparecimento da Construção Gramatical de
Hiperbolização, motivada pela intenção comunicativa de elogiar o outro, são os fóruns
virtuais, de caráter opinativo, nos quais os interlocutores pretendem argumentar a favor
ou contra um artista, um desportista, uma equipe, um programa de tevê, enfim, qualquer
evento ou entidade, passível de ser avaliada. Como o corpus se compõe de dados
extraídos de blogs e minhas pesquisas com o buscador Google me retornaram inúmeras
ocorrências da CGH em fóruns opinativos, para efeito desse trabalho, essas duas molduras
discursivas serão consideradas as molduras preferenciais da Construção Gramatical de
Hiperbolização.
5.2.3.1 O blog como moldura comunicativa otimizada da Construção de Hiperbolização
“Blog” é uma corruptela de weblog, expressão que pode ser traduzida como
‘diário na rede’. Os blogs surgiram em agosto de 1999 com a utilização do software
Blogger, da empresa do norte-americano Evan Williams. O software fora concebido
como uma alternativa popular para publicação de textos online, uma vez que a
164
ferramenta dispensava o conhecimento especializado em computação. Segundo
Komesu, 2004, “a facilidade para a edição, atualização e manutenção dos textos em rede
foi – e é – o principal atributo para o sucesso e a difusão dessa chamada ferramenta de
autoexpressão.”
Tanto no Brasil quanto no mundo, milhares de pessoas já se utilizam dessa
ferramenta gratuita, que permite, além do texto escrito, a inserção de imagens e sons em
relatos pessoais cuja função é basicamente a expressão de sentimentos que permeiam a
vida de pessoas comuns em seu cotidiano. Esse “exibicionismo” da vida privada, tão
comum nos dias de hoje, “deve-se, também, ao olhar do Outro, leitor e telespectador
atentos, computáveis enquanto audiência do site ou canal de televisão” (KOMESU,
2004, p.110).
A Construção de Hiperbolização, como já mencionado, não ocorre somente em
blogs. É de uso frequente, também, em interações informais cujos participantes sejam
íntimos. É produtiva ainda entre os homossexuais e ocorre, não raro, em letras de
músicas, como se pode ver no exemplo abaixo de Charles Brown Jr, O lado certo da
vida errada:
“Essa aqui foi a maior viagem que eu jamais vou esquecer
Só família até dei “mosh”, eu quebrei dente, eu abalei Ø
Tem roupa no varal
Subi o morro eu fui considerado”
O blog, no entanto, parece- nos tratar-se de uma moldura comunicativa
otimizada para a ocorrência desse tipo de Construção, exatamente por ser uma
ferramenta de autoexpressão e de natureza interativa que revela um pedido de
aprovação do outro. Mas o que é um blog? Podemos entendê- lo como um lugar, um
domínio, um espaço virtual na rede, ou como um texto, avaliado como um conjunto de
postagens. Sua estrutura básica apela para um modelo de leitura “vertical”, dividido em
colunas, com título, perfil do blogueiro, lista de blogs preferidos do blogueiro
(blogroll), arquivos, posts recentes e comentários dos leitores sobre os posts (CHAGAS,
2007). Seu design ou plataforma atende muito ao gosto do autor, sendo fácil perceber a
165
diferença entre um blog de uma adolescente e o de um jornalista reconhecido, por
exemplo. “Se, do ponto de vista do emissor, os blogs são ferramentas capazes de dar
voz aos “leigos”, do ponto de vista do leitor eles são veículos que possibilitam o
diálogo, o feedback” (CHAGAS, 2007, p.11). Os links para outros blogs e as listas de
blogs preferidos do titular de um blogueiro criam e reforçam o recurso da
hipertextualidade, unindo os blogueiros dentro de um domínio virtual muito maior,
chamado de blogosfera. A blogosfera cria um número infinito de leitores virtuais para
qualquer blog, na medida em que se tem hoje mais de 70 milhões de blogs, cada um
acessado por centenas ou milhares de internautas.
Schittine (2004) classifica os blogs em três tipos: (i) confessional; (ii) ficcional
e (iii) jornalístico. A autora, todavia, admite ser difícil que um blog se atenha
unicamente às propriedades que o categorizam em apenas uma dessas três
classificações. Isso porque, do mesmo modo que os leitores de blog gostam de ficar
sabendo das notícias em primeira mão, o fato de compartilhar segredos e intimidades
com o blogueiro gera intimidade, fidelidade e confiabilidade; além do mais, o exercício
diário da escrita quase sempre encoraja os blogueiros a se aventurarem pela literatura.
Daí a mistura entre relato confessional, jornalismo e literatura.
Schittine (2004) não tem dúvidas de que o que leva uma pessoa a criar um
blog e a postar diariamente nele seja a vontade de ser lido, de ter uma platéia, seja para
dividir uma tragédia pessoal ou política, seja para revelar detalhes de modos de vida não
autorizados socialmente. Como exemplo s do primeiro caso se enquadram Odele e
Yoani Sanchez, chamada de a blogueira de Cuba. Odele, cuja filha está em coma há 12
anos depois de ter o cabelo sugado pelo ralo da piscina do condomínio onde mora, criou
para a filha, Flávia, um blog que é, segundo ela, a voz que sonha todos os dias ouvir.
“Centenas de pessoas no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos, na Colômbia, em
Moçambique e na Espanha testemunham a delicada tessitura dos dias de Flávia e Odele
pela internet.” 81 Também Sanchez, fugindo de uma tragédia política, desafia a ditadura
cubana por meio de seu blog. Já no segundo caso está a personagem que virou livro e
81
Reportagem Saudades de sua voz. Revista Época, n o 601, de 23 de novembro de 2009.
166
filme: Bruna Surfistinha, que em seu blog narra detalhes de sua vida como garota de
programa.
Apesar de todos os avanços tecnológicos, o blog é, ainda, um diário ancorado
na linguagem escrita, é o texto escrito que media todas as interlocuções entre o
blogueiro e seus leitores. Segundo Schittine (2004) “Cabe então ao texto, e
principalmente a ele, a criação do ambiente e da personalidade virtuais”. No entanto, o
que se tem nos blogs é um emaranhado de tipologias e gêneros textuais. Para
possibilitar o contato com o outro, os blogueiros optam por uma escrita mais informal,
em tom de diálogo. O diarista virtual precisa manter atualizado seu blog, escrevendo
posts diariamente, do que decorre a necessidade de textos rápidos e diretos, muitas
vezes dividido em várias postagens a depender do interesse despertado nos leitores e da
necessidade de se responder aos mesmos.
“Os blogs acabam sendo um meio caminho entre a ficção e a informação,
entre o jornalismo e o escrito íntimo, isso quando não misturam bastante uma
coisa com a outra. É essa situação híbrida- comum nos escritos íntimos em
geral- que vai permanecer na escrita e na confecção do blog”( SCHITTINE,
2004, p. 156).
Os blogs, devido à amplitude de seu poder de comunicação, acabam
funcionando como formadores de opinião, que, portanto, avaliam e vendem produtos.
Hewitt (2007) afirma que, com os blogs, o marketing entrou em uma nova era. Para
comprovar isso, basta fazer uma visita a alguns blogs cujo objetivo primeiro não é,
definitivamente, vender produtos, que logo se nota o poder de convencimento que os
blogueiros têm. Martha Medeiros, escritora do Rio Grande do Sul, autora de livros
como Divã e de crônicas sobre o universo feminino, tem um blog chamado Blog da
Martha Medeiros (www.clicrbs.com.br/marthamedeiros). Suas crônicas postadas, não
raro, partem de algum filme ou livro que a escritora viu/leu. Isso é o bastante para que
uma legião de internautas comente seu texto e explicite o desejo urgente de consumir o
mesmo produto. Como ilustração, cito um trecho de uma postagem desse tipo e um dos
comentários resultantes:
167
Domingo, 22 de novembro de 2009
A Garota Ideal
Acabo de assistir uma pequena joia no DVD, que recomendo a todos. O filme chama-se A
Garota Ideal, e não lembro se, quando esteve em cartaz, foi aclamado ou passou batido.
Eu só o assisti agora por recomendação fervorosa de uma amiga. Sempre achei que os
melhores presentes que recebemos são essas dicas avalizadíssimas. Claro que nem sempre
dá certo - essa mesma amiga já me recomendou um filme que não consegui passar da
metade - mas é raríssimo nós duas não sintonizarmos no quesito cinema.
Nome: Yany Mendes Siqueira de Araújo
Email: [email protected]
Cidade: RIO DE JANEIRO
Estado: RJ
Data: Quarta-feira, 25/11/2009 às 13h45min
Martha minha querida!! Fiquei curiosa para ver o filme, vou correr agora mesmo para a
locadora. Como é importante percebermos esta sutileza entre a realidade a fantasia e porque uma
interfere tanto na outra.Que nossas relações com os outros, com a natureza e com a vida sejam
sempre de verdade, tudo bem que não perdure eternamente mas que tenham a chance de se
renovarem!! Bjs querida!!
O hibridismo característico do blog, resultante do próprio paradoxo que o
define: diário íntimo-público, cria uma moldura discursiva capaz de abrigar todas as
modalidades de textos, desde receitas culinárias a textos literários e comentários
vulgares. É o universo linguístico dentro da rede. O artifício, portanto, indispensável a
um blogueiro para que ele se torne confiável e merecedor de ser lido, é cuidar do texto
e criar um estilo próprio. “O público se vê curioso por vasculhar a vida do outro, sem
que esse outro seja necessariamente alguém famoso. É o sucesso dos anônimos”
(SCHITTINE, 2004, p. 16). As mídias, contudo, investem cada vez mais nos blogs das
celebridades. Esse é o caso do Portal UOL, que destina um espaço para os blogs da
redação, cujos titulares são pessoas da mídia: artistas, cantores, desportistas, jornalistas
reconhecidos, celebridades. Esses blogueiros trazem consigo um público fiel, os
168
apaixonados fãs, que se tornam leitores assíduos desses blogs e acabam funcionando
como divulgadores dos mesmos, criando uma imensa platéia de estranhos.
O corpus no qual são baseadas as discussões dessa pesquisa é constituído por
cem blogs da blogosfera UOL, que versam sobre uma infinidade de assuntos e são
assinados por blogueiros de diferentes perfis. Uma das ocorrências da CGH
constituintes do corpus, “Claro que Hollywood sempre privilegiou a beleza e neste
quesito , Diane arrasa.” foi encontrada no blog Querido Leitor, cuja titular é Rosana
Herman, bacharel em Física pela USP, mestre em Física Nuclear pela mesma
universidade, radialista, jornalista, roteirista e redatora de TV desde 1983, apresentadora
e repórter de TV, além de escritora e blogueira. Seu blog já recebeu diversos prêmios,
entre eles o prêmio The Bobs - The Best of Blogs, 2008 , da Deutsche Welle, como
Melhor Weblog em Português, pela votação popular e pelo júri internacional. A autora
define seu blog como “especializado em generalidades”.
A Construção de
Hiperbolização, Diane arrasa, seguindo uma tendência discursiva de situar a entidadesujeito no topo de uma escala avaliativa de sucesso, aparece em um post, em que
Herman comenta sobre a perfomance da atriz Diane Lane no filme “Sob o sol de
Toscana”:
Quando li o livro "Sob o sol da Toscana" entendi que a personagem principal,
Frances, estava na casa dos seus 50 anos. Porém, o filme, que também vi, tem a
atriz Diane Lane como protagonista. Como o filme é de 2003 e Diane naceu em
1965, ela fez o papel de Frances aos 38 anos! Bem que eu achei que apesar de ser
um filme, era muito forçado para a história. Claro que Hollywood sempre
privileg iou a beleza e neste quesito, Diane arrasa. Ela é linda e delicada.
Mas uma coisa é uma personagem numa crise de meia idade e outra coisa é uma
mulher linda de 38 anos.
Enfim, o filme é bonito mas ficou inverossímil em relação ao livro.
Por que estou falando isso agora?
Porque vi Diane Lane na capa do UOL. Vi o trailler no cinema, Noites de
Tormenta, com Richard Gere e ela.
Outras duas ocorrências da CGH vêm do blog Contos Bregas e quem o assina é
Tiago Góes, jornalista, escritor, bancário, potiguar, 29 anos. As categorias elencadas
169
pelo blog vão de contos (escritos pelo próprio autor), músicas e vídeos bregas a textos
polêmicos.
Entreguei meu livro para Waldick Soriano!
Ele é o cara!Fui ver o show dele em Fortaleza, no Restaurante Caravelle, e
aproveitei para ir ao camarim e entregar um exemplar do livro Contos Bregas para
Waldick Soriano.Uma emoção muito grande, afinal Waldick é uma legenda viva.
Além de poder conferir todo o vozeirão do autor de “eu não sou cachorro, não”, eu
ainda tive o privilégio de conversar um pouco com Waldick. Assim que pegou no
livro e viu o título na capa, ele disse: “aposto que eu estou aqui dentro!”. Eu disse:
“Claro que está! Este é um livro de contos inspirados em músicas populares. O
primeiro dos contos, e aquele que é mais comentado pelos leitores, é justamente a
história inspirada no seu maior sucesso: Eu não sou cachorro, não”. Então ele disse
algo como “nós vamos arrebentar”. Eu não me lembro bem, pois estava
nervoso! Eu só sei que Waldick Soriano arrebentou. Cantou grande parte
de seus sucessos, sendo aplaudido com fervor pela platéia cearense!
Logo, o blog, como domínio virtual capaz de abrigar qualquer dimensão
textual, caracteriza-se como moldura discursiva bastante representativa dos usos da
língua. Devido à sua natureza subjetiva, que transforma os fatos do dia a dia em relatos
pessoais e comentários de natureza avaliativa, a CGH é um recurso expressivo
otimizado para o blogueiro que quer comentar e avaliar ao mesmo tempo, na medida em
que o PB disponibiliza essa Construção Gramatical para todo o falante cuja intenção
comunicativa seja a de localizar a entidade-sujeito no topo de uma escala avaliativa de
sucesso.
5.2.3.2 A moldura dos fóruns opinativos
O fórum opinativo, por sua vez, é um tipo de interação eletronicamente
mediada, que é inerente e explicitamente avaliativo. Esse tipo de comunicação é uma
modalidade de conversação assincrônica, com turnos bem marcados e acabados, já que
170
não há como falar ao mesmo tempo que outro participante no ambiente do fórum. 82 O que
mais caracteriza essa moldura discursiva é, exatamente, sua intencionalidade e finalidade:
todo fórum estabelece, de antemão, um assunto, geralmente formulado a partir de uma
pergunta. Os interlocutores interessados em dar sua opinião, respond endo à pergunta,
redigem seus textos, convencionalmente chamados de postagens e os enviam. As
interações entre os interlocutores, embora de modo assincrônico, ocorrem por meio da
retomada do comentário que se quer ratificar ou contradizer, ou por meio da identificação
do interlocutor com quem se queira debater.
O fórum virtual tem a vantagem de manter registradas todas as intervenções
feitas pelos interlocutores ao longo do tempo, podendo durar anos ou simplesmente não
terminar. Existem fóruns de diferentes naturezas, mas são naqueles aos quais eu estou
chamando de fóruns opinativos que a Construção de Hiperbolização mais parece ocorrer.
A própria natureza desse tipo de interação, cujo gênero textual predominante é o
comentário virtual, favorece o uso da Construção de Hiperbolização, porque, na medida
em que ocorre à distância, sem necessidade de identificação verdadeira e exata dos
interlocutores, tem-se a proposição livre de diferentes pontos de vista, a liberdade plena
de expressão, a liberdade moral e a liberdade política. 83
Pelo fato de ser uma escrita coletiva, de ficar registrado por um tempo
indeterminado e ser de domínio público, o fórum pode ser também considerado uma arena
onde a comp etição gira em torno do comentário que irá receber mais avaliações positivas,
mais adesões. A escrita, no entanto, é quase sempre “descuidada” devido à pressa com
que ocorrem as interações à distância, por isso, embora precisem ser curtos, os textos
lançam mão dos recursos linguísticos mais expressivos e dentre esses recursos está a
Construção Gramatical de Hiperbolização. O exemplo abaixo é de um fórum, feito
especialmente para fãs dos programas televisivos da franquia Idol, como: Ídolos e
82
OLIVEIRA. S.C; FILHO. G.J.L. Animação de fóruns virtuais de discussão – novo caminho para a
aprendizagem em EAD via web. Novas Tecnologias CINTED-UFRGS na Educação V.4, Nº 2,
Dezembro, 2006.Disponível em:http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2006/artigosrenote/25159.pdf
83
SCHERER, Suely.Comunicação e aprendizagem em fóruns virtuais: uma possibilidade para a educação
matemática.GT: Educação Matemática/ n.19. Disponível em:
http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT19-2217--Int.pdf
171
American Idol. O comentário de ilustração abaixo, que instancia duas CGHs em um texto
curtíssimo, está respondendo à seguinte pergunta: Quem é seu favorito do Top 05?
Marcelo
2009-11-22 04:58:02 ET
Priscila Borges é a melhor... uhuuu... detona geral, e arrasa sempre!
Vai que é sua Pri, esse ídolos é seu, o Brasil está todo com vc!!!
PRI BORGES, CAMPEÃ DO ÍDOLOS 2009.
Portanto, devido a sua carga expressiva que se sustenta no triplé semânticopragmático: apreciação positiva, força e foco, a CGH tem uma frequência de uso
altíssima em textos do gênero comentário virtual, inseridos tanto na moldura discursiva
do blog quanto na moldura dos fóruns opinativos.
5.2.4 Retomando: as condições de validação da Construção de Hiperbolização
Após analisar nos dados cada um dos elementos constitutivos da Construção
Gramatical de Hiperbolização, a saber: SN- sujeito; SV- verbo causativo de destruição;
SP opcional, cheguei às seguintes conclusões sobre as suas condições de validação:
a) o SN-sujeito é categorizado, por herança verbal, como agentivo-causativo e as
entidades por ele referenciadas preenchem, predominantemente, o campo
semântico de produtos e/ ou produtores da indústria de entretenimento;
b) o SV é constituído por verbo de ação-processo, categorizado semânticopragmaticamente como verbo de destruição, que pede
sujeito agentivo-
causativo e um complemento à sua direita do tipo objeto direto, que deverá ser
anulado da configuração sintática;
172
c) o SP tem caráter opcional e sua função semântico-pragmática é ou
circunstanciar o evento causativo (função de adjunto) ou demarcar um campo
conceitual, uma arena, em que a hiperbolização das qualidades positivas do
sujeito sejam validadas;
d) a moldura comunicativa tem papel preponderante no bloqueio ou na permissão
do uso da Construção de Hiperbolização, sendo que as molduras preferenciais
desta são os blogs, por serem ferramentas de autoexpressão, ou os fóruns
opinativos por serem de caráter iminentemente avaliativo;
e) a função semântico-pragmática da Construção de Hiperbolização é
perspectivizar o foco atencional sobre a entidade que exerce a função de sujeito
gramatical e, a partir disso, hipervalorizar suas qualidades no desempenho de
alguma ação. Seu tripé epistemológico é, pois, apreciação positiva, força e
foco.
Portanto, pelos exemplos já citados e considerando todas as 189 instanciações
da Construção Gramatical de Hiperbolização, constantes do corpus, podemos afirmar
que a CGH é produtiva no PB tanto em termos de recorrência de uso ( frequência
token) quanto em diversidade de tipos encontrados (frequência tipo). Além disso, pela
possibilidade de se estabelecer com um bom grau de adequação descritiva as condições
de validação dessa construção, é razoável admitir que estamos mesmo diante de uma
das Construções Gramaticais, constituintes do repertório da Língua Portuguesa do
Brasil, para a qual, no escopo deste estudo, proponho a designação de Construção
Gramatical de Hiperbolização Positiva da Ação do Sujeito, ou simplesmente,
Construção de Hiperbolização, que assim se configura:
SN V Ø (SP)/ HIPERBOLIZAÇÃO POSITIVA DA AÇÃO DO SUJEITO
173
e cujos dois polos: da forma e do sentido ( SALOMÃO, 2009 b, p.42), poder-se-ia
assim representar :
(22) QUADRO DAS PROPRIEDADES DA CGH
Polo do sentido
Dimensão conceptual
Esquema
imagético
FORÇA
Moldura comunicativa
da
preferencial: blogs,
fóruns opinativos
Frame de SUCESSO
Metáforas: CAUSAS SÃO
FORÇAS FÍSICAS;
SUCESSO É GUERRA
Dimensão discursiva
Polo da forma
Dimensão física
Dimensão
morfossintática
Substantivos, verbos e
Sequência fônica de
preposições
prosódia ascendente
com foco atencional no Sujeito-verbo- adjunto
sujeito
(ordenação canônica)
Gêneros textuais
avaliativos : comentários
virtuais, resenhas
culturais, colunas
sociais.
