a soberania popular e o recall político, a revogação da

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A SOBERANIA POPULAR E O RECALL
POLÍTICO, A REVOGAÇÃO DA OUTORGA
DOS PODERES POLÍTICOS
Rennan de Moraes Ribeiro1
INTRODUÇÃO
Discorrer-se-á neste trabalho sobre a soberania popular, abrangendo
suas características, formas de atuação e possibilidades constitucionais para
agir, de forma coletiva, em proteção e defesa dos direitos fundamentais.
Como segunda vertente de trabalho, abordar-se-á a possibilidade do
Recall Político, uma ferramenta muito utilizada em alguns países, mas não
usual no Brasil. Tal ferramenta é essencial ao povo, haja vista que, este,
como soberano em um país, tem, ou deveria ter, o direito legal de revogar
o mandato daquele que o representa caso este não venha a cumprir aquilo
que foi por ele prometido, ao povo, ou designado pelo povo.
Não há como gozar de uma soberania ampla e completa, conforme
a que é atribuída ao povo pela Constituição Federal, sem dar aos soberanos de um país a força para revogar um mandato de representação. O que
se vê com isso é que o povo só se torna soberano uma vez a cada quatro
ou oito anos, momento no qual se dá a troca de governo, momento esse
em que o povo é quem decide quem continua e quem sai.
O soberano do país tem que gozar de mecanismos diretos para a
fiscalização e revogação dos mandatos daqueles que usam dos poderes a
eles instituídos em benefício próprio ou não os usam como deveriam usar.
A SOBERANIA POPULAR
A soberania popular foi consagrada pela Constituição de 1988, em
seu art. 1º, parágrafo único, para que os comuns do povo, reunidos, dispusessem de uma autonomia de poder, podendo, de certa forma, estabelecer
limites ao Estado, sempre que este vier a extrapolar em suas ações.2
1 Acadêmico do 8º Termo de Direito da Universidade de Cuiabá – Unic.
2 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2011.
190 A soberania popular e o recall político, a revogação da outorga dos poderes politicos
Sob essa linha de raciocínio temos que a soberania popular se trata
de um direito político, e assim é tratada por muitos doutrinadores, entretanto, essa soberania vai muito além do direito político ou até mesmo
constitucional, trata-se de um direito natural fundamental para existência
de um Estado soberano de direito.
Dois pontos primordiais fazem com que a soberania popular seja
tratada como um ramo do direito, quais sejam:
1º - A falta de organização popular – a qual deixa a desejar no momento de se mostrar suprema, reunindo-se. A união faz a força, por isso há
a necessidade da união do povo. Sempre que houver a força, obrigatoriamente o lado mais fraco terá que ceder: “ceder à força é ato preciso e não
voluntário, ou quando muito prudente”.3
Ante a essa soberania é perfeitamente aceitável que o povo pode, e
deve, intervir nas relações do Estado sempre que julgar necessário, seja ela
qual for a relação estatal.
2º - A necessidade do Estado de se organizar – um Estado sem organização não é capaz de se tornar soberano face a outros Estados, sendo
assim, é necessária a delegação de representantes do povo para liderar,
organizar e tomar decisões favoráveis ao seu líder e ao próprio Estado.
Com uma liderança comunitária, que seria, caso o estado não tivesse um
representante, seria praticamente inviável a tomada de decisões, e assim o
caos seria instalado dentro do território sempre que fosse necessário caminhar na tomada de decisões.
A necessidade do Estado de se organizar não inviabiliza a organização popular, tampouco retira dele sua soberania. Portanto, quando o povo
elege um representante ele não está se abstendo de sua soberania, mas
delegando parte dessa soberania a alguém para que este aja em favor da
coletividade e do Estado de Direito.
Tal dedução permite que se afirme que a soberania popular não se
submete, em regra, aos ramos do direito, já que esta está diretamente ligada à ordem social a qual todos os outros direitos se fundamentam.
Vale lembrar que a soberania popular aqui tratada não é apenas
uma vontade individual, mas, sim, a vontade majoritária do povo, reunido
e organizado, e diante dessa suprema vontade não há direito ou regras
capazes de impedir que os objetivos populares sejam alcançados, nesse
3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Traduzido por Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2010. p. 20.
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momento, sim, estaríamos diante da verdadeira soberania popular.
