QUÍMICA FARMACÊUTICA II Agentes Antimaláricos Ano lectivo 2016/2017 Francisca Lopes Sumário Antiparasitários – Agentes antimaláricos - Introdução: ciclo de vida do parasita e alvos para o tratamento e profilaxia da malária - Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento • Aminoquinolinas 4-aminoquinolinas 8-aminoquinolinas • Artemisinina e peróxidos sintéticos - Novos alvos e novas abordagens terapêuticas 1 INTRODUÇÃO Introdução Malária (humana): 5 espécies do género Plasmodium (P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae, P. knowlesi) P. falciparum e P. vivax: > 95% dos casos de malária P. falciparum: quase todos os casos severos e fatais Em 2002 estimou-se que existiam 660 milhões de casos clínicos de malária a P. falciparum que morriam 1-3 milhões pessoas/ano, na maioria crianças com menos de 5 anos (1 morte cada 30 segundos) 2015 (OMS) – 214 milhões de casos clínicos e 438 000 mortes 2 Introdução http://www.ucsf.edu/news/ 2011/10/10771/malariaelimination-maps-highlightprogress-and-prospects Introdução Registos de malária – 2700 anos A.C. (China) 1º tratamento efetivo – casca Cinchona (habitantes Perú) introduzido na Europa séc. XVII (Jesuítas) 1820 – isolamento da quinina (Pelletier e Caventou) 3 Introdução Avanços científicos significativos sobre a Malária Laveran - (1880) observa parasitas dentro de eritrócitos de pessoas com malária (Prémio Nobel Medicina – 1907) Illustration drawn by Laveran of various stages of malaria parasites as seen on fresh blood. Dark pigment granules are present in most stages. The bottom row shows an exflagellating male gametocyte, which produces “…filiform elements which move with great vivacity…” Introdução Sir Ronald Ross – (1898) transmissão da malária por mosquitos (Prémio Nobel da Medicina em 1902) 4 Introdução P. vivax e P. ovale - hipnozoítos (fígado) www.lawestvector.org Introdução Ciclo de vida do parasita e classificação dos antimaláricos de acordo com a fase em que atuam Adaptado de M. Schlitzer, ChemMedChem 2007 5 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento H N HO H O Quinina – 1ª substância pura a ser usada em terapêutica (antimalárico) N 6 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento N + S N Azul de metileno (corante) N Azul metileno – efetivo a corar parasitas da malária 1891 – curou 2 doentes de malária com azul de metileno (1º composto de síntese a ser usado em terapia) Paul Ehrlich 7 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Azul de metileno – base para desenvolvimento de antimaláricos sintéticos 1920 – Químicos da Bayer (empresa de tintas, Alemanha) começam a modificar a estrutura do azul de metileno Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento N + S N N substituição de 1 grupo metilo por 1 cadeia dialquilamino-alquilo N + S N N N cadeia lateral ligada a diferentes sistemas heterocíclicos O HN N HN N N Cl N cloroquina (1934) pamaquina (1925) N HN O Cl N mepacrina (1932) 8 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento 4-Aminoquinolinas - Esquizonticidas sanguíneos - Fármacos sintomáticos (atuam na fase da doença em que há sintomas) HN Cl N N - Introduzida durante 2ª Guerra Mundial - Boa eficácia - Toxicidade baixa - Barata Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Mecanismo de acção • Parasita intra-eritrocítico Hemoglobina (endocitose) • Hb: digerida no V.A. por proteases aa e heme • Heme (FeII) Heme (FeIII): tóxico para o parasita • Destoxificação do heme Formação de hemozoína (pigmento da malária) 9 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Mecanismo de ação β-hematina Heme Hemozoína Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Mecanismo de ação - Acumulação no interior do V.A. do parasita (pH V.A. 5,3) CQ (pKa1 = 8,1 pKa2 = 10,2) - Bloqueio da formação da hemozoína - Ligação do fármaco ao heme e alteração da permeabilidade da membrana do vacúolo? www.tulane.edu 10 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Resistência dos parasitas à Cloroquina - uso massivo de CQ - > 80% isolados são resistentes à CQ GLOBAL MAP: Red areas shows where chloquine is sensitive and shaded areas shows chloroquine resistance. (Map is from the centre for Disease control and prevention, USA;: Adapted from Rang et al. 1996) homepages.uel.ac.uk Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Resistência dos parasitas à Cloroquina - acumulação de CQ no V.A. é menor - efluxo rápido do fármaco e não diminuição