Status informacional:
escala avaliativa
máxima
Registro informal
Valor I enfático
Topicalização do
sujeito
Preposição
predominante: EM
Fonte: Do autor
5.2.5 A inversão construcional do julgamento de valor: avaliação negativa
versus avaliação positiva
Quando iniciei a análise dos dados preliminares, o que mais me chamou a
atenção foram, exatamente, os discursos nos quais o falante usava a Construção canônica
transitiva, contrapondo-a à Construção de Hiperbolização, evidenciando claramente o
antagonismo de
sentido relacionado ao julgamento semântico-pragmático inerente à
CGH, a saber, de apreciação positiva da ação engendrada pela entidade sujeito. O
primeiro exemplo com o qual me deparei foi este:
174
a) Pois é. Acabaram as provas. Em ADM arrebentei
! [Em algoritmo me
arrebentei]. ( scrolloflife.blig.ig.com.br)
Nesse exemplo fica clara a contraposição das Construções destransitivizada e
transitiva. Esta evoca claramente a afetação do objeto que, por ser reflexivo, transfere tal
afetação ao sujeito que lhe corresponde. Assim, o raciocínio inferencial promovido pela
Construção permite interpretar o enunciado Em algoritmo me arrebentei como
descrevendo um evento acadêmico no qual alguém foi submetido à avaliação do assunto
algoritmo e obteve um desempenho muito insatisfatório. Já com o uso do predicador
arrebentar destransitivizado tem-se uma reversão desse raciocínio inferencial: Em ADM
arrebentei! promove a interpretação de que a entidade que ocupa a posição de sujeito
gramatical, no caso eu (sintaticamente oculto), nesse mesmo tipo de evento, obteve um
resultado mais que satisfatório, ou seja, obteve sucesso. A diferença significativa de
interpretação deve-se, sobremodo, à escolha da Construção destransitivizada, ou seja, da
Construção Gramatical de Hiperbolização. Segundo Michaelis e Kay84 , “Na visão
construcionista, padrões frasais não só têm significado, como também têm a capacidade
de mudar os significados das palavras que eles agrupam”.
Os dados reunidos no corpus apresentam um número considerável de discursos
em que o falante faz, propositadamente, a contraposição entre a Construção transitiva
canônica e a Construção destransitivizada. Observemos um outro texto em que tal
intenção e tal contraposição são notórias:
84
To appear in C. Maienborn, K. von Heusinger and P. Portner, eds., Semantics: An International
Handbook of Natural Language Meaning, HSK Handbooks of Linguistics and Communication Science
Series: 23: Semantics and Computer Science. Berlin: Mouton de Gruyter. Arquivo em PDF.
175
b) Rubro cinza arregaça Ø
Calma, não é pra tanto! Quem foi o jornalistazinho que escolheu este título
sensacionalista, hein? Bem, pode aumentar o salário dele pois é justamente isto que
está para acontecer em 2006. Sem muito salto alto, o Qscara F. C. está com cara
que vai fazer um dos melhores anos de sua história, baseado nos dois primeiros
jogos do ano.
Depois de uma vitória inédita e
esmagadora sobre o difícil
Calderaço, por 3 a 1, o time, invicto, empatou com a equipe do PIC por 2 a 2, com
belíssimos gols do Filizzola, um bico
detonador de fora da área e do Matheus,
cobrando falta pela direita, empatando no final com um a menos - o expulso Leo
Fares, ainda no primeiro tempo. Mais do que os placares, é o espírito, o clima, a
sensação de que há algo novo no time. Mais entrosado e experiente, o rubro cinza
parece que vai dar trabalho neste ano. Quem arregaçou Ø também foi o Tulinho.
Arregaçou o joelho no gramado cheio de brita do campo do Reinaldo. Não bastasse
a falta de marcação, podem ser encontradas até pequenas pedras pontudas.
Enquanto isso aguardamos a liberação do interditado Dom Horione.
http://www.qscara.com/noticia.php?id=133
O texto b é uma notícia virtual sobre um time de futebol cujo nome é Qscara
F.C. e em cuja manchete aparece o predicador verbal arregaçar sem seu complemento à
direita. O uso da Construção de Hiperbolização na manchete (recurso linguístico bastante
comum, principalmente em mídias mais distensas) já cria uma expectativa no leitor de
que o texto fará elogios à entidade sujeito, elevando-a ao topo de uma escala avaliativa
de sucesso, independentemente de se saber pouco ou nada sobre essa entidade. Portanto,
Rubro cinza arregaça cria uma perspectivização da interpretação em termos de um
enquadre favorável à entidade sujeito. O próprio autor do texto ironiza o uso dessa
Construção ao caracterizá-la como sensacionalista, mostrando estar ciente do efeito
hiperbólico (apreciação positiva, força e foco) que ela promove. O texto, porém, não
contradiz as expectativas do leitor e, realmente, realça as qualidades positivas do rubrocinza (entidade-sujeito). Contudo, o mesmo predicador usado na manchete, arregaçar,
volta a ser usado, desta vez no enunciado quem arregaçou também foi o Tulinho e, de
176
novo, a instanciação da Construção de Hiperbolização gera a expectativa de que Tulinho
tenha jogado maravilhosamente bem. Essa expectativa, entretanto, não se confirma, pois o
autor do texto retoma a Construção e preenche o espaço que estava vazio na valência do
predicador arregaçar, mudando de Construção Gramatical e promovendo um efeito
semântico-pragmático completamente distinto: arregaçou o joelho. Assim, brincando
com a Construção destransitivizada, o texto nos informa do quanto o Qscara F.C. se deu
bem e do quanto que Tulinho saiu prejudicado. A escolha de um verbo causativo de
destruição “forte” no sentido de ser capaz de promover uma afetação devastadora no
paciente, já que em termos pragmáticos uma coisa é machucar o joelho, outra é arregaçar
o joelho, evoca cenas conceptuais e perspectivas dessa cena muito antagônicas, quando se
opta por manter-se ou retirar-se o segundo participante (objeto-paciente).
Esse antagonismo entre a Construção transitiva e a Construção de
Hiperbolização reforça o argumento de que a contribuição semântico-pragmática de
enquadrar favoravelmente a entidade que ocupa a posição de sujeito gramatical,
assegurando- lhe uma localização no topo da escala avaliativa de sucesso é dada pela
CGH, cujo tripé epistemológico, reitero, se traduz em força, foco e apreciação positiva.
177
5.3
A METÁFORA
5.3.1 A metáfora como processo figurativo fundador da CGH
“Tentar entender a metáfora significa tentar
compreender uma parte vital sobre quem somos e
em que tipo de mundo vivemos”
(Zoltan Kövecses)
O mapeamento da Construção de Hiperbolização, empreendido passo a passo
na primeira parte desta análise, acabou por revelar o papel fundamental que a metáfora
exerce na constituição e na interpretação dessa estrutura gramatical. Os tipos verbais
pesquisados e suas instanciações tanto transitivas quanto intransitivas acabaram por
iluminar um campo conceptual específico, revelando que os predicadores verbais
habilitados a participarem da CGH evocam uma cena conceptual, cujo sentido
norteador irradia-se do frame de DESTRUIÇÃO. Só para ilustrar, cito os quatro verbos
mais frequentemente usados na Construção de Hiperbolização, considerando o corpus
Blogs UOL: bombar, arrasar, explodir e estourar. É evidente que o predicador
bombar remete a um processo derivacional, cuja base é o substantivo bomba, um
artefato explosivo, ou em outras palavras, um “instrumento de destruição”. O verbo
arrasar, por sua vez, evoca uma das possíveis consequências de um ato destrutivo,
assim como explodir e estourar fazem referência a propriedades intrínsecas de
artefatos explosivos, agentes de destruição. Tal raciocínio me leva a pensar que à CGH
subjaz um processo de expansão gramatical metonímico- metafórico, motivado pelo
conceito humano básico da causalidade (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]), que tem
como campo conceitual fundador do nexo causal um evento de força, desencadeado
pelo fenômeno físico da DESTRUIÇÃO, ou seja, no nível conceptual, a CGH tem uma
motivação
metonímica
da
metáfora
(BARCELONA,
2003),
simbolicamente
representada pelas figuras 23 e 24 a seguir:
178
EFEITOS:
bombar, bombardear, detonar,
estourar, explodir, incendiar ,
fuzilar, metralhar, triturar
CAUSA :
FORÇA
DESTRUIDORA
CONSEQUÊNCIAS :
DESTRUIÇÃO
abafar, abalar,
aniquilar,
apavorar,arrasar,
arrebentar,
arregaçar;
avassalar,
barbarizar,
destroçar; destruir,
estraçalhar,
exterminar,
fulminar, liquidar,
maltratar,
massacrar, matar,
trucidar
Figura 23: representação do nexo causal desencadeado por eventos de destruição e uma
proposta de preenchimento lexical com verbos causativos de destruição.
II)
CAUSA:
ENTIDADESUJEITO
EFEITOS:
bombar, bombardear, detonar,
estourar, explodir, incendiar ,
fuzilar,metralhar,triturar
DESTRUIDOR
CONSEQUÊNCIAS :
SUCESSO
DESTRUIÇÃO
abafar, abalar,
aniquilar,
apavorar,arrasar,
arrebentar,
arregaçar;
avassalar,
barbarizar,
destroçar; destruir,
estraçalhar,
exterminar,
fulminar, liquidar,
maltratar,
massacrar, matar,
trucidar
Figura 24: representação da metaforização dos eventos de destruição em eventos de sucesso e
seu preenchimento lexical com verbos causativos de destruição. Fonte: Do autor
179
Fauconnier e Turner (2002, p. 75) argumentam que não há nada mais básico na
vida humana do que a relação vital entre causa e efeito. Na perspectiva desses autores,
nós compreendemos os eventos complexos, reduzindo-os, conscientemente, a uma série
de eventos básicos que são tomados como auto-evidentes85 . Essa capacidade de
integração entre causa e efeito (propriedade central da percepção) é fruto de uma
especialização evolucionária, resultante da vantagem de se saber, por exemplo, que
depois do urro, vem o tigre ou que onde soa o guizo, está a cascavel. Esse tipo de
compreensão global relaciona-se à nossa capacidade cognitiva de mesclar causa e
efeitos e essas mesclas imaginativas que integram causa e efeito tomam a forma de
cenários dinâmicos que se podem executar.
Apresentar o efeito diretamente na causa é uma questão de encontrar a
exata representação, o que por si só é altamente criativo. Uma vez
encontrada, ela pode nos despertar e nos guiar para uma compreensão
86
global e criativ idade corolária.
A presença do predicador causar, verbalizador da causatividade, entre os tipos
verbais selecionados pela Construção de Hiperbolização, como já foi dito, reforça ainda
mais a ideia de que a CGH emerja na gramática do Português do Brasil motivada pelo
nexo de causalidade que se estabelece quando ocorre um evento de destruição. As sete
entradas verbais que não constam da figura I e II não se desviam completamente do
raciocínio causal nele representado. Verbos como humilhar, esculachar, arrepiar, em
suas valências transitivas, estabelecem um sistema de coerência referente às
consequências do fenômeno conceptual (destruição) só que em termos menos físicos e
mais psicológicos, ou seja, causação emocional (LAKOFF; JOHNSON,1999, p.221) 87 ,
como podemos no tar pelos exemplos encontrados no corpus :
85
FAUCONNIER;TURNER(2002, p.75) we understand the complex event, having consciously reduced it
to a set of basic events that are taken as self-evident.
86
FAUCONNIER;TURNER(2002, p.77) Presenting the effect directly in the cause is a matter of finding
the right representation, which in itself is highly creative. Once found, it can prompt and guide us to
corollary creativity and global understanding.
87
Segundo Lakoff e Johnson (1999), a causação emocional ocorre quando uma percepção ou pensamento
é conceptualizado(a) como um estímulo externo que produz em nós uma emoção.
180
(a) Pelo o que foi mostrado até agora da personagem da Lilia, ela encarna aquele
tipo de pessoa que nunca está satisfeita , se não fosse a gravidez precoce ela
arrumaria um outro motivo para humilhar a filha , pois depreciar os outros é o
que a Marta sabe fazer melhor.
(b)Vi no sábado o documentário I’m Going to Tell You a Secret , quando seu lado
místico estava mais aflorado do que nunca e confesso que me arrepiei e quase
chorei em vários momentos .
A estrutura de causalidade, representada na figura 24, pressupõe um esquema
interacional de execução de força (JOHNSON, 1987). Em outras palavras o evento
DESTRUIÇÃO é o resultado da atuação de um agente destruidor sobre um alvo a ser
destruído, com a ajuda ou não, de um instrumento de destruição (artefatos explosivos/
armas de fogo) o que, por sua vez, desencadeia uma sequência de causalidade. Esse
todo unificado e organizado de execução de força e sequência causal formam o que
Johnson chama de estrutura gestáltica da força e como tal caracteriza um padrão
recorrente no nosso sistema conceptual. O autor descreve sete das principais
modalidades de execução do esquema (padrão) da força: compulsão, bloqueio,
contraforça, desvio, remoção de obstáculo, capacitação e atração.
A Construção Gramatical de Hiperbolização, ao anular da configuração
sintática um dos complementos verbais, o objeto, potencializa o foco de atenção no
complemento mantido, ou seja, na entidade-sujeito. A perspectivização da cena
conceptual na entidade-sujeito potencializa sua capacidade de ação, sua força na
execução da ação. Isso me leva a propor que o esquema de força que opera na nossa
experiência quando produzimos ou interpretamos uma CGH seja o esquema de
capacitação, assim representado por Johnson (1987, p. 47):
-----------------------------------------------------------
181
A capacitação é, segundo Johnson, uma modalidade de estrutura da força
apenas potencial, já que não há vetor de força real. No entanto, ela é legitima no nível
das possibilidades porque diz respeito à nossa consciência de presença ou falta de poder
na hora de desempenhar uma ação: “você pode sentir que tem força para pegar um
bebê, carregar as compras, e a vassoura, mas não para levantar a dianteira de seu carro”
(JOHNSON,1987, p. 47)88
Portanto, o perfil dos verbos-tipos, habilitados a participarem da CGH, objeto
desta pesquisa, pode ser assim aprofundado: i) são verbos de ação-processo, isto é,
causativos; ii) são verbos de destruição do objeto; iii) compõem o campo conceptual
referente ao fenômeno físico DESTRUIÇÃO;
iv) estabelecem um dos elos da
causalidade que tem como fenômeno fundador um evento de DESTRUIÇÃO .
Desde o início desta análise, venho argumentando que a motivação sintática,
semântica e pragmática da Construção Gramatical de Hiperbolização se faz via metáfora.
A ideia central desse argumento se fundamenta na assunção de que, subjacente à
Construção de Hiperbolização, esteja atuando a conceptualização, já metafórica, do
esquema imagético da força: “Esquemas imagéticos exercem um papel fundamental nos
mapeamentos metafóricos da linguagem abstrata em experiências diretas corporificadas”
(FELDMAN, 2006, p.143). 89
Como todo esquema de força é por nós experienciado como sequências
causais (JOHNSON, 1987), há, na estruturação de nosso sistema conceptual, a metáfora
primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS, originada da experiência de se conseguir
resultados pela execução de força sobre um dado objeto para que ele se mova ou mude de
estado. Essa projeção figurativa que simultaneamente envolve força e causalidade refletese cotidianamente na linguagem quando temos, por exemplo, fenômenos físicos,
causadores de destruição alçados à posição de sujeitos agentivos como em Um terremoto
88
You can sense that you have the power to pick up the baby, the groceries, and the broom but not to lift
the front end of your car.
89
Image schemas play a central role in metaphorical mappings of abstract language to direct embodied
experience.
182
arrasou o sudeste asiático ou quando se redige a seguinte manchete Chuva fracassa festa
das Nações90 ou mesmo em falas coloquiais como O mel parou de tossir a Michelle 91 .
No nível sintático da Construção de Hiperbolização, a metaforização da gestalt
da força atuaria de dois modos: primeiro, na seleção dos predicadores verbais que podem
participar dessa Construção; segundo, na anulação do objeto direto da estrutura
sintagmática. No nível semântico, a metáfora da força influenciaria na perspectivização de
um dos participantes da cena conceptual como sujeito e, de novo, na anulação do
complemento verbal. Em termos pragmáticos, a metaforização do esquema de força,
intrínseco a eventos de destruição, em domínios sociais (eventos sociais) leva a uma
reconceptualização desses eventos sociais como mapeamentos metafóricos de arenas de
guerra.
Tomasello (1999; 2003) descreve o processo do raciocínio causal a partir de
três elementos: evento antecedente > força mediadora > evento consequente. Lakoff e
Johnson (1980[2002], pp.144-145) descrevem a causalidade como um conceito humano
básico, uma gestalt experiencial, da qual as pessoas se servem para organizar melhor
suas realidades física e cultural. Feldman (2006), por sua vez, argumenta que é muito
eficiente modelar o mundo como tendo estruturas causais e tanto crianças quanto
adultos terem de assumir que os eventos têm causas. Assim, as crianças precisam
postular entidades externas para agir como os responsáveis pela causação. Ou seja,
nós assumimos que nossas experiências são causadas
por agentes e objetos no mundo e procuramos aprender
o que causa nossas experiências. Os cenários que
construímos, postulando entidades no mundo externo,
podem ser
usados para simular os possíveis efeitos
das nossas próprias ações e são cruciais para o
planejamento das mesmas (FELDMAN, 2006, p.129).
Portanto, a causalidade arrasta além da questão da força, uma outra dimensão
importante da experiência: a postulação da existência de entidades externas no mundo
e, por conseguinte, uma possibilidade de fazermos previsões sobre o que poderemos
experienciar.
90
Essa manchete foi publicada no jornal Diário Regional de Juiz de Fora no início da década de 90.
Infelizmente não consegui recuperar a data precisa.
91
Construção Gramatical estudada por Salomão (2001)
183
Para que fique mais clara a relação entre os predicadores verbais que
contribuem para a interpretação de hiperbolização e hipervalorização da ação do sujeito
e o elo de causalidade com o esquema imagético pré-conceptual, mediado pela força,
proponho a análise de mais um exemplo:
Exemplo 4:
JuLiana é:
September 15th, 2007 at 11:44 pm
~>HSM é separados RBD saum unidos
~>HSM ßrilha RBD arrasa!!
~>HSM ama RBD é amado!!
~>HSM ßriga RBD detona!!
~>HSM eh pop RBD é star!!
~>HSM adora RBD Considera!!
~>HSM eh legal RBD é *!!
~>SHARPAY anda ??MIA COLUCCI desfila!!
~>ASHLEY dança?? DULCE encanta!!
~>HSM se axa?? RBD é procurado!!
~>Os fãs de HSM xingam?? Os fãs De RBD esculacham!!
~>HSM eh bom??RBD é excelente
~>ZAC eh bom??PONCHO eh perfeitO!!
~>HSM arrasa??RBD Humilha !!
~>HSM na GLOBO??RBD na SBT!!
~>HSM ATE ANO Q VEM??rbd forever!!
~>LUCAS eh a gay !!CHRISTIAN ta na moda!!
~>ASHLEYeh loira??ANAHI eh lorassa!!
~>VANESSA eh bonita??DULCE eh pefáá!!
