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Revista Científica CENSUPEG, nº. 4, 2014, p. 115-121. ISSN 2318-1044
RECIRCULAÇÃO NO ACESSO
VASCULAR DE PACIENTES EM
HEMODIÁLISE
RECIRCULATION IN VASCULAR ACCESS
IN HEMODIALYSIS PATIENTS
Fabiana Meneghetti Dallacosta1
Ana Prado Lima Figueiredo2
Resumo
Objetivo: calcular a recirculação no acesso venoso de pacientes em
hemodiálise. Método: estudo transversal, quantitativo, realizado com 27
pacientes em hemodiálise no meio-oeste de Santa Catarina. O projeto de
pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa pelo número 113.
Resultado: ente os 27 pacientes inclusos no estudo, dois apresentaram
recirculação acima de 10%, totalizando 7,4%. Um deles possui fístula e outro
enxerto, ambos com punções em desacordo com o método clássico.
Conclusão: a observação constante do acesso pela enfermagem e o cálculo
periódico da recirculação contribuem para a qualidade da diálise e que o
método clássico colabora para melhorar a eficiência do tratamento.
Descritores: Hemodiálise; Doença renal crônica; Fistula arteriovenosa.
Abstract
Objective: calculate the recirculation in venous access of hemodialysis
patients. Method: cross-sectional study, quantitative, performed with 27
patients in hemodialysis in the midwest of Santa Catarina. The research
project was approved by the Ethics Committee in Reserarch with number
113. Results: of the 27 patients included in the study, two showed
recirculation above 10%, totaling 7.4%. One of them has fistula and another
graft, both don´t use the classic method. Conclusion: the constant observation
of access by nursing and periodic calculation of recirculation systems,
contribute to the quality of dialysis and the classic method improves the
efficiency of treatment.
Descriptors: Hemodialysis; Chronic kidney disease; Arteriovenous Fistula.
1
2
UNOESC.
PUC/RS.
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Revista Científica CENSUPEG, nº. 4, 2014, p. 115-121. ISSN 2318-1044
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) tornou-se uma epidemia mundial, com números
expressivos e elevada prevalência e incidência (BASTOS et al, 2004; PERLMAN et al,
2003). Só no Brasil, em 2009, havia 77.589 pessoas em tratamento dialítico (SBN,
2010) e no mundo estima-se que existam 1,5 milhão de pessoas vivendo às custas de
terapia renal substitutiva (TRS) (INSTITUTO RENAL, 2010).
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN, 2010),
aproximadamente 90% das pessoas com DRC fazem hemodiálise. Para que esta
modalidade de tratamento obtenha sucesso, é necessário um acesso vascular eficiente
(VAN LOON, 2009), que possibilite um fluxo sanguíneo adequado para a depuração da
ureia e outros metabólitos removidos na filtração do sangue.
A fístula arteriovenosa (FAV) consiste na anastomose de uma veia e uma artéria
e é considerada a melhor opção de acesso (LIMA, SANTOS, SOUZA, 2009; CRUZ,
PRAXEDES, CRUZ, 2006) devido à frequente facilidade de punção, baixos índices de
infecção e outras complicações e elevada durabilidade. A FAV deve ser capaz de
suportar sucessivas técnicas invasivas e fornecer uma taxa de fluxo de sangue adequado
à dose de diálise prescrita, além de ter uma vida útil prolongada, com baixa taxa de
complicações (WOLOSKER, KUZNIEC, 2007).
Para garantir seu funcionamento adequado, é fundamental que a enfermagem
esteja atenta aos sinais de complicação na FAV e que testes sejam realizados
periodicamente a fim de constatar seu correto funcionamento ou detectar as mais
precocemente possíveis falhas no mesmo, através de inspeção visual, ausculta e
palpação (McCANN et al, 2009; K/DOQI, 2006).
O National Kidney Fundation (K/DOQI, 2006) recomenda a avaliação
sistemática do acesso vascular para detecção precoce de alterações. Um dos métodos
sugeridos para tal finalidade é a medida da recirculação. Este teste indica se o fluxo
sanguíneo está adequado ou se o sangue não está circulando satisfatoriamente,
comprometendo a eficiência do tratamento, pois neste caso haverá redução da uréia do
sangue que flui para o dialisador (DAUGIRDAS, BLAKE, ING, 2003) e,
consequentemente, prejuízo da qualidade da diálise ofertada ao paciente.
