INTUIÇÃO - Univali

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
INTUIÇÃO:
uma alternativa ao operador jurídico
RENAN BERNARDES
ITAJAÍ, JUNHO 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
INTUIÇÃO:
uma alternativa ao operador jurídico
RENAN BERNARDES
Monografia submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Professor Doutor Josemar Soares
Itajaí, junho 2010
AGRADECIMENTO
Ao principio que gera a vida.
Aos meus pais e familiares pelo amor, carinho e
compreensão.
À Universidade do Vale do Itajaí, na pessoa do
Diretor do CEJURPS José Carlos Machado e do
Coordenador do Curso de Direito,Osmar Facchini,
pelo apoio institucional.
Ao Professor Josemar Soares, primeiramente pela
orientação neste trabalho, e também pelo grande
mestre que foi durante toda caminhada acadêmica,
principalmente ao demonstrar o grande amor pelo
ser humano.
À Aulia Esper pelo exemplo de vida, não só
profissional, que mostra uma perfeita dedicação e
amor ao seu trabalho, mas principalmente pela
pessoa que é mostra cada instante da vida o
comprometimento em buscar o melhor do ser
humano, oportunizando assim, uma forte inspiração
para minha vida.
Ao Grupo Paidéia, pela descoberta de um novo
mundo, especialmente nas pessoas de Bruna
Adriano, Tarcísio Meneghetti, Tiago Mendonça e
Matheus Branco, na qual foram verdadeiros amigos
durante toda essa jornada.
DEDICATÓRIA
A todos os seres humanos que na sua medida vivem
intensamente como protagonistas responsáveis da
construção existencial.
4
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, junho de 2010.
Renan Bernardes
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Renan Bernardes, sob o título Intuição,
foi submetida em 9 de junho de 2010 à banca examinadora composta pelos
seguintes
professores:
Fabiana
Rangel,
(examinadora),
(orientador), e aprovada com a nota _______
Itajaí, junho de 2010.
Prof. Dr. Josemar Soares
Orientador e Presidente da Banca
Profa. Msc. Fabiana Bittencourt Rangel
Coordenação da Monografia
Josemar
Soares
vi
SUMÁRIO
RESUMO..........................................................................................VIII
INTRODUÇÃO .................................................................................... 9
CAPITULO 1 ..................................................................................... 12
RAZÃO E CÊNCIA............................................................................ 12
1.1 ETIMOLOGIA E CONCEITO DE RAZÃO ...................................................... 12
1.1.1 ETIMOLOGIA .................................................................................................. 12
1.1.2.Conceito ................................................................................................................12
1.2 A CIÊNCIA COMO SUPERAÇÃO DO SENSO COMUM .............................. 15
1.2.1 ETIMOLOGIA DE CIÊNCIA ................................................................................. 16
1.2.2 CONCEITO ..................................................................................................... 16
1.2.3 CIÊNCIA JURÍDICA .......................................................................................... 18
1.3 MÉTODO........................................................................................................ 19
1.3.1 MÉTODO INDUTIVO ........................................................................................ 21
1.3.2 MÉTODO DEDUTIVO ....................................................................................... 24
CAPITULO 2 ..................................................................................... 29
CONSTRUÇÃO DA RAZÃO INTUITIVA ........................................... 29
vii
2.1 INTUIÇÃO E SUA ETIMOLOGIA .................................................................. 29
2.1.2 ARISTÓTELES ................................................................................................ 30
2.1.3 RENÉ DESCARTES ......................................................................................... 32
2.1.4 IMMANUEL KANT ............................................................................................ 36
2.1.5 HENRI BERGSON............................................................................................ 41
2.1.6 EDMUND HUSSERL ......................................................................................... 46
CAPITULO 3 ..................................................................................... 50
INTUIÇÃO E DIREITO ...................................................................... 50
3.1 INTUIÇÃO COMO MÉTODO CIENTÍFICO .................................................... 50
3.2 A NORMA JURÍDICA .................................................................................... 55
3.3 A CIÊNCIA DO DIREITO ............................................................................... 53
3.4 INTUIÇÃO E DIREITO ................................................................................... 57
3.4.1 A INTUIÇÃO E O DIREITO: UM NOVO CAMINHO ................................................... 60
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 66
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 70
RESUMO
O
presente
trabalho
tem
por
objetivo
demonstrar
a
possibilidade do uso da intuição como um método para auxiliar o operador jurídico.
Para alcançar esta premissa fez-se necessário analisar como a razão se mostra
para o ser humano e de como este se utiliza dela para o desenvolvimento da
racionalidade. Antes de mostrar a possibilidade da intuição como um método, foi
necessário traçar um percurso histórico de alguns filósofos que em seus estudos
trabalharam a intuição como um modo de alcançar o conhecimento verdadeiro de
determinados fatos ou fenômenos. Os filósofos apresentados foram: Aristóteles,
Renné Descartes, Immanuel Kant, Henri Bergson e Edmundo Husserl. Após esta
analise verificou-se como a direito de classifica como ciência, para por fim
demonstrar a possibilidade do uso da intuição na ciência jurídica. Esta possibilidade
decorre do fato que através da intuição pode-se alcançar a essência de determinado
fenômeno, ou seja, um conhecimento verdadeiro. Sendo assim, que restaram
comprovadas as hipóteses que admitiam a utilização da intuição como um método
para contribuir com a ciência. Para este trabalho. Para elaboração deste trabalho
utilizou-se o método indutivo.
INTRODUÇÃO
A Ciência do Direito trabalha com toda a dimensão axiológica
que motiva as ações dos indivíduos. Com isto, o trabalho do operador jurídico tornase mais complexo, pois não pode atentar-se tão somente ao texto legal, mas buscar
a causa anterior que conduziu o indivíduo a praticar determinado fato. Isto significa
buscar aspectos subjetivos que muitas vezes o exercício de adequação do fato ao
texto legal não é suficiente.
Diante desta problemática, a intuição surge como alternativa
importantíssima para o operador jurídico, que por ser um conhecimento imediato,
que vai direto ao objeto, pode transcender as fenomenologias que ocultam a
essência do fenômeno. Com isto, é importante pesquisar como a intuição pode
contribuir com a Ciência Jurídica.
A presente Monografia tem como objeto a pesquisa sobre a
possibilidade de utilização da intuição no âmbito da Ciência Jurídica.
O objetivo do trabalho é demonstrar a intuição como um
método que pode auxiliar o operador jurídico, ou seja, utilizando-se de métodos
científicos, não só os usuais como a indução e dedução, mas também da intuição
como modo de lhe auxiliar na busca do verdadeiro.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de analisar
como a razão se mostra para o ser humano e de como este se utiliza dela para a
elaboração da ciência. Através disto, buscar-se-á apresentar e analisar dois
métodos mais usuais, indução e dedução.
No Capítulo 2, tratando de mostrar a intuição como um modo
racional, auxilia na busca da verdade. Para isto, é necessário fazer um relato
histórico-filosófico de alguns dos principais pensadores que trataram deste tema.
Serão apresentados filósofos que vão desde a antiguidade como Aristóteles,
passando por Descartes, Kant, Bergson e Husserl.
10
No Capítulo 3, depois de analisada a racionalidade e a ciência,
bem como seus métodos, e posteriormente trazendo o conceito de intuição, buscarse-á mostrar a validade desse instrumento na ciência, mais especificamente na
Ciência Jurídica.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
possibilidade de utilização da Intuição na Ciência Jurídica.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
Hipótese 1: A intuição é um tipo de conhecimento imediato e
válido, portanto aplicável a qualquer ciência, logo também ao Direito.
Hipótese 2: A intuição é válida apenas para as ciências exatas,
pois o Direito trabalha com valores, juízos, em que não existem conhecimentos
imediatos, mas apenas conceitos criados pela racionalidade humana.
Hipótese 3: A intuição é aplicável ao Direito, pois por ser capaz
de apreender o fenômeno de imediato, pode captar a essência do mesmo,
superando a aparência das normas e decisões jurídicas e encontrando a verdade
que se desvela por trás destas.
Hipótese 4: A intuição não pode ser aplicada ao Direito, pois a
ciência é construída com bases indutivas e dedutivas, logo não haveria como a
intuição captar fenômenos concebidos naquelas lógicas.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o
1
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prÁtica. 11 ed.
Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
2
“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção
ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prÁtica.
p. 86.
11
Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.
3
Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2226.
4
“[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.”
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prÁtica. p. 54.
5
“[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD,
Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prÁtica. p. 25.
6
“[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa
jurídica: teoria e prÁtica. p. 37.
7
“Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar
Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prÁtica. p. 209.
CAPITULO 1
RAZÃO E CÊNCIA
1.1 ETIMOLOGIA E CONCEITO DE RAZÃO
Neste primeiro capitulo analisar-se-ão os idéias de conceitos
relacionados à razão e como o ser humano a utiliza, principalmente em relação à
sua influência nas ciências em geral, bem como na ciência jurídica. Neste trabalho
será focado no significado de razão como referencial da conduta humana no mundo.