~>Gostaum de HSM??Adorão RBD!!
~>100% fans hsm??viciadas por inteirO por RBD
Rbd….na veia
Hsm…Na cadeia
( novo-mundo.org/log/videos-e-fotos-do-high-school-musical/?cp=3 - 110k)
184
O texto do exemplo 4 é, também, um comentário virtual sobre o grupo de
adolescentes que protagonizam o musical High School Music (HSM). Devido à
semelhança com outro grupo musical de adolescentes, os Rebeldes (RDB), muitos
comentários giram em torno da intenção comunicativa de se provar qual dos dois grupos
é o melhor, isto é, qual dos dois grupos está situado no topo da escala avaliativa de
sucesso. É isso que faz Juliana no exemplo dado: ela compara o RDB ao HSM, tentando
mostrar, discursivamente, que o RDB é, sem dúvida, o melhor grupo. Nesse processo
de hiperbolizar e hipervalorizar a força de ação do grupo do qual é fã, situando-o no
topo da escala avaliativa de sucesso, Juliana faz uso de várias estratégias linguísticas,
recorrendo a sufixos aumentativos para contrapor, por exemplo, loira a loirassa (sic), a
pares antônimos como separados/ unidos, a superlativos bom/excelente e, de modo
especial, Juliana exorbita dos predicadores já estudados nos três primeiros exemplos
dessa análise: arrasar, detonar, acrescentando outros como esculachar e humilhar. A
partir de um processo discursivo muito eficiente, a autora do comentário vai tecendo sua
argumentação por contraste, marcando discursivamente as diferenças entre o HSM e o
RDB, valendo-se, predominantemente, da contraposição entre predicadores verbais.
Assim, brilhar92 se opõe a arrasar que, por sua vez, se opõe a humilhar; brigar se
opõe a detonar, já xingar se opõe a esculachar. Considerando a intenção e a moldura
comunicativas que enquadram esse discurso, é possível perceber que a oposição se dá
pela intensidade da força que cada verbo selecionado é capaz de evocar. Dizendo de
outro modo, fica claro que, para Juliana, o grupo que brilha tem menos força e, por
conseguinte, menos valor, que o grupo que arrasa e assim respectivamente.
Acrescentando, pois, ao nosso repertório de predicadores verbais aos quais
estamos chamando de “verbos de destruição”, os predicadores esculachar e humilhar,
mudamos obrigatoriamente de nível: deixamos o nível do concreto para enveredarmos
por um nível mais abstrato. Explico: os predicadores arrasar, arrebentar, detonar,
destruir, quando instanciados em suas valências plenas, isto é, transitivamente,
representam eventos em que existe um agente de grande poder (plano, programa motor
e controle, nas palavras de Lakoff e Johnson, 1980 [2002]) que, usando de sua força
92
É importante notar que o verbo brilhar tem valência intransitiva, ou seja, reserva espaço para apenas
um participante, no caso, o sujeito.
185
física excepcional, muda, de forma irreversível, a constituição física do paciente. Esse
processo, poderíamos dizer, é de manipulação direta, portanto, concreto. Todavia, na
cena conceptual evocada pelos verbos esculachar e humilhar e, com toda a certeza, do
apavorar que aparece no exemplo 1, quando configurados com seus objetos diretos,
não há a mediação pela força física e nem efeito físico irreversível, o que há é a
mediação de uma força de caráter psicológico e de efeitos de mesma natureza. Acredito,
assim, que houve nessas entradas lexicais um processo de extensão metafórica,
originário do esquema imagético de força mais básico, ou seja, aquele formado a partir
do uso da força física em interação com o meio.
O uso de predicadores verbais causativos de destruição em uma Construção
Gramatical cuja função semântico-pragmática é alçar a entidade-sujeito ao topo de uma
escala avaliativa de sucesso reflete, inegavelmente, a atuação subjacente de uma
metáfora estrutural, autorizada pelas nossas práticas socioculturais, a saber, SUCESSO
É GUERRA. Essa metáfora, contudo, licencia também outra Construção Gramatical de
valência transitiva e configuração sintática semifixa, instanciada em enunciados como:
Novembro 23, 2009 às 11:03 am | #2 Citar
daaaaaaa-lhe sbt…
sbt vai destruir a concorrencia em 2010…
http://ocanal.wordpress.com/2009/11/23/solitarios-e-a-nova-arma-do-sbt-contra-a-possivel-a-fazenda-3/
O uso transitivo dos verbos causativos de destruição (destruir, detonar,
arrebent ar, arrasar, etc.) seguidos dos sintagmas nominais concorrência/concorrentes
na função de complemento verbal, muito frequentes no uso do PB, permite, por
projeção metonímica, a inferência semântico-pragmática de sucesso, ou seja, nossa
cultura entende que
na guerra pelo sucesso, vence aquele que destrói o concorrente. O
conceito de sucesso, portanto, se traduz na nossa cultura como força para destruir. A
título de ilustração, uma pesquisa no Google da instanciação desse padrão com alguns
186
dos verbos causativos estudados e as suas variações possíveis (tempo, pessoa e modo)
está assim distribuída:
Padrão sintático
Frequência de uso
Abafar a concorrência/o concorrente
122.000
Arrebentar a concorrência/o concorrente
118.000
Arregaçar a concorrência/o concorrente
134.000
Destruir a concorrência/o concorrente
298.000
Detonar a concorrência/o concorrente
213.000
Estourar a concorrência/o concorrente
129.000
Humilhar a concorrência/o concorrente
258.000
Massacrar a concorrência/o concorrente
216.000
Matar a concorrência/o concorrente
341.000
A hipótese que proponho, pois, é que a Construção Gramatical semifixa SN SV
(verbo causativo de destruição)
SN (concorrência/concorrentes) seja licenciada no PB pela metáfora
SUCESSO É GUERRA. A interpretação semântico-pragmática evocada pelas
enunciações que instanciam essa Construção Gramatical, ou seja, a leitura de ação bem
sucedida da entidade sujeito, é, pois, projetada metonimicamente na Construção de
Hiperbolização. Coerente com os modelos de análise linguística baseados no uso, que
têm como princípio norteador a crença de que a semântica é a pragmática congelada, o
que se nota é que a repetição, no uso, do padrão transitivo leva a uma
convencionalização da inferência semântico-pragmática, o que permite sua retomada
por projeção metonímica, além de propiciar a atuação de uma instrução pragmática, a
saber, a supressão da entidade destruída 93 , o que autoriza a herança por subparte da
Construção destransitivizada, ou seja, da Construção de Hiperbolização, na qual a
metáfora fundadora (SUCESSO É GUERRA) se mantém ativa, funcionando, por
exemplo, como filtro de seleção lexical. Uma vez herdada do padrão transitivo, a CGH
torna-se um padrão gramatical independente e único, um pareamento forma e sentido
93
Para Salomão (informação verbal), essa supressão da entidade destruída é mais um caso de supressão
eufemística. Nesta análise, proponho que tal supressão se justifique metaforicamente pela metáfora
IMPORTANTE É CENTRAL (ver p. 191).
187
que se diferencia da Construção transitiva na medida em que: (i) reenquadra o frame de
DESTRUIÇÃO no frame de SUCESSO; (ii) direciona o foco atencional à entidade
sujeito; (iii) realça a força agentiva da entidade sujeito; e, como inferência semânticopragmática (iv) alça a entidade sujeito ao topo de uma escala avaliativa de sucesso.
O que se percebe, pois, é que a conceptualização metafórica do conceito de
sucesso como destruição, como guerra, licencia a instanciação de duas Construções
Gramaticais do Português do Brasil: a Construção Transitiva semifixa, configurada por
SN SV (verbo de destruição) SN (concorrência/ concorrentes) e a Construção de
Hiperbolização que se especializa e passa a assegurar a leitura semântico-pragmática de
força, foco e apreciação positiva.
5.3.1.1 A metáfora como filtro de seleção lexical da CGH
Para que o esquema da força possa ser metaforicamente evocado na
Construção de Hiperbolização,
essa
Construção
Gramatical
seleciona
como
predicadores habilitados a dela participarem os verbos categorizados como causativos,
classificados como “verbos de destruição”, especialmente aqueles que são interpretados
como promovendo mudanças “devastadoras” no participante afetado (objeto direto).
Como a relação entre força e causalidade é uma relação naturalmente construída, o
papel da metáfora como filtro lexical da Construção de Hiperbolização é bastante
coerente.
O contínuo da metaforicidade permite que a Construção de Hiperbolização
habilite três categorias de verbos causativos para dela participarem: a) verbos causativos
de efeitos físicos devastadores, por exemplo, detonar; b) verbos causativos de efeitos
psicológicos devastadores, por exemplo, humilhar; c) verbos causativos de efeitos
positivos, por exemplo, arrebatar:
Maria Rita deu ontem, no Canecão (RJ), o pontapé inicial na turnê de lançamento
do disco Segundo. Com a casa cheia, mas não lotada, a cantora apresentou curto
roteiro de 18 músicas, apresentadas em pouco mais de uma hora. Segundo, o
show, não arrebata como o primeiro grande show da filha de Elis Regina.
http://deluca.Blogspot.com/mauroferreira/uploaded_images/rita23-754802.jpeg
188
O licenciamento dos predicadores categorizados como tipo c é a prova mais
cabal do inter-relacionamento entre a semântica da Construção e a semântica do verbo:
como a Construção de Hiperbolização promove um sentido positivo, a partir da
destransitivização de verbos causativos, os verbos causativos “positivos” poderão, por
conseguinte, ser destransitivizados para promoverem o sentido de hiperbolização.
Importante notar que o julgamento sociocultural, isto é, pragmático, de “positivo” ou
“negativo”, atribuído aos verbos causativos, também é uma conceptualização motivada
pela metáfora. Um bom exemplo disso é o verbo acender, metaforicamente
categorizado como de semântica positiva. No uso, ele também foi encontrado
destransitivizado, evocando o sentido de hiperbolização positiva da entidade-sujeito:
Tom Jobim
"O Jobim, eu acho que é universalista, porque aonde sua música é tocada, ela
é aceita, seja nas Filipinas ou na Rússia... mas tem uma coisa, ele faz música
popular. O essencial da obra do Tom Jobim é popular. Na minha opinião,
muitos compositores não fizeram música popular como o Tom Jobim é porque
não souberam fazer, desenvolver a sua alma por esse campo ... e transformam
suas músicas em “popularistas” ou eruditas. Agora, os eruditos, quanto mais
avançados no folclórico, mais eles acendem. Porque eles, os da erudição,
transformam músicas em maravilhas utilizando técnicas e sofisticação
também."
http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noticia.php?noticia_id=399
5.3.1.2 A conceptualização dos eventos sociais como arenas de guerra
Se a metáfora é uma forma de conceptualizar o mundo e, por consequência, ela
modela nosso modo de agir, esse mundo é, inegavelmente, do tamanho da nossa cultura,
ou seja, conceptualizamos o mundo e nele agimos de acordo com as nossas crenças,
costumes e tradições, de acordo com “uma vasta bagagem de pressuposições culturais”
(LAKOFF ; JOHNSON , 1980[2002], p.128).
189
Kövecses (2006, p.116) elenca onze componentes que interagem entre si e
gerenciam a criação de metáforas conceptuais e, por isso, situa m a metáfora como
fenômeno linguístico, conceptual, sociocultural, neural e corporal. Dentre os onze
componentes estão as realizações não linguísticas das metáforas. Segundo Kövecses,
essas realizações não linguísticas das metáforas mostram sua atuação nas práticas sociais.
Ele exemplifica com a metáfora conceptual IMPORTANTE É CENTRAL, que se
instancia em expressões linguísticas metafóricas do tipo a questão central e se manifesta
de modo não linguístico em eventos sociais nos quais as pessoas socialmente mais
importantes tendem a ocupar lugares mais centrais do que as consideradas menos
importantes.
Na nossa cultura, não raro, observamos que o participante de eventos sociais
com maior grau de prestígio tende a ser visto como “aquele que ofusca os outros”,
donde o uso corriqueiro das expressões populares Só deu ele(a); Roubou a cena, a
instanciação de expressões linguísticas com os predicadores brilhar e ofuscar e a
destransitivização,
muito antiga, do predicador verbal abafar na Construção de
Hiperbolização:
De vestido preto com babados (assinado por Gloria Coelho), meias e sapato
alto da mesma cor e cabelos pintados na própria quinta-feira de "mel claro, no estilo
romântico, para deixar o presidente Lula cada vez mais apaixonado por ela", como diz
o cabeleireiro Wanderley Nunes, a primeira-dama, Marisa Letícia, roubou a cena
anteontem no Hair Fashion Show, desfile de penteados que aconteceu no Jockey Club
de SP. "Ela veio apoiar a indústria da beleza e a iniciativa desse evento, porque parece
que vai ter uma doação para o Retiro dos Artistas", dizia Marlene Araújo, nora do
presidente e de Marisa, no camarim do desfile.
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3008200806.htm)
190
De novo fica muito claro o grau de entrosamento entre língua e cultura, sistema
linguístico e metáfora, pois a prática sociocultural de “colocar nas sombras” o
participante de menor prestígio num dado evento social equivale na gramática ao
“cancelamento do complemento verbal”6 . Por outro lado, para perspectivizar a cena
social a partir do ponto de vista de um único participante (o de maior grau de prestígio)
basta representá- lo em uma Construção na qual ele apareça como único sintagma
nominal e em posição de tópico.
Os estudiosos da metáfora conceptual (GIBBS, 1999; KÖVECSES, 2005/2006;
LAKOFF, 1993) concordam com o argumento de que metáforas conceptuais podem
realizar-se socioculturalmente. Kövecses (2006, p.143), partindo da concepção de
metáfora como um pareamento do domínio A com o domínio B, tal que A é B, descreve
como as realizações não linguísticas da metáfora podem ocorrer: (i) o domínio fonte B
pode transformar-se em realidade físico-social; (ii) as implicações do domínio- fonte B
podem se transformar em realidade físico-social; (iii) o domínio A pode realmente
tornar-se o domínio- fonte B e, ao mesmo tempo, transformar-se em realidade físicosocial. Dizer que uma metáfora transforma-se em realidade socio física significa dizer,
segundo Kövecses (2006), que o domínio conceptual ocorre não como conceito ou
palavra, mas como uma coisa ou processo mais ou menos tangível na nossa prática
social e cultural.
Na Construção Gramatical de Hiperbolização, o sintagma preposicional que
aparece opcionalmente na estrutura sintagmática tem a função de demarcar,
especialmente no campo conceptual do entretenimento, os eventos sociais nos qua is a
entidade-sujeito teve ou tem um desempenho digno de nota e, por isso, foi/é apreciada
como SUCESSO. O uso, nessa Construção, de predicadores verbais semanticamente
ligados ao frame de destruição parece refletir a conceptualização desses eventos sociais
como arenas de guerra, iluminando uma estrutura radial metafórica que se ancora no
modelo cognitivo da guerra (evento de destruição/ espetáculo prototípico) e irradia-se
6
Esse fenômeno ocorre também nas Construções de Argumento Interdito estudadas por mim. Nessas a
omissão do complemento se dá porque tais construções enquadram assuntos tabus que devem, pois,
“permanecer nas sombras”.
191
para os eventos sociais
de entretenimento como a discussão, o jogo e a política,
mapeando esses eventos como cenários de guerra.
Quando se trata de eventos sociais de entretenimento muitos são os cenários de
guerra potenciais e as entidades que se sobressaem, como vencedores nesses eventoscenários, são mapeadas como “vencedores da guerra”, ou seja, aqueles cujo poder de
destruição foi grande o bastante para liquidar todos os adversários (reais ou potenciais),
donde seu prêmio maior: o sucesso. Sucesso, portanto, é, do nosso ponto de vista
sociocultural e também do ponto de vista léxico- gramatical, o produto final de uma
batalha, é o prêmio de quem, depois da luta, conseguiu destruir seus adversários. Esse
mapeamento metafórico- metonímico tem como domínio- fonte a guerra, experienciada
como evento prototípico de destruição. As evidências linguísticas mostram que, no
nosso modelo cultural popular, o sucesso se define como algo compensador (um
prêmio), que está no alto (alcançar o sucesso), bem guardado e escondido (as chaves do
sucesso; o segredo do sucesso) e só quem consegue vencer os obstáculos (o guerreiro)
é dele merecedor. O texto publicitário abaixo mostra com clareza esses mapeamentos:
Conquistar a vitória e alcançar o sucesso!
Imagine-se numa floresta perto do forte do time adversário.
Você precisa capturar a bandeira do campo inimigo e
transportá-la em segurança para o seu forte,
ganhando o jogo.
Transporte-se até o temível K2 ou o Everest.
Atingir o cume da montanha, vencer as dificuldades
naturais e físicas, atingir o objetivo.
Conquistar a montanha. Em perfeita segurança.
Descer uma corredeira de águas rápidas,
decisões mais rápidas ainda têm que ser tomadas,
seus companheiros buscando o equilíbrio e o caminho certo,
torcendo para o barco não virar.
192
Estas são algumas situações onde o espírito de equipe é fundamental para conquistar a
vitória e alcançar o sucesso.
É isso que a sua empresa vai encontrar com a equipe ATer Internet. Conquistando
vitórias para alcançar o sucesso!
(http://ater.com.br/2009/05/29/conquistar-a-vitoria-e-alcancar-o-sucesso/)
A Construção Gramatical de Hiperbolização evoca um acesso cognitivo e
sociocultural ao frame de SUCESSO, por isso são muito frequentes os enunciados em
que há uma relação sintagmática entre as várias instanciações dessa Construção e o
sintagma nominal sucesso.
1 )Veja as celebridades 'teens' que detonaram em 2008
As grandes estrelas de Hollywood fazem sucesso e causam polêmicas todos os
anos, no entanto, em 2008, foram as celebridades teens que roubaram a cena.
Miley Cyrus, Selena Gomez, Demi Lovato e Taylor Swift são apenas algumas
delas.
(http://www.ai5piaui.com/noticia.php%3Fid%3D5210+detonou+sucesso&cd=13&hl=ptBR&ct=clnk)
2)Jorson Muniz- Arrasou na Sapalokaja em Novembro!!!Parabéns pelo seu
sucesso Jorson!!
(http://www.fotolog.terra.com.br/sapaloka)
Portanto, o reenquadramento do frame de DESTRUIÇÃO no frame de
SUCESSO é uma maneira de conceptualizar os eventos de destruição e os eventos de
sucesso como uma mesma situação, o que segundo Kövecses (2006, p.77) é talvez o uso
mais poderoso dos frames. Entender a mesma situação de formas diferentes e
contraditórias
é,
na
verdade,
construir
interpretações
ou
conceptualizações
perspectivizadas (construals) 94 da mesma situação. Logo, destruição e sucesso são, na
nossa cultura, construals alternativos.
94
Segundo Kövecses ( 2006, p.227) Construal é um modo de compreender um aspecto do mundo (i.e.,
objetos, eventos, etc) .
193
(25) REPRESENTAÇÃO DO MAPEAMENTO METAFÓRICO-METONÍMICO SUCESSO É GUERRA
EVENTO DE
DESTRUIÇÃO
PROTOTÍPICO
GUERRA
Mapeamento metafórico
VIVER É GUERREAR
Mapeamento metafóricometonímico
DISCUSSÃO
É GUERRA
JOGO É
GUERRA
POLÍTICA
É GUERRA
EVENTOS SOCIAIS SÃO ARENAS DE GUERRA
Mapeamento metafóricometonímico
SUCESSO É
GUERRA
Fonte: Do autor
194
O que o diagrama 25 pretende mostrar é que existe um sistema metafórico
muito complexo e sofisticado que motiva a Construção de Hiperbolização e que tal
sistema se desenrola a partir do mapeamento metafórico do domínio- fonte GUERRA. A
guerra é, segundo Lakoff e Johnson (1987 [2002]) uma gestalt multidimensional que tem
sua origem e amplitude justificadas no fato de a luta ser um evento encontrado
em toda a parte do reino animal e de maneira mais frequente entre os animais
humanos, podendo ser definida como um conflito físico institucionalizado.
