Figueredo e Brandão Combinação de Fármacos no Tratamento da HAS Ponto de Vista Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):325-28 setembro/outubro Combinação de Fármacos no Tratamento da Hipertensão Arterial: Vantagens e Desvantagens Ponto de Vista Drug Combinations for Hypertension Treatment: Advantages and Disadvantages Fábio Santiago Figueredo1,2, Andréa Araujo Brandão3 Resumo Abstract O objetivo da terapia anti-hipertensiva é atuar sobre os mecanismos de controle da pressão arterial (PA), de forma a reduzir a PA e assim evitar os seus efeitos prejudiciais sobre o sistema cardiovascular. O emprego da combinação de fármacos representa estratégia preferencial para a maioria dos pacientes, pois apresenta maior eficácia, menos efeitos colaterais e maior adesão ao tratamento. O objetivo deste trabalho é abordar as vantagens e desvantagens do uso da combinação de fármacos na terapêutica da hipertensão arterial (HA). The goal of anti-hypertension treatment is to act on the blood pressure (BP) control mechanisms in order to lower the BP and thus avoid harmful effects on the cardiovascular system. The use of drug combinations is the preferred strategy for most patients, with greater efficacy, fewer side effects and better compliance. The aim of this paper is to discuss the advantages and disadvantages of using anti-hypertensive drug combinations for treating arterial hypertension (AH). Palavras-chave: Adesão à medicação; Cardiologia; Hipertensão Keywords: Compliance with medication; Cardiology; Hypertension Introdução A HA primária é resultado de uma interface complexa entre genes de suscetibilidade e fatores ambientais que ocasionam um desequilíbrio fisiológico, gerando aumento da PA. A terapia farmacológica objetiva atuar sobre os mecanismos de controle da PA, de forma a reduzir a PA e os riscos associados à sua elevação, promovendo redução de desfechos cardiovasculares, sem afetar negativamente a qualidade de vida do hipertenso. pressão arterial em 76,0 % dos pacientes, porém com um custo financeiro alto, um gasto maior de tempo e grande dificuldade de adesão ao tratamento. Em contrapartida, a terapia combinada foi capaz de controlar a pressão arterial em 70,0 % dos pacientes na primeira tentativa. Assim, desde 1988 o Joint National Committee (JNC-VI)3 recomendou o uso de terapias combinadas em baixas doses como tratamento inicial da HA. Nos dias atuais, admite-se que a terapia combinada se faz necessária em cerca de 75,0 % dos pacientes para o alcance das metas de PA4. Estudos1,2 demonstraram que a associação sequencial de fármacos poderia controlar adequadamente a Neste trabalho serão discutidas as vantagens e as desvantagens da combinação de medicamentos, assim Departamento de Patologia Geral e Laboratórios - Faculdade de Ciências Médicas - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil 2 Laboratório de Genética Aplicada - Serviço de Hematologia - Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil 3 Disciplina de Cardiologia - Faculdade de Ciências Médicas - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Correspondência: Fábio Santiago Figueredo E-mail: [email protected] Av. Vinte e oito de setembro, 77 - 4º andar - Vila Isabel - 20551-030 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Recebido em: 02/09/2013 | Aceito em: 08/10/2013 1 325 Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):325-28 setembro/outubro como os resultados clínicos de algumas combinações de fármacos. Combinação de fármacos: vantagens A regulação da PA é uma das funções fisiológicas mais complexas do organismo, dependente das ações integradas dos sistemas cardiovascular, renal, neural e endócrino. O uso da combinação de dois fármacos anti-hipertensivos permite atuar em mais de um mecanismo de controle da PA, podendo-se observar indiferentismo farmacológico (cada fármaco age independente do outro) ou interação farmacológica com sinergismo, antagonismo parcial ou total, e antidotismo desses efeitos. A combinação de fármacos é considerada positiva quando há sinergismo dos fármacos para o efeito anti-hipertensivo. Outro aspecto de interesse é que a terapia combinada pode contrabalançar os mecanismos de contrarregulação que são desencadeados por monoterapia, o que possibilita limitar o efeito da intervenção farmacológica iniciada. Por exemplo, ao se iniciar um diurético, a depleção de sódio causada por este acaba por estimular o sistema nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), atenuando o seu efeito anti-hipertensivo. A associação de um inibidor de enzima conversora da angiotensina (IECA) ou de um betabloqueador minimiza esses