1.1.1 Etimologia
Epistemologicamente a palavra razão origina-se de duas
fontes, latina e grega, portanto, duas culturas que influenciam todo pensamento
ocidental até os dias de hoje. A primeira palavra que compõe a palavra razão é de
origem latina ratio e a segunda de origem grega logos. A palavra ratio vem do verbo
reor, que quer dizer contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular. Já a outra palavra
é logos que deriva do verbo legein, que significa contar, reunir, juntar, calcular.8
Seguindo então estes conceitos pode-se dizer que para que
uma pessoa possa realizar estas ações, ou seja, medir, juntar, separar, contar,
calcular é necessário que ela pense de maneira ordenada, e particularmente utilizase das palavras para realizar estas ações. “Por isso, logos, ratio ou razão significam
pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo
compreensível pra todos”9.
1.1.2.Conceito
Filosoficamente, razão não significa somente uma capacidade
moral ou intelectual, que busque justificar alguma atitude (moral) ou ainda para
conseguir um conhecimento verdadeiro (intelectual), “mas também uma propriedade
8
9
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59.
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59.
13
ou qualidade primordial das próprias coisas, existindo na própria realidade”10. O uso
da faculdade racional implica na possibilidade de conhecer de forma objetiva, ou
seja, um conhecimento que não se restrinja à subjetividade do pesquisador, mas
que alcance a essência do objeto estudado. A atividade racional parte do
pressuposto
que
o
conhecimento
advindo
puramente
do
sujeito
não
é
suficientemente demonstrado, uma vez que está exposto às condições pessoais e
subjetivas que cada indivíduo carrega consigo, como suas opiniões, história de vida,
etc. Por outro lado, o objeto apresenta-se como dado válido a cada sujeito. A
possibilidade de o sujeito conhecer o objeto, ou mesmo o limite deste conhecimento,
foi matéria de reflexão dos grandes filósofos e cientistas. Ainda que haja variações
de concepções sobre razão, há a noção universal de razão como faculdade humana
possível de conhecer objetivamente a coisa. O aspecto objetivo é o que difere a
ciência de outras formas do conhecimento.
A palavra razão está em oposição a quatro atitudes mentais. A
primeira é o conhecimento ilusório, ou seja, o conhecimento de mera aparência das
coisas; a segunda são as emoções, os sentimentos, as paixões, ou seja, a
passividade emocional; a terceira é a crença religiosa a qual é dada pela fé; a quarta
e ultima é o êxtase místico.11
Seguindo esta seara há duas vertentes para o significado de
razão no pensamento filosófico. A primeira delas é a razão objetiva na qual “a
realidade é racional em si mesma”12, ou seja, o objeto ou a realidade de determinado
conhecimento é racional. A segunda que é a razão subjetiva, que “é uma
capacidade intelectual e moral dos seres humanos”13, portanto está ligado ao sujeito
do conhecimento (intelectual) ou a da ação (moral) ser racional. A idéia de que o
homem deve ter um critério para se orientar e este critério deve ser a razão, nasce
com Heráclito e Parmênides, perpassando por todo pensamento filosófico, sendo
com os estóicos que finalmente esta doutrina se prevalece, ou seja, doutrina da que
propõe que a razão é o único guia pela qual o homem pode seguir. Seguindo a
história do pensamento filosófico, este argumento entrará em crise com a idéia de
que o a razão está subordinada ao intelecto. Só então com a passagem racional
10
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59,60.
12
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59
13
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.59
11
14
operada na virada da época medieval para a modernidade, é que se retornará
aquela idéia. Tal passagem se dará iniciando-se com os movimentos renascentistas,
chegando até a chamada revolução científica, principalmente com as idéias
propostas por Descartes14.
É neste modelo criado por Descartes que toda ciência atual se
baseará, incluindo a Ciência do Direito. Neste viés, segue o entendimento de
Descartes ao dizer, em uma das suas principais obras, o que nos difere
essencialmente da outras espécies
Por ser a razão ou o senso a única coisa que nos confere a
qualidade de homens e nos diferencia dos animais, quero crer que se
ache integralmente em cada um e acompanho, nisso, a opinião dos
filósofos que dizem que há apenas mais ou menos entre os
acidentes e não entre as formas, ou naturezas, dos indivíduos da
mesma espécie.15
Ou seja, seguindo então seu método, que será analisado
posteriormente, Descartes “começa duvidando de tudo, até reconhecer como
indubitável o ser do pensamento. Através então da dúvida metódica utiliza um modo
rever todo seu pensamento em relação aos processos de conhecimento, tentando
desta forma formular um novo método que fizesse o homem alcançar o
conhecimento verdadeiro.
Tendo como foco o entendimento da razão subjetiva, ou seja,
aquela ligada ao sujeito cognoscente ou da ação, já que a razão é uma faculdade do
ser humano, esta ainda se divide em duas grandes modalidades da atividade
racional. A primeira é a intuição, da qual será analisado mais detalhadamente no
segundo capitulo por ser o foco de nosso trabalho. A segunda grande modalidade é
o raciocínio.16
O raciocínio, também conhecido como razão discursiva “é
qualquer procedimento de inferência ou prova”17, ou seja, por ser um procedimento é
necessário seguir um caminho, um percurso para alcançar o conhecimento do
14
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.825
DESCARTES. Discurso do Método.Coleção os Pensadores.3ed. São Paulo:Abril Cultural,
1983.p.29
16
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.63
17
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.821.
15
15
objeto. Portanto a razão discursiva ou o raciocínio, só obtém o conhecimento de um
objeto
passando
por
várias
etapas
até
conseguir
chegar,
ainda
que
aproximadamente, ao conceito ou definição do objeto. Estas etapas necessárias na
razão discursiva estão dispensadas na intuição, como se verificará mais tarde. Cada
etapa desta exige provas e demonstrações que buscam a verdade de cada uma
destas etapas que estão sendo investigadas.18
Tem-se então que a razão discursiva não é um ato intelectual
imediato, ou seja, não se consegue ter uma visão completa e imediata do objeto em
um instante, como ocorre na intuição, ao invés, fazem-se necessários vários atos
intelectuais internamente ligados ou conectados para chegar ao conhecimento de
um objeto, formando assim um processo de conhecimento.19
As principais características deste tipo de atividade racional
são a generalidade e a universalidade, que significam que o conhecimento deve
abarcar sempre os casos universais e não apenas o singular, pois o singular é
contingencial e relativo. Para se realizar análises que possam alcançar dados
genéricos é essencial que o conhecimento se baseia na universalidade. A
singularidade sempre possui aspectos próprios que possa não se encontrar em
outro singular, o que não ocorre no conhecimento do universal. Posto e definido o
conceito de razão cabe analisar o conceito de ciência e qual o papel da razão na
ciência e como ela permite que o conhecimento avance além do senso comum.
1.2 A CIÊNCIA COMO SUPERAÇÃO DO SENSO COMUM
No caminho oposto da ciência tem-se a opinião,(doxa). A
opinião é que fundamenta o senso comum. Neste sentido o senso comum se
justifica nas opiniões, que decorrem dos hábitos, preconceitos, tradições
cristalizadas. Em outras palavras o senso comum é o conhecimento dos homens
comuns, não especialistas em determinada temática. Neste sentido até “mesmo um
18
19
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66
16
cientista mais rigoroso, quando está fora do campo de especialidade, é também um
homem comum e usa conhecimento espontâneo no cotidiano de sua vida” 20.
Apresentadas as características do conhecimento advindo do
senso comum, é importante agora assinalar o que seria a ciência, partindo da
etimologia para depois introduzir suas características.
1.2.1 Etimologia de ciência
A palavra ciência, no sentido epistemológico, significa “saber o
ente que age”. deriva do latim scire ens quod agit: scire(saber); ens,entis(ente);
actio(ação), ou seja, saber o ente que age, busca-se o conhecimento das causas de
determinado fenômeno, apreendendo-o de maneira completa, verdadeira, constróise assim um saber verdadeiro.21
1.2.2 Conceito
De acordo com Chauí22 a ciência é “conhecimento que resulta
da atividade racional, portanto, a ciência está diretamente ligada a razão”. Segue
neste mesmo norte o conceito dado por Bittar23.: “a ciência é uma pratica racional da
qual resultam conhecimento” Corroborando ainda nesta mesma linha pode-se citar
Ander-Egg apud Marconi e Lakatos24: “A ciência é um conjunto de conhecimentos
racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis,
que fazem referência a objetos da mesma natureza”.
Tendo em vista este conceito poderia se perguntar o que difere
a ciência da filosofia, já que em ambas são utilizados conhecimentos racionais. Aqui
encontram-se grandes divergências no entendimento destes dois tipos de
conhecimento, ou seja, cientifico e filosófico. Pode-se dizer que o conhecimento
filosófico se difere do conhecimento cientifico, porque enquanto aquele se utiliza
20
ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São Paulo:
moderna,1999.p.127.