Os animais lutam para obter o que desejam: alimento, sexo, território,
controle, porque há outros animais que desejam a mesma coisa ou querem
impedir os primeiros de obtê-las.”
(LAKOFF ;JOHNSON, 1987 [ 2002], p. 134)
O que se vê, portanto, é um sistema de subcategorizações, tornadas coerentes a partir das
implicações metafóricas, que têm origem na metáfora conceptual VIVER É GUERREAR.
Esta metáfora, ancorada no domínio- fonte GUERRA, licencia um sistema de implicações
compartilhadas (discussão, jogo e política) que, por sua vez, por um processo metafóricometonímico (arrasta uma parte de todo o cenário) desemboca na metáfora estrutural
SUCESSO É GUERRA, evidenciada nas expressões metafóricas cotidianas lutar pelo
sucesso; batalhar pelo sucesso; se matar pelo sucesso, dentre outras.
As escolhas lexicais feitas por torcedores e comentaristas esportivos
evidenciam, de forma bastante explícita, na verdade quase trágica, a conceptualização dos
JOGOS como GUERRAS, cujos vencedores encarnam o papel de destruidores que sabem
fazer “bom” uso de seus instrumentos de destruição. O jogo, por isso, se desenrola numa
arena de guerra e o objetivo principal, portanto, é massacrar os adversários. O texto
abaixo, cujo título já evidencia esse mapeamento, mostra como as homologias entre esses
dois domínios (JOGO-GUERRA) são estabelecidas e como tal mapeamento metafórico
favorece o uso de verbos causativos de destruição e a instanciação destes na Construção
de Hiperbolização, mostrando mais uma vez que “a linguagem é um reflexo do
mapeamento” (LAKOFF ; JOHNSON, 1987[2002], p. 25).
195
Vencida a batalha, agora é a guerra
Alô Nação de Guerreiros!!
(...)
Falando do que houve em campo, podemos dizer que no primeiro tempo [o Cruzeiro
massacrou]. E isso nem é alguma hipérbole. O time celeste encurralou o São Paulo no
seu campo de defesa, envolveu a equipe paulista com seu toque de bola até encontrar
brechas para fuzilar. Mas o resultado eficaz desse domínio territorial só veio no último
minuto da primeira etapa. Leonardo “Obama” Silva subiu soberano e testou firme a bola
que morreu no gol de Dênis.
(...). O ataque perdeu forças e o Cruzeiro perdeu sua imposição em campo. Quase que
colocamos tudo a perder. Adilson apercebeu-se da asneira que fez e tratou logo de
corrigi-la lançando Zé Carlos em campo. E não é que o jovem jogador, recém chegado,
salvou a pele do nosso comandante?! Jonathan rolou, e Zé Carlos, o sucessor de Oséias,
emendou de primeira. Depois disso o Cruzeiro retomou o comando do jogo e poderia (e
deveria) ter feito ao menos mais um gol. Mas a vitória foi importante, pois deixa o time
celeste a um empate das semis da LA’09.(...)Agora o capítulo final da batalha será em
São Paulo dia 17 de junho...
(http://colunas.globoesporte.com/pcalmeida/2009/05/28/vencida-a-batalha-agora -e-a-guerra/comment-page10/)
O texto acima revela, com riqueza de detalhes, os mapeamentos metafóricos
que a nossa cultura estabelece entre o domínio- fonte guerra e o domínio-alvo jogo: existe
um domínio territorial a ser conquistado (vencer a partida). Para tanto, os guerreiros
(jogadores) utilizando-se de técnicas aprendidas com o comandante (técnico), imprimem
força a seus ataques (ir em direção à meta) de modo a massacrar e fuzilar (jogar bem e
fazer gols) os inimigos (adversários) e sagrar-se, definitivamente, como vencedores.
Em um nível mais amplo, um sistema de coerência metafórica linguísticocultural muito sofisticado e complexo perpassa os níveis léxico-gramaticais e semânticos
da língua, estabelecendo que, na nossa cultura, todo e qualquer evento social é um evento
196
de guerra, no qual há aliados e adversários, perdedores e vencedores. Por coerência,
portanto, os mesmos verbos causativos de destruição que evidenciam o mapeamento
JOGO É GUERRA vão ser usados em expressões metafóricas (evidências linguísticas)
que deixam transparecer a metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA. Não são raros
os enunciados em que um desses verbos funciona como verbo de elocução, introduzindo
falas diretas de personagens ou em discursos relatados:
1.No auge da irritação , ela explodiu : "se ele permanecer irredutível , vou
engravidar com sêmen doado e dane-se esse casamento!"
(Corpus Blogs UOL)
2.Fábio Camargo subiu à tribuna e fuzilou Beto Richa(30 de Junho de 2009)
O deputado estadual Fábio Camargo (PTB), como havia prometido, subiu nesta
terça-feira (3) à tribuna da Assembleia Legislativa e abriu a artilharia pesada
contra o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), a quem acusou de fraudar a
reeleição de 2008.
(www.esmaelmorais.com.br/?p=6891)
No campo conceptual da política, a guerra é o domínio fonte que se reflete em
ação e em linguagem cotidianamente. No programa Entre Aspas, da Globo News, Mônica
Waldvogel, a apresentadora, ao iniciar a edição exibida em 13 de agosto de 2009 e cuja
pauta era De que forma a crise política afeta o eleitorado?, lê o texto abaixo no qual os
mapeamentos entre política e guerra são explicitados:
197
Dedos em riste. Olhares ameaçadores. E uma total falta de objetivo que não seja
esmagar o inimigo que ameaça suas conquistas. Neste campo de batalha, não há
convenção que tenha força de lei. São combates que obedecem apenas ao momento
político, ao rearranjo de forças, à reorganização das tropas. Dependem do interesse
em jogo, do mapa eleitoral. Quando menos se espera, a guerra começa. Quando
menos se espera, ela termina. Entre mortos e feridos salvam-se todos. Todos eles. Mas
e quem está do lado de cá, recebendo os estilhaços sem colete à prova de escândalos e
decepções? Os eleitores se irritam, se abalam e acabam ficando abatidos pela
esperança frustrada. Será que os brasileiros ainda acreditam na política? Será que
desistiram mesmo da luta? Será que existem algumas trincheiras onde se escondem as
virtudes sumidas, os sonhos perdidos? Com todo o problema, com todo o sistema,
lembramos o refrão de um hino de Chico e Caetano dos anos 70, abre aspas “A gente
vai levando, a gente vai levando.”
Fica evidente que a política é conceptualizada como guerra que se desenrola
em campos de batalha e cujo objetivo primeiro é eliminar os inimigos. No entanto, como
toda metáfora cria, entre os dois domínios, homologias apenas parciais, há espaço na
projeção figurativa para se incluir ou se reenquadrar elementos do frame da guerra. Em
uma guerra de verdade, por exemplo, dificilmente salvar-se- iam todos, mas na política
brasileira isso é quase uma regra. Também os coletes à prova de balas da guerra
transvestem-se em coletes à prova de escândalos e o texto vai construindo o que é novo a
partir do que já é convencionalizado. A base conceptual, contudo, é apenas uma: a guerra.
198
5.3.2 Destruição e sucesso como construals alternativos
A noção de construal foi relevada primeiro por Talmy no desenvolvimento
teórico de sua semântica cognitiva. Assumida por Langacker (2008), tal noção se baseia
na concepção de que tão importante quanto o conteúdo semântico dos enunciados é a
forma como o significado das expressões linguísticas é construído, já que toda estrutura
simbólica constrói seu conteúdo de um certo modo. A noção de construal pode ser
explicada pela metáfora visual em que o conteúdo seria a cena e o construal uma forma
particular de ver essa cena, o que depende diretamente de onde estamos, a que distância, a
que prestamos mais atenção, o que escolhemos olhar. Por isso, os construals são
fenômenos linguísticos que, para Langacker, correspondem às noções de especificidade,
foco, proeminência e perspectiva, aplicadas a qualquer domínio.
Langacker (2008) constrói a noção de especificidade baseado no grau de
precisão e detalhe com que uma situação é caracterizada. Como exemplo, ele cita a
enunciação informativa que podemos formular sobre a temperatura de um ambiente, o que
pode variar de um grau de especificidade mínimo (Aqui está quente), ser um pouco mais
específico (Aqui está por volta dos 35 graus) ou atingir um nível de especificidade
máximo (Aqui agora está fazendo exatamente 37 graus Celsius). Ser mais ou menos
específico não é propriedade apenas dos enunciados linguísticos, mas também dos itens
lexicais. Um vocábulo como roedor é muito menos específico do que a palavra rato, por
exemplo. A precisão e a especificidade de uma expressão linguística só respeitam os
limites práticos de extensão (limites da memória) que um enunciado deve ter para ser
compreensível.
A noção de foco baseia-se no acesso a porções particulares de nosso universo
conceptual via expressões linguísticas. Portanto, essa noção de foco agrega as noções de
seleção e arranjo que, por sua vez, se desdobram em alinhamento figura e fundo. Como a
especificidade, o foco também é uma questão de grau e relativo a um propósito particular,
tendo inúmeras manifestações no discurso.
199
A noção de proeminência, segundo Langacker, tem a ver com as assimetrias
da estrutura linguística, sendo, pois, de dois tipos principais: perfil e alinhamento
trajetória- marco. Perfil é uma definição dada a uma expressão que distingue o foco de
atenção específico dentro de seu escopo imediato. Como exemplo, Langacker cita os
termos cotovelo e mão, os quais têm a mesma base conceptual (ou escopo máximo), o
corpo humano, e também o mesmo escopo imediato, no caso, o braço. Cada um desses
termos irá pinçar uma dada subestrutura como perfil ou referente que, para o termo
cotovelo, é a articulação do braço com o antebraço e, em relação à mão, é a extremidade
do braço. Tanto coisas como relações podem ser perfiladas, principalmente em projeções
metonímicas. Também nas relações perfiladas há variações de grau de proeminência dos
participantes. O mais proeminente é chamado por Langacker (2008) de trajetória,
referente à entidade construída como sendo localizada, avaliada ou descrita. É o foco
primário na relação de perfil. O marco, por sua vez, caracteriza um foco secundário.
Assim as expressões linguísticas podem ter o mesmo conteúdo conceptual, o mesmo
perfil, no entanto estabelecerem diferentes escolhas com relação à trajetória e ao marco. O
exemplo dado por Langacker são as preposições acima e abaixo cujo conteúdo conceptual
é o mesmo (localização espacial relativa entre duas coisas) e também a mesma relação
perfilada. Logo, o único contraste entre os termos reside no grau de proeminência
conferido aos participantes, por isso que escolhemos dizer que o livro está em cima da
mesa ao invés de dizer que a mesa está debaixo do livro.
A quarta e última noção semântica ligada à noção de construal tal qual definida
por Langacker (2008) é o conceito de perspectiva. Esse conceito tem a ver com o arranjo
da cena conceptual visualizada, ou seja, a relação entre quem vê a cena e a situação sendo
vista.
Todo esse conjunto de constructos teóricos, motivados pela noção de construal,
foi adotado por Langacker, segundo ele, a partir de evidências substantivas, originadas de
três fontes gerais: (i) o que nós sabemos sobre a cognição humana, independentemente da
linguagem; (ii) o que é necessário a descrições semânticas viáveis; (iii) se os constructos
suportam uma abordagem otimizada da gramática. A semântica cognitiva, para
200
Langacker, está se desenvolvendo dentro de um empreendimento rigoroso e suas
descrições
são baseadas em análises cuidadosas, suportadas por evidências empíricas, e
formuladas em termos de constructos descritivos bem justificados. Não
menos importante, a semântica conceptual deriva apoio de sua eficiência
95
como base para caracterizar a estrutura gramatical.
Há várias operações de construals identificadas pelos linguistas que optaram
por uma abordagem conceptualista da semântica, assim como há também diversas
tentativas de agrupar essas operações que parecem ser relacionadas. Além da
classificação de Langacker, Talmy (1988) propõe uma classificação de construals sob o
nome de sistemas imagéticos, que abrangeria (i) a esquematização estrutural; (ii) a
disposição de perspectiva; (iii) a distribuição da atenção e (iv) as dinâmicas de força.
Croft e Cruse (2004) incluem os esquemas imagéticos dentre os constructos
teóricos que impõem uma conceptualização da experiência (construals de experiência),
por isso esses autores propõem uma nova classificação que demonstre mais claramente
a relação entre as operações de construals linguísticas e processos psicológicos
propostos por psicólogos cognitivos, comprovando com isso não só o estatuto cognitivo
dessas operações como também que a “linguagem é uma instância de habilidades
cognitivas gerais” (CROFT; CRUSE, 2004, p. 45). Os autores defendem, pois, que as
diversas operações de construals sejam manifestações de quatro habilidades cognitivas
básicas em diferentes aspectos da experiência: 1) atenção/saliência; 2) julgamento
/comparação (incluindo os esquemas imagéticos de identidade); 3) perspectiva; 4)
constituição/gestalt (incluindo outros esquemas imagéticos). Essa classificação
encabeçada por quatro fenômenos cognitivos básicos é a mesma adotada por Kövecses
(2006).
Para Croft e Cruse (2004), as operações de construals ligadas à atenção são as
mais numerosas, subcategorizando-se em seleção, escopo, ajustamento escalar e
dinâmica. A metáfora é incluída pelos autores como um construal de julgamento /
95
Cognitive semantic descriptions are based on careful analysis, supported by empirical evidence, and
formulated in terms of well-justified descriptive constructs. And in no small measure, conceptual
semantics derives support from its efficacy as the basis for characterizing grammatical structure.
(LANGACKER, 2008, p.89)
201
comparação, juntamente com a categorização (framing) e o alinhamento figura/fundo.
As dinâmicas de força se enquadram no que os autores classificam como constituição/
gestalt.
Feldman (2006) admite que todas as línguas têm Construções Gramaticais para
especificar qual perspectiva se pretende. Sem dúvida, a construção do significado via
Construção Gramatical de Hiperbolização se promove grandemente por conta dessas
operações de construals. Há, como primeira evidência, a colocação da entidade sujeito
como foco de atenção, por meio da operação de seleção, que é nossa habilidade em
destacar partes da nossa experiência que são relevantes a um dado propósito e ignorar
aspectos que consideramos irrelevantes (CROFT; CRUSE, 2004, p.47). A seleção de
uma palavra leva o interlocutor a focar sua atenção em somente uma parte de todo o
frame.
Subjazem,
também
à
CGH,
operações
de
construals
ligadas
ao
julgamento/comparação, que se manifestam ao se comparar uma dada situação a outra,
categorizando-a ou redefinindo o frame (CROFT; CRUSE, 2004, p.55).
A metáfora, operação cognitiva primordial na produção/interpretação da CGH,
também é considerada uma operação de construal, baseada no julgamento/ comparação
de um domínio fonte a um domínio alvo. A escolha da metáfora para descrever uma
situação em um domínio particular constrói a estrutura deste domínio de uma forma
particular que difere a depender da metáfora escolhida. O fato de a metáfora primária
CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS e a metáfora estrutural SUCESSO É GUERRA
estarem no cerne da Construção de Hiperbolização engatilha uma série de implicações
que não seriam válidas se as metáforas fossem outras. Por fim, as operações de
construals, ligadas à estrutura global de entidades e eventos (constituição/gestalt) se
revelam na Construção Gramatical de Hiperbolização sob a forma do modelo de
dinâmicas de força, que é uma generalização da noção de causalidade. O que se nota no
uso é que “diferentes escolhas de verbos, ou diferentes vozes verbais ou diferentes
Construções, expressam diferentes conceptualizações da dinâmica de força estrutural
dos eventos” (CROFT; CRUSE, 2004, p.66).
202
Todo e qualquer enunciado envolve uma gama imensa de construals da
experiência a ser comunicada. Todos os passos da linguagem, desde a escolha das
palavras até o enquadre destas em uma dada Construção, envolvem conceptualização.
Segundo Croft e Cruse (2004), a questão mais filosófica que surge com relação aos
construals é: Qual a relação entre linguagem, pensamento e experiência? há alguma
restrição nessa relação? e em qual direção as restrições operam: da língua para o
pensamento e para a experiência, ou na direção oposta? ou ambas? (CROFT; CRUSE,
2004, p.71). O que se verifica, por meio das pesquisas em linguagem, é que nossa
experiência, em muitos casos, favorece certos construals em detrimento de outros, ou
seja, são construals default ou típicos. Foram estes que levaram os cognitivistas a
enfatizar que a flexibilidade é necessária para entender a conceptualização e esta
flexibilidade se deve à natureza da mente humana tal como ela funciona no mundo.
Contudo, a experiência restringe em algum grau a conceptualização humana, tornando
alguns construals difíceis e outros muito improváveis. Croft e Cruse afirmam, pois, que
o papel da conceptualização na expressão linguística implica uma abordagem
fortemente relativista da relação entre linguagem e pensamento: o modo como
concebemos nossa experiência é determinado pela estrutura gramatical de nossa
linguagem. Langacker (1987), por outro lado, alega que existe uma estrutura semântica
específica da linguagem a que ele chama imagem convencional, motivada grandemente
pela experiência, mas não determinada por ela. O fato, por exemplo, de um americano
dizer eu estou com frio, um francês dizer Eu tenho frio e um falante do Hebreu
expressar esse mesmo conteúdo conceptual afirmando Está frio para mim significa que
a estrutura semântica da linguagem difere ainda quando se refere à mesma experiência,
criando diferentes imagens convencionais. Para Langacker, essas imagens não
restringem nosso pensamento, já Croft e Cruse (2004) replicam, dizendo que quando
uma estrutura gramatical é usada pela primeira vez (ou pelas primeiras vezes) para
construir uma experiência, isto influencia o modo como o falante pensa sobre esta
experiência, todavia, na medida em que essa expressão gramatical se torna
convencionalizada, o construal original não mais interfere no modo de pensar do falante
sobre essa experiência. A conclusão a que chegam Croft e Cruse, portanto, é a de que a
noção de construal é central à linguagem, mas ela é restringida tanto pela convenção
quanto pela experiência mesma. Feldman (2006), por sua vez, articula toda a sua teoria
203
de modo a mostrar que os esquemas universais e os frames culturais formam a base
metafórica dos pensamentos abstratos e da linguagem.
O fato de a Construção Gramatical de Hiperbolização refletir um mapeamento
que enquadra o conceito de sucesso no frame de destruição e, por conseguinte, dentro
do domínio da guerra é, sem dúvida, uma escolha dentre muitas que os falantes do
Português do Brasil poderiam fazer. Algo motivou esse mapeamento e acredito que a
experiência do “fazer/ser sucesso”, vivenciada na sociedade (quem, o que e como se faz
sucesso), principalmente o processo de alcançá- lo, fez com que os falantes percebessem
homologias suficientes entre o domínio da guerra e o domínio do sucesso a ponto de
autorizarem a projeção metafórica. Isso não significa que o domínio do sucesso não
compartilhe possíveis homologias com outros domínios, mas a experiência, nesse caso,
foi fundamental para a escolha da relação predominante. Não se pode negar também a
força da convenção do uso, já que “os eventos de uso são a fonte de toda unidade
linguística” (LANGACKER, 2008, p.220). O uso, sabe-se hoje, cria o ambiente
favorável à esquematização e à categorização que são fundamentais na formação dos
esquemas cognitivos.
O uso convencionalizado, no entanto, diminui a força do
pensamento, no sentido de que quanto mais automatizado, menos pensado, por assim
dizer. A motivação da projeção figurativa se cria e se perde no uso. No entanto, a
linguagem a preserva por muito mais tempo que o pensamento, o que mostra que o uso
influencia muito mais a estrutura linguística, mais conservadora, do que a própria
experiência e o pensamento.
