Método eficiente - Instituto do Cérebro de Brasília

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22 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 1º de abril de 2012
Freud no escâner
Novas técnicas de
exame, como a
ressonância
magnética,
permitem um estudo
cada vez mais
minucioso dos
processos
inconscientes do
cérebro. É hora de a
teoria do pai da
psicanálise passar
por seu maior teste
Palavra de
especialista
Método
eficiente
“Em 1982, num artigo
que passou a ser um clássico da psiquiatria, Parloff
chamou a atenção para o
equívoco em se definir um
método de psicoterapia
como válido somente
quando aprovado por rigorosos ensaios científicos.
Um dos maiores propulsores nos Estados Unidos para o crescimento dessa Psicoterapia Baseada em Evidências é a pressão por
parte do sistema de saúde
de apenas reembolsar procedimentos terapêuticos
que passaram por comprovação científica.
A psicanálise é frequentemente questionada sobre
sua real eficácia, especialmente por ter sido construída por meio da experiência
clínica, apoiada por um
corpo teórico invejável, mas
não acompanhada, desde
sua origem, pelo clássico
método científico que define tantas intervenções terapêuticas como ‘cientificamente corretas’.
Três décadas depois do
artigo de Parloff, a psicanálise tem suas forças revitalizadas, e sua proximidade
com a ciência, apesar de
imperfeita, é cada vez
maior. Uma meta-análise
recentemente publicada pelo periódico Jama (da Associação Americana de Medicina), envolvendo 23 estudos, demonstrou que a psicanálise foi mais eficaz que
métodos terapêuticos de
curto prazo em diversas situações, como transtornos
de personalidade, múltiplos transtornos mentais e
transtornos mentais crônicos. Freud deve estar gostando disso.”
» NANA QUEIROZ
o fim do século 19,
quando esboçou os
primeiros traços da
psicanálise, Sigmund
Freud talvez tivesse dado tudo
por um equipamento de ressonância magnética para observar
o cérebro em funcionamento.
Depois de escutar dezenas de
pacientes em seu divã, o médico
percebeu que eles agiam em desacordo com a própria vontade
em uma série de ocasiões. Queriam ser mais pacientes, mas
não eram. Tentavam ser fiéis,
sem sucesso. Desejavam fazer
(ou não fazer) uma série de coisas que não conseguiam. Ele
concluiu, então, que havia uma
outra fonte de vontade dentro
da mente humana, profunda,
que enviava mensagens cruzadas e confundia as pessoas. Ele
batizou-a de inconsciente dinâmico. Mas, como a ciência rejeita
os dogmas, não faltou quem exigisse provas concretas. Provas
que, com as limitações técnicas
da época, Freud não pôde dar.
Srinivasan Pillay, professor de
psiquiatria na Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados
Unidos, acredita que a ressonância magnética deu ao mundo essa garantia tão almejada. “Se
Freud estivesse vivo hoje, na era
da neurociência, uma série de
coisas teriam sido diferentes. Para começar, ele não teria enfrentado tanto ceticismo. As pessoas
dariam mais crédito à sua teoria
porque veriam evidências de que
o inconsciente existe, e nos move
silenciosamente”, argumenta o
psicoterapeuta.
Pillay faz parte de um movimento científico amplo que tem
encontrado nas novas tecnologias e na neurociência formas de
decifrar o inconsciente. Fotografando e analisando esses processos cerebrais, esses pesquisadores esperam aperfeiçoar as terapias e a maneira como as pessoas lidam com suas emoções e
problemas. Mas pesquisa vai,
análise química vem, ninguém
encontrou ainda os célebres id,
ego e superego, tríade fundamental do inconsciente freudiano. Isso tem levado muitos especialistas a questionar: será que
Freud explica mesmo?
Não importa quem participe
da discussão, Freud começa com
um ponto a favor de sua teoria: o
inconsciente existe — e como
existe. Em 2002, o neurocientista
cognitivo V. S. Ramachandran
afirmava: “A mais valiosa contribuição de Freud foi a descoberta
de que a mente consciente é
simplesmente uma fachada. Você é completamente inconsciente de 90% do que realmente passa em sua mente”.
Quase todas as áreas do cérebro estão envolvidas no processamento inconsciente. A ciência
ainda não decifrou o papel de cada uma delas, mas há algumas
N
Ricardo Teixeira,
doutor em neurologia
pela Unicamp e diretor
do Instituto do Cérebro
de Brasília (ICB)
Uma imagem que pode ajudar
na compreensão do que é o
inconsciente é a do iceberg. A
maior parte dessa grande calota
fica escondida sob a água. É ela,
entretanto, que sustenta e
movimenta todo o bloco de gelo.