21
MENEGHETTI, Antonio. Fundamentos da Filosofia.São Paulo:Ontopsicologica Editrice.2005,
p.92.
22
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66
23
BITTAR, Eduardo C.B.Metodologia da Pesquisa Jurídica.7 ed.São Paulo: Saraiva,2009.p.31.
24
Ander-Egg apud MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5°
Ed.São Paulo:Atlas,2008.p.17.
17
somente da razão pura para chegar a verdade, este além da razão utiliza-se de
acontecimentos concretos, positivados, e da qual utiliza-se instrumentos e técnicas
para o estudo das observações feitas pelos cientistas.
Portanto observa-se que enquanto a filosofia pensa a
formalização do método, a ciência o aplica, porém ambas buscam a veracidade dos
conhecimentos. Contudo, não se pode afirmar que a ciência também não teorize
sobre o método, pois para aplicá-lo é necessário sempre refletir sobre sua utilização,
ou seja, qual o método é o mais indicado para determinada pesquisa, em que
etapas, etc. Todo este procedimento contribui para novas discussões sobre o próprio
método, de forma que novos métodos possam ser criados a fim de possibilitar a
ampliação do conhecimento humano.
Sintetizando este ponto, a diferença substancial entre filosofia e
ciência é que a primeira não necessita da comprovação empírica, uma vez que ela é
a base lógica e racional que permeia as próprias ciências, enquanto que o
conhecimento científico precisa comprovar o que pesquisa.
Corrobora com este entendimento Aranha e Martins, ao dizer
que:
O próprio Galileu, também no século XVII, teoriza sobre o método
cientifico, que significou uma verdadeira revolução: é justamente
naquele momento que a ciência rompe com a filosofia e sai em
busca de seu próprio caminho.25
Neste sentido observa-se a como conceito de razão é
complexo, e que assim como razão, possui algumas características que devem ser
observadas. A ciência possui características, quais sejam: - é um conhecimento
racional, isto é, “que tem exigências de método e está constituída por uma série de
elementos básicos, tais como sistema conceitual, hipóteses, definições”26; - ela é
certa ou provável, “já que não se pode atribuir à ciência a certeza indiscutível de
todo o saber que a compõe”27; - é obtida metodicamente, “pois não se adquire ao
25
ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São Paulo:
moderna,1999.p.155.
26 26
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.22
27
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.22
18
acaso ou na vida cotidiana”28; - é sintentizadora, pois “não se trata de
conhecimentos dispersos e desconexos [...]”29; - é verificável “pelo fato de que as
afirmações , que não podem ser comprovadas , ou não podem ser comprovadas não
passam pelo uso da ciência”30; - e, por fim, é relativa a objetos de uma mesma
natureza,“ou seja, objetos pertencentes a uma mesma realidade”31.
É necessário portando observar esses diversos elementos para
a formulação de uma ciência. Além dessas características a ciência possui alguns
componentes, a saber: objetivo, função e objetos. Para entender estes três
componentes utilizar-se-á a definição dada por Marconi e Lakatos. De acordo com
as autoras, é objetivo, pois tem preocupação em distinguir a característica comum
ou as leis gerais que regem determinados eventos; sua função é aperfeiçoamento,
por meio do crescente acervo de conhecimentos, da relação do homem com seu
mundo; por fim tem objetos, dos quais se subdividem em materiais e formais. Os
primeiros são aqueles que se analisam de modo geral, pensa-se, estuda-se,
enquanto os outros são aqueles que ganham um enfoque especial, em face das
diversas ciências que possuem o mesmo objeto material.32
1.2.3 Ciência Jurídica
Partindo desta idéia é notória a existência de várias ciências. A
classificação das ciências primeiramente foi dada por Aristóteles. Posteriormente
foram adotadas outras classificações, até que nos meados do século antepassado,
foi formulada uma classificação baseadas nos componentes acima elencados. A
ciência jurídica que é o foco deste trabalho se encontra no ramo das ciências
humanas sociais aplicadas, ou seja, é uma “ciência normativa e aplicada”, no âmbito
social.
Assim entende Chauí:
28
MARCONI, Marina
Paulo:Atlas,2008.p.22.
29
MARCONI, Marina
Paulo:Atlas,2008.p.22
30
MARCONI, Marina
Paulo:Atlas,2008.p.22
31
MARCONI, Marina
Paulo:Atlas,2008.p.22
32
MARCONI, Marina
Paulo:Atlas,2008.p.24.
de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
19
Das inúmeras classificações propostas, as mais conhecidas e
utilizadas foram feitas por filósofos franceses e alemães do XIX,
baseando-se em três critérios: tipo de objeto e estudado, tipo de
método empregado, tipo de resultado obtido[...] ciências aplicadas(
todas as ciências que conduzem a invenção de tecnologias para
intervir na natureza, na vida humana e nas sociedades, como por
exemplo, direito [...]33.
Nesta linha, segue-se então a classificação do direito, ou
melhor, da ciência jurídica como uma ciência humana e social aplicada, na qual tem
suas bases em outras ciências sociais como historia do direito, psicologia forense,
entre outras.
É importante salientar a definição dada por Diniz, na qual
prescreve:
[...] a ciência jurídica consiste no pensamento tecnológico que busca
expor metódica, sistemática e fundamentadamente as normas
vigentes de determinado ordenamento juridico-positivo, e estudar os
problemas relativos a sua interpretação e aplicação, procurando
apresentar soluções viáveis para os possíveis conflitos, orientando
como devem ocorrer os comportamentos procedimentais que
objetivam decidir questões conflitivas34
Estabelecido o conceito de ciência, suas características e seus
componentes, e ainda a classificação da ciência jurídica dentro deste contexto, cabe
agora demonstrar quais os métodos utilizados para decidir estas questões
conflitantes e expor as normas vigentes. Antes, porém, cabe clarear algumas
definições para entender o que significa o método.
1.3 MÉTODO
A palavra método vem do latim, meta que significa “ao longo
de”, e hodós, que significa via, caminho, ou seja, método é a “ordem que segue na
investigação da verdade, no estudo feito por uma ciência, ou para alcançar um fim
determinado”.35 A idéia de método cientifico surge com Galileu36, discordando dos
33
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.260
DINIZ apud BITTAR, Eduardo C.B.Metodologia da Pesquisa Jurídica.7° Ed.São Paulo:
Saraiva,2009.p.31.
35
ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São Paulo:
moderna,1999.p.154.
36
Galileu Galilei nasce em 15 de fevereiro de 1564, filho de Vicente, músico e comerciante, de Julia
Ammannati de Pescia. Em 1582 já estava inscrito entre os “alunos artistas” do Estúdio Pisa.Foi
34
20
métodos até então utilizados, e focando no conhecimento da lei que preside os
fenômenos.
Em seguida tem-se o estudo de Francis Bacon, que seguindo
Galileu, propõe como método seguro a indução e a experimentação Além destes
surge também a figura Descartes na qual se afasta dos processos indutivos e
apresenta o método dedutivo para a busca da verdade.
Assim então chegamos aos conceitos mais atuais de método,
na qual se destaca:
É o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior
segurança e economia, permite alcançar, o objetivo – conhecimentos
válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido,
detectando erros e auxiliando as decisões dos cientistas.37
Neste viés esta idéia de método utilizada atualmente tem sua
base na Idade Moderna, principalmente com Descartes. Ressalta-se, que para o
filosofo francês é através do método que se faz possível seguir uma ordem real e
enumerar com exatidão todas as circunstâncias do se busca, comparando-as as
certezas aritméticas.
Portanto o método tende sair das idéias estabelecidas no
senso comum e auxiliar o homem buscar a certeza e verdade dos conhecimentos.
Pode-se citar Jolivet apud Bittar ao estabelecer a finalidade do método:
O método tem como fim disciplinar o espírito e excluir de suas
investigações o capricho e o acaso, adaptar o esforço a empregar
segundo as exigências do objeto, determinar os meios de
investigação e a ordem de pesquisa38
convidado a ensinar em Pádua, anos que constituíram os mais belos anos de sua vida.Em Florença,
prossegue suas pesquisas astronômicas, mas sua adesão ao copernicanismo começa a lhe criar as
primeiras dificuldades. Sendo acusado de heresia devido ao seu copernicanismo de depois
denunciado ao Santo Ofício sendo processado em Roma em 1616. Em 1633, Galileu foi novamente
processado e condenado de prisão perpetua. Faleceu no dia 8 de janeiro de 1642. REALE, Giovanni;
ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São Paulo: Paulus, 2003. 2v.
p. 248-251.
37
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.46.
38
JOVILET apud BITTAR, Eduardo C.B.Metodologia da Pesquisa Jurídica.7° Ed.São Paulo:
Saraiva,2009.p.14.
21
Estabelecido o conceito de método e sua importância para a
ciência cabe agora observar sua utilidade na ciência jurídica. Sendo o direito uma
ciência (ciência jurídica) devem-se buscar os métodos necessários para a solução
dos problemas formulados para esta ciência. Ressalta-se que é através dos
conceitos jurídicos, que se chega à formação desses problemas.