Eu, como falante nativa do PB, jamais pensei em relacionar sucesso à
destruição, mas os dados do corpus Blogs UOL foram imperativos e me obrigaram a
estabelecer tal relação surpreendente. No nível da consciência, no entanto, acho que
nenhum falante do Português brasileiro reenquadre o sucesso no domínio da guerra,
porém é inegável que, se a língua autorizou essa conceptualização, é porque ela existe
no nível da experiência e, por conseguinte, no nível do pensamento. A grande pergunta
que me faço é sobre o grau de influência dessas conceptualizações, ancoradas na
experiência, no nosso modo de agir no mundo:
204
Os conceitos que governam nosso pensamento não são meras questões do
intelecto. Eles governam também a nossa atividade cotidiana até nos
detalhes mais triviais . Eles estruturam o que percebemos, a maneira como
nos comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com outras
pessoas . (LAKOFF;JOHNSON, 1987 [2002], p.45)
O fato de o sucesso estar atrelado ao frame de destruição impõe sobre os falantes do
português um script de ações destrutivas na busca pelo sucesso? O fato de
conceptualizarmos jogos e discussões como guerra predetermina uma ação de combate,
um diferente código de ética?
Todas essas questões filosóficas estão no cerne da relação que se acredita
existir ou não, entre pensamento, experiência e linguagem. O que se tem como
contraponto a uma possível redefinição ética promovida por essas homologias baseadas
no domínio fonte da guerra são discursos que tentam, reiteradamente, desfazer ou
reverter (reenquadrar) essas projeções. Com relação ao jogo, por exemplo, o bordão O
importante não é ganhar, é competir tenta se firmar pela educação, mas não encontra
eco nem na experiência nem nas ações, como constata o texto abaixo:
O ideal olímpico representado pela velha máxima "O importante não é vencer, é
participar", foi defendido pela primeira vez em 1908 pelo bispo da Pensilvânia,
durante um sermão aos atletas que disputariam as Olimpíadas de Londres. A frase
utilizada posteriormente pelo barão de Coubertain, a quem erroneamente é
atribuída, não condiz com a realidade olímpica dos tempos modernos, onde o
esporte é visto como "guerra" e cada vez mais são encontradas evidências de
doping, como o caso do atleta canadense Bem Johnson que em Seul-1988 teve seu
ouro e recorde nos 100 m. cassados pelo Comitê Olímpico Internacional.
(http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=210)
ou como comprova a ação do atleta sueco, Ara Abrahamian, da luta greco-romana, que
nas Olimpíadas de Pequim, tirou a medalha de bronze do peito e a jogou no chão,
envergonhando toda uma nação, reconhecida no mundo inteiro, pela educação de seu
povo. Também não se pode dizer que seja por puro acaso que os grandes artilheiros do
205
futebol brasileiro sejam chamados de matadores, e ao comemorar seus gols,
incorporem tal predicativo nos gestos:
(26) imagem do jogador de futebol Diego Tardelli.
Fonte: www.domtotal.com/.../detalhes.php?notId=145684
Os discursos cujo tema é o sucesso dificilmente explicitam homologias entre
fazer sucesso e vencer uma guerra. Muito pelo contrário. As receitas para se fazer
sucesso só elencam virtudes a serem cultivadas, como perseverança, dedicação,
entusiasmo, amor... Os discursos relacionados a esse tema bem podem ser enquadrados
no gênero autoajuda, como o que destaco abaixo:
Busque o sucesso, mas de modo saudável
Por Rosemeire Zago
O que é ter sucesso para você? É participar do Big Brother? Ou como mostra o
folhetim global Belíssima: é ser modelo, ser presidente de uma empresa, onde vale tudo
para atingir a fama? Para a maioria é ter dinheiro e tudo o que ele pode comprar.
Para outros, é algo mais profundo e que, ao contrário, dinheiro algum pode comprar,
como paz, uma família, saúde, espiritualidade, trabalhar no que gosta, e não naquilo
que um dia o fizeram acreditar que deveria gostar. Enfim, para uns o que vale mesmo
são os valores externos e para outros, evoluir internamente. E para você, o que é ter
206
sucesso? É ter ou ser? (...) Diz ainda o dicionário: bom êxito, resultado feliz. Podemos
entender isso como se sentir satisfeito com aquilo que estamos realizando e
principalmente, enquanto estamos realizando. E para isso é essencial desenvolver o
respeito pelo outro. Quem não respeita o outro, na verdade demonstra que não respeita
a si mesmo. A ética também é um valor que anda esquecido nos dias de hoje e
necessário resgatá-lo.
Por que o elevado índice de audiência de alguns programas que mostram o sucesso de
alguns, ainda que temporariamente? As pessoas projetam o sucesso que gostariam de
ter naqueles que estão em evidência como gostariam de estar.(...). E infelizmente a
maioria nem percebe que a solução pode estar mais perto do que se imagina, pois
geralmente está dentro de cada um de nós, e não naquilo que nos é imposto como
receita do que é ser feliz.
É preciso ter muito cuidado com a cobrança de que é preciso ter sucesso a qualquer
custo, pois muitos levam essa afirmação ao pé da letra e não hesitam em pisar em cima
de quem está ao seu lado ou à sua frente. Quantas pessoas que conhecemos que quando
querem algo, agem como um verdadeiro trator, passando por cima de toda e qualquer
pessoa, não poupando familiares e principalmente, colegas de trabalho? Muitas, não é
mesmo? São tão obstinadas que sequer analisam suas atitudes, simplesmente vão
agindo, tudo em nome de alcançarem o que dizem acreditar. Mas será que é isso que
acreditam mesmo?
Como há muita dificuldade para olhar para dentro de si, não conseguem saber o que
querem e a busca pelo sucesso acaba sendo apenas no externo, no que a mídia nos
vende como sendo a receita de felicidade, fazendo muitos acreditarem que enquanto
não atingirem esse mesmo sucesso, não serão felizes. Desde quando sucesso é sinônimo
de ter dinheiro como muitos acreditam? Ou aparecer na televisão? Será que vale
perder a saúde em nome do trabalho? Vale perder a família ou momentos que nunca
mais voltarão em nome de uma obstinação do que acredita ser sucesso? Vale perder
valores como ética, respeito, humildade, amor-próprio? O sucesso é ser feliz sim, mas
respeitando não só a si mesmo como também aos outros. Abaixo seguem algumas dicas
para se viver em paz consigo mesmo e que o preço do sucesso tão almejado não seja
tão caro, mas apenas consequência.
Caminhos
207
1º) Conquiste sua independência, tanto financeira como emocional
2º)Acredite em você!
3º) Tenha controle das emoções
4º) Viva cada momento
5º) Aprenda com os obstáculos
6º) Pratique a humildade
7º) Celebre sempre!
É importante reconhecer cada conquista e manter sua mente no presente, assim o
resultado virá naturalmente. Quanto mais você reconhecer cada conquista, desde as
pequenas como as maiores, mais confiança terá em você! Sinta o prazer de celebrar as
conquistas que alcançou, pois isto fará com que você aprenda a amar este ser especial
que você é, e conseqüentemente, sua segurança e auto-estima aumentarão. Fique atento
ao que está realizando, sem medo de mudar tudo se for o caso.
Enfim, ter sucesso é estar em sintonia com aquilo que você acredita ser o melhor para
você, sem se deixar influenciar pelos valores externos e sem ser preciso passar por
cima de alguém, mesmo que esse alguém seja você, mas apenas ouvindo o seu próprio
coração! (http://www2.uol.com.br/vyaestelar/felicidade_sucesso.htm)
As pistas que os textos semelhantes ao supracitado nos dão estão exatamente
nas proposições negadas, ou seja, vê-se, claramente, que há uma tentativa de se
reenquadrar o sucesso em seu próprio frame, definindo-o em seus próprios termos, mais
ético e menos bélico. A negação primeira parte daquilo que já faz parte do modelo
popular de sucesso na nossa sociedade: ser feliz por ter dinheiro, fama, bens materiais.
A segunda negação mais forte parte do princípio de que não se deve atropelar,
massacrar os outros para obtê- lo, como explicita o trecho: “Quantas pessoas que
conhecemos que quando querem algo, agem como um verdadeiro trator, passando por
cima de toda e qualquer pessoa, não poupando familiares e principalmente, colegas de
trabalho?”
No caso do mapeamento dos jogos como extensão metafórica do domínio da
guerra, vimos que a vivência da experiência tem sido muito mais forte e poderosa do
208
que qualquer ação educativa que tente estabelecer novos mapeamentos. No caso da
conceptualização do sucesso, creio que a situação não seja diferente. A experiência do
sucesso perpassa, sim, pela exposição na mídia, pela venda de produtos (muitas vezes a
própria imagem), por consumo de bens, por destruir a concorrência. O talento, o
merecimento, o trabalho nem sempre estão integrados a esse processo. Sucesso é ter
força para destruir. A língua portuguesa reflete essa verdade, revelando-a por meio da
Construção Gramatical na qual as entidades de sucesso são colocadas na sentença como
sujeito gramatical, numa posição de destaque, e na qual também o predicado,
encabeçado por um verbo de destruição, tem como função semântico-pragmática a
hiperbolização e a hipervalorização da ação dessa mesma entidade. Quando enuncio O
novo CD de Nana Caymi estraçalha, há outras formas linguísticas de se dizer a mesma
coisa? Se dissermos O novo CD da Nana Caymi é sensacional, promoveremos o
mesmo efeito? E se usarmos, então, um modelo escalar explícito do tipo O novo CD de
Nana Caymi é dez!, atingiremos o mesmo objetivo comunicativo? Parece que a escala
se aproxima mais da hipervalorização e da hiperbolização do que o uso da sentença
predicativa, no entanto, a força ilocucionária do enunciado visivelmente diminui.
Inegável também é o fato de que a linguagem pode forjar a experiência e, a
partir disso, formatar o pensamento. Parece que é isso que ocorre com as expressões
linguísticas ideologicamente preconceituosas, como, por exemplo, as que revelam o
racismo da sociedade. Pode-se pensar e dizer que os negros são inferiores aos brancos,
mas, nesse caso, não se pode derivar uma experiência naturalmente construída. Existe,
pois, um complexo entrelaçamento entre linguagem, experiência e pensamento, tal
entrelaçamento, no entanto, não anula comple tamente o grau de flexibilidade que cada
uma dessas noções possui: o pensamento é livre, a linguagem é livre e a experiência
pode ser culturalmente forjada.
209
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação empreendida nesta pesquisa buscou explorar e esclarecer o que,
a princípio, poderia ser visto como uma insólita relação, refletida linguisticamente por
uma Construção Gramatical, entre dois domínios conceptuais : destruição e sucesso.
Para tanto, foi necessário responder, primeiro, à pergunta sobre ser ou não ser essa
relação mediada por uma Construção Gramatical. Em seguida, os esforços analíticos se
concentraram em procurar respostas sobre as bases conceptuais e socioculturais que
serviriam de alicerce para a construção das homologias entre esses diferentes domínios.
A essas perguntas de pesquisa, estavam atreladas três hipóteses principais que,
resumidamente, supunham (i) a existência da Construção Gramatical de Hiperbolização
no Português do Brasil; (ii) o Esquema Imagético da Força, a causalidade e a metáfora
primária CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS como base conceptuais da Construção e,
por fim, iii) a existência de uma metáfora estrutural subjacente, SUCESSO É GUERRA,
motivada por uma rede complexa de implicações metafóricas e metonímicas muito
coerente, cuja origem estaria no domínio- fonte GUERRA.
A formação de um corpus e a interpretação dos dados resultaram na
confirmação das hipóteses fo rmuladas neste estudo, comprovando, pois, a existência da
Construção Gramatical de Hiperbolização no Português do Brasil e sua ancoragem
conceptual no Esquema Imagético da Força (também na sua contraparte pressuposta, a
causalidade) e na metáfora estrutural SUCESSO É GUERRA.
Esta pesquisa demonstra, dessa forma, que a metáfora, que sempre foi, e ainda
é, considerada meramente um recurso de linguagem, é uma operação cognitiva muito
atuante no sistema linguístico, capaz até mesmo de dar forma à gramática, ao motivar as
Construções Gramaticais. As metáforas conceptuais, todavia, se remodelam na cultura,
ganhando matizes muitas vezes inusitados, como é o caso da Construção de
Hiperbolização que tem sua origem no esquema imagético da força e desemboca na
metáfora SUCESSO É GUERRA por meio de sucessivas projeções metafóricas e
metonímicas, altamente coerentes.
210
O sistema de coerência metafórica da Construção de Hiperbolização começa
com a seleção dos predicadores verbais: o esquema de força, inerente à Construção,
obriga tais predicadores a serem causativos, já que força e causalidade são duas noções
intrinsecamente relacionadas. O fato também de as entradas verbais serem categorizadas
como verbos de destruição reforça a relação força/causalidade presente na CGH, na
medida em que todo evento de destruição é, necessariamente, um evento de força. No
entanto, a função semântico-pragmática da Construção de Hiperbolização é situar a
entidade-sujeito no topo de uma escala avaliativa de SUCESSO e a pergunta que,
inevitavelmente, surge é: o que SUCESSO tem a ver com DESTRUIÇÃO? A resposta,
desta vez, está no uso, nas evidências linguísticas que servem de pistas a um
mapeamento metafórico do SUCESSO como GUERRA, eve nto prototípico de
destruição. Assim, no uso, destruir a concorrência é, por projeção metonímica,
homólogo a FAZER SUCESSO. Do mesmo modo, destruir a concorrência é fazer com
que a mesma deixe de existir, o que equivale, na gramática, à anulação sintática do
elemento linguístico que representaria tal entidade: o objeto direto. Mas ainda há mais
coerências: tal omissão do complemento pode, sim, ser um caso de supressão
eufemística, orquestrado por uma instrução pragmática do tipo “Não devemos tripudiar
em cima do inimigo”, como pode ser, também, mais um elo desse entrelaçamento
metafórico que subjaz à CGH: a metaforização da pessoa canônica na figura do sujeito,
alçando-o à posição de elemento mais importante da cena, a ponto de ofuscar os outros
e colocá- los na sombra.
A vida é combate, e ter sucesso é ter força para destruir, vencendo, assim, os
adversários concorrentes. Todo esse modelo cultural96 , forjado historicamente, está
embutido na CGH que, fundada na metáfora, abre a janela da cognição, deixando-nos
entrever as estruturas conceptuais e pré-conceptuais que a governam e, repetida no uso,
permite a categorização e a convencionalização do padrão construcional.
A
riqueza
das
descobertas
deste
estudo,
no
entanto,
impôs-lhe,
inevitavelmente, uma série de limitações que podem ser encaradas como possíveis (e
desejáveis) desdobramentos futuros. O primeiro deles que aponto é a necessidade de se
96
Em japonês, por exemplo, o ideograma para sucesso (seikou) pode ser lido como “trabalho levado a
cabo até o fim, a realização da força que constrói”, (MENDES, V. Conversa informal) .
211
aprofundar a análise do processo de gramaticalização da Construção de Hiperbolização
e que, certamente, vai além da formação de uma provável estrutura simbólica
destransitivizada, isto é, de uma representação cognitiva, a partir de padrões
construcionais fixos ou semifixos (destruir a concorrência). Uma discussão importante,
talvez, seja a que enfoca os conhecimentos específicos dos itens, no caso de verbos
causativos de destruição, e a interação desses conhecimentos com conhecimentos de
natureza mais geral.
O Modelo Baseado no Uso, como o que se propõe neste trabalho, reconhece o
papel da experiência na formação de categorias e representações linguísticas. A
frequência de tipos, assim como a frequência de tokens, são fatores importantes para a
modelagem do sistema linguístico que, nesse enfoque, não separa léxico de gramática
nem prioriza o conhecimento geral em detrimento do específico, o que, segundo Bybee
(2007) é uma propriedade geral da cognição humana. A língua segue, portanto, os
procedimentos de criação de qualquer sistema complexo: com um pequeno número de
mecanismos que operam em tempo real e com a repetição no uso desses mecanismos
surge uma estrutura organizada, ou seja, a repetição de ações causa a formação de
estrutura, que no caso da língua, é a gramática. A proposição que está por trás disso é a
de que a convencionalização por meio da repetição criaria a gramática (BYBEE,
2007).
O que vimos nos dados em relação à Construção de Hiperbolização é que a sua
frequência tipo, ou seja, o número de itens distintos que podem ocorrer no slot aberto pela
Construção, é o fator principal na determinação do grau de sua produtividade97 .
“Construções que se aplicam a um grande número de itens distintos também tendem a ser
altamente aplicáveis a novos itens” (BYBEE, 2007, p.14). O fato de a CGH ter sido
analisada a partir de 33 predicadores verbais distintos e, como disse em outra
oportunidade, ter a probabilidade de crescer ainda mais, mostra claramente a
produtividade dessa Construção.
97
A produtividade é definida por Bybee (2007) como a probabilidade de um padrão se aplicar a novas
formas.
212
A contribuição da frequência tipo para a produtividade se dá pelo fato de que,
quando uma Construção é experienciada com diferentes itens ocupando uma
posição, isto possibilita o parsing d a Construção.[...] Um certo grau de
frequência tipo é necessário para se descobrir a estrutura de palavras e
frases. Além disso, uma frequência tipo mais alta também dá a uma
Construção uma representação mais forte, tornando-a mais acessível ou
disponível a novos usos (BYBEE, 2007, p. 15)98 .
O raciocínio em relação à gramática é que o uso levaria à percepção de
similaridades e, juntas, frequência e similaridade determinariam a natureza das categorias.
Como a formação da gramática é em grande parte uma questão de categorização, a
frequência acabaria por ser muito responsável pela sua formação. Uma frequência alta,
para Bybee (2007, p.14), garante que uma Construção seja usada frequentemente, o que
irá estender seu esquema representacional, tornando-a mais acessível para usos futuros,
possivelmente com novos itens.
A frequência de tipos determina não só a produtividade de uma Construção
Gramatical, como também delimita suas fronteiras a partir das propriedades que os tipos
agregam. No caso da CGH, as propriedades dos tipos verbais, a saber, causatividade e
destruição, delimitam as fronteiras da Construção sob a forma de condições de validação
da
mesma.
“As
Construções
Gramaticais
são
também
padrões
linguísticos
convencionalizados pelo uso e, por isso mesmo, são criadas e mantidas através dos
mesmos mecanismos associados à repetição, como são outros padrões da cultura
humana ”. 99
Outra abordagem que também merece maior destaque em uma futura pesquisa
é a que trata do valor atitudinal da CGH. Desde a década de 80 que a Linguística
Sistêmico- funcional100 argumenta em favor de se procurar conhecer em quais contextos,
98
The contribution of type frequency to productivity is the fact that when a Construction is experienced
with different items occupying a position, it enables the parsing of the Construction.[…] Thus a certain
degree of type frequency is needed to uncover the structure of words and phrases. In addition, a higher
type frequency also gives a Construction a stronger representation, make it more available or accessible
for novel uses.
99
HAIMAN, J. (1994) , apud THOMPSON, S. 2004
100
A abordagem designada Teoria da Valoração é uma extensão das teorias linguísticas de Mark
Halliday e seus colegas e surgiu como resultado dos trabalhos conduzidos por um grupo de
pesquisadores, liderados pelo Professor James Martin, do departamento de Linguística da Universidade
de Sidney, Austrália .
213
por quais meios linguísticos e para quais fins retóricos os falantes transmitem
julgamentos, considerando-se as três dimensões que organizam as relações pessoais:
poder/status; contato e afeto. Segundo a teoria da valoração 101 (Appraisal theory), nos
domínios discursivos atuam três subsistemas de valoração: (i) atitude; (ii) engajamento
e (iii) gradação.
Não há dúvidas de que o falante do PB que opta por usar uma
Construção de Hiperbolização está se posicionando em relação a dois dos três
subsistemas que compõem o sistema de valoração discursiva na perspectiva da Teoria
da valoração: atitude e gradação. A atitude se manifesta na CGH como apreciação
positiva tanto de entidades quanto de produtos e processos. Já a gradação se satisfaz nas
duas vias permitidas, força e foco. Apreciação positiva, força e foco, como vimos,
constituem o tripé epistemológico da Construção de Hiperbolização, o que comprova,
portanto, a sua vocação valorativa e atitudinal.