O mesmo acontece com o
cérebro. Para se ter uma
medida, o inconsciente processa
200 mil vezes mais bits que a
parte racional da mente
humana. Ou seja, se uma pessoa
tentasse viver de maneira
completamente consciente,
provavelmente morreria em
questão de minutos.
regiões que compreende melhor,
como a amígdala, principal responsável pela formação daqueles
medos profundos, difíceis de explicar. É importante frisar que
não dá para separar o inconsciente em caixinhas. Nos anos
1980 e 1990, os pesquisadores pareciam bastante convencidos de
que encontrariam essa ou aquela
área que desempenhava tal função. Na teoria moderna, a figura
parece muito mais complexa.
Concentra-se na descoberta de
conexões entre regiões cerebrais
em detrimento da ideia de áreas
especializadas.
“Esse novo inconsciente é diferente daquele de que falava
Freud? Provavelmente de todas as
maneiras possíveis”, defende Ran
Hassin, um dos autores de The
new unconscious, uma das obras
recentes mais marcantes que relacionam a psicologia à neurociência. “Nos últimos 30 anos,
aconteceram milhares de pesquisas sobre o inconsciente. Podemos ver coisas sem saber que as
estamos vendo? Podemos agir
motivados por razões desconhecidas? A maioria dessas respostas
é sim, mas a mecânica de tudo isso é completamente distinta da
sugerida por Freud. Temos hoje
um modelo mecanicista muito
simples: nada de ego oculto, dramas, nenhum estímulo sexual
distorcido em sua alma.”
Em que ele errou?
“Num balanço honesto da psicanálise, temos que admitir que a
neurociência confirma alguns aspectos da teoria. Mas dizer que
Freud defendeu conhecimentos
totalmente atuais seria desonesto. Muitos pesquisadores o consideram, até hoje, como um herói.
Para mim, Freud é um vilão”, atesta o neurocientista brasileiro
Marco Callegaro, presidente do
Instituto Brasileiro de Terapias
Cognitivas e autor do livro O novo
inconsciente (Editora Artmed).
Callegaro baseia seu argumento
em algumas revelações do polêmico Livro negro da psicanálise
(Civilização Brasileira), em que
23 autores apontam inverdades
na teoria do pai da psicanálise e o
acusam de mentir na apresentação de resultados clínicos.
Mesmo sem tocar em aspectos
tão controversos quanto o método e a personalidade de Freud, as
duas principais críticas que a
neurociência coloca, hoje, diante
da psicanálise são: o tratamento
está incompleto e a divisão da
psiquê em três personas é pouco
» LEIA AMANHÃ sobre o medo inconsciente.
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Iceberg
plausível. “Eu nunca soube de nenhuma evidência concreta da
existência do id, do superego e do
ego. Não faltou quem procurasse
por eles, mas ninguém achou nada que fosse ao menos parecido.
Os seres humanos não têm três
‘pessoas’ dentro de si, competindo para controlar suas ações. O
quadro hoje estaria muito mais
para 20, 30, 40 agentes influenciando o comportamento. E eles
não são personalidades organizadas como Freud pensou que seriam”, critica Hassin.
Com relação ao tratamento,
aponta Pillay, Freud errou ao
apostar na repetição. “Quanto
mais aprendemos sobre o funcionamento do cérebro, mais
entendemos que o método de
Freud (que é mergulhar no passado para entender o que nos
motiva) é importante, mas não
suficiente. Às vezes, se você revirar o passado por tempo demais,
tudo o que fará é dar voltas e ficar paralisado. Isso acontece
porque o circuito do cérebro fica
ainda mais fechado na maneira
como vem funcionando”, esclarece o psicoterapeuta.
Como seria a terapia se Freud
a tivesse desenvolvido depois da
neurociência? “Ele também estimularia as pessoas a pensar em
soluções para sair dos problemas”, alega Pillay. “Enquanto se
pensa em um futuro melhor, ativa-se as partes do cérebro que
controlam as ações. Aquecidas,
essas regiões ganham mais poder
para agir.”
Os partidários do novo inconscientetêmganhadoterrenomundialmente, deixando Brasil e
França como os últimos redutos
absolutos da psicanálise. Mas
não se trata de uma briga de dois
lados. “Se a psicanálise se isolar,
ignorar as descobertas da ciência, ela correrá o risco de virar religião. Mas há no Brasil, hoje, grupos interdisciplinares que buscam fazer com que as duas áreas
dialoguem e alcancem terapias
mais eficientes, como o Instituto
Brasileiro de Neuropsicologia e
Comportamento (IBNeC)”, opina
Callegaro. Abraçar as colaborações desses grupos pode ser a
melhor maneira de provar que,
afinal, Freud não tem lá muito
medo de ciência.
www.correiobraziliense.com.br
Leia mais declarações dos
pesquisadores sobre o novo inconsciente.
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