É neste sentido o pensamento de Bodenheimer apud Marconi e
Lakatos. De acordo com ele os conceitos jurídicos “podem ser considerados os
instrumentos de trabalho usados para identificar, mediante uma descrição sucinta,
situações típicas caracterizadas por elementos comuns ou idênticos”39.
Há que se destacar a relação desta temática com aquela
trabalhada no primeiro item, a razão. Assim os métodos a serem analisados se
classificam como atividades racionais, de natureza subjetiva, referente às razões
discursivas, que são aquelas realizadas pelo raciocínio. Os principais modos
utilizados por esta razão discursiva são a indução e a dedução, pois “dedução e
indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não
conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a
conhecimentos já adquiridos”40. Assim, portanto ajudam a ciência a buscar a
verdade em suas conclusões.
Tendo em vista estes elementos, a partir deste momento
analisar-se-ão estes dois métodos aplicados nas ciências e, por conseguinte, na
ciência jurídica, os métodos indutivo e dedutivo.
1.3.1 Método Indutivo
Na utilização do método indutivo, realiza-se um processo que
parte do particular (igual ou semelhante) em busca de uma premissa geral.41 Este
processo é contrário ao da dedução como será visto a seguir. O método indutivo é
proposto por Francis Bacon, como já mencionado.
39
BODENHEIMER apud MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia
Científica. 5° Ed.São Paulo:Atlas,2008.p.254.
40
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66.
41
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.67.
22
Bacon nasceu em Londres, em 22 de janeiro de 1561, em York
House in Strand, filho do lorde Guarda-Selos da rainha Isabel, portanto foi
introduzido na corte inglesa desde cedo. Cursou a Universidade de Cambrige
quando tinha 12 anos, ficando no Trinity College até 1575. Desde esta época, o
filósofo já estava desiludido com a filosofia aristotélica, não por desprezo ao
Estagirista, mas por observar a inutilidade do método criado pelo filósofo grego.Em
1607 se tornou advogado geral, e posteriormente em 1613 procurador geral da
Coroa inglesa. Em 1620 publicou sua obra mais famosa Novum Organum Pouco
tempo depois em 1621 foi acusado de corrupção, sendo condenado. Porém sua
prisão durou poucos dias e sua multa foi perdoada pelo rei Jaime I, continuando com
seus estudos e falecendo em 9 de abril de 1926.42
Pensando em um novo método que conduzisse o raciocínio, o
filósofo se baseou na indução, que ao partir de observações experimentais,
avançaria gradativamente até as premissas gerais. Seu pensamento fará parte de
toda revolução científica iniciada por Galileu.
Em sua principal obra Novum Organum Bacon, fará uma critica
aos processos utilizados na filosofia clássica, alegando não propiciarem um
conhecimento completo, e que somente através do processo de experimentação e
observação dos fenômenos poderia se chegar a verdade. Esta experimentação é
denominada coincidências constantes, que possui três etapas fundamentais para
seu uso correto. A primeira denomina-se tábua de presença, a segunda tábua de
ausência e a terceira tábua dos graus.43 De acordo com o filósofo:O objetivo e a
função dessas três tábuas são o de fazer uma citação de instâncias diante do
intelecto(...)Feita a citação, é preciso pôr em ação a própria indução”
44
Na tábua de presença “anotam-se todas as circunstâncias em
que se produz o fenômeno cuja causa se procura”45; na tábua da ausência anotam-
42
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 324-326
43
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.48.
44
BACON apud REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant.
3.ed. São Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 324-326
45
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.49,50.
23
se “todos os casos em que este não se produz”46; por fim na tábua dos graus anotase “todos os casos m que o fenômeno varia de intensidade”47. Portanto parte-se de
um fenômeno particular, analisando todas as suas peculiaridades para alcançar uma
causa.
Um ótimo exemplo deste procedimento racional é encontrado
na obra de Marconi e Lakatos, que apresentam: O corvo 1 é negro; O corvo 2 é
negro; o corvo 3 é negro, O corvo n é negro; logo todo corvo é negro, ou seja, partese de um fenômeno (o corvo 1 é negro) para alcançar um premissa geral ( todos os
corvos são negros).48
Faz-se necessário elencar o conceito de método indutivo
utilizado por Marconi e Lakatos:
Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de
dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma
verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas.
Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões, cujo
conteúdo é muito mais amplo que o das premissas nas quais se
basearam49.
Esta mesma lógica Bacon aplicará na ciência jurídica, alegando
que o direito deve se basear nos fatos e não em interpretações, sendo que estas
devem ser restritas, voltadas ao texto legal, contribuindo assim, especialmente, para
o positivismo jurídico. Neste sentido a indução é um dos métodos utilizados até hoje
na ciência jurídica.
Cabe salientar a definição geral ou a teoria geral que é”aquela
que explica e subordina todos esses casos particulares”50, sendo que só são obtidas
na fase final o processo. Para que este tipo de processo cognitivo seja finalizado
corretamente faz-se necessária seguir algumas regras aquelas oferecidas pela
razão.
46
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia
Paulo:Atlas,2008.p.49,50.
47
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia
Paulo:Atlas,2008.p.49,50.
48
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia
Paulo:Atlas,2008.p.53.
49
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia
Paulo:Atlas,2008.p.53.
50
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.67.
Científica. 5° Ed.São
Científica. 5° Ed.São
Científica. 5° Ed.São
Científica. 5° Ed.São
24
Além dessas Marconi e Lakatos estabelecem três regras
fundamentais para o processo de indução, a saber: a observação dos fenômenos; a
descoberta da relação entre eles; e a generalização da relação.51
A indução ainda se classifica de duas formas: completa
(formal) ou incompleta (científica). A primeira foi estabelecida por Aristóteles e
fortemente criticada por Galileu e Bacon, que fundamentam a segunda.
A completa é aquela indução que não está relacionada a uma
quantidade de casos, mas sim de todos os casos, tratando de elementos inferiores
que podem ser verificados ou conhecidos pela experiência. Já a indução incompleta
não se limita a elementos inferiores, mas abrange todos os elementos de uma
mesma categoria, se for adequadamente observado.52
Por fim vale ressaltar que no processo indutivo o que se
expressa na conclusão excede a premissa geral, ou seja, “podemos afirmar que as
premissas de um argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa
verossimilhança à sua conclusão”53 Tem-se de ser assim que a conclusão no
processo indutivo pode apenas ser uma probabilidade de estar correta.
Outro método que se utiliza para auxiliar o desenvolvimento da
ciência é o método dedutivo, sobre o qual se discorrerá neste momento.
1.3.2 Método Dedutivo
Diferentemente do método indutivo, o método dedutivo
“consiste em partir de uma verdade já conhecida [...] e que funciona como principio
geral ao qual se subordinam todos os casos que serão demonstrados a partir
dela”.54 Antes de analisar pormenorizadamente este método, é valido observar sua
origem, encontrada no pensamento cartesiano, e ainda analisar os entendimentos
51
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.54.
52
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.56.
53
SALON apud ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São
Paulo: moderna,1999.p.81.
54
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66.
25
Descartes, pois estes também serão úteis para a compreensão dos aspectos
referentes à intuição.
René Descartes nasceu em 31 de março de 1596 em La Haye
em Turenna, filho de Joachim Descartes, conselheiro do parlamento da Bretanha e
de Jeanne Brochard. Em 1605 iniciou seus estudos no colégio jesuíta de La Flèche,
onde permaneceu até 1613, dedicando-se ao estudo da Gramática (4 anos),
Retórica (2 anos) e Filosofia (3 anos). Estudou na Universitè di Poitiers, sendo
nomeado em novembro de 1616 bacharel e licenciado em Direito. Posteriormente
retira-se da França, residindo na Holanda e também em Frankfurt na Alemanha.
Morre em Estocolmo, na Suécia, em 11 de fevereiro de 1650.55
A escola racionalista, que tem como seu grande representante
Cartésio,, tenta demonstrar que mais do que a experiências sobre os objetos
externos ao homem, é dentro deste que estão contidas as matrizes do conhecimento
para análise dos fenômenos.
Pode-se então atentar as palavras de Chauí, ao dizer que:
Para Descartes, o conhecimento sensível (isto é, sensação,
percepção, imaginação, memória e linguagem) é a causa do erro e
deve ser afastado. O conhecimento verdadeiro é puramente
intelectual, parte das idéias inatas e controla (por meio de regras) as
investigações filosóficas, científicas e técnicas56
Desta maneira, como já se relatou anteriormente, é com
Descartes que se firma a idéia da razão como via para o caminho da verdade. Neste
sentido o próprio filósofo busca um método, usando seu exemplo de vida para
mostrar aos outros como ao utilizar-se deste método o ser humano pode conhecer
racionalmente conhecer a realidade assim agir adequadamente. Com este intuito o
filósofo firma quatros preceitos fundamentais para aplicação de seu método, como
ele mesmo propõe:
O primeiro o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu
não conhecesse evidentemente como tal, isto é, de evitar
cuidadosamente e a precipitação e a prevenção[...]O segundo de
dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas
55
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 353-357.