A respeito de tal assunto o saudoso Jean-Jacques Rousseau, em seu
livro Do Contrato Social, disse:
A partir do momento em que essa multidão assim está reunida num
corpo, não se pode ofender um dos seus membros sem danar o corpo
e ainda menos ofender o corpo sem que os membros o ressintam. O
dever e o interesse obrigam pois as duas partes contratantes a mutuamente se coadjuvarem, e os próprios homens devem esmerar-se em
obter todas as vantagens que dessa dupla relação dependem.
Ora, sendo o soberano só formado pelos particulares que o compõem, não
tem nem pode ter interesses contrários aos deles; consequentemente, o
poder soberano não tem precisão alguma de garantia para com os súditos,
porque é impossível querer o corpo prejudicar todos os seus membros.4
Para Clóvis Lema Garcia:
A legitimidade de origem, que diz respeito à “justificação da autoridade
em si mesma e na sua posse, fundada em justo título”, é necessária
mas insuficiente, porque se requer, ainda, a legitimidade de exercício,
que concerne à ação governamental visando sempre à realização do
bem comum. Na verdade, a legitimidade de exercício acaba sendo a
fundamental.5
Caso o direito esteja em desacordo com a vontade majoritária do
povo, este não estará cumprindo seu papel de norma jurídica, que, em
tese, é garantir o convívio social do povo e a prevalência da coletividade.
Temos então que o Estado deve agir em favor do bem comum ao
povo, respeitando seus soberanos. O Estado não é mero espectador, mas
um agente fiscalizador. “Evidentemente, o Estado, ante uma estruturação da
sociedade nesses padrões, não é mero espectador. Cabe-lhe a indelegável
função de fiscalização, a fim de prevenir ou corrigir lesões ao bem comum”.6
4 Ibidem, p. 27
5 GARCIA, Clóvis Lema. Tradição, revolução e pós-modernidade. In: DIP, Ricardo. São Paulo:
Millennium, 2001. p. 8
6 Ibidem, p. 9.
192 A soberania popular e o recall político, a revogação da outorga dos poderes politicos
O pensamento de intervenção popular nas relações estatais foi contemplado pela Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu art. 14, I,
II e III, a seguinte redação:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.7
Vê-se dessa forma que a própria Constituição busca mecanismos
que ajudem o povo a exercer sua soberania.
À luz do saber do ilustríssimo Pedro Lenza, temos “que a CF/88 consagra a
ideia de democracia semidireta ou participativa, verdadeiro sistema hibrido”.8
Tais dizeres vêm confirmar a teoria até aqui defendida.
Mesmo tais mecanismos adotados pela Constituição não são capazes, por si só, de garantir uma máxima efetividade da soberania popular, considerando que a principal arma popular contra o mau representante do povo, o voto, só tem eficácia a cada quatro ou oito anos,
pode-se então dizer que o povo, caso “erre o alvo”, é obrigado a conviver com esse erro durante todo o mandato daquele que foi eleito, o que
nos soa não ser esse povo tão soberano como deveria ser, já que sua
soberania não é capaz nem mesmo de corrigir um erro cometido. Para
tal problemática será apresentada logo abaixo uma solução plausível
intitulada Recall Político.
Observa-se nos dias atuais um Estado opressor e desatento aos direitos coletivos, que ignora completamente a soberania popular, acreditando não ser possível ao povo exercer sua soberania, contudo, observa-se
em nossa história que o povo é sim capaz de exercer sua soberania, como
já o fez em outras ocasiões, como por exemplo, as “Diretas Já”, caso que
marcou a história política deste país.
Sendo realista, mas não pessimista, não se vislumbra a instalação do
sistema de Recall Político no Brasil pelas mãos dos representantes deste
7 BRASIL. Op. cit.
8 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 61.
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país. No próximo tópico que discorrerá sobre esse sistema, se terá então
uma ideia do porquê não acreditar na aprovação de um sistema assim,
mesmo ele sendo benéfico à sociedade. O otimismo leva a acreditar e a
encorajar o povo soberano deste país a uma organização mútua para um
protesto que exija a criação do sistema de Recall Político, demonstrando assim a soberania popular, como foi feito no movimento “Diretas Já”.
Deve-se dar um basta à opressão política.
Não se faz aqui uma apologia ao crime, à baderna ou ao caos público, mas sim uma convocação ao povo para que manifeste sua soberania
natural, salvo-guardada pela Constituição de 1988. Caso os representantes
políticos não tenham a boa vontade de aprovar algo, que, em tese, venha
a trazer benefícios à coletividade é de responsabilidade do soberano do
país ir à busca de uma vertente capaz de obrigá-los a aprovar aquilo que
é benéfico à sociedade.
