O que é aprender? - Universidade de Lisboa

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O que 6 aprender? Imagens e mneepf"...
O que é aprender? Imagens e concepções de
professores e alunos sobre Matemática
As imagens dos professores e aluiios sobre aprender mateniática estão
relacionadas com as suas experiências passadas no contexto da escola e fora
da mesma. Investigação recente indica que a experiência registada e cristalizada
na memória, constitui conhecimento experiencial que orienta a acção no contexto
de sala de aula. Para Elbaz (1983), a imagem emerge da narrativa oral e escrita e
6 interniediária entre o pensamento e a acção e expande o conhecimento. Esta
comunicaçiio apresentará as imagens sobre aprender e o significado atribuído
por dois professores e doze alunos i3 sua experiência iiiateniática passada,
experiencial na relaçáo que estabelece111
assim como o papeldesse~onhecih~~to
com a Matemática no contexto da sala de aula.
I gave an account of subject iiiatter practices as exyressioiisof teacher's image.
Images, as components of personal practical knowledge, are the coalescence
of a person's personal private and professional experience. Image is a wa of
organising and reorganisingpast experience, both in reflection and as the image
finds expression in practice and as a perspective from which new experience is
taken.
(Clandinin, 1986;p. 166)
Os professores indagam-se sobre a rejeição dos estudantes do ensino
isabel Branco, Isdina Oliveira
básico à disciplina de Matemática. Quando entram na sala de aula muitos
alunos são rápidos a preparar o professor para que não desanime porque eles
sempre foram maus alunos a Matemática e nem gostam de semelhante "coisa".
O insucesso da Matemática no ensino básico e secundário passa não só, pela
questão das dificuldades de aprender os conceitos matemáticos, de desenvolver
uma linguagem matemática mas também, por uma atitude de rejeição de lidar
com "semelhante assunto".
Muitas vezes os professores mais atentos, tentam diversificar as
abordagens introduzindo métodos interactivos, abordagens que envolvem o
aluno na resolução de problemas, tentando tomar a Matemática mais próxima
da realidade, e verificam que existem ainda alunos que não aprenderam
determinados conceitos ao fim de vários anos de escolaridade básica.
A experiência como professoras do ensino básico e secundário e a
reflexão que temos vindo a fazer leva-nos a interrogações sobre as razões das
atitudes de rejeição de muitos alunos à Matemática. Será a experiência anterior
com esta disciplina? Serão os métodos que estão desajustados aos processos
de pensamento dos alunos? Serão os conteúdos, a linguagem a que o
pensamento matemático conduz, demasiado abstractizante? Será que o
professor constrói a imagem do que é aprender a partir da sua experiência e
sobre esta desenvolve a sua acção sem conseguir integrar a forma como o
aluno aprende? Que significado dá o aluno aquilo. que é a sua experiência com
a Matemática?
Na investigação que deu origem a esta comunicação partimos do
pressuposto que cada aluno traz consigo conhecimento adquirido proveniente
da sua experiência dentro e fora do contexto escolar, que a sala de aula é o
contexto situacional onde professores e alunos interagem com os seus saberes,
concepções e valores, formando uma micro-cultura. E assim, resolvemos
estudar qual o significado que professores e alunos dão à experiência
matemática passada e o papel dessa experiência na relação que estabelecem
com a Matemática no contexto da sala de aula.
A comunica@o apresentará as imagens provenientes da experiência
vivida de dois professores e doze alunos do ensino secundário, sobre a
O que 6 aprender? Imagens e mncepç6e.s...
Matemática e seu ensino-aprendizagem e a relação das imagens e das
concepções dos dois professores com o seu percurso pessoal e profissional.
Pretende-se ainda debater o papel da experiência matemática registada na
memória no processo ensino/aprendizagem dentro duma perspectiva de cultura
de sala de aula.
Formulação da investigação -Imagens e Concepções
O caminho que escolhemos para abordar as questões que nos
mobilizaram para a investigação apoiou-se na literatura e nos estudos
desenvolvidos na área do pensamento e da acção dos professores numa
perspectiva cultural de valorizaçáo da experiência vivida no contexto situacional
e a que é atribuído significado pelos participantes, quer sejam professores,
quer sejam alunos.
Preocupadas com o tentar compreender como professores e alunos
aprenderam, ou seja, o significado que deram às situações que experimentaram,
que, em suma, constitui parte do seu saber, seguimos a proposta conceptual de
Elbaz (1983) e Clandinin (1986) que partem das imagens - experiências vividas
e cristalizadas na memória - referenciadas no discurso oral e escrito dos
participantes sobre a sua experiência com a Matemática, enquanto aluno e/ou
professor, e que vão tomar forma na interacção que se desenvolve na sala de
aula entre prolessor/aluno e aluno/aluno. Estas imagens surgem no discurso
como frases breves e descritivas carregadas de sentido metafórico (Elbaz,
1983) tomam forma na acção e no comportamento dos indivíduos.
