Monitoramento é constante

Propaganda
2 BAURU, quinta-feira, 27 de abril de 2017
TURISMO
Emiliano Calderon/Projeto Coral Vivo
Fernando Moraes/Rede Abrolhos
Topo de um chapeirão
(recife vertical) no
Parcel dos Abrolhos,
exposto pela maré
baixa: é possível
ver alguns corais
branqueados
Colônia de
coral com
branqueamento
Reprodução/Boletim Ambiental
Branqueamento
Recifes rasos
costeiros do
Banco dos
Abrolhos
são os mais
vulneráveis ao
branqueamento
ameaça corais de Abrolhos
Fenômeno é causado pelo superaquecimento da água do mar
P
HERTON ESCOBAR
airando sobre um recife no mar
de Abrolhos, o biólogo Rodrigo
Leão Moura aponta para uma
colônia desbotada de corais-de-fogo,
depois arrasta o dedo indicador como
uma navalha pela própria garganta,
em sinal de guilhotina. A visibilidade
debaixo d’água não é das melhores,
mas a mensagem é clara: o coral está
morto.
Nem é preciso abrir uma investigação para determinar a causa. As
evidências estão espalhadas à nossa volta por todo o recife, na forma
de corais anêmicos, brancos como
fantasmas.
O fenômeno é causado pelo superaquecimento da água do mar.
Quando a temperatura passa de 28ºC
por vários dias, os corais perdem as
microalgas fotossintetizantes que vivem dentro de suas células e dão cor
aos seus tecidos. Sem elas, os corais
não conseguem produzir energia suficiente para sustentar seu metabolismo e ficam debilitados, com se fossem árvores sem folhas. O resultado
pode ser passageiro ou pode ser fatal,
dependendo da duração do evento e
de uma combinação de fatores ambientais e genéticos que os cientistas
ainda não compreendem totalmente.
Moura e seus colegas da Rede
Abrolhos estão na água justamente
por isso. Eles querem entender como
os corais de Abrolhos estão resistindo (ou não) ao branqueamento, e o
que isso significa em um cenário de
longo prazo, em que as mudanças climáticas prometem tornar eventos de
anomalia térmica desse tipo cada vez
mais frequentes. “O que a gente está
vendo é um sinal claro de perda de
saúde do ecossistema”, alerta Moura,
professor do Instituto de Biologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
É natural que eventos de branqueamento aconteçam de tempos
em tempos. O que preocupa é a frequência desses eventos, a quantidade
de corais afetados e o acúmulo disso
com outros fatores de estresse ambiental, como sobrepesca e poluição,
que reduzem a capacidade dos corais
de sobreviver ao branqueamento.
“Desde 1997, eu venho pra cá
praticamente todos os anos e essa escalada de degradação está cada vez
mais intensa, cada vez mais rápida”,
alerta Moura. “O branqueamento em
massa dos recifes de Abrolhos mostra que esse ecossistema está se aproximando de um colapso de grandes
proporções.”
Localizado entre o sul da Bahia e
o norte do Espírito Santo, com 46 mil
quilômetros quadrados, o Banco dos
Abrolhos é a região de maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.
Abriga uma série de ecossistemas
recifais únicos, com espécies e configurações estruturais que não existem
em nenhum outro lugar do mundo.
Esse foi o primeiro branqueamento em massa registrado na região
desde que os pesquisadores passaram
a monitorar sistematicamente os recifes de Abrolhos, em 2003. O fenômeno costuma ocorrer em anos de El
Niño, como foi o caso agora. Eventos
de branqueamento foram registrados
em várias partes do mundo ao longo de 2015; e em março de 2016, a
ameaça chegou a Abrolhos.
XXMonitoramento é constante
Alertados pelo sistema
Coral Reef Watch, da Agência Nacional Atmosférica e
Oceânica (NOAA) dos Estados Unidos, cientistas se
organizaram para monitorar
o fenômeno. Pesquisadores
da Rede Abrolhos, que já
haviam feito sua expedição
de rotina à região em fevereiro, voltaram para a água
em maio e encontraram exatamente o que a agência
americana havia previsto:
águas superaquecidas e uma
quantidade imensa de corais
branqueados.
No fim de junho, os cientistas voltaram à região para
uma nova inspeção; e mais
uma vez se assustaram com
o que viram. Sensores instalados nos recifes mostravam
que a temperatura da água
já estava normal (cerca de
26°C) há dois meses; e ainda assim havia muitos corais
branqueados por toda parte.
“A duração do evento me
surpreendeu. Não esperava
chegar aqui em junho-julho e
encontrar um nível ainda tão
alto de branqueamento”, declara Moura, ao voltar de um
mergulho no recife Sebastião
Gomes, 15 quilômetros ao
largo de Caravelas (BA).
Sua estimativa preliminar
é de que todas as espécies de
coral da região foram afetadas, em maior ou menor grau;
e 20% delas sofreram algum
nível de mortalidade. Fazer
um diagnóstico mais preciso
é difícil, pois a resposta dos
corais ao branqueamento foi
extremamente variada, não
só no tempo e no espaço,
mas também entre espécies e
indivíduos.
Léo Francini/Rede Abrolhos
XMudança
X
de fase
O maior medo dos
cientistas é de que Abrolhos
esteja em um processo de
“mudança de fase”, que
seria a transformação de um
sistema saudável, dominado
por corais e onde predomina
a construção recifal, para
um sistema dominado por
algas e outros organismos
oportunistas.
“O recife é como um
condomínio em construção,
que deve ficar sempre
crescendo”, compara o
biólogo Gilberto Amado
Filho, do Instituto de Pesquisa
Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. “Quando os corais
morrem, as algas tomam
conta e a construção dá lugar
à erosão. O recife passa a ser
destruído, literalmente.”
Branqueamentos
esporádicos e de baixa
intensidade não são problema.
Mas as mudanças climáticas
globais, somadas a um
agravamento das ameaças
locais, criam um cenário
preocupante. “Temos de
diminuir a erosão costeira,
diminuir as dragagens, coibir
a sobrepesca”, alerta Amado
Filho. “O que vai acontecer
com esse ecossistema daqui
para frente é responsabilidade
da nossa geração; não adianta
empurrar esse problema para
frente”, avalia Moura. O
monitoramento científico vai
continuar.
Cientistas
acompanham o
fenômeno de perto
Download