Deve-se realizar teste de recirculação de sangue no acesso venoso
periodicamente ou sempre que houver suspeita de disfunção (K/DOQI, 2006;
KIRSTAJN, 2009). Medidas de recirculação acima de 15% indicam estenose
significativa (WOLOSKER, KUZNIEC, 2007; CSN, 1999) e acima de 10% requerem
investigação e reparação do acesso vascular (K/DOQI, 2006; DAUGIRDAS, BLAKE,
ING, 2003; D´AVILLA, 1990. Fístulas com manutenção cuidadosa tem sobrevida mais
longa e com baixo índice de complicações (LIMA, SANTOS, SOUZA, 2009).
Monitorar a recirculação é fundamental para garantir o adequado tratamento e
detectar alterações precocemente (BOSTICARDO et al, 2010), já que problemas com o
acesso venoso são uma importante causa de morbidade e hospitalização de pacientes em
hemodiálise (LIMA, SANTOS, SOUZA, 2009; SAN MIGUEL, CHOW, 2009).
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Para evitar a recirculação, a atuação da enfermagem é fundamental, através de
pessoal treinado e correta técnica de punção. A técnica clássica de colocação das
agulhas, com 3cm de distância da anastomose cirúrgica e a 5 cm de distância uma da
outra (LIMA, SANTOS, SOUZA, 2009; DAUGIRDAS, BLAKE, ING, 2003) está
relacionada a menores porcentagens de recirculação (REIS et al, 2001) e é de suma
importância que os serviços de diálise implantem rotinas periódicas de avaliação
sistemática do acesso.
OBJETIVO
Identificar a prevalência de recirculação sanguínea nas fístulas arteriovenosas e
enxertos de pacientes em tratamento hemodialítico, em uma clínica privada no meiooeste de Santa Catarina.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa quantitativa, transversal. A amostra foi composta por
27 pacientes em tratamento hemodialítico há mais de três meses, em uma cidade do
meio-oeste de Santa Catarina, com acesso através de fístula arteriovenosa ou enxerto. A
clínica conta atualmente com 37 pacientes em programa regular de hemodiálise, sendo
26 com acesso por fístula arteriovenosa, 02 com enxerto autólogo, 07 com cateter de
curta permanência e 02 com cateter de longa permanência. Todos com acesso por fístula
ou enxerto foram inclusos no estudo.
Durante a primeira hora da sessão de hemodiálise, foram coletadas três amostras
de sangue para dosagem da ureia plasmática, mantendo-se durante a coleta, a
ultrafiltração desligada. O sangue foi coletado na linha arterial (A), venosa (V) e para
diminuir o desconforto do paciente, a última amostra (S) foi coletada na linha arterial,
pela técnica de “stop-flow” (após coletar A e V, foi reduzido o fluxo da bomba de
sangue para 100-120ml/min por 15 segundos, parado a bomba de sangue (BS) e
coletado amostra na linha arterial, antes da BS). Para cálculo da recirculação foi
utilizada a fórmula proposta por D’Avilla, na qual %R= (S-A) / (S-V) X 100.
Este trabalho foi analisado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do
Oeste de Santa Catarina, UNOESC, e aprovado sob o parecer 113.
RESULTADOS
Dentre os 27 participantes do estudo, a faixa etária variou de 21 a 72 anos e o
tempo de diálise, de 3 meses a 8,9 anos (Tabela 1). Observa-se maior predominância do
sexo masculino, e faixa etária bastante elevada, com mais de 50% acima dos 51 anos de
idade. Dois pacientes (7,4%) apresentaram recirculação superior a 10%.