Tivemos presente que a memória das experiências registada em imagens
é um processo dinâmico e envolve processos de reconstrução e geração,
naturalmente selectivos e incompletos. A atribuição de significado às
experiências construído pelos indivíduos pode variar na dimensão tempo e
espaço, o que por outras palavras aponta para uma construção permanente de
sentido.
Para Elbaz (1983) as imagens são intermediárias entre o pensamento e
Isabel Branco, IsolinaOliveira
a acção, têm a qualidade de estender o conhecimento porque geram novas
regras e princípios e ajudam à escolha entre elas quando há conflito. Esta
autora vê a imagem como um dos níveis que se deve identificar se se quer
conhecer o saber dos professores. Para Clandinin (1986) a imagem é o conceito
central para entender o saber prático dos professores e para ligar esse
conhecimento à experiência passada e expressões práticas em processo.
Neste estudo identificámos as imagens com experiências passadas
registadas na memória ligadas à Matemática e ao ensino e aprendizagem e a
que foram atribuídos significados por professores e alunos, assim como as
imagens actuais sobre a experiência/acção enquanto professor e as imagens
ideais que são criações mentais desenvolvidas pelo poder imaginativo e que
orienta a construção de práticas presentes e futuras. Distinguimos as imagens
como Penómeno da memória das imagens como fenómeno da imaginação imagery - (Scruton, 1974, p. 184)
Falamos aqui em experiência como uma forma de conhecimento que
professores e alunos trazem para dentro da sala de aula e que norteia a sua
relação com a disciplina, com o ensino e a aprendizagem. É também no sentido
da relação entre o vivido e a formação de imagem, procurando os aspectos
sócio-afectivos da experiência pessoal. Consideramos aindz que o
conhecimento prático ou experiencial faz parte da cultura com que cada um
interage, e em sentido mais amplo contribui para a cultura de sala de aula.
Entenda-se aqui cultura como um sistema que inclui o conhecimento e as
concepções que se revelam nos modos de comunicaçáo simbólica e não
simbólica e que orientam o comportamento e a acção de um indivíduo, de um
grupo humano, de uma instituição ou da sociedade (Burthnood, 1986). Numa
expressão mais simples, utilizada por Shein (1985), cultura é a forma como as
pessoas pensam, sentem e agem.
A perspectiva adoptada durante o estudo é a de tentar compreender a
relação que professores e alunos têm com a Matemática e sua aprendizagem,
baseado nas imagens carregadas de significado que os mesmos têm. Em
relação aos professores é ainda preocupação nossa identificar as imagens que
são produto da sua imaginação e que orientam as práticas de construçáo futura.
O que é aprender? Imagens e conepqões...
LLJ
O conceito de imagem pretende ser a base para as considerações finais,
mas estas só fazem sentido quando consideramos os dois professores e os
doze alunos aqui tratados e não a generalidade.
A abordagem metodológica
O estudo procura compreender a aprendizagem enquanto processo no
contexto da cultura de sala de aula, reconhecendo a sala de aula como um
contexto situacional (físico, social, cultural e interpessoal) onde interagem o
professor e os alunos. Por a nossa pesquisa se centrar na procura de significado
que professores e alunos atribuem à aprendizagem e ao ensino da Matemática
no contexto da experiência, e ainda, por tentarmos reconhecer o significado a
partir das relações que estabelecem com a Matemática podemos dizer que se
desenvolveu uma abordagem metodológica baseada nos pressupostos do
interaccionismosimbólico(Blumer, 1969). Assumimos que professores e alunos
se relacionam com a Matemática e com o seu ensino e aprendizagem na base
dos significados que lhe atribuem, que esses mesmos se formam na interacção
com os outros, e por último, que a sua modificação está dependente dum
processo interpretativo usado pelo sujeito ao lidar com aquilo que encontra.
Para localizar as experiências a que os professores e os alunos davam
significado desenvolvemos uma abordagem biográfica (Kelchtermans, 1993)
por esta permitir uma narrativa escrita e oral onde as experiências são
localizadas no tempo e no espaço e no seu contexto físico, meio institucional,
social, cultural e interpessoal. As narrativas desenvolveram-se em tomo de
episódios a que os participantes do estudo iam dando significado. Ao mesmo
tempo esta abordagem permitiu ter acesso ao percurso pessoal e
desenvolvimento profissional dos professores em questão, assim como à
imagem que os professores têm de si enquanto professores e no contexto do
grupo profissional.