56
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.116
26
parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para
melhor resolve-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus
pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis
de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o
conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem
entre os que se precedem naturalmente aos outros. E o último, o de
fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.57
Para a elaboração deste método, ele busca uma base
filosófica, ligada a metafísica, apresentando a primeira evidência que fundava a
existência humana e sua capacidade de conhecer “penso, logo existo”58, ou seja, se
homem deve ser guiado somente pela razão, ou melhor, se a este é dado a
capacidade de pensar, raciocinar ele deve primeiro ser, portanto esta é a primeira
base de verdade que possibilita o homem conhecer a realidade .59
Neste sentido para o pensamento cartesiano a ciência
progredirá por inferências, elas mesmas providas de uma evidência interna para a
mente humana, por via da dedução. Porém é necessário que se siga uma ordem,
que está baseada sobre os princípios inatos, partindo então para deduções. Essas
deduções partem de princípios não evidentes, mas „supostos‟ – postulados,
hipóteses, buscando encontrar de baixo para cima o encadeamento das causas e
dos efeitos. Através desse método o ser humano não será levado ao erro, que se
baseiam e atitudes denominadas infantis como a prevenção e precipitação.
Para entender essas atitude é valido ressaltar as explicações
dadas por Chauí:
prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar
pelas opiniões e idéias alheias, sem se preocupar em verificar se são
ou não verdadeiras[....]a precipitação, que é a facilidade e
velocidade com que a nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as
coisas antes de vencer esses efeitos, graças a uma reforma do
entendimento e das ciências.60
Assim tem-se a importância do método dedutivo na ciência
para a busca da verdade. Atualmente tem-se o conceito de dedução como “processo
57
DESCARTES.Discurso do Método.Col. Os pensadores.São Paulo: Nova Cultural,1996.p.78,79.
Em latim : cogito ergo sum. DESCARTES.Discurso do Método.Col. Os pensadores.São Paulo:
Nova Cultural,1996. p. 92.
58
60
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.116.
27
pela qual, com base em enunciados ou premissas, se chega a uma conclusão
necessária, em virtude da correta aplicação das regras lógicas”61.
Vale ressaltar que a influência deste método na ciência não é
diferente na ciência jurídica. Conforme Villey,62 grande parte do Direito Moderno
adotará essa nova perspectiva e essa é a maior influência do pensamento
cartesiano sobre a filosofia jurídica. Por mais que Descartes não tenha se dedicado
a tratar exaustivamente sobre esta parte da Filosofia, seu método de organização do
raciocínio influenciou de modo marcante as concepções jurídicas posteriores.
Esta importância do método dedutivo para a ciência jurídica é
ressaltada por Miguel Reale: O Direito é uma ciência que aplica de preferência o
método dedutivo[...]63
Portanto, na ciência jurídica, ou do direito, procura-se através
do método dedutivo chegar a uma verdade especifica. Assim então para melhor
entender este método tem-se que nele “o raciocínio parte do geral para chegar ao
singular, ou seja, universal ao singular, isto é, para tirar uma verdade particular de
uma geral”64. Neste sentido esta espécie de método é caracterizada pela cadeia de
raciocínios.
Um exemplo clássico encontrado nos livros para melhor
compreensão deste método é “todos os homens são mortais; Sócrates é um
homem; logo Sócrates é mortal”. Neste sentido o primeiro argumento que diz que
todos os homens são mortais é uma premissa geral por se tratar de uma
totalidade.65
Por fim, cabe salientar que mesmo a dedução tendo um
momento de rigor preciso, este entendimento não acrescenta nada de novo na
ciência, mas apenas organiza um conhecimento já adquirido, assim então, “
impendem-nos de cair, mas não nos fazem ir adiante.”66
61
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.256.
62
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Claudia Berliner.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 600.
63
REALE. Miguel.Filosofia do Direito.17 ed.São Paulo:Saraiva,1996.p.80.
64
MARCONI, Marina de Andrade;LAKATOS,Eva Maria.Metodologia Científica. 5° Ed.São
Paulo:Atlas,2008.p.256.
65
ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São Paulo:
moderna,1999.p.80.
66
CONDILLAC apud ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed.
São Paulo: moderna,1999.p.81.
28
Analisados esses métodos, ressaltando sua importância para a
ciência, cabe agora apresentar outro método até então não comentado.
29
CAPITULO 2
CONSTRUÇÃO DA RAZÃO INTUITIVA
2.1 INTUIÇÃO E SUA ETIMOLOGIA
Como se observou no capítulo anterior a idéia de razão está
intimamente ligada a idéia de ciência, ou seja, observou-se como aquela influencia
esta, bem como
os métodos utilizados, também baseados no conhecimento
racional, que ajudam a ciência na busca pela verdade. Assim então os métodos são
para ciência uma espécie de processo ordenado que busca a verdade.
Contudo, neste primeiro capítulo atentou-se somente para
atividade racional, ligada à razão subjetiva, mais especificamente na razão
discursiva. Cabe agora analisar a outra modalidade de atividade racional, ou seja, a
razão intuitiva.
De acordo com Chauí “a razão intuitiva ou intuição, ao
contrário, consiste num único ato de espírito, que, de uma só vez, capta por inteiro e
completamente o objeto. No seu sentido epistemológico tem-se que intuição vem do
latim intuitus, e significa ver, ou seja, intuição é uma visão imediata e completa do
objeto, sem a necessidade de provas ou de demonstrações para saber o que
conhece, diferentemente dos métodos de dedução e indução como foram
analisados, pois necessitam de um processo de demonstrações e provas. 67É
importante ressaltar o conceito dado por Meneghetti: Intus actionis=o dentro ou íntimo
da ação;saber o íntimo da ação;Ver o fazer;Conhecer os modos ou estruturas interiores de
um projeto de ação ou evento; Saber antes dos efeitos.68
A
intuição
em
duas
modalidades:
empírica/sensível
e
intelectual. A primeira modalidade trata-se daquela intuição que temos mais
habitualmente, por ser aquele conhecimento imediato e global que se tem das
67
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.63
MENEGHETTI, Antonio.Dicionário de Ontopsicologia.São Paulo:Ontopsicologica Editriche.2001,
p.90.
68
30
qualidades sensíveis do objeto externo (cores, sabores, odores...) ou ainda, o
conhecimento dos estados mentais internos (lembranças, desejos, imagens...).
Neste sentido ela se caracteriza pela singularidade. Cabe citar Chauí:
A intuição sensível ou empírica é psicológica, isto é, refere-se aos
estados do sujeito do conhecimento enquanto um ser corporal e
psíquico individual – sensações, lembranças, imagens, sentimentos,
desejos e percepção são exclusivamente pessoais.69
A outra modalidade de intuição é a intelectual, nesta, ao
contrário da intuição sensível, é aquela que deriva unicamente da atividade racional,
ou seja, ao invés do conhecimento imediato se dar por uma circunstância psíquica
ou corpórea, ela se dá puramente através da razão. Neste sentido a intuição
intelectual é o conhecimento direto e imediato dos princípios da razão [...] das
relações necessárias entre os seres ou entre as idéias, da verdade de uma idéia ou
de um ser.
Para Chauí:
[...]“intuição é um ato intelectual de discernimento e compreensão[...]
ao momento em que temos uma compreensão total, direta e imediata
de alguma coisa, ou o momento em que percebemos, num só lance,
um caminho para a solução de um problema cientifico, filosófico ou
vital.70
Esta
modalidade
se
caracteriza
principalmente
pela
necessidade e universalidade. Contudo para que este conceito esteja consolidado
foi necessário um longo período histórico para que ela se firmasse. Nestes próximos
itens serão analisados os principais pensadores que ao longo do tempo constituíram
este conceito, para que no terceiro capítulo, possa ser analisada a possibilidade
deste método racional na ciência jurídica. Neste sentido serão analisados
brevemente Aristóteles, em seguida Descartes e Kant, e por fim Bergson e Husserl.
2.1.2 Aristóteles
De acordo com os estudos do Estagirita toda ação humana,
busca um fim, e o fim supremo de todas as ações é a felicidade.71 alcançar este
69
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.64.
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.64.
71
ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco.4ed.São Paulo: Martin Claret.2010.p.25
70
31
objetivo o homem deve aprimorar suas virtudes, tanto as do caráter, ou seja, morais,
quanto as do intelecto. Para nosso estudo, focaremos na analise destas últimas.
Para ele a alma dividi-se em duas partes, uma da qual é
dotada de razão e outra irracional. As virtudes intelectuais são as atividades
derivadas desta parte racional da alma, que tem como causa final a verdade.
Entende o filósofo que são cinco estas atividades: a arte, o conhecimento cientifico,
a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva, sendo que é esta última
que interessa a este trabalho72.
