POLÍTICA EDUCACIONAL E EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR NA BAHIA: CRITICA A DESIGUALDADE NA SOCIEDADE CAPITALISTA Marcelo Torreão Sá/UNEB1 [email protected] O terrível é que nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais (SANTOS, 2005, p.74) Neste artigo, de forma introdutória, são colocadas as questões referentes à desigualdade na sociedade capitalista e a utilização da teoria de Capital Humano como discurso e ação para suprimir as desigualdades sociais. Em um segundo momento a espacialização do ensino superior no Brasil e, especificamente, na Bahia no curso de Graduação em Geografia se faz presente. De forma conclusiva se analise como o discurso da teoria de Capital Humano repercutiu na expansão do ensino superior na Bahia. No livro Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1999), escrito em 1754, Jean Jacques Rousseau responde a uma indagação proposta pela Academia de Dijon na França: Qual a origem da desigualdade entre os homens e se é autorizada pala lei natural. Rousseau (Ibid.) adverte que existem duas desigualdades: uma de ordem natural e a outra de ordem moral ou política. Rousseau (Ibid.) trabalha na perspectiva de criar uma comparação entre o homem social e o homem da natureza. O autor separa, então, a história da natureza, a lei social da lei natural, sendo que, a primeira é responsabilidade do homem, tanto em sua aplicação como de sua criação, e a segunda apenas se aplica ao homem. Para Rousseau (Ibid.) a desigualdade aparece com as primeiras invenções, as primeiras técnicas, que dão superioridade dos homens sobre a natureza, mas como 1 Mestrando em Educação e Contemporaneidade UNEB/PPGEudC. Especialista em Educação Especial. Graduado em Geografia e Pedagogia. Profº da UNEB/Campus XI no curso de Graduação em Geografia e Pedagogia e do ensino básico. E-mail: [email protected] pontua, não entre os homens. Em seus escritos, Rousseau (Ibid.), culpa os entretenimentos e as artes pelo surgimento dos sentimentos e as tramas que originariam as desigualdades entre os homens. “Aquele que cantava ou dançava melhor; o mais belo, o mais forte, o mais hábil ou mais eloqüente passou a ser considerado, e foi esse o primeiro passo para a desigualdade (Ibid., p.187)”. A vaidade, o orgulho, a inveja e os sentimentos vis são, conforme Rousseau, as bases para engendrar a desigualdade entre os homens, para que o ente seja mais importante que o ser. Rousseau trabalha na perspectiva de descrever a degradação da sociedade em uma abordagem histórica. Caminha lentamente, em um esforço bibliográfico e documental, em um processo sincrônico, do passado pré-histórico até o presente, para responder, e não justificar, o progresso da desigualdade entre os homens. Rousseau diz que não está na propriedade o fundamento da desigualdade entre os homens. Para Rousseau (Ibid.) a propriedade e a riqueza são o outro lado da moeda, o lado institucionalizado, legal, dos sentimentos. Os ricos “deixariam de ser felizes, se o povo deixasse de ser miserável” (Op.cit., p. 207). Rousseau, por fim diz: [...] a desigualdade, sendo quase nula no estado de natureza, extraí sua força e seu crescimento do desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do espírito humano e torna-se enfim estável e legitima pelo estabelecimento da propriedade e das leis (Op. cit., p.243). Karl Marx e Friedrich Engels, por outro lado, fundamentam a desigualdade na diferenciação de classes. No livro Manifesto do Partido Comunista (1988), escrito em 1848, os autores definem que na história das sociedades humanas a base da desigualdade foi estabelecida pela relação entre os desiguais sociais. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta (Ibid., p.77). Para Marx e Engels a base da desigualdade entre os homens esta fundamentada na propriedade. Para os autores só a “abolição da propriedade privada” (Op. cit., p. 89) traria a igualdade entre os homens. A grande ênfase que os autores deixam claro na questão da luta de classe se estrutura quando da subida da burguesia ao poder. A diferenciação e as relações de classe a partir do governo capitalista são exacerbadas. A desigualdade é exaltada como fundamento da capacidade dos mais aptos. Conforme Marx e Engels (Ibid.) a burguesia: Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal (Op.cit., p.77). Portanto, para Marx e Engels (Ibid.) a desigualdade se fundamenta na relação de classe e só a abolição da propriedade privada extinguirá a desigualdade social. Já Rousseau (1999) fundamenta nos sentimentos, advindos da competição entre os homens pela