O acesso ao percurso e experiência dos professores e experiência
passada dos alunos foi feito através de questionários, memórias escritas e
Isabel Branco,lnolinaOliveira
entrevistas. As imagens sobre aprender e ensinar Matemática sobressaíram
nas narrativas escritas e orais, nas observações e no confronto de professores
e alunos com a sua prática matemática de sala de aula. As observações de
sala de aula permitiram a construção de significado (professor/investigador)
face aos episódios que decorriam.
Iremos seguidamente apresentar o percurso pessoal e as imagens
orientadoras da acção de duas professoras e a imagem sobre aprender relativas
aos alunos estudados. Dado que a investigação ainda não está concluída o que
apresentamos é resultado de uma análise transversal realizada, que se debruçou
sobre as narrativas escritas e orais dos professores, questionário, observações
de sala de aula e possibilitou identificar imagens sobre o ensino e a
aprendizagem que orientaram e orientam a sua ac@o. Durante a interpretação
dos dados surgiram imagens de professores sobre a actividade educativa de
sala de aula relativas ao passado, ao presente e ao futuro e o significado dado
a experiências passadas relacionadas com a Matemática.
A professora Maria
Percurso profissional. Professora de Matemática do quadro de
nomeação definitiva de uma escola secundária dacidade de Lisboa com cerca
de 14 anos de serviço e quarenta de idade, realizou o bacharelato em Matemática
enquanto professora e a profissionaliza@o em exercício durante a década de
80. A sua insatisfação quanto ao saber e o seu desejo de continuar a trilhar
caminhos novos, fez com que, nestes últimos anos, regressasse aos bancos da
Universidade para completar a licenciatura em ensino da Matemática.
Iniciou a sua actividade como professora num colégio privado com a
consciência que não era esta a profissão que desejava, mas era a que era
possível ter no momento com as habilitações que possuía. A necessidade de
sobreviver e a de fazer face às opções devida que tinha tomado, encaminharamna para o ensino quando o seu desejo era a de ser investigadora na área da
Matemática Pura.
O que 6 aprender?Imagens e mncepçóes...
É mais tarde, quando leccionava numa escola oficial que decidiu que
ser professora era a profissão que queria para si. Esta viragem aconteceu
quando contactou com modelos de ensino não expositivos através da actividade
pedagógica de um gmpo de professores existente na escola e com o delegado
à profissionalizaçáo, descobrindo que ser professor de Matemática podia não
ser uma actividade rotineira e que se podiam criar relações mais próximas
com os alunos. O delegado à profissionalização teve um papel de "modelo"
que representou o envolvimento na construção de alternativas pedagógicas
que passavam pela forma de estar em relação aos alunos, de criar situaçóes e
materiais diferentes para o ensino da Matemática. Se a entrada na escola com
funções docentes se deveu a necessidades concretas de sobrevivência
económica, o escolher a docência como profissão ao fim de três anos, teve a
ver com o envolvimento em torno de propostas pedagógicas com um grupo de
professores e o delegado da sua escola. Essas experiências vividas, aliadas às
da profissionalização em exercício permanecem na sua memória, e às mesmas
é atribuído o sentido da descoberta da profissão de professor.
Havia um grupo de profissionalizaçáomuito interessantee comecei a envolverme. A partir daí resolvi concorrerpara a profissionalizaçáo para [aquela escola]...
O Vítor foi uma das pessoas que despertou em mim o interesse que a profissão
podia ter para mim. Foi um bocado um modelo do que era um bom professor
porque até aí ...Eu tenho impressão que só decidi ser professor quando percebi
que ser professora não era aquela coisa que eu imaginava quando era aluna.
Que era fazer as coisas todas os anos da mesma maneira. Não era dar aulas
expositivas sempre e obrigatoriamente. Percebi que havia outras formas de ser
professor.
A profissionalização proporcionou o contacto com abordagens e
perspectivas diferentes sobre o ensinofaprendizagem,a actividade e a natureza
da Matemática. A experiência que teve permitiu sentir e reconhecer a dimensão
pessoal e cultural que se estabelece através da Matemática, assim como o
valor da interacção social no grupo.
babel Branco,lrolina Oliveira
O seminário de Matemática e Realidade mostrou-me o que a Matemática podia
ser. Eu já não pensava que todas as pessoas eram como eu e que os meus
alunos eram como eu. Ela mostrou-me [orientadora do seininhrio] que a
Matemática pode agradar sem ser aquela Matemática que eu gostava."