O conhecimento cientifico é entendido como o conhecimento
dos entes eternos, imperecíveis e duradouros, em outras palavras, é o
conhecimento do necessário e do absoluto. Já a arte é atividade sobre aquilo que
não é necessário, ou seja, “a arte procura meios racionais e técnicos para a
realização de uma obra, de um algo que seja fruto de um empenho racional”.
A
sabedoria
prática,
ou
prudência,
pode
ser
73
definida
considerando as pessoas que são dotadas desta virtude, ou seja, prudente, que é
aquele ser capaz de deliberar bem acerca do que é bom e conveniente para ele.
Assim, tem-se que a prudência é uma disposição sobre a ação. A sabedoria
filosófica, de acordo com o filosofo é a forma mais perfeita de conhecimento, pois
decorre do conhecimento dos primeiros princípios, como também de uma concepção
verdadeira a respeito desses primeiros princípios. Desta ainda resta duas maneiras,
uma em sentido particular e outra em sentido absoluto. 74
Por fim, cabe analisar agora da razão intuitiva, que trata do
conhecimento dos primeiros princípios, ou seja, para que o homem alcance a
sabedoria filosófica, faz-se necessário o conhecimento desses primeiros princípios
através da razão intuitiva.
Assim prescreve o pensador grego:
Por sua vez a razão intuitiva ocupa-se com coisas imediatas em
ambos os sentidos, uma vez que tanto os primeiros termos como os
72
ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco.4ed.São Paulo: Martin Claret.2010.p.130.
ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco.4ed.São Paulo: Martin Claret.2010.p.130,131.
74
ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco.4ed.São Paulo: Martin Claret.2010.p.132.
73
32
últimos são objetos da razão intuitiva e não do raciocínio pratico
apreende o fato último e variável, ou seja, a premissa menor.75
Assim então tem-se a idéia de intuição como um modo de
colher as coisas do real de forma imediata.Porém não é qualquer tipo de
conhecimento, mas sim aqueles que tratam dos primeiros princípios.
2.1.3 René Descartes
Como já se analisou no capítulo anterior, a ciência moderna, e
conseqüentemente a ciência do direito, foi fortemente influenciada pelo pensamento
de Descartes. Agora cabe analisar o que e como o filósofo colaborou para o melhor
entendimento sobre a intuição.
Primeiramente, cabe dizer que Descartes, reforçando o que já
foi analisado sobre seu método, ao formalizar suas idéias e entendimentos revisa os
as posições filosóficas predominantes da época colocando todo seu conhecimento
em dúvida e reformulando-o, não numa espécie de ceticismo, mas sim, para romper
qualquer hipótese de erro, assim então afirma que “[...] passar em revista todos os
atos de nosso entendimento que nos permite chegar ao conhecimento sem nenhum
engano.”76
Em sua obra Regras para orientação do espírito, na qual trata
basicamente das operações do entendimento, o filósofo destaca que os meios mais
confiantes para chegar ao conhecimento verdadeiro são a intuição e a dedução, ou
seja, para ele são duas vias mais seguras chegar a verdade. No que se refere à
intuição, que é o que se importa neste capítulo, destacamos da regra terceira, citada
na obra, o conceito de intuição da por ele que prescreve:
Por intuição entendo não a confiança instável dada pelos sentidos ou
o juízo enganador de uma imaginação com más construções, mas o
conceito que a inteligência pura e atenta forma com tanta facilidade e
clareza que não fica absolutamente nenhuma dúvida sobre o que
compreendemos; ou então, o que é a mesma coisa, o conceito que a
inteligência pura e atenta forma, sem dúvida possível, conceito que
nasce apenas da luz da razão e cuja certeza é maior, por causa de
sua maior simplicidade, do que a da própria dedução.77
75
ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco.4ed.São Paulo: Martin Claret.2010.p.140.
DESCARTES.Discurso do Método.3ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985.p.20
77
DESCARTES.Regras para orientação do espírito.1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.p.14
76
33
Em outras palavras “trata-se de, portanto de ato que se
autofundamenta e se autojustifica, porque sua garantia não repousa em numa base
qualquer de argumentação, mas somente na transparência do ato intuitivo”78, ou
ainda, “ trata-se da idéia presente na mente – e na mente aberta para idéia – sem
mediação”79 Segundo Gallina, “intuição é análoga ao olhar, o qual captura seus
objetos simultaneamente e não por etapas”.80
Nota-se previamente, no conceito dado pelo filósofo, partindo
da idéia de que não se pode ter confiança total nas percepções
dadas pelos
sentidos, ou mesmo em imaginações, Descartes faz uma critica expressa às
fragilidades e equívocos do pensamento anterior. Feita esta premissa passa-se a
analisar minuciosamente o conceito dado por ele
Neste viés tem-se como principais característica da intuição a
„luz da razão‟, a „mente pura‟, a „atenção‟, a „clareza‟ a “distinção”, a „evidência‟ e
“natureza simples”, sendo então necessário conceituar cada uma dessas
expressões.81
Cabe, salientar que Descartes, ao afirmar seu conceito, segue
fielmente à semântica latina em suas palavras. Neste sentido por luz da razão
entende-se as premissas, que supostamente apresentam-se de forma imediata e
evidente ao intelecto, buscando assim expressar a transparência da cognição, haja
vista que sugere verdades claras, distintas e evidentes”82 . No que se refere a mente
pura, tem-se que a intuição “é inata, e portanto pertence ao intelecto puro, ou seja,
produz idéias claras e distintas”83. Já atenção “é um estado da mente quando um
78
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 362
79
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 362
80
GALLINA, A. L. Realismo e representação na filosofia de Descartes.2003.304p.Tese(Doutorado
em Filosofia) Universidade de São Paulo, 2003.p34
81
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.25.
82
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.25
83
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.27.
34
conteúdo é intuído”84, ou seja, pelo seu estado o sujeito capta de forma imediata o
conteúdo de determinada idéia. A clareza é uma característica intimamente ligada à
atenção, pois, “exprimiria uma relação entre um conteúdo presente à consciência e
um „estado‟ do sujeito: a atenção”85
Assim, como a clareza, surge de um estado de atenção, a
distinção não se pode ocorrer sem que haja clareza. As naturezas simples “são um
conhecimento tão claro e distinto que o entendimento não pode dividir em várias
outras conhecidas distintamente”86. Como, último e não menos importante para a
caracterização do conceito de intuição temos a evidência, na qual nos remontamos a
primeira regra do método cartesiano na qual é classificada como a regra da
evidência. Evidência, “é uma propriedade da maneira como está sendo visto o
„objeto‟ pelo „sujeito”87.
É através da intuição que se pode chegar a esta evidência, ou
seja, do conhecimento verdadeiro, não sendo descartada a hipótese da dedução de
certo conhecimento, desde que “[...]deduzamos de princípios verdadeiros e
conhecidos, por meio de um movimento contínuo e sem nenhuma interrupção do
pensamento que vê nitidamente por intuição cada coisa em particular”88, tendo então
como função das outras três regras elencadas na sua obra o Discurso do
Método,apenas de chegar a esta transparência mútua, da qual a intuição alcança.
Portanto, todo processo de dedução que é proposto pelo
filósofo, trata-se de um processo mental que deve assemelhar-se à intuição, ou seja,
a dedução tem a função de demonstrar, porém o ponto final devem ter as mesmas
características da intuição. Resumidamente segundo Gilson, a intuição cartesiana
possui três características fundamentais: é um ato do pensamento puro; é infalível,
84
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.28.
85
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.29.
86
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.32.
87
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.31.
88
DESCARTES.Regras para orientação do espírito.1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.p.15.
35
de modo que supera a dedução por sua simplicidade, por fim, aplica-se a tudo que
pode ser abarcado pelo pensamento simples89
As características analisadas acima, que devem estar presente
no ato intuitivo, servem como regra para todos enunciados e raciocínios, visto que
estes são realizados por deduções e estas partem da intuição. Assim, a dedução
deve estar intimamente ligada a intuição, pois assim prevê Descartes:
Foi imperioso proceder assim, porque a maior parte das coisas são
conhecidas com certeza, embora não seja em si evidentes, contanto
que seja deduzidas de princípios verdadeiros, e já conhecidos, por
um movimento continuo e ininterrupto do pensamento, que intui
nitidamente cada coisa em particular: eis o único modo de sabermos
que o ultimo elo de uma cadeia está ligado primeiro, mesmo que não
apreendamos intuitivamente num só e mesmo olhar o conjunto dos
elos intermédios, de que depende a ligação; basta que tenhamos
examinado sucessivamente e que lembremos que, do primeiro ao
ultimo, cada um deles está ligado aos seus vizinhos imediatos.90
Ocorre então, que não conseguimos deduzir os princípios
verdadeiros, pois “[…] quanto aos próprios primeiros princípios, eles são conhecidos
somente por intuição e, ao contrário, suas conclusões distantes só o são por
dedução”.91
Desta maneira, no método cartesiano pode-se observar a
essencial importância da intuição para a aquisição da verdade, uma vez que, se não
for através da intuição, o homem deve realizar processos cognitivos que levam até o
conhecimento desta evidência, ou seja, a intuição é o primeiro e último ponto do
processo cognitivo.