vaidade, pelo orgulho, pela inveja, ou seja, dos sentimentos vis a desigualdade social é instalada, pois esses sentimentos fazem com que o homem busque legitimar na sociedade capitalista através da posse, da propriedade privada, se diferenciar dos outros. Mais como os governos trabalharam para combater a desigualdade social. Que teorias e discursos foram utilizados ao longo da história, mais precisamente no século XX, para explicar a desigualdade entre os homens na sociedade capitalista. Para efeito de entendimento recorremos ao historiador Eric Hobsbawm, no livro A Era dos Extremos (2000). Conforme o autor o breve século XX tem inicio no ano de 1914 e fim no ano de 1991. Hobsbawm (Ibid.) divide o século XX em três períodos: Era de Catástrofe que tem o começo na eclosão da 1ª Guerra Mundial em 1914 e termina em 1946, um ano depois do fim da 2ª grande Guerra Mundial; Era de Ouro de 1947 a 1973, considerado como o período histórico em que o desenvolvimento social, principalmente na sociedade européia, teve seu maior impulso; e por fim, a Era de Crise que vai de 1974 a 1991. A Era de Catástrofe, segundo Hobsbawm (Ibid.), é reflexo da política do Laissez faire aplicada como ideário do Estado capitalista da metade do século XVIII ao século XIX. Hobsbawm (Op.cit., p.99) criticando a política liberal comenta: “Trata-se de uma catástrofe que destruiu toda a esperança de restaurar a economia e a sociedade [...]”. Portanto, as aplicações das teorias do liberalismo defendidas, principalmente, pelos pensadores Adam Smith (1723-1790), Thomas Robert Malthus (1766-1834) e David Ricardo (1772-1823), ocasionaram as grandes revoltas populares no fim do século XIX e inicio do século XX e as grandes guerras da Era de Catástrofe. (Op.cit.). Para Adam Smith (1987 apud Ferraro, in FERREIRA & GUGLIANO, 2000, p.37) “[...] as desigualdades existentes resultam sim da natureza das próprias utilizações do trabalho e do Capital. [...]”, ou seja, a desigualdade é naturalizada por Smith como parte das relações entre capital e trabalho, sendo papel do Estado apenas minorar tais desigualdades. Radicalizando o pensamento de Adam Smith sobre a função do Estado em suprimir a desigualdade entre as pessoas, Thomas Robert Malthus (1986 apud Ferraro, in FERREIRA & GUGLIANO, 2000) escreve: [...] existe um direito que se tem sempre acreditado que o homem possui e que creio que não possui nem pode possuir: o direito à subsistência quando seu trabalho não é suficiente para adquiri-la. É certo que nossas leis dizem que tem esse direito e obrigam a sociedade a dar emprego e alimentos àqueles que não podem obtê-los no mercado ordinário; porém, assim fazendo intentam subverter as leis da natureza, e em conseqüência pode-se esperar não só que fracassem em seu objetivo, mas também que os pobres, que desejam beneficiar, sofrerão cruelmente devido ao engano inumano a que são submetidos [...]. Segundo as leis da natureza e independentemente de qualquer instituições particulares, exceto a propriedade privada [...], nenhuma pessoa tem direito de reclamar da sociedade sua subsistência se seu trabalho não é suficiente para compra-la (MALTHUS, 1986 apud Ferraro, op.cit., p.50, supressão do autor) As definições de Malthus retratam bem as concepções da adoção do liberalismo pela sociedade capitalista. Para Hobsbawm (2000, p.17) o “colapso da sociedade burguesa do século XIX na Era de Catástrofe”, teria sido uma das causas do surgimento da Era de Ouro. Em suma, por diversos motivos, os políticos, autoridades e mesmo muitos homens de negócios do Ocidente do pós-guerra se achavam convencidos de que um retorno ao Laissez faire e ao livre mercado original estava fora de questão. Alguns objetivos políticos – pleno emprego, [...] – tinham absoluta prioridade e justificavam a presença forte do governo (Op. cit., .267-268). Portanto, os países capitalistas com as duas guerras mundiais, a ascensão das economias planificadas, a crise do sistema capitalista de 1929 e a formulação da teoria de Lord Keynes em 1936, buscaram uma nova alternativa as teorias do liberalismo e adotam uma nova teoria, o keynesianismo, que tinha como ação um Estado que valorizasse o bem estar social (Welfare state) através de políticas de pleno emprego e redistribuição de renda. A política do bem estar social, diferente do liberalismo, apregoava um investimento do Estado na assistência aos mais necessitados. O surgimento da previdência social, de leis trabalhistas que asseguravam os direitos básicos, as políticas de valorização do salário do trabalhador, a assistência médica, os programas de moradia e de saneamento para os mais pobres, foram medidas que tentavam aplacar as desigualdades sociais. A Era de Ouro, durou pouco menos de 30 anos, teve inicio no ano de 1973, provocada pela suspensão da venda de petróleo, para os Estados Unidos e para alguns estados-nacionais europeus, pelos países árabes signatários da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Os efeitos, do embargo, foram sentido em todo o mundo. Hobsbawm (Ibid.) retrata a Era de Crise como: [...] uma era de decomposição, incerteza e crise [...], de catástrofe [...]