mecanismos contrarregulatórios, aumentando os efeitos anti-hipertensivos do primeiro agente. Outros exemplos incluem a redução da taquicardia induzida por hidralazina pelo uso de betabloqueadores e a prevenção do edema induzido pelos antagonistas dos canais de cálcio (ACC) di-hidropiridínicos com o uso de IECA, bem como a associação de diuréticos com os bloqueadores adrenérgicos (metildopa) e vasodilatadores de ação direta (hidralazina) que previne a retenção de sódio e mantém seus efeitos anti-hipertensivos. Segundo Law et al.5 a eficácia da monoterapia de cinco classes de fármacos (tiazídicos, betabloqueadores, IECA, bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA) e ACC) mostrou-se semelhante nas doses preconizadas, com redução média de 9,1 mmHg de PA sistólica (PAS) e 5,5 mmHg de PA diastólica (PAD)5. Já a combinação de dois fármacos, utilizando-se metade da dose preconizada de cada um, foi capaz de reduzir a PAS em 13,3 mmHg e a PAD em 7,3 mmHg, enquanto a terapia com três fármacos, utilizando-se metade da 326 Figueredo e Brandão Combinação de Fármacos no Tratamento da HAS Ponto de Vista dose preconizada, foi capaz de reduzir a PAS em 19,9 mmHg e a PAD em 10,7 mmHg5. Em relação aos efeitos colaterais dose-dependente demonstrou-se que o uso de metade da dosepadrão reduz os eventos adversos, principalmente para os tiazídicos (de 9,9 % para 2,0 %), ACC (de 8,3 % para 1,6 %) e betabloqueadores (de 7,5 % para 5,5 %)5. Assim, na terapia combinada, a eficácia antihipertensiva é alcançada com doses menores dos fármacos e, consequentemente, com menos efeitos adversos. Um dos maiores desafios do tratamento anti-hipertensivo é a adesão do paciente às recomendações terapêuticas estabelecidas pelos médicos. Seguramente, uma das razões para melhor adesão está centrada na quantidade de medicamentos utilizados e do número de tomadas diárias de cada um deles. Estudos demonstraram que o número de tomadas de medicamentos em 24 horas é inversamente proporcional à adesão ao tratamento6. Na meta-análise de Gupta et al.7 concluiu-se que a combinação fixa de fármacos (uma pílula) quando comparado com a combinação livre, possibilita maior adesão e persistência ao tratamento anti-hipertensivo, com tendência a melhor controle pressórico e redução dos efeitos colaterais7. Indicações das combinações de fármacos e resultados clínicos As últimas diretrizes brasileiras e europeias de HA preconizam a utilização da combinação de fármacos como estratégia inicial de tratamento para pacientes com HA estágios 2 e 3 ou estágio 1 quando o paciente é de alto ou muito alto risco cardiovascular. As combinações de fármacos reconhecidas como eficazes pelas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão9, são: diuréticos associados com outros diuréticos de diferentes mecanismos de ação, com simpatolíticos de ação central, betabloqueadores, ACC, IECA, BRA, inibidor direto da renina (IDR) e ACC com betabloqueadores, IECA, BRA e com IDR9. Entretanto, as mais recomendáveis e mais frequentemente usadas na prática clínica são: um bloqueador do SRAA (IECA ou BRA) com um diurético tiazídico ou com ACC. Destaca-se que está contraindicada a associação de IECA com BRA8. O Quadro 1 mostra estudos que apresentaram benefícios clínicos com diferentes combinações de fármacos. Figueredo e Brandão Combinação de Fármacos no Tratamento da HAS Ponto de Vista Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):325-28 setembro/outubro Quadro 1 Principais ensaios clínicos que apresentaram redução de eventos cardiovasculares com combinações de fármacos no tratamento da hipertensão arterial8 Estudos Comparador Tipo de paciente Resultado clínico Associação: IECA e diurético PROGRESS Placebo História de AVE ou AIT -28 % de AVE (p<0,001) ADVANCE Placebo Diabéticos -9 % de eventos vasculares (p=0,04) HYVET Placebo Hipertensos (≥80 anos) -34 % de eventos CV (p<0,001) Associação: BRA e diurético SCOPE Diurético + placebo Hipertensos (≥70 anos) -28 % de AVE não letal (p=0,04) LIFE Betabloqueador + diurético Hipertensos com HVE -26 % de AVE não letal (p<0,001) Placebo + diurético Hipertensos -27 % de eventos CV (p<0,001) SystEur Placebo Idosos com HSI -31 % de eventos CV (p<0,001) SystChina Placebo Idosos com HSI -37 % de eventos CV (p<0,004) ASCOT Betabloqueador + diurético Hipertensos com fatores de risco -16 % de eventos CV (p<0,001) ACCOMPLISH IECA + diurético Hipertensos com fatores de risco -21 % de eventos CV (p<0,001) Associação: ACC e diurético FEVER Associação: IECA e ACC Associação: betabloqueador e diurético Coope & Warrender Placebo Idosos com hipertensão -42 % de AVE (p<0,03) SHEP Placebo Idosos com