Ao ter de encerrar esta pesquisa, vejo- me lutando em vão com a escassez dos
significantes, pois sei que não consegui colocar no papel todo o deslumbramento, o
encanto e a surpresa que este estudo me proporcionou. Na verdade, embora meu
objetivo fosse comprovar a coerência metafórica da gramática, eu não esperava
encontrar tamanha coerência nem um sistema gramatical tão eficiente. A cada passo que
dei em direção ao mapeamento da Construção Gramatical estudada, me surpreendi ao
ver o entrelaçamento da gramática com as estruturas pré-conceptuais e conceptuais e os
seus padrões de uso. É preciso dizer, entretanto, que esse sistema de coerência
metafórica da gramática, visível e inegável, exibido pela Construção de Hiperbolização,
só me foi dado a ver porque trabalhei com corpus, o que ratifica a eficiência da
Linguística de Corpus como ferramenta de análise. As conclusões a que se pode chegar
com esta pesquisa são muitas: a metáfora, inegavelmente, faz parte da linguagem
cotidiana; a cognição influencia o uso e o uso, por sua vez, interfere na cognição; as
estruturas estáveis do sistema conceptual recobrem-se de cores distintas, quando
inseridas numa dada cultura; a metáfora, ferramenta cognitiva epistemológica, é
capaz de originar a gramática. A gramática demonstra ser, pois, uma rede de
101
Para SALOMÃO (1999) a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu uso aproximaria o programa
sociocognitivo da tradição funcionalista, em especial as abordagens funcionalistas dedicadas à análise
textual.
214
símbolos, que se origina na cognição, mas se tece, continuamente, na cultura, na medida
em que é usada, cotidianamente, por sujeitos sociocognitivos.
215
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223
ANEXO A - PLANILHA DE ANÁLISE
Legenda:
OT: ocorrências totais; OD: ocorrências destransitivizadas; CGH: Construção de Hiperbolização; SP:
sintagma preposicional
OT
VERBO
ABAFAR
16
TIPOS DE SN OBJETO
seu eco, cpi´s, o caso,
uma balada, a caixa da
bateria, as vozes das
mulheres, as últimas
palavras, o cozimento,
essa dorzinha besta
OD
CGH
SP
SENTIDOS
ENCONTRADOS
OBS
5
4
0
cobrir para conservar
o calor; encobrir,
ocultar,
esconder,
disfarçar; impedir de
ser
ouvido,
amortecer, abrandar
existe dicionarizada a
expressão “abafar a
banca” cujo significado
é “fazer sucesso maior
do que qualquer outro
indivíduo”
ocorrência ambígua:
“ele não faz a
marcação, faz presssão,
cutuca, espinafra,
invade, abafa” .
ABALAR
45
as estruturas 3 , me3 ,
minha
auto-estima,a
imagem romântica, se7 ,
os jagadores, 2006, o
circuito, o mundo, o
conceito dos brasileiros,
a cidade, qualquer um,
mulheres a todos nós o
planeta, o futebol, a
visão
que...,
as
economias do casal, a
bilheteria, o brasil, a
vida de alguns..., a
imagem do diego, sâo
paulo, o mercado de
moda brasileiro, nossos
alicerces,estruturas
velhas;
nossas
estruturas; a expectativa
de que.
3
3
na geral;
diminuir ou tirar a
firmeza de ; causar
abalo físico a; causar
abalo emocional a;
ficar
abatido,
prostrado
(pronominal,
indicando processo);
sair em disparada
ANIQUILAR
8
os; muitas das certezas
técnicas; a própria razão
de ser do poder judiciário;
la; o verso; o mais ligeiro
traço; os efeitos negativos
da primeira
1
0
0
destruir
APAVORAR
8
me, se2 , nos
2
1
0
ARRASAR
65
o brasil, o duque de
caxias, o paraguai, o
palmeiras, a seleção
universitária, o mengão,
a rússia a república
tcheca, pernambuco, o
canavial, o rio de
53
51
em
desfile, no
pan, por
todos os
gramados,
na são
paulo
causar pavor a ,
amedrontar-se
(sujeito
experimentador)
destruir, demolir,
devastar; abater,
humilhar,arruinar,arr
uinar-se,abaterse,humilhar-se
existe dicionarizada a
expressão “abalou
bangu”.
considerei “abalou
geral” como uma CGH
sendo geral um
adverbio de
intensidade.
o sentido literal (+
concreto): diminuir ou
tirar a solidez de , fazer
tremer, agitar, não foi
encontrado em nenhum
dos exemplos: o
teremoto abalou todos
os prédios do bairro.
encontrada a construção
:sandra arrasa com a
vida de jorge em
páginas da vida.
2 ocorrências da
expressão de arrasar
janeiro, várias
construções, o pedaço,
me,
ARREBENTAR
40
a itália, o caixão, a
porta, a parte estrutural
da praça, cercas, a
madrugada, a sapucaia,
coração, os pulmões, a
cara de cada um, a
estrutura do evento;
limites; se
21
16
fashion
week, nas
deanceteri
as do rio
de janeiro,
no
brasileirão
, por aí, no
papel de
travesti,
na balada,
em porto
alegre, no
estádio do
pacaembu,
na nova
novela da
globo, nas
pistas de
gelo,
nesse
novo ano,
nesse
filme, no
disney
channel,
nas
quadras,
no mada,
no festival
mada
2007, no
cinema,
na laje, de
calcinha,
no bling,
na
divulgaçã
o, no
teatro de
livro
em jk, nos
comentári
os dos
jogos, no
conto, nas
páginas de
o globo,
na revista
do new
york
times, nas
bilheterias
dos eua,
contra
roma,na
execução
de
clássicos
do brega;
considerada cf. de
arrepiar, ou seja,
locução adjetiva.
a expressão “ arrasando
o pedaço” , embora
com od mantém o
sentido da CGH.
quebrar, partir com
violência; desgastar
fisicamente,
danificar, arruinar,
partir-se (processo,
sujeito paciente)
foram encontradas
construções com a
preposição com: 1.
óbvio, arrebentou com
o bush; 2. quero matéria
arrebentando com a
diretoria da ferroviária,
principalmente o
presidente;3. a máquina
hipócrita de gentes
arrebentaram comigo.
também apareceram os
idiomas arrebentar a
bola do balão e mandar
prender e arrebentar.
há também o uso
no último
domingo
ARREGAÇAR
8
o brasil; a minha
pulseira; as mangas 5
1
1
0
destruir; abrir com
violência
ATROPELAR
48
5
2
por fora
empurrar; vencer no
esporte com larga
vantagem; passar por
cima,desprezar;
derrubar com
impacto;
confundir,baralhar.
ARREPIAR
23
1
1
no
batuque
fazer eriçar-se; causar
arrepios
AVASSALAR
3
0
0
0
dominar, oprimir;
destruir
BARBARIZAR
5
te; tudo;um processo; as
próprias montagens;o
teu grande amigo;as
instâncias inferiores; os
venezuelanos;os
bicampeões; lúcio
flávio; o fluminense; as
leis; o estatuto; o
caracas; alguém; os
outros; ninguém; me;
algumas pérolas da
mpb; didi; um cachorro;
se; as
instâncias;garantias
institucionais; nossa
vida;os demais; os
outros
instrumentos;uma
harley fatboy; lhe; a
coerência; eles; lo;um
dos alunos; ciclistas;
pneus e populares; as
palavras; qualquer
teoria; a imaginação;
os cabelos 2 , me7 , se, os
cabelinhos da nuca,
nos, os trouxas dos
burgueses, qualquer
vivente, lembrar
retumbante silêncio
nos; meu pobre
coração; a nascente
grade de programação
da rede record
os corredores globais, o
trânsito
3
2
nas
seletivas
dos jogos
agitar para chamar
atenção; cometer
barbárie
BOMBAR
57
a festa do ator, esse tipo
de loja, a sexta série
54
54
por aqui,
por aí,em
audiência,
no rio, na
campanha
presidenci
al, na
internet,
de
adolescent
es entre
12 e 17
anos, no
brasil, aos
repetir a série escolar;
lotar; soar alto; fazer
repercutir
intransitivo: pena que a
corda arrebente sempre
do lado mais fraco
5 ocorrências do idioma
“arregaçar as mangas” e
um caso ambíguo “o
bicho vem que vem
arregaçando”
das 51 ocorrências, 20
instanciam a expressão
“de arrepiar”,
considerada uma
locução adjetiva
ocorreu uma construção
destransitivizada,
porém
com
objeto
recuperável
2 ocorrências transitivas
mas com sentido da
CGH : “a animadora
promete bombar a festa
do
ator”;
“quem
começou a bombar esse
tipo de loja”
BOMBARDEAR
10
CAUSAR
59
a área; essa empresa;
munique; uma guerra
figurativa; o wtc; os
eua; seus
consumidores; nossas
crenças; duas firmas; as
mentes
me; câncer,paranóia ou
delírio;
pânico,acidentes; muito
impacto;espanto;danos
irreparáveis; confusão;
grandes emoções;
maiores preocupações;
a cicatriz; muito mais
preocupação; emoção
mesmo; estupefação; o
lance mais agudo; mais
prejuízos; duas reações
iradas;forte irritação;
polêmica; ódio; uma
crise criativa grave;
mais estragos do que
prazer; surto de ciúmes;
hipertensão, altos níveis
de colesterol ruim e
diabetes; diarréia,dor e
inchaço abdominal;o
mal; a redução de 40%
a 100% na maioria dos
tumores; a doença;
inflamações e
superprodução de
células da pele; a febre;
decepção ou surpresa; a
primeira decepção;
mais câncer oral; essa
turbulência
diplomática; frisson;
0
0
domingos
pela
manhã,co
m
celulares
3g,nas
suas
atividades
teatrais,
nas lojas e
na
mídia,nest
e fim de
ano, nas
rádios,
nos eua,
no
próximo
fashion
week, nas
lojas
0
1
1
0
lançar bombas ou
projétis; criticar,
atacar;
ser causa de;
originar, motivar,
provocar
fora da cghs não houve
nehuma
destransitivização
DETONAR
55
DESTROÇAR
DESTRUIR
2
124
conflitos; ainda mais
constrangimentos; um
estrago muito maior à
democracia; grande
preocupação
preocupações e
temores; a suposta
turbulência do alemão;
seu quase afogamento;
a morte de inúmeras
pessoas; uma atmosfera
onírica; obstrução; essa
dificuldade de gravidez;
algumas surpresas;
problemas; ruido; muita
dor; uma estafa;
o lula 2 , o lindo conceito
de ponte aérea, ele,
nosso anti-herói, me6 , o
uruguai, homens que
usavam pochete...,a
noite, os muros, o
namoro que não tem, a
parada, lugares e
pessoas, o otaku, sua
militância mais do que
conservadora, galileu
galilei, o governo
anterior, o jango, cada
pedaço do mundo que
não rezar na cartilha
deles,uma ampla
campanha contra os
quadrinhos, as duas
primeiras denúncias...,o
triângulo formado por
íris, diego e fani,o trio,
toda e qualquer
oportunidade de uma
relação amorosa, fani, a
borracha, as belas crias
das nossas costelas,
meu marido, “júnior”, 2
filhos de francisco,seus
explosivos, a revolução
americana, antônio
pizzonia, barrichello, os
pneus, o finlandês, a
argentina, os seus
dentes, celebridades, o
filme, o otimismo do
lula,se, uma revolução
nas ondas do rádio
brasileiro
vocês, os bandidos
as propriedades anticâncer desses vegetais,
las [células], neurônios,
novas células nervosas,
se, o outro, o planeta , a
7
4
nestes
testes
deflagrar; explodir;
estragar; falar mal,
criticar; vencer no
esporte
0
14
0
0
0
0
destruir
fazer desaparecer,
arruinar, causar a
destruição, anular,
ocorrência de uma c
ambígua: daniel dantas
detonando. não foi
possível acessar o
contexto
todas as ocorrências
intransitivas
mantiveram o mesmo
sentido e seus objetos
puderam ser
democracia, nosso
mundo, tudo, os prédios
da burguesia, apenas
patrimônio como a
varig, qualquer prazer,
a reputação de outra
pessoa, a dignidade das
famílias, a varig, todas
as nossas
desesperanças, esse
muro, nos, anos e anos
de integração de
culturas e cleros,aquilo
ali, me, a alma do ser
humano, o grêmio, os
radicais livres,
substâncias chamadas
isotiocianatos, , o
templo original, o
filme, hysteria lane, o
coitado,a torre eiffel, os
milharais,
características e
cronologia anteriores,o
local, o conceito
republicano..., o
ministério público
federal, reputações, o
acervo
processual,qualquer
possibilidade da gente
ser feliz, quem fazia
sucesso, a eficácia do
trabalho de
profissionais...,qualquer
pessoa ou coisa, um
país inteiro, nossas
esperanças de
classificação, rob gallo,
vidas, as famílias e os
estados, as bananas do
quintal, provas, tudo o
que escrevi, meu
próprio trabalho, o
universo, o caráter
absoluto, a nave similar
columbia,
muralhas,corações, o
invasor, nossas
emoções, nosso ego,
uma posição
conquistada, as
horcruxes, te; o
cinema, a música, o
teatro, a literatura, a
culinária da américa
latina, uma via, a si
mesmo, a população
negra; parte da estrutura
da categoria, uma das
plenamente recuperados
ESCULACHAR
ESTOURAR
0
69
ESTRAÇALHAR
4
EXPLODIR
EXTERMINAR
modalidades esportivas
mais fantásticas...; o
circuito de
interlagos,um carro,
mais de 10000
livros,um bolo,o que
nossos corações
sentem, o planeta, o
sonho dourado ...;o
estande da impala
cosméticos, o
espetáculo, tudo que
mais gosta, a máquina,
a natureza, a violência,
nossa vida, o equilibrio
emocional da pessoa
atacada; o ídolo; você
0
fogos; os meniscos; o
limite de caracteres; o
seu cofre; o limite de
comentários; os rojões;
a balança; bombas;seus
fogos; suas
champagnes;se; uma
bola de chiclete; as
pregas do rabo;
pipocas;silicone
0
47
0
18
tudo,a platéia, nos
1
1
104
o mundo,sangue,o
travessão, se, la (a
bomba), lindeza de
vida,me, a favela da
grota, prédios, o
parlamento, as
emissoras, o coração,os
ventos, o travessão de
bosco;nos
79
10
8
os índios; os seguidores
do beato; a
humanidade; as células
normais do organismo;
0
0
0
na
internet;
nas
paradas de
sucesso;
no brasil
inteiro;
nas rádios;
com os
hits
breakawa
y...; na
europa; no
brasil
inteiro;
com os
personage
ns dos
“sobrinho
s”
em sua
coluna
semanal
0
ribombar; arrebentar;
exceder; vir à tona
com estrondo,
escândalo; bater com
força; aparecer de
repente
0
todos os sujeitos que
participam da CGH São
artistas ou atividades
artísticas. 1 ocorrência
do idioma estourou a
boca do balão.
causar grande
impacto
com nossa
arte
fenomenal
, desde
2000,
nestas
regiões,
no ibope,
na atual
fase do sbt
0
estilhaçar,ficar
demasiadamente
cheio, esparramar por
toda parte, detonar,
falar com
agressividade,
aparecer com
estardalhaço, bater
com força em algo,
extravasar emoção,
acabar com, fazer
desaparecer
segundo borba, indica
processo, com sujeito
paciente, expresso por
nome humano e
significa sair-se bem,
ter grande sucesso:
robertinho estraçalha no
jogo.
79 ocorrências
intransitivas, 16 com od
e casos ambíguos. será
que este verbo é
prototipicamente
transitivo? a banda
explodiu é o mesmo
caso de ivete explodiu
com poeira? muitas
dúvidas neste verbo...
FULMINAR
9
FUZILAR
19
HUMILHAR
18
INCENDIAR
17
LIQUIDAR
26
MALTRATAR
8
MASSACRAR
8
esse segundo ogro; se; a
subjetividade; lo
o profeta e o bandido; o
gol tricolor; valdir
perez; a pretensão; a lei
de improbidade; o
instituto; a pretensão do
procurador; a loucura
do amor
o gol, me 2 , o, rob gallo,
a treva; um rebote de
bola
me3 ,pessoas,uma
mulher em rede
nacional, a
filha,ninguém,seu exparceiro, kanapkis,
black red, joaquim
wayne,se, os suspeitos,
o, a imagem de
jeremias,os que erram
muito, o estado
uma piscina;
povoações; o prédio do
forum; o corpo; os
debates éticos; nossas
betoneiras; as pistas de
dança; o policial preso;
a sitcom; o
apartamento; as linhas
do mapa; a casa da
mentira; tudo
uma dívida; a dívida;
parte dos seus ativos; a
fatura; um clube; a
partida; com a equipe
campineira; o jogo; o (o
jogo); la; com o vasco;o
povoado; a polônia; a
forma mais
democrática, barata...de
propaganda política; a
carreira do promotor;
os animais; a tal porta;
santo antônio; um
violão; os gatos pretos;
o idoso; um idoso
o corínthians; o real
potosi; a mídia; meus
amigos; se; os
adversarsários dos
torneios interzonais;
milhões de seres
humanos; as demais
etnias
1
1
na saída
do goleiro
chutar com força;
matar com violência;
destruir;
12
11
chutar para o gol com
violência, lançar
olharcom
expressividade,
destruir
esse verbo só aparece
nos dados na moldura
do futebol. nesse caso é
CGH?
2
0
para fazer
2 a 0; para
fazer 3 a
0; para
marcar;
para fazer
1a 0; por
cima
0
tratar com desdém;
tripudiar, colocar em
situação vexatória
duas ocorrências
intransitivas com objeto
recuperável
4
2
1
atear fogo; agitar;
acender o desejo;
tornar a discussão
acalourada.
0
0
0
1
0
0
infligir maus tratos a;
tocar mal um
instrumento
1
1
1
matar com crueldade;
vencer no esporte;
pôr em situação
embaraçosa, penosa
ou humilhante; falar
mal
MATAR
304
Odete Roitman; Bob
Kennedy, seu filho, seu
irmão, a Sharon...
15
10
METRALHAR
7
1
0
atacar com tiros de
metralha; abrir fogo
contra; criticar
duramente
TRITURAR
6
os vegans; aqueles
cujos espelhos não
refletem suas virgens;
o; joaquim wayne; a
platéia
as; o paraguai; joaquim
wayne; as folhas; a
bolacha de leite
0
0
TRUCIDAR
6
o adversário; inimigos;
rob gallo; las
2
0
moer; magoar,
atormentar; vencer no
esporte com larga
vantagem
matar cruelmente;
destruir; vencer no
esporte com larga
vantagem.
Aos 10
minutos;
com alta
categoria;
em cheio;
a pau; a
pau
Causar a morte
ANEXO B – CONSTRUÇÕES GRAMATICAIS DE HIPERBOLIZAÇÃO
ENCONTRADAS NO CORPUS BLOGS UOL (189 tokens)
ABAFAR
1. quer dizer eu é Francisco , fomos cortar o cabelo hoje , adoro , ele que é lindo
ficou mais gato é eu abafa!!!!!beijos especiais no Tiago Parente , meu amigo
e cabelereiro.Eu sei que eu sou , bonita e gostosa!!!!!!!minha face!
2. Residindo há mais de ano na Alemanha , onde abafa fazendo shows de
segunda a domingo num cabaré em Hamburgo , ele irá aproveitar bem sua
breve estada por aqui : participará de temporadas com o Canal Três , a partir
de 8 de fevereiro no Teatro Tim , em Campinas e a partir de 20 de fevereiro
no Teatro Folha , em São Paulo .
3. Ele não faz a marcação , faz pressão , cutuca , espinafra , invade , abafa .
4. Se elas não estão abafando as irmãs Willians como sempre estão passeando .
ABALAR
5.Tsonga veio para abalar , cuidado com ele Antes de mais nada tenho que
dizer que estou me matando de rir das respostas da promoção do meu livro , são mais
de 140 , uma melhor que a outra .