. Visto do privilegiado ponto de vista da década de 90, o Breve Século XX passou por uma curta Era de Ouro, entre uma crise e outra, e entrou num futuro desconhecido e problemático, [...] (Op. cit., p.15). A critica a política pública de intervenção do Estado na sociedade capitalista, feita pelos teóricos neoliberais, principalmente Milton Friedman,2 fazem ressurgir as idéias propostas pelos liberais, principalmente, a posição de Thomas Robert Malthus. Ferraro (in FERREIRA & GUGLIANO, 2000) descreve os aspectos defendidos pelos neoliberais: O primeiro, [...], pode ser definido como o desejado retorno ao Laissez faire na economia, ao livre mercado, ao liberalismo econômico. O segundo aspecto consiste no pretendido retorno às idéias e posições dos liberais de fins do século XVIII e do século XIX relativos à questão social ou do bemestar. [...], na visão neoliberal, há uma especial subordinação do social ao econômico. Isso faz com que a questão do bem-estar seja uma questão segunda, tanto em termos de tempo, como de prioridade. O social costuma ser visto como uma extensão ou decorrência do ‘econômico’; [...] (Op.cit., p.34, grifo do autor). Outra teoria vem a reboque das idéias neoliberais. A Teoria de Capital Humano, explica ser esse conceito derivado dos conceitos de "capital fixo" (maquinaria) e de "capital variável" (salários). O "capital humano" é o capital incorporado aos seres humanos, especialmente na forma de saúde e educação. Portanto, ele é explicativo do desenvolvimento econômico desigual entre países, regiões e cidades. Essa é uma teoria econômica para explicar o crescimento de um fator quando haja igualdade de condições. Theodore Schultz define (1973) assim Capital Humano: 2 Teórico da Escola de Chicago que pública em 1962 o livro Capitalismo e liberdade defendendo a liberdade do individuo e a redução do Estado. É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital porque é fonte de satisfações futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas. Onde os homens sejam pessoas livres o capital humano não é um ativo negociável, no sentido de que possa ser vendido. Pode ser, sem duvida, se adquirido, não como um elemento de ativo, que se adquire no mercado, mas por meio de um investimento no próprio individuo. (Ibid., p.53) A educação é um bem, portanto um investimento no ser humano. O conhecimento individual é aquele que se acha representado pela educação, experiência, habilidades e atitudes das pessoas. Nesta senda, Schultz (Op. cit, p.79) afirma “que a educação se torna parte da pessoa que a recebe, [...]. Dado que se torna parte integral da pessoa, não pode ser comprada ou vendida ou tratada de acordo com as nossas instituições, como propriedade”. Ora, com este enfoque, o investimento no individuo para o desenvolvimento da sociedade capitalista passa então a se tornar um importante diferencial competitivo. “Simplesmente não é possível ter-se os frutos de uma agricultura moderna e a abundância da moderna indústria sem que se façam grandes investimentos nos seres humanos” (Op. cit, p.52). A desigualdade social, agora é atribuída ao pouco investimento em educação por parte do Estado. As nações subdesenvolvidas, com isso, foram incentivadas a investir em capital humano para que entrassem em desenvolvimento. Os indivíduos, por outro lado, que investissem em educação e treinamento teria capacidade de ascender socialmente. Reverberando a teoria de Capital Humano e criando o marco nas políticas públicas dos países membros da ONU (Organizações das Nações Unidas), sobre a importância da educação para o desenvolvimento social, é organizado em Jomtien na Tailândia, no ano de 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990). Conforme o documento da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Ibid., 2009), redigido e elaborado por pensadores da educação mundial, se percebe em seu preâmbulo a utilização da educação como caminho para: [...] enfrentar um quadro sombrio de problemas, entre os quais: o aumento da dívida de