HSI -36 % de AVE (p<0,001) STOP Placebo Idosos com hipertensão -40 % de eventos CV (p=0,003) IECA=inibidor da enzima conversora de angiotensina; CV=cardiovascular; AVE= acidente vascular encefálico; HVE=hipertrofia ventricular esquerda; AIT=ataque isquêmico transitório; HSI=hipertensão sistólica isolada Combinação de fármacos: desvantagens Perspectivas futuras O uso de combinações fixas apresenta algumas desvantagens relacionadas à impossibilidade de identificar a eficácia individual de cada um dos fármacos empregados, a qual dos fármacos empregados na associação deve-se um evento adverso e, quando há necessidade de aumentar a dose, se seria realmente necessário o ajuste de ambos os fármacos. Cabe destacar também o crescente interesse pelo emprego das polipílulas (associação fixa de anti-hipertensivos com estatina e/ou ácido acetilsalicílico), em que o aumento da posologia para alcançar o controle pressórico poderia levar a discrasia sanguínea e hepatotoxicidade, em decorrência do aumento da dose dos fármacos não anti-hipertensivos. Existem indícios de que as variabilidades individuais no metabolismo e no efeito dos fármacos anti-hipertensivas estão relacionadas à heterogeneidade genética da população, conferida principalmente pelos polimorfismos de genes relacionados com o controle da PA. Novos métodos de estudo em massa (microarray) dos polimorfismos gênicos possibilitarão o conhecimento do padrão genético individual de suscetibilidade, assim como o emprego de uma terapia individualizada, a farmacogenômica. Conclusão A combinação fixa de fármacos possibilita melhor eficácia anti-hipertensiva em comparação com a 327 Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):325-28 setembro/outubro monoterapia, decorrente do sinergismo farmacológico e do aumento da tolerabilidade, além de aumentar a adesão ao tratamento da HA. Cabe destacar que um dos principais inconvenientes dessa abordagem, a incapacidade de aumentar a dose de apenas um dos fármacos da associação fixa, pode ser minimizada pela disponibilidade crescente de combinações em diferentes doses fixas dos mesmos fármacos. Assim, a combinação de anti-hipertensivos mostra-se uma eficaz opção na terapia anti-hipertensiva, preferencial para a grande maioria dos hipertensos. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Este artigo foi desenvolvido como parte do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas (PGCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ponto de vista As opiniões apresentadas neste artigo são somente as dos autores. A Revista Brasileira de Cardiologia acolhe pontos de vista diferentes a fim de estimular discussões com o intuito de melhorar os diagnósticos e os tratamentos dos pacientes. Referências 1. Materson BJ, Reda DJ, Cushman WC. Department of Veterans Affairs single-drug therapy of hypertension study. Revised figures and new data. Department of Veterans Affairs Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents. Am J Hypertens. 1995;8(2):189-92. 328 Figueredo e Brandão Combinação de Fármacos no Tratamento da HAS Ponto de Vista 2. Materson BJ, Reda DJ, Cushman WC, Henderson WG. Results of combination anti-hypertensive therapy after failure of each of the components. Department of Veterans Affairs Cooperative Study Group on Anti-hypertensive Agents. J Hum Hypertens. 1995;9(10):791-6. 3. The 1988 Report of the Joint National Committee on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. Arch Intern Med. 1988;148(5):1023-38. 4. Gradman AH, Basile JN, Carter BL, Bakris GL, Materson BJ, Black HR, et al. Combination therapy in hypertension. J Am Soc Hypertens. 2010;4(2):90-8. 5. Law MR, Wald NJ, Morris K, Jordan RE. Value of low dose combination treatment with blood pressure lowering drugs: analysis of 354 randomised trials. BMJ. 2003;326(7404):1427. 6. Andrejak M, Genes N, Vaur L, Poncelet P, Clerson P, Carré A. Electronic pill-boxes in the evaluation of antihypertensive treatment compliance: comparison of once daily versus twice daily regimen. Am J Hypertens. 2000;13(2):184-90. 7. Gupta AK, Arshad S, Poulter NR. Compliance, safety, and effectiveness of fixed-dose combinations of antihypertensive agents: a meta-analysis. Hypertension. 2010;55(2):399-407. 8. Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redón J, Zanchetti A, Böhm M, et al; Task Force Members. 2013 ESH/ESC Guidelines for the management of arterial hypertension: the Task Force for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens. 2013;31:1281-357. 9. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 supl. 1):1-51. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):553.