RUI BARBOSA disse certa feita que o homem não é dotado de

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RUI BARBOSA disse certa feita que o homem não é dotado de
verdade e justiça, mas inteligência e consciência. A inteligência tem o instinto da
verdade; a consciência tem o instinto da justiça.
Buscar verdade e produzir justiça são os maiores desafios que o
ser humano pode enfrentar. Também é assim em Rondônia e nas instituições que
compõem esta terra abençoada.
Rondônia e suas instituições, a caminhada que me trouxe até
aqui, os desafios e a crença no futuro merecem minha reflexão.
Esta terra viu a audácia de homens que, há um século, cortaram
uma ferrovia na selva. A ferrovia foi derrotada pela insensatez, pela falta de
consciência histórica, pela falta de fé no passado.
Porém, com sangue, a Madeira-Mamoré legou coragem à terra
que acolheu o sono eterno de muitos dos que a construíram.
Ao mesmo tempo em que a ferrovia fisicamente se esvaia, seu
espírito de coragem atraiu um contingente enorme de homens e mulheres.
Eram brasileiros que, reunindo o punhado de força e coragem
que lhes restava, promoviam um dos maiores êxodos humanos em tempos de paz.
Está na genética deste chão e daqueles que aqui vivem não se
conformar com as dificuldades; não se curvar aos infortúnios; não se submeter
mansamente aos caprichos do acaso.
Foi assim, sob o signo da coragem e da esperança que se
instalou, em 1982, o Estado de Rondônia.
Rondônia adotou muitos filhos. Não os viu nascer, mas deu-lhes
esperança, deu-lhes fé no futuro, deu-lhes oportunidade.
Sou da vasta geração dos adotados por esta terra. Recebi
oportunidade, deram-me esperança. A mistura de oportunidade e esperança é mágica
para mostrar o futuro.
VICTOR HUGO disse certa feita que existem momentos na vida
de um homem, nos quais, independentemente da posição física em que esteja, sua
alma está de joelhos.
É com a alma de joelhos – e as mãos juntas em sinal de oração –
que agradeço às oportunidades e à esperança que o Estado de Rondônia me deu.
Generosa
em
esperança,
Rondônia
me
conferiu
duas
oportunidades: a Magistratura e o Ministério Público.
Em 1984, fui aprovado na fase inicial do 2º concurso para
ingresso na Magistratura. Deixei, entretanto, de submeter-me à prova oral.
Na mesma ocasião, logrei aprovação no concurso para ingresso
no Ministério Público de Rondônia e nele ingressei.
Tive, assim, um quase encontro com a Magistratura há 27 anos.
Optei por não abraçá-la nos apaixonados tempos de meus vinte e poucos anos.
Não foi uma rejeição, mas também não foi por acaso.
Acreditei – e ainda acredito – que naquele tempo seria melhor
Promotor do que Juiz.
A vida de Promotor reclama a permanente conciliação da
condição de Advogado sem paixão e Juiz sem imparcialidade, como dizia
CALAMANDREI.
A atividade ministerial exige paixão pelas crenças, na mesma
medida em que a atividade judicial impõe uma crença no isolamento das paixões.
É verdade que a sabedoria, como diz ELLEN WAMBACK, é a
paixão refletida na tranquilidade.
Das duas funções se exige sabedoria, mas serve melhor à
sociedade um Promotor mais apaixonado por suas crenças e um Juiz mais crente no
isolamento das suas paixões.
Por índole e formação, mas principalmente pela juventude,
certamente eu tinha, em 1984, mais a oferecer à paixão do que ao isolamento das
paixões.
Acaso tenha tido alguma virtude, foi a consciência da dimensão
da paixão pelas causas que abraçava. A consciência das minhas paixões ditou-me o
caminho do Ministério Público.
Foram 27 longos e bons anos vividos no Ministério Público. Vi
centenas de homens e mulheres exercerem a atividade ministerial.
Construí pontes, queimei outras; acertei e errei muitas vezes;
auxiliei a construir concórdias e participei de discordâncias. Vivi intensamente o
Ministério Púbico.
As pontes e as concórdias sobreviveram. O Ministério Público se
agigantou pelas mãos anônimas de muitos. Os erros e as discordâncias ficaram do
outro lado das pontes queimadas.
Agradeço aos que concordaram comigo; agradeço ainda mais aos
que discordaram. Os que concordavam me conferiam segurança; os que discordavam
me obrigavam a refletir. Melhor que a segurança dos que partilham nossas crenças, só
a reflexão acerca das mesmas crenças.
Em nenhuma discordância acreditei que alguém estivesse do lado
errado da justiça; nenhuma desavença se levantou de nossas bancadas ou de nossas
cadeiras para nos acompanhar pela vida.
Saio pela porta da frente e com lágrimas nos olhos, como deve
sair alguém que viveu intensamente os últimos 27 anos de uma instituição.
Abraço um novo desafio: o ofício de julgar. Abraço o Judiciário
que não abracei há quase três décadas.
Não se trata de ironia do destino. Simplesmente não somos o
mesmo homem e o mesmo Poder Judiciário de 27 anos atrás.
Desde a antiguidade se diz que o mesmo homem não se banha
duas vezes no mesmo rio. As águas fluem e os “homens fluem”. Ainda que fosse
possível encontrar as mesmas águas, não se trataria do mesmo homem.