muitos países, a ameaça de estagnação e decadência econômicas, o rápido aumento da população, as diferenças econômicas crescentes entre as nações e dentro delas, a guerra, a ocupação, as lutas civis, a violência; a morte de milhões de crianças que poderia ser evitada e a degradação generalizada do meio-ambiente. (Op.cit., p.1). O documento pontua ainda que, [...] a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional; (Op.cit., p.2). E o Brasil? Que políticas públicas o Estado brasileiro adotou para minorar e explicar as desigualdades sociais? Para efeito explicativo recortamos a partir do Governo de Getulio Vargas, no ano de 1930, devido à centralização das políticas públicas que visavam o território nacional e se contrapõe às ações anteriores que tinha caráter descentralizado. Com a modernização do aparelho estatal, criação dos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde além do grande número de órgãos de regulamentação, controle e fomento o governo getulista passou a editar planos e metas de abrangência nacional. Através das políticas publicas nacional o poder central teceu a coesão do território brasileiro. As bases das políticas públicas do Governo de Getúlio Vargas tinham especificidades keynesianas e liberais. Getulio Vargas ficou conhecido como o pai dos pobres devido às grandes ações sociais, apesar de priorizar em muitos aspectos os setores econômicos. O planejamento econômico do Estado brasileiro foi um dos marcos na política pública do governo de Vargas. Dois órgãos têm função primordial. Em 1933 o Conselho Nacional de Geografia foi criado com a missão de padronizar o país de um sistema cartográfico; pesquisar sobre características geográficas regionais e locais; demarcação de terras; censos. No ano posterior, em 1934, o Instituto Nacional de Estatística foi criado tendo o intuito de coletar estatísticas e aplicar nas políticas públicas de intervenção e planejamento de crescimento econômico. No ano de 1942 os dois órgãos são unidos e formam o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As iniciativas de Vargas, primeiramente, e depois dos demais governos brasileiros centrou nos discursos e nas ações desenvolvimentista de base econômica para extinguir as desigualdades local/regional. Crescer o bolo para depois dividir, slogan notabilizado, principalmente no regime militar (1964-1985), mais amplamente aplicado desde o governo getulista até os dias atuais no governo de Lula. As políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico não surtiam efeito esperado e as desigualdades sociais no Brasil se exacerbar. No governo de transição democrática (1985 – 1989) a hiperinflação se instala e as mazelas urbanas, fruto da falta de planejamento, se acentuam. As elites, neste momento, necessitavam de um novo discurso, uma nova teoria, uma nova ação. O ‘capital humano’, como foi colocado anteriormente, é o capital incorporado aos seres humanos, especialmente na forma de saúde e educação. Portanto, ele é explicativo do desenvolvimento econômico desigual entre países, regiões e cidades (SCHULTZ, 1973). A teoria do capital humano ganhou espaço no Brasil a partir do fim da década de 1970. Uma boa parte da literatura existente sobre o capital humano atribui à educação e ao mercado de trabalho o papel de principais determinantes da formação da renda do indivíduo e, conseqüentemente, determinantes do desenvolvimento socioeconômico de um país. Além disso, para os defensores da teoria de Capital Humano no Brasil, a educação teria um papel fundamental na diminuição das desigualdades socioeconômicas, geradas pela exclusão de grande parte dos indivíduos do sistema econômico vigente. Para alguns teóricos brasileiros o modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou até a década de 1980 estaria em descompasso com as estruturas do capitalismo moderno. Marcio da Costa (in GENTILI, 1995) cita os teóricos, que defendem a teoria de Capital Humano como pressuposto do desenvolvimento social, Ribeiro & Schwartzman em artigo publicado no Jornal do Brasil no dia 06 de Julho de 1990. O desenvolvimento brasileiro até hoje se sustentou nas vantagens relativas de nossa mão de obra barata e não-qualificada e da abundância de matériasprimas, o que era compatível com uma população ignorante e uma pequena elite educada. Isto terminou. A competitividade, a eficiência e a criatividade da população como um todo são agora indispensáveis em um mundo onde a universalização da economia e da tecnologia é inevitável (Op. cit., p. 60). A Teoria de Capital Humano entra com força no Brasil nos