Este é um chamado à luta pelo direito.
Segundo Rudolf Von Ihering: “O direito não é mero pensamento,
mas sim força viva”.9
O pensamento acima citado reforça a ideia de que o povo deve se
reunir para lutar por seus direitos.
O direito é uma condição de paz e harmonia, mas estas conquistadas através da luta.
O RECALL POLÍTICO
A palavra Recall é de origem inglesa, procedente do verbo “to
call”, e sua tradução para o português, brasileiro, tem o significado de
“chamar de volta”, “chamamento”. Um recall significa então um chamamento ou recolha de um determinado produto em virtude de um defeito,
outrora, oculto.
Destarte, recall político é o chamamento, compreendido aqui como
retirada, do político que representa o povo. Tal ação será possível sempre
que um determinado político não cumprir com o papel ao qual foi designado ou não cumprir promessa de campanha.
Esse sistema dá ao eleitor o direito de cassar o mandato do político
traidor, infiel, corrupto, inapto e omisso antes de terminar o mandato.
9 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 31.
194 A soberania popular e o recall político, a revogação da outorga dos poderes politicos
O recall político trás ao Estado uma ideia maior de democracia,
haja vista que, o político não fica sujeito à avaliação de outro político e
sim de seus eleitores, dessa forma não haverá corporativismo no momento
de julgar as ações dos representantes do povo. Uma vez tomadas, pelo
representante do povo, decisões fora do interesse popular ou do Estado,
essas ações poderão ser eficazmente combatidas, e não mais terminarão
em “pizza”. Esse sistema funcionaria como um freio às ações dos políticos,
levando os políticos a pensar antes de agir.
O grande triunfo do recall político é que esta ferramenta é usada
pelo povo, havendo, assim, uma eficácia na soberania popular que independerá da união de outros subordinados a ele. Nesse sistema todo poder
concentra-se nas mãos não de um mas de uma maioria.
O recall político coloca o poder nas mãos dos soberanos do país e
consequentemente restringe a má ação dos representantes do povo que
agem sempre em favor próprio.
Esse sistema é utilizado em outros países, entretanto, o Brasil não
o adotou em seu ordemanento jurídico, mas há na Constituição de 1988
mecanismos que podem habilitar esse sistema em nosso ordenamento.
Reza a Constituição:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.10
O artigo acima citado legaliza a criação do sistema de recall político,
portanto, não estamos diante de um sistema inconstitucional.
Vários são os requisitos que tornam inviável a criação do recall político, dentre eles podemos citar como principais os seguintes:
10 BRASIL. Op. cit.
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1 – a falta de organização popular;
2 – a falta de vontade política – porque não são beneficiados pelo sistema;
3 – a corrupção – com venda de votos;
4 – o crime organizado – que tem conseguido boicotar a representatividade popular;
5 – a precariedade no ensino escolar – que não dá ao povo conhecimento legislacional;
6 – a situação econômica precária – o povo, devido à situação econômica, acaba, muitas vezes, vendendo seu voto e com ele vende sua
dignidade e sua perspectiva de crescimento.
CONCLUSÃO
A partir do momento em que se compreender o que representa a
soberania, poder-se-á mudar a história política deste país.
A consequência do entendimento dessa soberania levará o Brasil a
uma evolução gigantesca nas áreas jurisdicional, organizacional, política e
administrativa, que trará facilidades e benefícios ao povo.
Antes da implantação do recall político dever-se-á fazer uma análise
das perspectivas e atual situação do Brasil, tanto econômica quanto política e relacional.
O recall político tem esbarrado também na corrupção, em que o
povo se deixa enganar achando que está levando vantagem em uma dada
situação, como, por exemplo na venda de voto.
Mesmo em meio a tantos problemas é perfeitamente possível a implantação desse sistema, já que dentro de um Estado soberano quem manda é o povo e não o direito político ou constitucional. Estes servem apenas
como meio de equilíbrio e comodidade na administração estatal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 12 out. 2011.
GARCIA, Clóvis Lema. Tradição, revolução e pós-modernidade. In: DIP, Ricardo.
São Paulo: Millennium.
196 A soberania popular e o recall político, a revogação da outorga dos poderes politicos
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Traduzido por Pietro Nassetti. São
Paulo: Martin Claret.
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