As características e motivações pessoais de Maria tais como uma certa
insatisfação, a necessidade constante de aprender, experimentar e sair da rotina,
a iniciativa e a criatividade na procura de situações, de propostas e soluções, o
gostar de trabalhar em grupo e o sentido da participação social em contacto
com modelos de estar e pensar a profissão diferentes dos que tinha retido a
partir da sua experiência enquanto aluna e que tinham orientado a sua prática
inicial, deram lugar ao interesse de se envolver em experiências de discussão,
elaboraçáo e aplicação de materiais matemáticos na sala de aula. A pouco e
pouco esse interesse foi-se transformando em entusiasmo pela actividade
profissional de professor e na força apaixonada como s e tem vindo a envolver
em projectos, comunicações, cursos para professores de Matemática.
Comecei a ser professora porque era a coisa mais simples na altura para ganhar
dinheiro. Hoje gosto muito daquilo que faço. Acabei por me apaixonar pela
profissáo. Cada vez mais sinto que não se põe a hipótese de sair do ensino.
O primeiro projecto em que Maria participou com as turmas de alunos
do 7* Ano, sobre o uso de calculadoras para a construção de conceitos, é tido
como uma experiência importante como trabalho de grupo, por a fazer acreditar
que é possível pôr em prática as ideias que se têm e modificar a relação com
a Matemática em actividades de sala de aula. O trabalho desenvolvido em
parceria com a autora do projecto trouxe por um lado confiança em si, nas
suas capacidades e, por outro, relações profissionais fortes com a sua parceira
que a levaram a aceitar os seus convites para a divulgação oral e escrita do
trabalho realizado. Apartir daqui Maria reconhece que tem sido uma "bola de
neven, pois surgem pedidos para orientação de cursos no Profmat,
O que é aprender? Imagens e mncep@a ...
comunicaçóes e colaborações várias especialmente ligadas ao ensino da
Geometria. As relações que se estabeleceram a partir do trabalho e das
propostas pedagógicas realizadas criaram em Maria a necessidade de continuar
a contribuir para transformar o insucesso em sucesso em Matemática
adequando esta disciplina à realidade dos alunos desenvolvendo-lhes a
capacidade de pensar, criando atitudes positivas. Assim, recém integrada numa
escola vocacionada para as artes que estava no início da reforma curricular,
resolveu apresentar na escola ao seu grupo disciplinar uma ideia de longa
data, sob a forma de projecto com a finalidade de adaptar a Matemática à
realidade dos alunos que ingressam em cursos de artes. A sua proposta
encontrou eco em alguns dos professores do grupo que tinham preocupações
idênticas e vontade de encontrar parceiros para iniciar alternativas curriculares
a um programa de Matemática que estava longe da maior parte dos alunos
que estão em cursos de ensino artístico e por isso têm grande insucesso na
disciplina. A intenção foi a de criar alternativas na abordagem da disciplina e
a integraçáo da Matemática nos projectos artísticos. Lançaram mãos à obra
por um ano e, passados dois anos o grupo continua a desenvolver a sua acção.
O facto de ter constituído um grupo de projecto que foi reconhecido
exteriormente à escola, por instituições como a Associação de Professores de
Matemática (APM) e o Departamento do Ensino Secundário (DES), deu-lhe
uma certa auto-confiança na liderança de projectos.
As situações aqui expressas relativas ao percurso como aluna e como
professora tiveram significado especial, não só na dimensáo profissional mas
também na dimensão pessoal. A reflexão sobre o que aconteceu e acontece
leva a repensar a maneira de estar na profissão, de se ver a si própria e de
orientar as suas práticas diárias.
A sala de aula como uma oficina. Como aluna e no início de profissão,
a professora Maria reconhecia a aula de Matemática como uma actividade
rotineira onde predominava o rigor e o formalismo matemático. O professor
era um transmissor de saber distante dos alunos que fazia sempre a mesma
coisa todo o ano e todos os anos. Maria reconhece que esta imagem faz parte
isabel Branm, Iaolina Oliveira
do passado e que foi modelada na experiência que teve como aluna e ainda,
pelos colegas no início do exercício da profissão. Esta imagem foi alterada
quando no seu percurso contactou com pessoas e situações que lhe mostraram
que ser professor podia ser uma actividade criativa.
No presente, e funcionando como uma imagem ideal de algo que orienta
a sua prática educativa diária, Maria gostaria de implementar na sala de aula
a dinâmica de uma oficina, em que o professor tem o papel de elemento
facilitador da aprendizagem, estimulador de trabalho em equipa, onde o diálogo
com os alunos é promovido.
Gostava que as minhas aulas fossem uma oficina, em que houvesse o manual e
o intelectual...^^ alunos envolvidos numa determinada tarefa de trabalho no
local de trabalho.