anos de 1990, atraindo a atenção da grande mídia, que afirmava a urgência na revolução educacional para o país competir no mercado internacional e suplantar as desigualdades locais. Com a Teoria de Capital Humano, adotada como discurso e ação, no Governo Collor de Mello/Itamar Franco (1990 – 1994), no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e no Governo de continuidade de Luis Inácio Lula da Silva (2003 até 2010) a educação se torna explicativo para o desenvolvimento econômico desigual entre as diferentes regiões e cidades do Brasil. A grande salvação é investir em educação. Analisando os dados, neste momento, da expansão do ensino superior no Brasil podemos correlacionar que a criação de institutos de ensino superior se deu através dos discursos políticos calcados na teoria de Capital Humano de desenvolvimento social para o país, as regiões e as cidades. A partir do ano de 1980 as cidades e regiões brasileiras, pouco desenvolvidas, através de discursos políticos, reivindicam a criação de estabelecimentos de ensino superior e o investimento generalizado em educação como prerrogativa de desenvolvimento social. Antes desta data o Estado brasileiro, enfim, priorizou por políticas públicas de investimentos em programas de infraestrutura, energia, transportes em detrimento de uma política voltada para o social. Historicamente, conforme os dados sistematizados pelo IBGE, datados do ano de 19363, o estado da federação que concentrava mais estabelecimentos de ensino superior no Brasil era o Rio de Janeiro com 30 instituições de ensino superior publicas e privadas. A Bahia contava apenas com cinco estabelecimentos. No total o Brasil, em 1936, possuía 125 estabelecimentos. A política do governo federal, estadual e municipal não entendia, até o ano de 1980, como prioridade, para o desenvolvimento social, os investimentos em educação, portanto, coube a iniciativa privada a criação e expansão de estabelecimentos de ensino superior no Brasil. Conforme dados do IBGE, até o ano de 1980, a expansão no ensino superior se dará prioritariamente na região Sudeste. A abertura destes estabelecimentos, majoritariamente da iniciativa privada, visa suprimir a grande procura que acontecia aos poucos estabelecimento público existentes. Os dados do IBGE de 19804 revela o pouco numero de estabelecimentos de ensino superior de esfera pública e privada nas regiões brasileiras de baixo poder aquisitivo. No ano de 1980 a Bahia contava com apenas 18 estabelecimentos de ensino superior entre público e privados, sendo apenas uma universidade federal e uma universidade estadual5. No que se refere aos cursos de Geografia até o ano de 1980 se localizava na Bahia apenas dois cursos de graduação. Um na UFBA criado em 1941 na 3 Os dados do IBGE sobre o numero de estabelecimentos de ensino superior no Brasil estão disponível em: <http://www.ibge.gov.br/seculoxx/estatisticas_populacionais.shtm>. Foram acessados em: 25 jun. 2009. 4 Região: Norte 11; Centro-Oeste 31; Nordeste 94; Sul 154; Sudeste 592 Universidade Federal da Bahia criada em 08/04/1946 e Universidade Estadual de Feira de Santana em 23/01/1970 disponível em: < http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/inst_passo2.asp?uf=BA>. Foram acessados em: 25 jun. 2009. 5 antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (criada em 1941), incorporada à UFBA em 1946 e outra na Universidade Católica do Salvador (UCSAL) em 19526. Hoje o Estado da Bahia conta com 26 cursos7 de graduação em Geografia credenciados pelo Ministério da Educação (MEC) entre presenciais, ensino a distância e curso de formação de professores que estão em exercício na Rede Estadual de Ensino e não são formados em geografia. Conforme Almeida (2005) os Campi da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foram criados por razões políticas. Portanto e analisando os dados expostos acima percebe que a expansão e criação de alguns estabelecimentos de ensino superior na Bahia tiveram um viés neoliberal, ou seja, as instituições foram criadas em uma base falsa (sem recursos, com professores despreparados, etc), com velhas máximas do laissez-faire, segundo o qual o progresso e a riqueza da sociedade se fazem por impulso e ajustes automáticos na busca do equilíbrio. Pensadores da educação, como Frigotto (in GENTILI, 1995), formulam criticas as políticas desenvolvimentistas, calcadas na teoria de Capitais Humanos, adotados pelos Estados neoliberais como forma de explicar às desigualdades na sociedade capitalista e minorar as mazelas da pobreza. Por ser uma formulação que olha a relação