entrevista EXISTEM MUITOS CONCEITOS DE FREUD SENDO USADOS NA NEUROCIÊNCIA, COMO OS DE INCONSCIENTE E CONSCIENTE. O QUE SABEMOS SOBRE O INCONSCIENTE HOJE É MUITO SIMILAR À VISÃO DE FREUD dificados como modelos para estudar a esquizofrenia. Temos conseguido bons resultados com algumas dro­gas, mas ainda é muito cedo para falar em testes com humanos, embora já estejamos em contato com algumas indústrias farmacêuticas interessadas. O senhor sempre defendeu, em seus livros e artigos, que a psicanálise e a psiquiatria deveriam usar mais a biologia e as neurociências. O senhor vê isso acontecendo hoje? Com certeza, hoje existe muito mais neurociência em todos os aspectos da psiquiatria; infelizmente, o mesmo não acontece com a psicanálise. A psiquiatria está em uma ótima posição e já está se aproveitando do grande crescimento dos conhecimentos da neurociência, como os métodos de imagem e a genética. Já a psicanálise parece ter parado no tempo. Mas o senhor não acha que, se a psicanálise usasse métodos biológicos, correria o risco de se descaracterizar e desaparecer como área do conhecimento frente ao crescimento da neurociência? Acho que a psicanálise já está desaparecendo e vai desaparecer se não se valer da biologia, se as coisas continuarem como estão. Se um analista quiser ler Freud, assim como lemos Shakespeare ou Nietzsche, não há problema algum. Freud foi um grande pensador e deve ser lido sempre. Mas, se os psicanalistas quiserem constituir uma ciência dinâmica, que continuamente evolui, precisam vir ao século 21, fazer novos estudos, descobrir como as coisas funcionam no cérebro, sob quais circunstâncias, qual é a melhor terapia para cada problema... Eles definitivamente não estão fazendo isso. Então a psicanálise vive uma crise? A psicanálise está em crise, mas não porque suas ideias estejam necessariamente erradas ou ultrapassadas, mas porque ela não se autoinvestiga. Não existem muitos estudos explo­ rando os mecanismos biológicos por trás das ações. Como o senhor vê a psicoterapia hoje? Há terapias, como a cognitivo-comportamental, que vêm sendo bastante estudadas e parecem funcionar bem, mas, de modo geral, é um caos. Existem muitas terapias diferentes, mas não sabemos quem realmente se beneficia com 10 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 48 | 288 elas. Aí entra a neurociência, que poderia com­provar cientificamente que tipo de terapia é melhor para cada um. O senhor estudou psicanálise por muito tempo antes de se aventurar na psiquiatria e nas neurociências. O senhor acredita que os conceitos da psicanálise se aplicam à neurociência? Com certeza, existem muitos conceitos de Freud sendo usados na neurociência, como os de inconsciente e consciente. O que sabemos sobre o inconsciente hoje é muito similar à visão de Freud. O senhor vê as ideias de Freud ainda vivas quando olha para o cérebro humano no laboratório? O tempo todo. Ele errou em algumas coisas, não entendia nada sobre mulheres, mas acertou em muitas outras coisas. A psicanálise tende a ver mente e cérebro como distintos, enquanto o senhor prega que ambos são interligados e que a mente nada mais é do que um conjunto de processos biológicos do cérebro. Então, essa seria outra grande diferença entre o senhor e Freud? Pode-se dizer que sim. Tenho convicção de que não existe uma mente independente do cérebro. Mas Freud chegou a buscar por um modelo biológico da mente; como a ciência ainda era muito incipiente nessa área, ele abandonou esse caminho e partiu para o modelo abstrato da mente. A premissa de que nossa mente se resume a processos biológicos favorece a ideia do uso de drogas e medicamentos como resposta para qualquer problema. O senhor acha que existe a possibilidade de que, no futuro, as pessoas passem a tomar medicamentos para, por exemplo, desenvolver uma supermemória ou apagar lembranças indesejadas? É claro, existe esse perigo, mas as pessoas têm problemas com as drogas desde que as pessoas existem e as plantas existem, mesmo que sejam ilegais. Não acho que a ideia de tomar drogas para melhorar a memória seja boa. Drogas para melhorar a memória vão existir, mas não deverão ser tomadas por jovens que querem passar nas provas do colégio; deverão ser prescritas por mé­dicos, pois a perda de memória é uma doença que precisa ser tratada, assim como todas as doenças psi­q uiátricas. Também acho uma péssima