O tempo roubou-me a juventude, mas me deu vivência; rouboume o ímpeto da mocidade, mas me conferiu a experiência.
Há quem diga que a natureza tende a dar serenidade e otimismo
às pessoas de meia idade, ao mesmo tempo em que nos priva do ímpeto e do
inconformismo da juventude.
Creio que, passados 27 anos, posso oferecer serenamente a
paixão ministerial a serviço do isolamento da paixão judicial.
Não é uma contradição. Aprendi, passados tantos anos, que
ninguém decide absolutamente sem paixão. Buscar a justiça é a maior das paixões.
O Judiciário também é outro, passados tantos anos do nosso
quase encontro.
Quase três décadas depois, o Judiciário é mais cobrado, é mais
vigiado. Porém, também é o último refúgio da esperança do cidadão.
A Constituição Federal estabeleceu direitos e garantias
fundamentais que ultrapassam qualquer concepção anterior a 1988.
A própria concepção de Constituição é outra, com o Judiciário
extraindo direitos e garantias diretamente do texto constitucional, sem a necessidade
do exercício da regulamentação legislativa.
Talvez nenhuma geração de profissionais do Direito, no Brasil,
viveu antes uma revolução da dimensão que se nos apresenta.
Conforme diz LUIZ ROBERTO BARROSO, vivemos um novo
Direito Constitucional, cujo marco histórico, no Brasil, foi a Constituição de 1988, e
cujo marco filosófico é pós-positivismo.
Os pós-positivismo não nega as demandas do Direito por clareza,
certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de
uma filosofia política, como diz o autor citado.
Tal cenário era inimaginável em 1984. O Direito brasileiro era
outro, a sociedade era outra. O Judiciário de Rondônia tem responsabilidades e
desafios que eram inconcebíveis há 27 anos.
Desembargadores, Juízes, Servidores e outros atores do cotidiano
do Judiciário construíram um Poder sólido, respeitado e produtivo.
Meu segundo, efetivo e definitivo encontro com o Judiciário,
portanto, se dá quando ambos somos diferentes de nosso primeiro quase encontro há
tantos anos.
Um homem só é útil a qualquer instituição quando crê que pode
contribuir para que ela continue a melhorar sempre. Temos todos a obrigação da
melhora.
Ao entrar pela porta do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Rondônia o faço com o ânimo de dedicar o melhor que posso para, junto com os
demais Desembargadores, buscar verdade e distribuir justiça.
Aos Poderes Executivo e Legislativo a minha republicana
deferência e o ânimo de construir a indispensável relação de independência e
harmonia.
Aos agora colegas da primeira instância, mais do que meu
respeito, terão sempre a minha admiração. É na primeira instância que se distribui
quase toda a justiça no Brasil e nem sempre isso é lembrado.
Aos advogados, em cuja conduta reside a possibilidade efetiva de
distribuir justiça, registro meu respeito.
Aos servidores, deixo minha mensagem de respeito pelo
incansável trabalho no cotidiano do Judiciário.
Dedico este momento de transposição ao Grande Arquiteto do
Universo que a mim, em todos os momentos da vida foi extremamente generoso e, já
no momento que me encaminho para o final da carreira, reservou-me esta missão no
Poder Judiciário;
Às minhas filhas e a meu filho, tesouro maior da minha vida;
À minha querida e amada esposa, colega e amiga de todas as
horas;
Às minhas irmãs que me honram com sua presença. Esta
solenidade, tenham certo, não seria a mesma sem a presença de vocês;
À minha querida mãezinha que, pela avançada idade, fez esforço
hercúleo para se deslocar de Santos a Porto Velho e poder abençoar a minha posse;
Ao Ministério Público de Rondônia, Instituição que me permitiu
aperfeiçoar como homem, cidadão e cultor do Direito.
Acima de tudo, dedico este momento ao meu querido e saudoso
pai, homem simples, mas que, na sua sabedoria impar, deixou-me o maior legado que
alguém pode receber: a honradez e a retidão de caráter.
Não tenho a ilusão de poder mudar o mundo com papel e caneta,
mas creio que possamos melhorar o mundo com papel e caneta.
Tenho como crença fundamental que não se sacrificam direitos
por fins, que o respeito aos direitos fundamentais é o parâmetro para diferenciar a
civilização da barbárie.
Gostaria de ter uma fórmula para todos os males da civilização
ou pelo menos para todas as angústias da distribuição de justiça. Não a tenho, mas
tenho o ânimo de oferecer meu entusiasmo, minhas crenças e minha experiência para
buscar verdade e justiça.
Neste encontro, que é último ato daquele quase encontro de 27
anos atrás, tenho a fé de que posso oferecer alguma inteligência e alguma
consciência, sempre sabedor que a inteligência tem o instinto da verdade e a
consciência tem o instinto da justiça.
Agradeço, por derradeiro, a presença de todos os amigos colegas
do Ministério Público e da Magistratura e às autoridades presentes.
Que o Deus me abençoe e me ilumine nesta nova trajetória,
permitindo seja eu justo nas minhas decisões, guiando minha mão e não me deixando
esquecer que a lei e a jurisprudência devem ser interpretadas sempre com a finalidade
precípua de FAZER JUSTIÇA!
Muito obrigado!
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