A professora na sua prática de sala de aula apresenta a tarefa
investigativa ou o problema, em geral na forma escrita, aos alunos que estão
organizados em grupos. Cria um ambiente de diálogo que permite que os
estudantes ponham dúvidas, a professora conduz a actividade de forma a que
eles consigam encontrar o caminho para a resolução. O encaminhamento dos
alunos é feito muitas vezes por questionamento, por exploração de materiais e
de situações matemáticas ligadas à realidade. Maria pretende em conjunto
com outras colegas de Matemática criar materiais e situações de integração
entre saberes e práticas na área das artes que possibilite aos alunos a
concretização da Matemática ao nível dos seus projectos artísticos. Idealiza o
seu papel enquanto profissional numa actuação constante de investigação e
de procura de transformação da prática pedagógica.
Reflectindo sobre a sua experiência enquanto aluna, Maria refere que
sempre teve uma grande facilidade em aprender Matemática. Apesar dos
professores serem tradicionais utilizando abordagens que ela agora rejeita,
ligadas a uma concepção muito formal da Matemática e da actividade de sala
de aula ser sempre a de calcular e a de demonstrar, ela sentia um grande
prazer em aprender Matemática "eu apaixonei-me pela Matemática". Esta
Ia2
O que é aprender? Imagens e concepg0e-S..
.
disciplina "constituía um refúgio porque era abstracta, racional, não havia
contradições".
No papel de professora reconhece que o seu desejo de aprender não
está apenas canalizado para conteúdos científicos mas principalmente para
transformar a sua prática pedagógica. Considera que aprendeu muito mais
Matemática desde que é professora do que como aluna, e especialmente em
situações que promovem a investigação de assuntos matemáticos orientados
por finalidadescomo: o ensino da disciplina, a elaboração de livros didácticos
e sessões para professores. A sua memória retém episódios que considera de
aprendizagem ligados a situações de interacção, discussão e partilha com
colegas, observação e reflexão sobre as actividades educativas que vai
desenvolvendo com alunos e com professores.
Maria considera que os alunos aprendem quando experimentam, discutem
e descobrem. A criação de um clima de sala de aula descontraído que
proporcione o diálogo entre professor e aluno e a criação de uma relação
afectiva faz com que os alunos tenham uma atitude positiva e consequentemente
a disposição para aprender.
Os alunos aprendem quando descobrem. Discuto tarefas com eles de forma a
que cheguem lá.
Existe uma grande preocupação desta professora em identificar as
dificuldades dos alunos e de apresentar tarefas matemáticas orientadas que
pressupõem a utilização de materiais manipuláveis.
O desafio de um jogo com regras. Para Maria a actividade
matemática é um jogo com regras e constitui um desafio para quem participa.
O saber matemático adquire-se no desenvolvimento do raciocínio aplicado à
resolução de problemas, o que implica saber identificar, experimentar, organizar
e analisar, num processo criativo que se opõe à concepção tradicional de um
saber que se adquire através de um raciocínio abstracto e de treinamento do
cálculo.
Isabel Branco, IsolinrOliveira
A professora Ana
O percurso profissional. Ana é uma professora profissionalizada,
licenciada em Matemática, do quadro de nomeação definitiva de uma escola
secundária da cidade de Lisboa, com cerca de 20 anos de serviço e quarenta
de idade, entra na profissão como um processo natural, sem nunca ter sentido
dúvidas em relação à sua escolha. Enquanto aluna sempre gostou de ensinar
aos colegas os pormenores das demonstrações matemáticas que a maioria
deles não compreendia e os diversos passos na realização de cálculos
matemáticos. A sua relação com a Matemática sempre foi privilegiada mesmo
enquanto aluna, é como se de um "gosto natural" se tratasse. A escolha entre
a Matemática Aplicada e a Matemática Pura foi feita naturalmente pelo seu
grande prazer em aplicar os conhecimentos matemáticos e ensinar os outros.
Durante o seu percurso como aluna do ensino secundário, os professores da
disciplina apesar dos métodos tradicionais que utilizavam reforçaram esse gosto.
Ao longo do seu percurso profissional sempre se questionou acerca do
elevado insucesso dos alunos em Matemática ao mesmo tempo que ia
crescendo a vontade de modificar a situação introduzindo alternativas. O
problema acentuou-se quando confrontada com alunos vocacionados para as
artes.
A introdução da Reforma Educativa e, em.oarticular, a introdução da
disciplina de Métodos Quantitativos foram geradoras de expectativasque foram
goradas pelo desajuste que este programa apresentava relativamente aos
interesses, aptidões e necessidades dos alunos de cursos de artes. Nesta
situação um conjunto de professores de Matemática entusiasmou-se - mobilizouse para criar alternativas - e foi assim que a professora passou a ter um
protagonismo na construçáo de uma proposta de programa e na concepção de
materiais pedagógicos para o ensino da disciplina.