Assim, portanto, a intuição “é tudo que nossa razão possui de
melhor, segundo Descartes: idéias claras e distintas, evidência, um intelecto puro e
atento”92. No tocante as idéias o pensamento cartesiano, as distingue em duas
espécies: idéias derivadas e idéias inatas.
89
Gilson apud SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do
espírito, 2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas.
Instituto. 2005.p.36
90
DESCARTES.Discurso do Método.3ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985.p.21.
91
DESCARTES.Regras para orientação do espírito.1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.p.16.
92
SCHERER, Fabio Cesar. Intuição e Dedução nas regras para orientação do espírito,
2005.130p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas. Instituto.
2005.p.28.
36
As idéias derivadas são as produzidas pela aplicação direta de
um estimulo externo, portanto decorrentes da experiência sensorial. Já as idéias
inatas, que neste interessa mais ao nosso estudo, são aquelas que se desenvolvem
a partir da mente ou consciência93.
Conclui-se então que, as idéias inatas somente são alcançadas
pela intuição, pois dela tratam os primeiros princípios. Assim o ponto de partida de
todo método cartesiano será fornecido por intuições inerentes ao próprio
pensamento. Para justificar esta idéia, Descartes apresenta a primeira evidência que
fundava a existência humana e sua capacidade de conhecer, ou seja, “penso, logo
existo”. Após então colocar todo seu pensamento em dúvida, e intuir esta premissa,
estabelece assim uma ordem, baseado nos princípios inatos, passa a provar a
existência de Deus e da imortalidade da alma humana.
Então a intuição “nasce unicamente da luz da razão, e é muito
mais certo do que a própria dedução”94, pois de acordo com o filósofo a intuição “é a
condição para o próprio entendimento e diz respeito aos primeiros princípios do
conhecimento”, sendo assim primordial para o entendimento da ciência, e tendo os
outros métodos como forma secundária de alcance da verdade.
Além de Descartes outro filósofo, séculos depois, influenciaria
o pensamento no que diz respeito a intuição. Este filósofo foi Immanuel Kant, sobre
o qual se tratará a seguir.
2.1.4 Immanuel Kant
Immanuel Kant nasceu em 1724 em Königsberg, Prússia,
cidade em que habitou por toda a sua vida. Nascido em numa família humilde, fez
em sua cidade natal, os primeiros estudos e a universidade, onde mais tarde se
tornaria e permaneceria professor [1770], embora tenha recebido inúmeros convites
de outras universidades.95
93
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 371.
94
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 362
95
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p.860-863.
37
O fato de nunca ter saído de sua cidade natal, não o tornava
um ignorante em relação aos principais acontecimentos de sua época, como por
exemplo, a Revolução Francesa. Muito pelo contrário, na sua solidão reconstruiu
todo o seu pensamento, antes baseado na metafísica clássica, provocado pelos
pensamentos que se convergiam aquela época como o racionalismo de Leibniz, o
empirismo de Hume e Locke, e a filosofia do sentimento de Rosseau, e até mesmo,
indiretamente o próprio Descartes acima estudado, ou seja, amadurece a idéia de
que a metafísica devia ser repensada a fundo e reestruturada metodologicamente a
fim de alcançar o rigor e a concretude de resultados que a física teria alcançado.96
Resultado desse período de reconstrução de seu pensamento
serão suas grandes obras: Crítica da Razão Pura [1781], Crítica da Razão Prática
[1788], Crítica da Faculdade do Juízo [1790], Fundamentação da Metafísica dos
Costumes [1785] e a Metafísica dos Costumes [1797], e que darão inicio a chamada
fase critica.97
O grande pensamento revolucionário de Kant se deu ao
realizar a inversão de papeis na relação objeto e sujeito, ou seja, para explicar como
o conhecimento se dá, o filosofo traz a premissa supondo que o objeto é que deveria
girar em torno do objeto, mudando então toda lógica anteriormente utilizada. Assim
passa-se a ter uma idéia de que o objeto é conhecido se adaptando às leis do
sujeito que o recebe cognitivamente.
Nas suas obras, especialmente na Critica da Razão Pura, Kant
traz a tona, a teoria de que “a natureza do verdadeiro conhecimento cientifico
consiste em ser uma síntese a priori”98. É necessário então entender alguns
conceitos dados pelo pensador, para que posteriormente, se ater no que o mesmo
dispôs sobre a intuição, em seu estudo sobre a estética transcendental, ou seja,
para compreender os estudos direcionados a intuição faz-se necessário um breve
estudo dos tipos de juízos por ele elencados.
96
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 860-863.
97
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 864,865.
98
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p.871.
38
Kant estabelece duas formas de conhecimentos (juízos), a
saber, a priori e a posteriori. Os conhecimentos a posteriori, são aqueles
relacionados à empiria, ou seja, são aqueles que derivam da experiência. Em outras
palavras é aquele no qual mão se consegue juízos com uma universalidade de
rigidez e veracidade, mas apenas uma suposta universalidade suposta e
comparativa.99.Ocorre porém, que tais conhecimentos são variáveis, uma vez que
podemos ter conhecer determinado objeto de varias formas, dependendo do modo
em temos a experiência com este mesmo objeto.
Já os conhecimentos a priori, são aqueles independem da
experiência e de todas as impressões dos sentidos, ou seja, são aqueles dos quais
o sujeito através da atividade racional, ou melhor, da mente dá forma a determinada
matéria, mas que, porém não quer dizer que não se principiam da experiência.
Características desse tipo de conhecimento são a universalidade e necessidade. 100
Para exemplificar este conceito, Kant explana:
Nesse sentido, diz-se de alguém, que minou os alicerces de sua
casa, que podia saber a priori, que ela havia de ruir, quer dizer, que
não deveria esperar pela queda, para saber pela experiência[...].São
puros os conhecimentos a priori, aqueles que não tem mistura
nenhuma de empírico. 101
Prosseguindo seus estudos, Kant distingue ainda os juízos em
analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos,são aqueles “sem necessidade de
recorrer a experiência, dado que, com ele, expressamos de modo diferente o mesmo
conceito que expressamos no sujeito”,102 assim então, são aqueles juízos feitos
através da analise racional.
O juízo sintético “ao contrário, é um juízo cujo predicado
acrescenta algo sobre o conceito do sujeito”,103 ou seja, são aqueles que
principalmente,
99
mas
não
exclusivamente,
decorrem
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p.832.
100
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p.873.
101
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 873.
102
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 872-873.
103
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 872
da
experiência,
pois
Humanismo a Kant. 3.ed. São
Humanismo a Kant. 3.ed. São
Humanismo a Kant. 3.ed. São
Humanismo a Kant. 3.ed. São
Humanismo a Kant. 3.ed. São
39
acrescentam um novo dado ao elemento em analise, portanto trazem um dado
extensivo.
Temos então que juízos analíticos tratam dos conhecimentos
dado pela simples analise racional, já os juízos sintéticos incrementam o conceito
dado pelo sujeito, ou seja, dão uma extensão ao conceito. Portanto, pode-se dizer
que “o juízo analítico é um juízo que formulamos a priori, sem necessidade de
recorrer a experiência”,104 enquanto que o “juízo sintético, ao contrário, amplia o
conhecimento, visto que nos diz algo novo do sujeito, que não estava contido
implicitamente nele”, 105ou seja, os são juízos que são baseados na experiência.
Salienta-se que, geralmente os juízos sintéticos decorrem da
experiência, já que todo conhecimento empírico é sintético, porém nem todo
conhecimento sintético é empírico. Para melhor entender esta questão, deve-se
atentar a uma terceira espécie de conhecimento, que combina os dois anteriores nos
juízos sintéticos a priori, ou seja, um juízo universal como o analítico, e que amplia
conhecimentos, como os sintéticos.
Como visto acima, trazendo esta inversão de papeis de forma
revolucionaria, invertendo a relação objeto e sujeito. Assim Kant fundamentará a
idéia dos juízos sintéticos a priori, ou seja, será através deste raciocínio que o
filosofo dará fundamento aos juízos sintéticos a priori,afirmando “é o próprio sujeito
que sente e pensa”106, que fundamenta este tipo de juízo.
Após a breve análise dos tipos de juízos kantianos, pode-se
adentrar no seu estudo sobre a intuição. A intuição para Kant é o instrumento por
qual conhecemos um objeto de forma imediata. Porém esta intuição só se dá na
medida em que este objeto nos é dado. Assim a intuição está ligada à sensibilidade.
Por sensibilidade entende-se a capacidade de obter representações mediante o
modo como somos afetados pelos objetos. Ao contrário os conceitos são dados
através de pensamentos, pois assim destaca o filósofo:
104
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 874
105
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 873.
106
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 877.