do uptake - mutação no gene pfcrt que codifica para uma proteína, PfCRT (chloroquine resistance transporter), localizada no V.A. - função fisiológica da PfCRT: transporte de aa ou péptidos, da degradação da Hb, para o citoplasma 11 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Modificações estruturais na CQ Introdução de grupos aromáticos na cadeia lateral OH NEt2 HN Amodiaquina (AQ) Cl N - aumento da lipofilia - efetiva contra estirpes resistentes à CQ - barata - toxicidade após uso profiláctico (3 semanas a 10 meses) (interesse terapêutico diminuiu drasticamente) Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento OH HN O NEt2 NEt2 N [O] Cl N Cl Quinonimina – sucesptível a ataque nucleofílico (grupos tiol) N R-SH S - hepatotoxicidade R OH HN - imunogenicidade Cl NEt2 N 12 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Estratégias para prevenir a formação da quinonimina NEt2 OH HN Cl N Activa contra estirpes resistentes à CQ, in vitro (K1) > AQ Isoquina HN HN Evitar a α-hidroxilação enzimática OH Início de ensaios clínicos (GlaxoSmithKline) Cl N Terc-butilisoquina Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento F HN Cl N H N Fluoro-amodiaquina Não avançou para além de testes pré-clínicos 13 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Relação estrutura-atividade das 4-aminoquinolinas CH3 Inibição da formação da β-hematina Cl N HN N Bases fracas Acumulação no V.A. Sub-estrutura para complexação Fe(III) da Protoporfirina IX (heme) 14 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento 8-Aminoquinolinas O Pamaquina (1925) N HN N • Protótipo das 8-aminoquinolinas • Início II Guerra Mundial – único fármaco anti-recaídas disponível • Toxicidade – síntese de outras 8-aminoquinolinas Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento O Primaquina (USA-1950) N HN NH2 • Cura radical malária P. vivax e profilaxia causal • Ativa contra formas exo-eritrocíticas primárias (P. vivax e P. falciparum) • Ativa contra formas exo-eritrocíticas latentes (P. vivax e P. ovale) • Ativa contra as formas sexuais sanguíneas dos diferentes Plasmodia • Ativa contra formas sanguíneas assexuadas em doses elevadas e tóxicas (P. falciparum e P. vivax) 15 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento • Hemólise intravascular aguda em doentes com deficiência em G6PD • t1/2 relativamente curto (4-6h) – administração diária durante 14 dias para a cura Esforço de síntese e de screening de várias 8-aminoquinolinas por parte do WRAIR e de outros grupos estabeleceu a relação estrutura atividade destes compostos Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Relações estrutura actividade 5-O-arilo (O ) X 6 Melhora a atividade 4-CH3 X R1 R2 5 4 4-OCH3 3 2 7 N 8 HN 1 R 4 R3 2-CH3 Aumenta o indice terapêutico 2-OCH3 Substituição na posição 5: • fornece um grupo atrator de electrões e ao mesmo tempo aumenta o impedimento estéreo dificultando o metabolismo oxidativo dos outros substituintes • aumento do t 1/2 de eliminação 16 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento F3C O O WR 225448 (1975) N O HN NH2 N HN NH2 Primaquina F3C O Tafenoquina (1979) O N HN O NH2 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento A tafenoquina foi selecionada relativamente ao WR225448 devido a uma melhor atividade terapêutica Estudos clínicos em humanos - 1992 2014 – Ensaios clínicos fase III Manufacturada pela GlaxoSmithKline 17 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Artemisinina e Derivados 5 4 3 12O H 6 7 2 O 1 O 11 8 H O Artemisinina (isolada 1971 – Artemisia annua) 9 10 O Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Youyou Tu, prémio Nobel da Medicina 2015 O O O 1967 – Projeto 523 (projeto nacional chinês contra a malária) O O 1971 – Extrato de Artemisia annua 100% efetivo em ratinhos e macacos infetados Artemisinina 1972 – Isolamento e identificação do princípio ativo 18 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Artemisinina • Eliminação rápida da parasitémia • Elevada eficácia em malária grave (cerebral – P. falciparum) • Toxicidade baixa • Eficaz contra formas eritrocíticas (cura e profilaxia clínicas) • Solubilidade aquosa/oleosa inadequada e baixa/irregular biodisponibilidade oral • t1/2 de eliminação curto (~ 4 horas) Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Mecanismo de acção - Característica estrutural chave de todas as artemisininas – subH estrututa 1,2,4-trioxano (endoperóxido) O