Este projecto veio responder às suas inquietações e proporcionou, tanto
ao nível da actividade de ensino e avaliação, a concretizaçáo de uma proposta
pedagógica inovadora, assente em métodos interactivos, envolvendo os alunos
na resolução de problemas e ligada a sua realidade. A participação neste
O que é aprender?Imagens e concepçijS...
lu?l
projecto é reconhecida pela professora como de particular importância na sua
própria formação, tendo especial relevo naquilo que considera como
aprendizagem profissional por proporcionar momentos de partilha de ideias,
acções, experiências e d e desafios.
Organizar as cabeças. A professora Ana ao reflectir sobre a sua
experiência com a Matemática sempre se viu com um grande gosto de "explicar
os pormenores pequeninos", enquanto aluna aos colegas, e mais tarde aos
alunos. O desenvolvimento do raciocínio matemático, a organização do
pensamento e das estratégias de resolução são as ideias dominantes que
conduzem a sua acção, enquanto professora. A sua principal preocupação é a
de ajudar os alunos a organizar o pensamento como se fosse "uma biblioteca".
Digo muitas vezes, é preciso que vocês saibam organizar o vosso yensameiito
e saber 'orno utilizar o que vão aprendendo. Orgaiiizar as vossas cabeças serve
para tudo, não só para a Matemática. É coino se vocês tivessem uina biblioteca,
se tiverem os livros todos fora de ordem ninguéiii consegue encontrar o que
quer quando precisa. Se os livros estiverem postos nas prateleiras com uina
certa ordeni é fácil encontrá-lose usá-los.
Para a Ana a organização é necessária para tudo e orienta a sua
actividade d e sala de aula procurando que os alunos façam o percurso de
pensamento que os leve a compreender quais os passos que deram para
resolver um problema. Ao mesmo tempo, dá grande importância à organização
dos materiais dos alunos e à aquisição de métodos de trabalho.
Ana proporciona situações de ensino aprendizagem orientadas pela ideia
de organizar os raciocínios dos alunos, de relacionar os saberes matemáticos,
levando os alunos a explorar vários caminhos, sempre numa postura de valorizar
os seus progressos. Vai acompanhando os raciocínios dos alunos acerca dos
problemas apresentados, dialogando com eles. O progresso de alguns alunos é
usado como um factor incentivador das aprendizagens de outros, procurando
dar-lhes confiança.
isabel Branm, Iiolina Oliveira
Para Ana, ser professor é um "desafio" por implicar a constante
necessidade de criar abordagens que melhor possam relacionar saberes e
corresponder às necessidades presentes e futuras dos alunos.
Enquanto aluna, Ana deixa transparecer no seu discurso uma imagem
da sua experiência de aprendizagem matemática que nos envia para uma
abordagem "mecanicista" (Streenfland, 1986)
... mesmo os outros exercícios que mostram o pormenor de passar, de reduzir
ao mesmo denominador, a professora [que a ensinou] fazia aquilo em 4 ou 5
passos e depois era preciso que eu percebesse como C que se chegava lá".
"
Nos primeiros anos de decência, a professora vê-se confrontada com o
insucesso e o desinteresse dos alunos face à Matemática, pensa que a melhor
maneira de o resolver era explicar, ou melhor, fazer entender coisas que o
ensino ou os professores não conseguiam transmitir. Assim, a imagem do
aprender Matemática estava muito ligada à maior ou menor facilidade do
professor em explicar, em chamar a atenção dos pequenos pormenores,
que se constituem por vezes em dúvidas que persistem e são arrastadas pelo
aluno durante anos seguidos.
No contexto do desenvolvimento de um projecto ligado a uma alternativa
curricular, parece surgir uma imagem diferente do "como se aprende". O
enfoque não se centra tanto no professor que explica mas no professor que
organiza actividades de modo a que os alunos em interacçáo façam as suas
descobertas.
"Damos as fichas e há necessidade de nos próprios cálculos, nos próprios
problemas de aplicar as regras. Então eles [os alunos]pensam assim: Ah!Havia
uma regra que dizia qualquer coisa mas eu já não me lembro, qual é?. Depois,
discutem com o colega do lado, porque o trabalho é feito em grupo: Como é que
isto se fazia? Lembras-te? Quando ninguém sabe, pedem a ajuda do professor.
As coisas surgem por necessidade e não porque [dizemos] "Vamos agora à
regra daspotências.Éprecisamente o raciocínio no sentido contrário, o raciocínio
do método expositivo de dar aulas".