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DISCUSSÃO
Dos dois pacientes que apresentaram valores superiores a 10% de recirculação,
um deles tem acesso por FAV e outro por enxerto autólogo. Ambos apresentam veias
pouco calibrosas e pouco desenvolvidas, dificultando a punção, e sabe-se que a
qualidade da fístula depende também da técnica cirúrgica e da qualidade dos vasos
sanguíneos (VAN LOON, 2009). Para ambos pacientes, não é possível colocar as
agulhas afastadas mais de 5 cm uma da outra, conforme a técnica preconizada (LIMA,
SANTOS, SOUZA, 2009; DAUGIRDAS, BLAKE, ING, 2003).
Sete pacientes (25,9%) apresentaram recirculação entre 5% e 9,9%, todos com
acesso por fístula. Apesar de estar entre os valores de recirculação aceitáveis, a
Sociedade Canadense de Nefrologia ressalta que qualquer valor de recirculação é
anormal e deve ser investigado (CSN, 1999).
Salienta-se que nos dois pacientes com recirculação acima de 10%, o KtV não
atingiu o nível desejável de 1,4, ficando abaixo de 1,0 em ambos os casos, ratificando a
necessidade de adequação da punção venosa nos dois casos.
Nenhum paciente apresentou valores superiores a 15%, número este,
considerado excessivamente elevado.
Estudo realizado em 2001 (REIS et al, 2001), com 32 pacientes, encontrou
valores bastante elevados de recirculação, e salienta que a punção de forma clássica
diminui significativamente o risco de recirculação.
A enfermagem desempenha papel importantíssimo ao realizar a punção para
diálise, pois cada paciente e cada acesso venoso é único e apresenta suas
particularidades. Quando a fístula é pequena ou pouco desenvolvida, ou quando o
paciente apresenta hematomas com frequência, impossibilitando a punção no mesmo
local, é da enfermagem a responsabilidade de procurar um novo local como acesso
venoso, procurando sempre manter a qualidade necessária para não comprometer a
diálise.
Isso pode gerar ansiedade por parte do paciente, em virtude do maior número de
punções necessárias até que se consiga o acesso ideal. Cabe ao enfermeiro captar a
subjetividade do paciente, para ajudá-lo a superar as dificuldades inerentes à doença
renal e ao tratamento (MALDANER et al, 2008).
É de extrema importância que a enfermeira de hemodiálise ser treinada em
manejo de acessos vasculares e recomenda-se que a primeira punção seja sempre feita
por uma enfermeira com experiência e qualificação em punção (McCANN et al, 2009).
É importante frisar que tanto a enfermeira quanto o paciente têm o importante papel de
assegurar a longevidade da fístula (McCANN et al, 2009).
Uma fístula madura, bem cuidada, com manutenção permanente, pode
permanecer funcionante por um período superior a três anos, sem complicações (LIMA,
SANTOS, SOUZA, 2009).
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Destaca-se, portanto, o importante papel da enfermeira em avaliar
periodicamente os acessos vasculares, em busca de alterações de pressão durante a
diálise, formação de tromboses e estenoses que possam comprometer a qualidade do
acesso e a eficiência da diálise.
Tabela 1: Caracterização dos sujeitos participantes do estudo
Características
N
%
Gênero
Masculino
Feminino
17
10
63%
37%
Faixa Etária
21 – 30
31– 40
41– 50
51– 60
>61
03
04
06
06
08
11%
14,8%
22,2%
22,2%
29,6%
Acesso
Fístula
Enxerto
25
02
92%
8%
Tempo em Hemodiálise
< 6 meses
7meses-1 ano
1,1 ano – 2 anos
>2 anos
01
02
06
18
3,7%
7,4%
22,2%
66,6%
Hipertensos
19
70%
Diabéticos
08
30%
CONCLUSÕES
Destaca-se que apenas dois pacientes com recirculação foi um dado positivo,
pois é importante ressaltar que a manutenção do acesso vascular é uma atividade
essencial do enfermeiro de hemodiálise e que bons resultados de recirculação refletem o
trabalho da enfermagem. Destaca-se que apenas calcular esses índices não é suficiente e
que a observação cuidadosa, a análise dos sinais de trombose, estenose e os primeiros
sinais de elevação da pressão no acesso são importantes ferramentas que o enfermeiro
deve utilizar para intervir precocemente, visando a manutenção e a qualidade da fístula
e do enxerto.
REFERÊNCIAS
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