Interiores Luís Fernando Veríssimo Os três moram com o pai, o

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Luís Fernando Veríssimo
Os três moram com o pai, o professor Freud. Um se chama Id, o outro Ego e o
terceiro Superego. O impulsivo, brigão, irracional e baixinho é o Id. O delicado,
neurótico e reprimido é o Ego. O grandalhão, truculento e repressivo é o Superego.
Apesar de irmãos, eles não combinam em nada. O Superego estuda Direito, o Ego,
Filosofia, e o Id faz supletivo. O Superego é policial, o Ego é professor de Moral e Cívica
e o Id trabalha numa fábrica. Talvez por isso eles nunca estejam numa boa. Estão
sempre em conflito. O Id odeia o pai, quer matar os irmãos e não consegue entender
suas atividades repressivas. O Superego domina o Ego e tenta conter os impulsos
homicidas do Id. O Ego, espremido no meio, faz o que pode para manter um frágil
equilíbrio entre eles. O pai não se mete, só observa.
Outro dia era Domingo. O Superego estudava, o Ego lia, o pai dormia e o Id se
entregava a seu passatempo predileto: paquerar vizinhas de binóculo. Aliás, naquele
dia, o Id havia descoberto uma nova e linda vizinha no edifício ao lado e seu
entusiasmo era tanto que ele não parava de gritar frases para ela.
- Mulherão! Se o pessoal da ONU te enxerga, te declara patrimônio da
humanidade, ó monumento! Se Deus fez outra igual, guardou para ele, ó perfeição!
O Superego, irritadíssimo, repetia pela décima vez que ele parasse com aquilo,
senão a cana pintava. O Id dizia que a polícia já estava ali, ao vivo, e que não era de
nada. Que a mulher era boa demais e estava se pelando e que ele também ia se pelar
para ela ver. E não para de repetir:
- Vou tirar as calças!
A zorra foi tanta que num dado momento o Superego explodiu e tentou exercer
sua autoridade jogando um Código Civil na cara do Id. O tempo fechou. O Ego comprou
a briga e partiu para cima do Superego com o Psicopatologia da vida cotidiana. Este
revidou com Tratado de direito da família. O Ego se defendeu com Medo à liberdade,
de Fromm. O Superego contra atacou com Código Penal. O Id ia passando a mão num
Eros e civilização de Marcuse quando o pai chegou e apartou os três. Foi então que
aconteceu o inesperado. O pai apanhou o binóculo, focou a mulher e ficou branco:
“Meu Deus... Não pode ser. É ela!” “Ela quem?” perguntaram todos, ao mesmo tempo.
“A Libido, meus filhos. Outra filha minha, irmã de vocês”, disse o professor desolado. E
caiu no divã. Naquele momento, pela primeira vez, todos sentiram, ao mesmo tempo,
um estranho desejo de matar o pai.
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