6.Gerald , vc abala na geral , no camarote e no estoicismo bárbaro do poeta
solitário , do dramaturgo afoito , do ser humano único .
7.Abalou geral .
APAVORAR
8.Já o que chega apavorando , geralmente me deixa chupando o dedo.A pergunta
seguinte foi se orgasmo vaginal existe ou se é utopia .
ARRASAR
9. Ìris arrasa mais uma vez em desfile em São Paulo
10. E essa temporada se fecha com uma Fabiana Gugli arrasando , atriz magistral
como ela só , com o seu Juliano Antunes e uma compania nova que achei nos
montes dourados de São Paulo , com seus Panchos uruguaios e seus Fabios e todos
esses atores que não verei mais depois de amanhã...que loucura meu deus .
11. Não viu Marta e suas companheiras arrasarem no Pan e não entendeu que esta
frase é um grito de socorro de quem morre de medo do espaço homoerótico que é o
futebol .
12. Vi Zico ser chamado de jogador de Maracanã e depois arrasar por todos os
gramados em que pisou .
13. calcinhas velhas , sem elásticos e feias jogadas no lixo 1 camisola de bichinho
que nos anos 90 usei como modelo no VMB e achei que arrasei .
14. Lindeza de espetáculo , fui com meu pai relembrando a primeira vez que ele me
levou ao maior do mundo para ver a histórica vitória do Fogão sobre o Flamengo
por 6x0.O Botafogo começou arrasando , em 20 minutos havia feito 3 gols ,
parecia que vinha uma mega goleada .
15. Arrasa , bi!
16. Afroreggae arrasou. Afroreggae , grupo que atua em quatro favelas do Rio de
Janeiro , combatendo a miséria , ignorância e a criminalidade com arte e educação ,
estreou ontem e simplesmente ar-ra-sou na São Paulo Fashion Week
17. Enquanto minha geração arrasava nas danceterias do Rio de Janeiro , eu e meus
amigos frequentávamos as rodas de samba , subíamos o morro para ouvir , em
barracos apertados , violões que varavam a noite em parceria com o cavaquinho e o
pandeiro
18. Pense que a sandália é a peça mais importante do seu traje , assim não precisa
combinar com nada , camisas , camisetas e blusas de cores neutras são as mais
indicadas , mas nada impede que vista uma camiseta com estampa discreta e , se
quiser arrasar , um vestido preto com certeza a deixaria muito elegante .
19. O maior inimigo do campeão Paulista e da Libertadores , arrasando no
Brasileirão!"Para quem não lembra ou não conhece dos quadrinhos ou do desenho
dos Super Amigos,o Bizarro era a cópia imperfeita do Superman.Era exatamente o
contrário de tudo que o Superman representava e fazia.Aí a explicação do Tricolor
atual .
20. E claro , as perguntas de sempre:- E aí Dê , como anda o coração? - Tá
namorando? - Arrasando muito por aí? - E os bofes?
21. E porque tem o Cillian Murphy que arrasa no papel de travesti .
22. Nós éramos ótimos ( nas nossas cabeças ) e estávamos super prontos pra
arrasar com o Roland .
23. Arrase na balada!
24. Ela , que já arrasou em Porto Alegre e Curitiba , faz hoje um showzaço no Rio
de Janeiro e , domingo , arrasa no Estádio do Pacaembu , em São Paulo.
25.Ele já era lindo novinho ( interpretado por William Moseley ) e arrasou depois
de uns anos!
26. ddie Vedder , então , o vocalista , com seu carisma , sua performance de arrasar
e aquele vozeirão conquistou todo mundo que pôde curtir um dos cinco shows que
fizeram aqui no Brasil .
27. Afinal , ele está arrasando ( em todos os sentidos ) na nova novela da Globo ,
concorda?
28. Claudia Ohana machucou as costas , Lucimara Parisi torceu o pulso e precisou
engessar , Deborah Secco quebrou duas costelas... Mas mesmo assim , arrasou nas
pistas de gelo!
29. 2008 chegou com tudo , e a galera aqui da redação está superanimada pra
arrasar nesse ano novo!
30. Ele arrasou nesse filme... como sempre!
31. Em junho , eles vão arrasar no Disney Channel com o filme Camp Rock ( no
maior estilo High School Musical ) .
32. É claro que ela ainda arrasa nas quadras dando aulas , ensinando e incentivando
muito mais gente... (24)
33. Dossiê Rê Bordosa , arrasando!
34. Sabe que arrasa .
35. Apresento a vocês mais um brega-blog de qualidade que já começou arrasando
: Revival!!!
36. Agora , os caras já se apresentaram no Clube do Brega da Tv Diário ,
arrasaram no Mada e foram citados no jornal O Globo.
37. E a maior banda de brega da Via Láctea e arredores , Belina Mamão ,
simplesmente arrasou no Festival Mada 2007 .
38. Quer arrasar?
39. Arrasa!
40. Arrasamos!
41. Olha os Amigos arrasando no cinema!
42. Sad Christmas , pra variar , arrasou.
43. Depois , Pra Que Dizer... também arrasou .
44. Eu não uso essa sandalinha vagabunda , mas se eu fosse pobre , ia arrasar na
laje!..."
45. A Thereza não fez UM ENSAIO , e ARRASOU! (37)
46. Quem esta arrasando é a modelo Flávia de Oliveira , a única Brasileira a fazer
Valentino . (38)
47. Fiquei passada com a capa da V nova : a Demi Moore arrasando de calcinha .
48. Para as magrinhas : arrasem porque esse modelo foi feito para vocês!
49. Do Outro Lado do Muro” : Rua Estados Unidos , 2.109
realmente arrasou!
E Oliveros , vc
50. Arrasando no Bling...
51. Heroína E a Playboy Francesa ( aqui ) continua arrasando...
52. O filme novo dela deve ser um porre ( Iron Man , sorry ) , mas ela está
arrasando na divulgação .
53. O Xico Sá arrasa .
54. A atriz Renata que arrasou no Teatro de Livro.
55. Sim , Marcelino e Fabiana Cozza arrasam! - depois não vai me dizer que não
viu...
56. Assim como o óbvio sempre é ululante , as férias sempre são merecidas , as
atrizes sempre são belas , na passarela todos arrasam , nas festas os famosos
brilham .
57. Pantanal arrasando. Praticamente o tempo todo em 2o. lugar.A globo , claro ,
em primeiro .
58. Claro que Hollywood sempre privilegiou a beleza e neste quesito , Diane arrasa
. (50)
ARREBENTAR
59. LUIS MELO ARREBENTOU EM JK Olá internautas , O melhor programa da
Rede Globo , a minissérie JK , possui um dos melhores atores do país .
60. Arrebentou .
61. Eu só sei que Waldick Soriano arrebentou .
62. ah , e o pessoal da arte gráfica que está arrebentando e se divertindo muito (
o que é o mais importante ) como se vê com a imagem das "velhinhas metralhas" que
vai ao ar nesta próxima quinta com os comentários de vocês sobre bingo .
63. Vocês estão arrebentando nos comentários dos jogos .
64. No Manchester , na minha opinião , o melhor time da atualidade , a dupla
Cristiano Ronaldo e Rooney vem arrebentando .
65. Este último publicou até uma chamada intitulada “Gabriel Ramalho está
arrebentando no conto” .
66. 15/05/2005 LEITURA DE DOMINGO 2 Zé Dirceu arrebentando nas páginas de O
Globo .
67. LEITURA DE DOMINGO Oscar Niemeyer arrebentando na revista do The New
York Times .
68. Chico gargalhando , Edu arrebentando , lindas moças cantando...
69. Segundo a colunista MÔnisa Bergamo o cachê de SJParker teria sido de 600 mil
dólares.O longa metragem está arrebentando nas bilheterias dos Estados Unidos ,
Canada e Inglaterra .
70. Mais uma vez estará lado do Kaká e Ronaldo , que também arrebentaram no
último domingo .
71. Vale a pena curtir o programa todo pois os caras arrebentam e nós somos muito fãs
do trabalho deles .
72. Em suas apresentações , eles arrebentam na execução de clássicos do brega de seus
maiores ídolos ( Carlos Alexandre , Reginaldo Rossi , Alípio Martins , Amado Batista ,
Odair José , Lindomar Castilho ) , e “ídolas” ( Eliane , Núbia Lafaiet , Jane e Erondí ,
Diana e outras ) .
73. Em primeiro lugar quero parabenizar, quero enaltecer e dizer, OBRIGADO
DUPLA. Vocês arrebentaram este ano.
74. A primeira temporada de quadras rápidas do ano terminou, sem dúvida o Nadal
passeou, o Federer naufragou, o Djokovic oscilou e o Murray arrebentou.
ARREGAÇAR
75. O bicho vem que vem arregaçando.
ARREPIAR
76. E o maravilhoso Estrela Brilhante , de Nazaré da Mata , comandando pelo
talentoso Mestre Siba , ele mesmo , ex-band leader do Mestre Ambrósio.Como se
isso ainda fosse pouco , nos intervalos entre um maracatu e outro , ouvíamos
Mestre Lua e a molecada daquele bairro , o Tabajara , arrepiando no batuque.
ATROPELAR
77. E , com cinco pontos de diferença , tem o Goiás , que ATROPELA por fora .
78. De repente , Kassab ATROPELOU – e , de certa forma , ocupou o espaço na reta
de chegada e se transformou num fato novo e relevante.
BARBARIZAR
79. E barbarizou nas seletivas dos Jogos .
80.Tinha almoçado numa birosca por ali , perto da facul e foi dar o rolê na clara
intenção de barbarizar. Depois de um tempo andando foi ao WC .
BOMBAR
81. O ator revolucionario esta naquele que nao esta treinado com os truques
repetitivos , assim como o politico revolucionario esta bombando e metendo medo
por nao estar TREINADO a se “safar” atraves de jargoes.Obama nao vai ter vida
facil ate novembro.O Brasil se perpetua atraves de uma CORJA patetica
govervanemental e nem ague nto mais falar sobre isso : mas ai , nas capitais
brasileiras , que brincam que serem refugios de 1 mundo , nao passam de um 3
mundo corrupto,O taxista que me trouxe , negro , investidor imobiliario , me chocou
: “Nao gosto do Obama : gosto da Hillary .
82. SE QUISER , DÊ UMA OLHADA NOS OUTROS LUGARES , POIS ESTE
BLOG ESTÁ BOMBANDO DEMAIS , E REALMENTE NÃO SEI AONDE
POSTEI .
83.As pecas no Rio estao bombando!
84. Semana que vem tem Noite Preta em clima de romance dia dos
namorados!!quem tiver namorado leva no show e quem não tiver , se joga que a
Noite Preta bomba!!!
85. A todas as meninas que são fãs da Ivete é que hoje eu posso dizer que são
minhas também.E obvio aos meu fieis fãs os da CARTEIRINHA!!!!!!amo vocês
demais!!mulher Rodizio bombou hoje foto by Hellen Camargo Gil Fernandes
86. Noite Preta bombando!
87. Mas a viação 1001 continua bombando A festa estava bombando , a galera
pirando e rolou até "Cowboy Viado" ( rsssssss )
88. Comprei montes de delicinhas exóticas fabricadas aqui , na Tailândia e Malásia ,
como bananas seca em forma de panqueca ou refrigerante de chá semente de
manjericão.Antes de dormir passei na única boate da cidade , que fica no nosso hotel
, o Lodge Club.Como tudo , fecha à meia-noite por lei às 21h30 estava bombando
89. Café do Largo de São Bento bombando
90. Eles formam um trio com menino de 16 anos , interpretado pelo George Saumo
– presta atenção nesse garoto que ele vai bombar .
91. Como a agenda já está bombando completamente ( muitas , muitas novidades a
caminho ) vou ter que esperar até semana que vem para começarem a sair
roteirinhos , pra quem estiver pensando em viajar para aqueles lados .
92. A revista está mesmo bombando por aqui .
93. A Rádio está bombando em audiência .
94. Ao que tudo indica , o ano vai bombar...
95. Será que dessa vez bomba no Rio?
96. SP BOMBANDO A Bienal começa e traz junto com ela a Mostra Paralela , no
próprio Ibirapuera , tudo de graça... todas as galerias da cidade abrem as portas ,
festas mil... e como se não bastasse , o mais sensacional guitarrista de blues desse
planeta , BB King , está na cidade se despedindo em sua turnê mundial .
97. Neste final de semana , São Paulo está bombando .
98. Abaixo publico video do Barely Political , programa satírico sensacional que
está bombando na campanha presidencial norte-americana que , como o CQC ,
também usa imagens de outras emissoras para comentar as notícias .
99. O orgasmo bombou O dia do orgasmo animou a turma do blog : alguns partiram
para a prática , uma bióloga quer me ensinar o ponto G e o André do Bic Toons
inspirado pelo post produziu a tirinha acima .
100. Estávamos no centro de Paris e nos contaram que tinha uma baladinha
chamada VIP que “bombava”, como éramos filhos de deus fomos dar uma
conferida. Realmente o lugar era show. Na entrada a primeira pessoa que
encontramos é o cantor Prince e uma bengala de oncinha. Olhei pro Guga e disse,
que pico é esse Gugão?
101. Estúdio Coca-Cola bombou e fez Rio Preto tremer!
102 .Bin Laden do Brega vai bombar na Internet Atenção , George W. Bush .
103. Pedra Letícia : mais uma banda de brega rock bombando na Internet Há uma
banda de rock brega que anda se disseminando como vírus pelos youtubes da vida ,
blogs e congêneres .
104. Quanto mais acessos tiver , mais chances tem a coluna de se tornar um canal á
parte e assim o adoteumgatinho conseguir ajuda com patrocínio e nossos gatinhos
terem uma vida melhor.Conto com todos vcs pra fazer a coluna bombar hein?
105. E a campanha AtrêVida - Faça Diferente bombou!!!!
106. Tem algum baobá bombando por aí?!
107.VAMOS BOMBAR!
108.uma das marcas jovens que está dando o que falar , principalmente porque o
estilista da marca , Henry Holland , não tem nenhuma formação em moda ( ele
trabalhava na revista teen inglesa Bliss ) e por ser o melhor amigo da modelo ( que
também está bombando ) Agyness Deyn .
109. Sucuri Sucuri E as fotos do Cobrasnake da festa da Zapping bombaram tanto
que saíram até no site LA Weekly ( misturadas com algumas de Buenos Aires ) ...
Para conferir clique aqui .
110. Pelo visto , no inverno que vem ( ou até agora nesse frio que ta fazendo ) as
botinhas de Cowboy vão bombar!
111. Engraçado que essa peça bombou tanto , mas tanto – já falei dela aqui ( 25/06 )
e aqui ( 26/08 ) – que não a suporto mais ( rs ) , mas AMO esse editorial
112. começará a bombar : postaremos todos os dias informações sobre o evento ,
curiosidades , discussões e bobagens , claro – afinal , ser de ferro é para o robocop e
sempre temos que gerar polêmicas para animar a cerveja .
113. Madonna está bombando no Brasil .
114. Mas quem está realmente bombando , de novo , é o Construindo um Sonho do
Gugu.Encostando na Globo , com 21.8O grosso da audiência gosta disso , dramas
pessoais e assistencialismo .
115. Padoca com garoa A garoa estava tão pulverizada e o vento , gelado , que até a
padaria que costuma estar bombando aos domingos pela manhã estava
razoavelmente vazia
116. Vai bombar HBO exibirá documentário sobre Obama produzido por Edward
Norton .
117. Aqui no link você vê o chat bombando também .
118. A tecnologia bomba com celulares 3G , roupas inteligentes.Vou tentar
esquecer tudo isso caminhando até a aula de Pilates.Das 9 às 10 , vai ser a hora do
egoísmo .
119. A internet deve estar bombando .
120. É compreensível e normal que após um programa que bomba , o próximo
deixe a desejar .
121. Duas festas , uma da Claro e outra da Vivo, as duas operadoras que vão
oferecer o aparelho aos seus clientes , bombaram!
122. O nosso horário , no na virada do sábado para domingo , ajudou no clima , pois
as ruas estavam lotadas e a praça Roosevelt bombava nas suas atividades teatrais , o
que contribuia para o público que passava pela livraria .
123. Não sou muito de usar gírias , mas é uma lista do que eles acham que vai
bombar este ano .
124. Na opinião deles , nós estamos bombando.Se você quer tirar a prova , procure
nas livrarias nossa adaptaçao do Alienista , todos os títulos dos 10 Pãezinhos , Mesa
para Dois , CRÍTICA , Meu Coração , Não Sei Por Quê. , O Girassol e a Lua.E não
perca nossa nova revista independente , 5 , que lançaremos na premiação do HQ
MIX no dia 11 de Julho.
125. Lançado mundialmente no finalzinho de novembro , o novo CD Empezar
desde cero , da banda RBD , já está bombando nas lojas e na mídia .
126. O filme A Última Hora , que foi lançado no final do mês de novembro , é uma
das produções que prometem bombar neste fim de ano .
127. A banda acabou de gravar seu primeiro disco com uma grande gravadora ( a
mesma do NX ) e promete bombar nas rádios com um rock recheado de elementos
eletrônicos , que o grupo apelidou de “emotrônico” .
128. Eles estão bombando nos EUA : já tocaram na turnê de Miley Cyrus ( mais
conhecida como Hannah Montana ) e também participaram de um episódio do
seriado da garota.
129. Para terem uma idéia Campinas é a quarta cidade que mais ativa e presente no
meu blog , perdendo das gigantes São Paulo , Rio de Janeiro e Belo
Horizonte.Tenho certeza que a noite vai bombar , cidades próximas como
Americana , Valinhos , Vinhedo e todas as próximas já estão convidadas .
130. O que vai bombar no próximo Fashion Week O mundo Fashion é realmente
fantástico e prático .
131. Cheguei a ver vários bicho-grilos loucões dançando na frente da gente.Imaginei
que ia bombar , quando ouvi o estrondo e o fogo se alastrando.Só pra se ter uma
idéia , o papouco foi tão espetacular que uma hippie bêbada aplaudiu pensando que
fosse efeito especial.A bruxa estava solta.
132. Lançado em 10 de novembro de 2007 , o livro Harry Potter e as Relíquias da
Morte está bombando nas lojas , e assim como as edições anteriores , já está entre
as obras mais vendidas do momento
133.O mais normal para a meninada é querer se comparar. Quem já não disse uma
vez. Po ganhei desse cara a menos de 15 dias e hoje ele ta bombando, ganhando um
monte de jogos. Por que isso?
134.O torneio está muito gostoso. Ontem por ser o primeiro dia tinha uma galera
vendo. Acredito que agora vai esquentar. Hoje vai ter mais gente, amanha então vai
bombar.
CAUSAR
135. Charlie Braun causando again Vi agora no SPTV .
DETONAR
136. Se cair no vestibular , detone !
137. Vamos Detonar!
138. Um grande atleta e um grande ser humano.O Marcelo está conquistando
cada dia mais espaço , melhores resultados e vai ficar por muito tempo dando
alegrias.Dupla , levantem a cabeça , vocês detonaram , mostraram para nós que
vale muito a pena torcer por vocês
139. No ano passado , a Honda detonou nestes testes e quando a temporada
começou mostrou que não era tudo aquilo .
ESTOURAR
140. Nesse curto período o Barão estourou , Cazuza saiu e fez carreira solo.
141.Na categoria masculina , Brad Pitt estourou com 25% dos votos , seguido de
Jude Law ( 15% ) , David Beckham ( 14% ) e Robbie Williams ( 9% ) .
142. Lá fora , o Paramore ( foto ) começou devagarzinho e , agora , estourou geral
.
143. O novo filme , na verdade um clipe , ainda nem tem mídia definida , mas já
estourou na Internet .
144. Aliás, essa prática está virando marca da equipe criativa de Guga Ketzer , da
Loducca , que este ano já estourou na Internet com os virais “Movimento pela
Criatividade na Propaganda” e “Efeito Zizou” .
145. A canção de autoria de Walter de Afogados e Fernando Alves , estourou nas
paradas de sucesso em 2000 , na voz de Lairton dos Teclados .