O O H O - Mecanismo não está completamente esclarecido O • Clivagem do endoperóxido pelo FeII do heme originando radicais 1ários ou 2ários centrados no carbono • Reacção com diferentes alvos proteicos ou com o heme (inibição de uma série de enzimas e da destoxificação do heme) • Inibição de uma bomba de Ca2+ dependente do ATP localizada no retículo endoplasmático (Pf ATP6) 19 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento H H H FeO O O FeII O O H O FeO . O H O . HO O O . O H O O FeII O H O . H CH2 O FeO O O H FeO O O H H O O O H O O O H Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Derivados da Artemisinina H O O O R: -CH3 – Artemeter -CH2CH3 - Arteeter H O 1ª Geração Lipofilia (melhoria absorção GI – Admin. Oral) OR H O O H O O O H O H O O O O O O • Artesunato - solubilidade aquosa ( i.v. - malária severa). • Também i.m., oral e rectal • Instabilidade química O O O • Artelinato – solúvel água • Mais estável quimicamente 20 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Inconvenientes • Metabolização rápida – t1/2 curto H H O O OH H O O desalquilação H O oxidativa O O O H O OH O O hidroxilação HOOC OH O H O glucoronação OH O O OH HO HO Artemisininas semi-sintéticas dependem do fornecimento suficiente de artemisinina isolada das plantas Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Endoperóxidos sintéticos H O O O O O O O S HO IC50 = 15 nM IC50 = 31 nM H O O O O O IC50 = 2,8 nM 21 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento Todos estes compostos tinham alguma limitação • Sínteses complicadas • Obtenção de produtos racémicos • Propriedades farmacocinéticas fracas Nenhum entrou em ensaios clínicos Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento O O O O H N OZ-227 NH2 - Bom balanço estabilidade/reactividade • sistema 1,2,4-trioxalano (atividade antimalárica) • resíduo de adamantano dá-lhe estabilidade • ciclo-hexano permite-lhe ter reactividade suficiente para ter actividade • resíduo aminoacilo confere-lhe polaribilidade e solubilidade correctas para as propriedades farmacológicas 22 Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento O O O O H N OZ-227 NH2 - Apresenta atividade alta contra isolados de Plasmódio - Atua na mesma fase do parasita que a artemisinina - Entrou em ensaios clínicos Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento 23 Novos alvos e novas abordagens terapêuticas Novos alvos terapêuticos Eritrócito Citoplasma Novos Alvos: Glicólise; proteínas quinases; biossíntese de nucleótidos Apicoplasto Novos Alvos: Replicação e Novos transcripção Apicoplasto Alvos:do DNA; Replicação transcripção Biossíntese eácidos gordos do II; DNA; Biossíntese ácidos gordos II; isoprenil Biossíntese isoprenil Vacúolo Vacúolo Alimentar Alimentar Novos Novos Alvos: Alvos: Falcipaínas Falcipaínas ee plasmepsinas plasmepsinas Mitocôndria Novos Novos Alvos: Alvos: Mitocôndria Dihidrooroato desidrogenase desidrogenase Dihidrooroato Parasita Membrana Plasmática Novos Alvos: Transporte de glucose; fluxo de nutrientes; antiporte Na+/H+ P. falciparum intra-eritrocítico e possíveis novos alvos terapêuticos 24 Novas abordagens terapêuticas Terapia de combinação Combinação dupla ou tripla de fármacos com o objetivo de diminuir ou evitar o aparecimento de resistência aos fármacos ACT (artemisinin-based combination therapy) – recomendada pela OMS. Adoptada pela maior parte dos países africanos e asiáticos onde a malária é endémica. Exemplos: artesunato+mefloquina artesunato+amodiaquina artesunato+sulfadoxina+pirimetamina Novas abordagens terapêuticas Fármacos híbridos Trioxaquina 4-aminoquinolina-imipramina H O O O O H N NH O OMe Artemisinina-dipeptidilvinilsulfona Artemisinina-primaquina 25 MMV portfólio Portfolio MMV (Medicines for Malaria Venture) Objetivo: registar fármacos com um perfil adequado v Eficazes contra estirpes resistentes a outros fármacos v Cura em 3 dias (usando dose única diária) v Toxicidade baixa principalmente para crianças e grávidas v Baixo risco de aparecimento de resistência v Baixo custo MMV portfólio Coartem = lumefantrina+artemeter Coarsucam=artesunato+amodiaquina 26 Global Portfolio of Antimalarial Medicines, 3Q 2015 Bibliografia 1 - http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/ 114269691/PDFSTART M. Schlitzer, ChemMedChem 2007, 2, 944-986 2 - Burger’s Medicinal Chemistry and Drug Discovery 6th Edition, Volume 5: Therapeutic Agents New York: John Wiley & Sons, INC., 2003 27