O que.6 aprender? Imagens e c o n c e w ...
Uma forma de pensar a realidade. Ana atribui à Matemática um
carácter rigoroso, exploratório e criativo, o que transparece nos materiais
construídos e na forma como orienta as actividades na sala de aula. Contrapõe
assim, a ideia da Matemática como absoluta, estável e sensorial. As tarefas e
os problemas que apresenta aos alunos são orientados pela concepção de que
a actividade Matemática é uma forma de pensar a realidade. Para Ana tratase de uma actividade desafiadora porque apela à ideia de um caminho, um
percurso a percorrer que é sempre diferente. Noutro registo a actividade
Matemática é vista como um meio de desenvolver o raciocínio e uma linguagem
simbólica própria da Matemática.
Alunos
Os alunos de duas turmas de 10QAno do curso de artes leccionados
pelas professoras Maria e Ana, responderam a um questionário orientado no
sentido de identificar alunos com capacidade de falar sobre as suas experiências
passadas, positivas ou negativas, relativas a Matemática durante os nove anos
de escolaridadeobrigatória.A análise dos questionáriosconjuntamente com a
observação da sala de aula permitiram-nos identificar doze alunos, sete rapazes
e cinco raparigas, cujas idades variavam entre os 15 e os 24 anos, que se
caracterizavam por terem no seu passado sucesso ou insucesso escolar e
diversidade de experiências com a Matemática. Desses alunos foram obtidas
narrativas orais sobre a sua experiência de aprendizagem da Matemática.
Numa primeira análise e, a partir das narrativas orais dos alunos e das
observações de sala de aula, é possível apresentar algumas imagens
caracterizadoras do que é aprender Matemática para esses alunos. Todos os
alunos indicam que aprendem com o diálogo, mas enquanto uns ligam a
aprendizagem ao acto de treino quanto mais se pratica, mais se aprende,
outros referem que aprendem em situações que proporcionem fazer
experiências e descobrir coisas novas. Os primeiros, referem episódios
ligados h estatística e aos sistemas de equações, enquanto os segundos
a
Isabel Brrnm, Isolina Oliveira
apresentam memória de experiências de aprendizagem ligadas à geometria.
Os alunos relacionam as suas experiências escolares com a Matemática,
tanto as positivas como as negativas, com as características e o papel assumido
pelo professor. Citam experiências em que aprenderam porque o professor os
ajudou a pensar, usando como processo o questionamento e acompanhandoos na resolução de problemas.
O clima de aula e as estratégias desenvolvidas são conducentes a
experiências que são reconhecidas pelos alunos como positivas quando: existem
regras claras, um clima de respeito entre professores e alunos, um ambiente
descontraído onde cada um possa expor as suas dúvidas sem receio e errar
sem ser penalizado. As características do professor actuam sobre o clima da
aula, quando aquele é simpático, descontraído, tem uma comunicação clara,
tem muita paciência, está atento aos alunos e tem humor.
Os alunos não atribuem significado especial às estratégias e abordagens,
mas sim à diversidade de formas de trabalho que promovem actividades
diferentes e que quebrem a rotina. A utilidade e a aplicabilidade da Matemática
é um dos aspectos mais sentidos e referidos pelos alunos no que se refere à
sua relação com a actividade matemática. Os alunos relacionam-se melhor
com os problemas matemáticos "concretos e claros", no sentido de se ver a
sua aplicabilidade que é preferencialmente ligada à concretização artística,
mas não só.
As experiênciasnegativas são relacionadas igualmente com o professor
em situações de falta de atenção do mesmo, em relação ao aluno, o não "mostrar
paciência" quando confrontado com as perguntas e dúvidas que os alunos
apresentam e o explicar muito depressa, muito frequentemente movido pela
preocupação de finalizar o programa.
Reflexões
Gostaríamos aqui de poder reflectir sobre dois aspectos. Em primeiro
lugar qual o significado que professores e alunos dão à experiência matemática
O que é aprender? Imagens e conceppões...
Q2
passada e o papel dessa experiência na relação que estabelecem com a
disciplina no contexto da sala de aula e em segundo lugar, o papel da actividade
reflexiva na alteração de imagens e no desenvolvimento da actividade
profissional.