146. A música estourou no Brasil inteiro.
147. Em 95 ou brasileiros no exterior estavam estourando e eu conheci o Roger
Cruz e o Deodato e toda aquela leva .
148. A banda canadense Simple Plan , dos sucessos Shut up e Welcome to My
Life ( esta última está estourando nas rádios atualmente ) , fez bonito aqui no
Brasil.
149. Depois de estourar com os hits Breakaway e Because of You ( que faz o
maior sucesso em Belíssima ) , as atenções se voltaram para Kelly .
150. É muito legal e já , já vai estourar nas rádios!
151. O novo filme , na verdade um clipe , ainda nem tem mídia definida , mas já
estourou na Internet .
152. É um dos maiores cantores da Holanda de todos os tempos , sempre
acompanhado de uma orquestra e no sucesso que começa a estourar na Europa ,
Rood , não é diferente .
153. Se tiver um espaço na mídia , muita afeita aos modismos , o que não é este
CD , tenho absoluta certeza que vai estourar .
154. Eu percebi a grande empolgação do vaqueiro acompanhando em alta voz o
refrão “me diz o que ela significa pra mim” e pensei : esta música vai estourar!
155. A música estourou no Brasil inteiro .
156. Lee Marcucci , Wander Taffo , Gel Fernandes e Maurício Gasperini , que
estouraram em todo o País com Garota Dourada , voltaram a tocar juntos em
2006 , quando lançaram um CD/DVD ao vivo .
157. Na verdade , eles já faziam graça havia quatro anos na USP FM , com a
‘Rádio Alegre‘ , porém foi com os personagens dos ‘Sobrinhos‘ que estouraram .
ESTRAÇALHAR
158. BLAKE NA PADARIA O Marcelo Mirisola continua estraçalhando em sua
coluna semanal no site Congresso em Foco.
EXPLODIR
159. Fico feliz em vê que o Funk , um ritmo nascido nas Favelas no Rio explodir
por todo o Brasil e hoje ser fundamental para animar qualquer festa , seja de pobre
ou de rico a musica mais uma vez coloca todos no mesmo lugar.
160. Explodiu aos 26 anos?!
161. Na época , achávamos que íamos explodir com nossa arte fenomenal.
162. No dia do festival ficou tudo claro : era a mudança radical da chamada MPB
que se prenunciava naquele quarto de Hotel onde ele morava com Nana Caymmi ,
com quem estava casado à época , e que explodiria no palco da Record com
DOMINGO NO PARQUE , fazendo par com ALEGRIA , ALEGRIA , mudando
definitivamente a forma como enxergaríamos o fenômeno da música dai em diante .
163. Um dos exemplos é o mercado de DVD , que explodiu desde 2000 e respondia
por mais da metade do faturamento de Holywood , e que agora está apresentando
"os primeiros sinais de decadência".
164. Um piloto não é nada em algumas provas e depois explode .
165. Pra quem ainda não conhece esta banda que vai explodir nacionalmente , aqui
vai um ótimo clipe da música Passeando na Belina .
166. Os fenômenos musicais que explodem nestas regiões serão levados a tona no
mais importante veículo de comunicação do Brasil .
167. A trama argentina não deve explodir no Ibope , como "Maria do Bairro" , "A
Usurpadora" , "Carrossel" , a venezuelana "Topázio" e as mais recentes "Café com
Aroma de Mulher" ( colombiana ) e "Carinha de Anjo" .
168. Os índices do Ibope explodem na atual fase do SBT.
FULMINAR
169. O argentino ganhou uma dividida de uma bola espirrada pelo alto e
fulminou na saída do goleiro , bem ao seu estilo.
FUZILAR
170. Diego fuzilou : 4 a 3 .
171. Três minutos depois , pela esquerda , Tevez e Messi tabelaram e Messi fuzilou .
172. E Kaká saiu livre para fuzilar : 2 a 1 .
173. A defesa botafoguense não conseguiu aliviar uma bola que caiu no pé direito de
David que , da entrada da área , fuzilou para fazer 2 a 0 .
174. Em seguida , o mesmo Thiago Neves , pela esquerda , recebeu um passe quadrado ,
matou com alta categoria e fuzilou para fazer 3 a 0 .
175. Dois minutos depois , quem diria , o apagado Gustavo Nery , em tabela com
Finazzi de pivô , fuzilou para marcar um belíssimo segundo gol.A Fiel ia à loucura , por
ver seu time sair da zona rebaixamento na base só do coração , porque a bola foi
pequena , embora a vitória tenha acabado por ser justa , castigo que o Grêmio fez por
merecer .
176. Com menos de 2 minutos de jogo , Deco roubou uma bola no meio de campo , caiu
em velocidade pela esquerda com a bola dominada , fez que daria para Ronaldinho bem
aberto , cortou para dentro e fuzilou para fazer 1 a 0.
177. São Paulo absoluto O jogo nem bem tinha começado e o São Paulo , na pressão
total , fez 1 a 0 , aos 6 , em cobrança de uma falta em dois toques dentro da área , no
qual Rogério Ceni só passou o pé por cima da bola para Jorge Wagner fuzilar.
178. O atacante deu um drible seco no zagueiro uruguaio , que caiu sentado , e fuzilou
para fazer o terceiro gol .
179. Aos 30 , finalmente , André Lima deu belo drible na entrada da área , pelo meio , e
passou para Dodô que fuzilou .
180. jogo em Maracaibo começou bem.Com os brasileiros buscando a iniciativa do jogo
e com os uruguaios respondendo com altivez.E na primeira chance real de gol , o gol
aconteceu.Júlio Baptista desceu bem pela direita depois de receber de Maicon , cruzou
para Vágner Love que fez o corta-luz para entrada de Mineiro , que fuzilou.O goleiro
uruguaio defendeu parcialmente e a bola sobrou para Maicon abrir marcador : 1 a 0 .
INCENDIAR
181.Aí o homi que mais uma vez jogo u o fino pelo Barcelona.Ontem contra o
América do México ele novamente gastou a bola.Depois da Copa , assim como todo
brasileiro , cheguei a duvidar do cidadão.Ficou aquele ranço de promessa não
cumprida.Mas com o passar do tempo o ranço foi passando.Acabou de vez quando vi
ele incendiar e virar o último Barcelona e Zaragoza no Camp Nou em
Barcelona.Um gol de cabeça , uma falta no ângulo e uma no travessão que Saviola
concluiu para dentro
LIQUIDAR
182. E aproveitem enquanto é tempo! Em 2010 vencemos! Liquidamos! A validade,
beibe.
MASSACRAR
183. Alem desse detalhe o Federer mostrou que é um grande campeão, jogou firme,
focado e muito bem. Atacou o tempo todo com sua direita, massacrou o tempo todo
e sacou como nos velhos tempos.
MATAR
184.
E por pouco , numa bobeada do goleiro Roger , Somália não MATOU logo
aos 10 minutos .
185. Em seguida , o mesmo Thiago Neves , pela esquerda , recebeu um passe
quadrado , MATOU com alta categoria e fuzilou para fazer 3 a 0 .
186. Espírito macunaíma , Mario de Andrade MATOU em cheio .
187. MATOU a pau O carro de madeira tem alguma ligação com as ( H ) avaianas
de pau?
188. E chamou Diego , que anda MATANDO a pau na Alemanha.
189. José Trajano Dá Santos , Pelé MATA a pau .
ANEXO C- POSIÇÃO NA ESTRUTURA RADIAL DOS TIPOS VERBAIS, DE
ACORDO COM O CORPUS
verbo
abafar
abalar
Destruição total e
Destruição parcial
Destruição
física
e física
figurativa
Nenhuma ocorrência
Jurandir abafando a
Para ganhar uma noite
caixa da bateria com a
de sono só abafando
gravata.
uma balada.
Em Pequim um
atentado terrorista
abala a cidade.
Se você quisesse
Nenhuma ocorrência
abalar minha autoestima e me humilhar...
aniquilar
E lá estava ele com a
Nenhuma ocorrência
Com isso, Gilmar
namorada a tiracolo,
Ferreira Mendes
que me fez sentir uma
também aniquilou
vontade terrível de
muitas das certezas
aniquilá-la.
técnicas que cultivamos
à sombra do ideal de
eqüidade
apavorar
Nenhuma ocorrência
O Flu sentiu, mas não
se apavorou
arrasar
Cristóvão de Holanda
Do mesmo modo a seca
excogitava já um meio
, chamada em Ceará
de sair com honra da
"seca grande" , que
situação em que se via ,
arrasou Pernambuco
quando lhe lembrou
desde 1791 até 1793
O que me apavora é o
fato de estarmos cada
vez mais imbecilizados.
Flamengo arrasa O
Duque de Caxias fazia
bom papel na Taça
Guanabara
mandar arrasar o
canavial
arrebentar
No meio do som
O motivo é que no meu
Aquele gol arrebentou
absurdo das marretas ,
sonho ele pegou o carro
a Itália
ela resmunga : - Estão
e saiu a 200 por hora ,
arrebentando a parte
fora da estrada ,
estrutural da Praça .
invadindo plantações ,
arrebentando cercas ...
arregaçar
Nenhuma ocorrência
Para começar , o
Quanto aos 50 milhões
“correria” já saiu
de idiotas daí , digo que
arregaçando a minha
os daqui deixam cartões
pulseira.
de crédito corporativo
arregaçarem o Brasil.
arrepiar
Nenhuma ocorrência
À noite , se dermos
sorte
,
nos
arrepiaremos com as
assombrações do Recife
Velho .
Estão com a cabeça no
"BBB6" e me arrepia
um repeteco de
moralismo e marasmo
no jogo .
atropelar
Nenhuma ocorrência
Digamos que eu
...o presidente do STF
ATROPELE alguém e
ATROPELOU de
a vítima fique com o
forma grave as
braço quebrado , por
instâncias inferiores
exemplo
para soltar por duas
vezes o banqueiro
avassalar
Nenhuma ocorrência
a pior crise econômica
Ao contrário , ela
que
desdenhava , já que eu
nos
avassala
desde….
sempre tinha uma
paixão nova
avassalando meu pobre
coração
barbarizar
Nenhuma ocorrência
Policiais
(civis
e
militares) já abusam da
sua autoridade , causam
prejuízos a cidadãos
comuns , empresas ,
barbarizam o trânsito
etc .
Fani barbarizando os
corredores Globais ,
semana passada foi o
Thiago Reis , irmão do
marido da Danielle
Winits , esta semana o
ator Marcelo Novaes...
bombar
bombardear
Nenhuma ocorrência
Meu dad foi tb ,
sabe-se la
investigar o q ,
ficou 3 semanas no
Yemen e so voltou
pq comecaram a
bombardear a
area .
Nenhuma ocorrência
Nenhuma ocorrência
O
fascinante
e
metalinguístico é que as
forças aliadas - em
plena segunda guerra
mundial
bombardearam
Munique e , por
consequência
,
a
Glyptotecke .
o mais novo episódio da
cinessérie baseada nos
livros de Harry Potter
no dia de sua pré-estréia
no Brasil , depois que
todos os meios de
informação ( este
inclusive ) e de semiinformação ( Blogs de
fãs , em geral ) já
bombardearam seus
consumidores com fatos
e análises de todos os
aspectos possíveis de
cada vírgula
destroçar
Aí serão como aqueles
velhos caubóis de
filmes de faroeste , que
todos pensam que já
não atiram mais nem
com um revólver
d’água , mas que
voltam à ativa e
destroçam os bandidos
destruir
Sempre
lembrei
muitíssimo de uma
estrofe que dizia que
em
2001
os
muçulmanos
iam
destruir a Torre Eiffel
e que seria o começo do
fim do mundo .
detonar
Oficiais graduados do
governo
americano
dizem que os supostos
terroristas
usariam
Gatorade e iPod para
detonar
seus
explosivos a bordo dos
aviões .
estourar
estraçalhar
Depois do Uruguai
aprendi a gostar de
futebol e até estourei
fogos quando soube que
a próxima Copa do
Mundo aconteceria
justamente no país em
que eu morava .
Ontem
,
Riquelme
destruiu o Grêmio , ao
cruzar para o primeiro
gol de Palacio , que foi
irregular , ao fazer o
segundo e criar o
começo da jogada do
terceiro , marcado pelo
zagueiro
Patrício
,
contra .
Isso detona a borracha
por excesso de estresse
do material
Não
segui
carreira porque
estourei
os
meniscos .
Quando apareceu
fazendo
bons
treinos na Jaguar e
detonando
Antonio Pizzonia ,
muita
gente
afirmou que se
tratava de um novo
campeão .
A essa hora os
donos da Times
For Fun devem
estar estourando
suas champagnes
, comemorando a
venda
avassaladora dos
ingressos .
Não
tem
outra
descrição
possível.Depois
de
estraçalhar a platéia
com mais de duas
dezenas de funks- os
verdadeiroshiper
dançantes , Brown faz o
maior charme para ir
embora .
explodir
exterminar
A aeronave explodiu ao
se chocar contra um
prédio
da
própria
companhia .
Aquela de explodir
o coração?
A quimioterapia e a
Assim , o marketing
radioterapia , além de
procuraria exterminar
matarem as células
a subjetividade , pois
cancerígenas , também
quer que toda pessoa
exterminam as células
tenha seu modelo de
normais do organismo
vida espelhado nos
ditames vindos dos céus
de skyscrapers &
consuma .
fulminar
É assim que Antônio
das Mortes fulmina o
profeta e o bandido
Para sorte do Palmeiras
, uma bola sobrou para
Kléber no finzinho do
primeiro tempo , aos 43
, ele deu um corte seco
em Juninho que foi ao
chão , e fulminou o gol
tricolor , para empatar
fuzilar
Aí
,
o
Barça
predominou , mas , no
segundo minuto dos
acréscimos , Drogba
matou no peito e
fuzilou o gol catalão
para empatar o jogo .
O que ficou mais
humilhar
covarde ainda é que no
"BBB7" foi um homem
procurando humilhar e
denegrir uma mulher
em rede nacional
incendiar
O Lavi estava lá e
apagou o fogo antes de
eu
incendiar
o
A
fogosa
Copélia
incendeia a sitcom .
apartemento .
liquidar
A peça trata da história
Saiu na frente do Flu ,
de uma cidadela
sofreu o empate com
tipicamente provinciana
gol
chamada Caldé , um
liquidou
organismo social
último minuto .
contra
o
,
jogo
mas
no
fechado em si e para si ,
que recebe a
catastrófica notícia de
um cataclisma natural
iminente que liquidará
o povoado como um
todo .
maltratar
Pareceu lhe escutar
distintamente o som das
suas próprias
expressões : "Quando
eu chegar de volta , não
maltratarei mais os
animais" .
E comecei a maltratar
( acho que esse é o
termo exato ) um violão
massacrar
Os xiitas querem um
xiita , os sunitas querem
um sunita , e os curdos
querem um curdo , que
dê poder a sua etnia e
massacre as demais
Sobre o Wagner Moura
e o Pânico.Não vou
massacrar nem criticar
meus amigos mas não
posso deixar de apoiar o
Wagner
em
suas
colocações sinceras e
delicadas
matar
Esse autor e psicopata ,
Grande Siri , MATOU
assim que saiu da prisão
um
( por pressao de Mailer
matemática!
problema
de
) , MATOU um ator e
garçom do La Mama ,
aqui no Binny Bun , na
Segunda Avenida.Bem ,
ao Mamet então .
metralhar
Mas não há solução
entre seres humanos
enquanto houver
lobbismo , lucrismo ,
Ela
metralhou
,
triturou e humilhou
Joaquim Wayne .
mentiralha ,
pilantragem ,
tranformando a morte
em dinheiro , ou
enquanto houver
supostos deuses de
mentira para atrapalhar
com seus extremistas ,
para metralhar aqueles
cujos espelhos não
refletem suas virgens
ou seus santos divinos
ou seus santos
sepulcros
triturar
No liquidificador ,
O México triturou o
triture a bolhacha de
Paraguai: 6 a 0 , maior
leite até obter uma
goleada do torneio
farinha
trucidar
Apesar de no filme os
atenienses
serem
chamados de “filósofos
e pederastas” , a
história conta que os
espartanos
extravasavam
a
testosterona , que corria
solta entre os soldados
sarados , não apenas
trucidando inimigos .
Ele fuzilou , trucidou ,
destruiu , esmagou Rob
Gallo
ANEXO D- POSIÇÃO DOS TIPOS VERBAIS NA ESTRUTURA RADIAL DE
ACORDO COM O DICIONÁRIO HOUAISS- VERSÃO ONLINE
verbo
DT
1.abafar
+
Derivação: por extensão de sentido.
matar(-se) por asfixia; sufocar
Ex.: <o assassino abafou a vítima com um saco plástico>
<a mulher abafou-se com gás>
2.abalar
_
3.aniquilar
+
reduzir a nada, destruir completamente; exterminar
Ex.: aniquilaram uma divisão inimiga
4.apavorar
_
5.arrasar
+
deitar abaixo; desmoronar, destruir
Ex.: a chuvarada arrasou a construção
6.arrebentar
+
deitar abaixo; espatifar, desmantelar, destruir
Ex.: <o vendaval rebentou várias casas> <sempre que
chovia, a enxurrada rebentava o muro>
7.arregaçar
_
8.arrepiar
_
9.atropelar
_
10.avassalar
+
causar devastação a; arrasar, destruir
Ex.: um terremoto avassalou a costa adriática
11.barbarizar
_
12.bombar
_
13.bombardear
+
14.destroçar
+
causar a destruição de; arruinar, despedaçar
Ex.: d. uma floresta inteira
15.destruir
+
causar a morte de (alguém, algo ou de si próprio); matar(se), eliminar(-se), exterminar(-se)
Ex.: <a poluição do mar destrói a fauna e a flora
marinhas> <bebe tanto que acaba por d.-se>
16.detonar
+
causar a detonação, a explosão de (bomba, carga de
dinamite etc.)
17.estourar
+
explodir, quase sempre causando destruição; rebentar
Ex.: <o exército estourou cinco granadas no sindicato> <a
bomba estourou na hora marcada>
18.estraçalhar
+
despedaçar(-se), fazer(-se) em pedaços, ger. com certa
fúria; estracinhar(-se), estrancilhar(-se), estraçoar(-se)
Ex.: <o animal estraçalhou a presa> <gregos e troianos
estraçalharam-se na guerra>
19.explodir
+
causar explosão; detonar, estourar
20.exterminar
+
destruir de maneira cruenta; eliminar por morte
Ex.: o ataque de surpresa exterminou os revoltosos
21.fulminar
+
causar destruição com raio ou com efeito
semelhante ao do raio; destruir, aniquilar
Ex.: <um raio fulminou o ipê> <um tornado fulminou a
pequena aldeia
22.fuzilar
+
matar com tiro de fuzil ou de qualquer arma de fogo
Ex.: o pelotão fuzilou o sentenciado
23.humilhar
_
24.incendiar
+
fazer arder ou arder, inflamar(-se), incender(-se)
Ex.: <o bando assassino percorria o sertão incendiando
vilas e vilarejos> <um inocente balão fez que a floresta se
incendiasse irremediavelmente>
25.liquidar
+
Derivação: sentido figurado.
acabar com, pôr fim a (algo abstrato), de maneira
enérgica e definitiva
Ex.: <l. suas divergências> <liquidou toda e qualquer
concorrência ao seu negócio>
26.maltratar
_
27.massacrar
+
matar cruelmente, esp. em grande número, em massa
Ex.: massacraram os indígenas
28.matar
+
contribuir para que (alguém ou algo) morra; levar à morte;
extinguir
Ex.: <a fome mata milhares de pessoas por ano> <uma
doença que não mata>
29.metralhar
+
desferir tiros de metralha ('pequenas balas') ou de
metralhadora
30.triturar
+
reduzir a uma insignificância ou a nada
Ex.: triturou a filosofia do adversário com um único e
brilhante argumento
31.trucidar
+
matar com crueldade, com selvageria
Ex.: <os bárbaros trucidavam pessoas por prazer>
<cidadãos, antes pacíficos, trucidavam-se, disputando
alimento>
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