capitalista de dentro e o sistema como um dado resultante da perspectiva liberal e neoclássica de compreensão da realidade social, não leva em conta as relações de poder, as relações de força, os interesses antagônicos e conflitantes e, portanto, as relações de classe. A debilidade da tese de Capital Humano de gerar política e socialmente o que prometia em termos de nações e dos indivíduos resulta, pois, da forma invertida de apreender a materialidade histórica das relações econômicas, que são relações de poder e de força e não uma relação matemática (Op. cit., p. 93). Apesar do discurso, pouco se investiu em educação de qualidade no Brasil, a prioridade ainda é concentrada na economia. As aberturas de estabelecimentos de nível superior são realizadas como farsa social; sem estruturas e com objetivos estritamente eleitoreiros e de justificativa de melhorar a qualidade de vida do lugar e de sua região. O social subordinado as leis econômicas demonstra uma clara adoção da teoria neoliberal. As políticas públicas brasileiras voltadas para o social trabalham em uma perspectiva assistencialista eleitoreira e quando ocorre crise econômica os cortes são sentidos, primeiramente, na área social. 6 7 Disponível em: < http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/inst_passo2.asp?uf=BA>. Acessado em: 25 jun. 2009. Disponível em: < http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/inst_passo2.asp?uf=BA>. Acessado em: 25 jun. 2009. A política de incentivo fiscal, por exemplo, do governo Lula, que reduziu o imposto sobre produtos industrializados (IPI), confirma uma clara opção de favorecer o consumo e as grandes empresas nacionais e multinacionais em detrimento da redução do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) que incide diretamente sobre o salário. A justificativa por estar sempre fundamentada nas relações econômicas e favorecer o ganho de capital, o consumo/produção, em detrimento do social, revela a verdadeira intenção do Estado na sociedade capitalista. “O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX & ENGELS, 1988, p. 78). Karl Marx, no livro Manuscritos Econômicos Filosóficos (2004), escrito em 1844 em sua juventude e publicado só no inicio do século XX após sua morte, se aproxima dos conceitos de Rousseau (1999), descritos no inicio deste ensaio, quando no Terceiro Manuscrito relata que a desigualdade está vinculada a um homem que se dedica: [...] ao prazer, [...] se comporta como indivíduo efêmero, de atividade desenfreada e sem destino, que olha o trabalho servil dos outros, o sangue e o suor humanos, como presa da sua ambição, e que considera o próprio homem e, portanto, também a si mesmo, como um ser sacrificado e supérfluo. Adquire assim um desprezo pela humanidade sob a forma de arrogância e de esbanjamento de recursos que sustentariam uma centena de vidas humanas, em parte, também, sob a forma de ilusão infame de que sua extravagância descontrolada e o seu consumo ilimitado e improdutivo condicionam o trabalho e a subsistência dos outros (MARX, 2004, p. 169). O que não mudou, portanto, é a natureza da relação capital e a forma de subordinar a vida humana aos desígnios do lucro. Exacerbou-se a exclusão de muitos, evidenciada pela elevação do desemprego e subemprego, inclusive nos países do capitalismo central como demonstra os índices de miséria absoluta. A desigualdade social, fruto do sistema capitalista, virou regra e normalidade no mundo (SANTOS, 2005). A ética e a moral, individual e coletiva, são relegadas em nome das alianças e dos favores. Em nome do dinheiro grandes altares são erguidos para a tirania da produção desenfreada e a apologia do consumo que esmagam a humanidade em violência e medo (Ibid.). REFERÊNCIAS ALMEIDA, Gustavo Roque. A expansão do ensino superior na Bahia: a ação do governo do Estado. 73f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia. CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990, Jomtien, Tailândia. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Tailândia: Jomtien, 1990. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/Declaracao_Jomtien.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2009. COSTA, Márcio da. A educação em tempos de conservadorismo. In GENTILI, Paulo (org.). Pedagogia da exclusão: critica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. FERRARO, Alceu R. Neoliberalismo e políticas públicas. A propósito do propalado retorno às fontes. In FERREIRA, Márcia Ondina Vieira & GUGLIANO, Alfredo Alejandro (org.). 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