Para a Maria e a Ana não foram os seus mestres de matemática que
tiveram especial significado nas suas opções pessoais e profissionais. Atribuem
o seu gosto pela Matemática às suas características pessoais onde predominam
as abordagens de pensamento lógico e racional e ao terem tido oportunidades
de se confrontarem com actividades matemáticas onde puderam desenvolver
essas capacidades e ganhar auto-confiança, pois evidenciavam grande
competência para as diversas tarefas matemáticas que lhe eram solicitadas: a
demonstração, a resoluçáo de problemas, etc.. Para Maria, enquanto aluna, a
Matemática constituiu um refúgio por se "sentir segura em relação ao mundo
em que vivia". Ana por sua vez teve oportunidade de reconhecer que tinha
jeito para explicar "os pormenores, o s mais pequeninos que a generalidade dos
colegas não compreendiam. Foi também através das experiências matemáticas
enquanto jovem universitária que Maria descobriu que "não existe uma só
teoria nem uma só verdade", e daí fez inferências para a sua vida pessoal.
Comecei a perceber que não era só válida na Matemática mas tambémna família,
assentava nos princípios, nos valores que eram os meus axiomas, e que eu não
tinha nada que assumir os mesmos pressupostos e os mesmos valores que a
minha família ou que a sociedade dizia que estavam correctos.
Para os alunos a sua experiência passada em relação à Matemática é
sempre relacionada com os professores e as situações que estes criaram e
nunca com os conteúdos de ensino, com materiais pedagógicos epoucas vezes
com as abordagens metodológicas. A sua experiência passada têm grande
peso na forma como os jovens se relacionam com a Matemática, ou seja, com
as atitudes que demonstram ter. Os alunos com más experiências revelam
uma falta de confiança em si próprios. Mostram-se muitas vezes hesitantes,
com pouca disposição para manipular os materiais, resolver os problemas e
a
Isabel Branco, Isolina Oliveira
com medo de pôr dúvidas. O que está gravado na memória, a experiência
vivida, quer para alunos, quer para professores, constitui um saber experiencial
que orienta as suas práticas.
Este estudo sugere que as acções e as práticas dos professores e dos
alunos organizam-se em torno das suas imagens sobre o ensinar e o aprender.
Isso é visível no caso da professora Maria que possui uma imagem da sala de
aula como uma oficina, pela organização e ambiente de trabalho da sala de
aula onde os estudantes experimentam, manipulam, exploram materiais
procurando caminhos que dêem respostas a determinados problemas que lhe
são apresentados pelo professor. Os problemas matemáticos advêm das
situações criadas pelo professor, os alunos são aprendizes que são orientados
pelo professor e solicitam o mestre quando têm duvidas ao longo do seu percurso
de aprendizagem.
No caso da Ana a imagem de ensinar é a de organizar o pensamento
dos alunos como uma biblioteca e aprender é um processo de compreensão
lógica das diversas etapas de resolução do problema. Quando solicitada pelos
alunos Ana preocupa-se em percorrer um raciocínio, passo a passo num
esquema estruturado e bem interiorizado de quem tem muita experiência e
grande convicção no que está a fazer.
Os alunos comportam-se face à tarefa matemática no sentido da própria
imagem que possuem do que é aprender. Os alunos que pensam que se aprende
matemática "quanto mais se faz mais se aprende" relacionam-se melhor com
conteúdos ligados a Estatística e tem a pretensão de chegar a um fim, sem
divagações. Por outro lado, os alunos menos implicados na obtenção de um
resultado final e mais na possibilidade que a situação lhe pode proporcionar
relativamente a descoberta de relações, gostam de experimentar e sentir o
fluir do pensamento em torno da questão, esses preferem a Geometria.
A reflexão desempenhou um papel relevante na mudança das imagens
dos professores. Eles próprios reconhecem que a mudança das suas práticas
tiveram a ver com a reflexão que fizeram sobre situações que em contexto
tiveram especial significado. Veja-se o caso de Maria que decide pela profissão
docente face à experiência que teve com um grupo de colegas, ao modelo de
VI SEMINÁRIO
DE INVESIGAÇÁO
Ehí EDUCAÇÁOM
~
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c
A
O que é ap~nder?Imagens e concep@es...
professor e de ensino com que contactou ao fim de algum tempo numa escola
secundária. A reflexão que fez sobre as suas práticas e as de outros fizeram
com que fosse modificando a imagem de ser professor e de ensino aprendizagem
que possuía descobrindo que a actividade docente não tem de ser rotineira e
pode ser criativa.
Alunos e professores trazem para a sala de aula um saber experiencial
que está presente no acto de ensinar e de aprender. Este estudo, apesar de
não concluído, sugere que esse saber experiencial influência a acção de ensinar
e de aprender e a relação que professores e alunos têm com a Matemática. O
que fica ainda por saber são as interrelações de sala de aula entre estas imagens
de professores e estudantes e o seu impacto na aprendizagem dos alunos.
Podemos dizer que a imagem constitui o conhecimento experiencial que integra
a experiência pessoal e que encontra expressão na prática educativa e está
sujeita a mudança perante o processo reflexivo.
Referências
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