40
Portanto pela sensibilidade nos são dados objetos e apenas ela nos
fornece intuições; pelo entendimento, ao invés, os objetos são
pensados e dele se originam conceitos. No entanto, por meio de
certas características, seja diretamente ou por rodeios, todo o
pensamento tem por fim que se referir a intuições [...].107
Assim expõe Reale108: “os objetos são dados pelos sentidos,
ao passo que são pensados pelo intelecto”. Assim então a intuição sensível tem
como objeto o fenômeno. Neste viés, o fenômeno distingue-se em uma matéria e
uma forma. A matéria é dada pelas simples sensações ou modificações produzidas
em nos pelo objeto, portanto é a posteriori. Ao contrário da matéria que decorre do
objeto, a forma vem do sujeito sendo o modo de funcionamento da sensibilidade e
portanto sendo a priori. Neste sentido relata o filósofo:
Denomino matéria ao que no fenômeno corresponde à sensação. No
entanto, ao que possibilita a multiplicidade do fenômeno e sua devida
ordenação segundo determinadas relações dou o nome de forma do
fenômeno.109
Seguindo então seu pensamento, Kant diz que “a intuição não
é senão a representação de um fenômeno”110. O filósofo distingue duas espécies de
intuição: a pura e a empírica. A intuição empírica se refere ao objeto mediante a
sensação. Já a intuição pura refere-se a todas as representações em que não for
encontrado nada pertencente a sensação.
De acordo com o filósofo alemão:
Podemos conhecer aquelas unicamente a priori, isto é antes, de toda
percepção real, e chamam-se a por isso intuição pura; a ultima
porém, é o que nosso conhecimento a faz chamar-se conhecimento
a posteriori, isto é, intuição empiria111
Neste sentido esclarece Reale:
Kant chama de intuição empírica aquele conhecimento (sensível) em
que estão concretamente presentes as sensações e de intuição pura
107
KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura.:Nova Cultural1996.p.71.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p.878
109
KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura.:Nova Cultural1996.p.72.
110
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 878.
111
KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura.:Nova Cultural1996.p.83.
108
41
a forma da sensibilidade considerada prescindindo a matéria (ou
seja, prescindindo as sensações concretas)112
Como exemplo de intuição pura, ou melhor, de formas da
sensibilidade tem o espaço e o tempo, pois aparecem como formas, ou seja, não se
pode pensar em um objeto fora de um tempo e de um espaço. Ressalta-se, porém
que para Kant, sendo a intuição o conhecimento imediato dos objetos, homem só é
dotado da intuição vinda da própria sensibilidade.
2.1.5 Henri Bergson
Outro pensador a tratar sobre a intuição foi Bergson. Ele
nasceu em Paris em 1859, foi professor universitário entre outras universidades na
Collége de France, recendo várias honrarias acadêmicas. Atrelado a isso foi um
grande pensador, responsável por uma grande revolução filosófica. Suas principais
obras foram: sua tese intitulada Dados imediatos da consciência(1889), Matéria e
Memória(1896), Evolução Criadora(1907) e As duas Fontes da Moral e da
Religião(1932). Conhecido por ser o homem que introduziu a vida espiritual no
mundo, acabou morrendo em 1941, em sua cidade natal.113
Henri Bergson é conhecido pela originalidade de seu
pensamento, baseado no evolucionismo espiritualista. Um dos pontos fundamentais
e inovadores dessa filosofia é a ideia de duração, na qual ele critica os positivistas,
que na promessa de se aterem apenas aos fatos, aqui não foram fieis às próprias
concepções. Para pensadores positivistas, o tempo seria o tempo em sentido
mecânico, entendido uma sucessão de instantes, colocados um ao lado do outro,
como um ponteiro de um relógio. Com isso o tempo seria reversível, com instantes
sempre iguais. Contudo, essa teoria, segundo Bergson, não seria suficiente para
compreender o tempo da experiência concreta, que depende da captação da
consciência. Neste momento insere-se sua ideia de duração.
A consciência capta imediatamente o tempo como duração: e
duração quer dizer que o eu vive o presente com a memória do
passado e a antecipação do futuro. Fora da consciência, o passado
112
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Kant. 3.ed. São
Paulo: Paulus, 2003. 2v. p. 878.
113
HUISMAN, Denis. Dicionário dos Filósofos. São Paulo: Martins Fontes,2001.p.136-144.
42
não é mais e o futuro ainda não é. Passado e futuro só podem viver
em uma consciência que os liga ao presente.114
O tempo mecânico é um tempo externo, convencionado para
medição, e não a realidade do tempo, que existe apenas na consciência, que vive o
tempo. O tempo mecânico não pode captar o passado e o futuro, por serem sempre
instantes iguais e sucessivos. Observar-se agora o que Bergson entende por tempo
concreto.
Em suma, o tempo concreto é duração vivida, irreversível e nova a
cada instante. A imagem adequada do tempo concreto da
consciência é a de um novelo de fio que cresce conservando-se a si
mesmo: com efeito, na vida da consciência, “o nosso passado nos
segue e aumenta sem cessar o presente com o presente que recolhe
ao longo do caminho”. Por outro lado, a concepção espacializada do
tempo só pode ser compreendida através da imagem de um colar de
pérolas, todas iguais e externas umas às outras.115
Importante observar que o tempo, em Bergson, não é apenas
sucessão de momentos, uma vez que o passado retorna sempre ao presente
através da consciência, fazendo realidade durante a vida. A impossibilidade de
reversibilidade, uma vez que passado e futuro são coisas distintas, e cada momento
do tempo é distinto a outro, torna o tempo uma medida apenas da consciência, e
não algo mecânico presente no mundo e nas coisas.
Disso decorre a duração como fundamento da liberdade para
Bergson, representada na sua crítica ao determinismo:
Mas aquilo que é possível – e útil – no âmbito dos objetos
espacializados revela-se logo impossível para a consciência. A
consciência conserva os traços do próprio passado: nela não existem
nunca dois acontecimentos idênticos, razão por que a determinação
de acontecimentos idênticos sucessivos torna-se impossível. A vida
da consciência não é divisível em estados distintos e o eu é unidade
em devir – e onde não há nada de idêntico, não há nada de
previsível. Tanto os deterministas como os sustentadores da doutrina
do livre-arbítrio, segundo Bergson, estão errados, porque aplicam à
114
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 711.
115
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 712.
43
consciência as categorias típicas do que, ao contrário, é externo às
consciências.116
Sendo a consciência imprevisível, nada pode ser mecânico. A
imprevisibilidade é negação do determinismo, a possibilidade de a consciência viver
algo sempre novo, sem ser somente uma sequência mecânica de instantes. Dessa
forma, o presente não é uma continuação mecânica do passado, mas sempre devir,
novidade. Os atos do indivíduo dependem da vontade da consciência, que pode
decidir o que fazer, advindo daí sua liberdade.
A ideia de momentos guardados na consciência, de um
passado sempre voltar a ressoar no presente, contribui no entendimento da intuição.
Para Bergson, a intuição depende da inteligência e do instinto, e está ligada à vida
animal.
Bergson lembra que a vida animal evoluiu de modos distintos
dependendo da espécie, e o atributo da inteligência teve maior evolução no homem.
Contudo, o homem também conserva a capacidade do instinto.
A relação entre instinto e inteligência, em Bergson, é essencial
para a intuição. O instinto está ligado à própria natureza das coisas, enquanto que a
inteligência apenas compreende a relação entre as coisas. Reale ajuda a diferenciar
o instinto da inteligência:
O instinto funciona por meio de órgãos naturais, a inteligência cria
instrumentos artificiais. O instinto é hereditário e a inteligência não; o
instinto volta-se para uma coisa, já a inteligência é conhecimento das
relações entre as coisas; o instinto é inconsciente, a inteligência
consciente; o instinto é repetitivo, ao passo que a inteligência é
criativa. O instinto, precisamente, é repetitivo e rígido, é hábito: ele
apresenta soluções adequadas, mas para um só problema, incapaz
de variar. Por seu turno, a inteligência não conhece as coisas
mesmas, mas as relações entre as coisas. Por isso, mediante os
conceitos, ela conhece as „formas‟ e, afastando-se da realidade
imediata, pode prever a realidade futura. Por razões práticas, pois, a
inteligência analisa e abstrai, classifica e distingue, subdividindo a
duração real – como em uma película cinematográfica – em uma
116
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 713.
44
série de diferentes estados. Mas “mil fotografias de Paris não são
Paris”.117
A citação é longa, mas auxilia bastante na diferenciação da
intuição para a inteligência. A primeira é direta nas coisas mas repetitiva, enquanto
que a segunda cria, mas não encontra a verdadeira coisa, apenas as relações.
Dessa forma, há coisas que a inteligência jamais alcançará, somente o instinto, mas
que por sua vez, por ser repetitivo, nunca as procurará. A combinação de ambos é a
intuição, o momento em que a consciência, que nunca está completamente
separada do instinto, volta a este, inconscientemente. A consciência gira em torno
do objeto, e com o instinto, gerando a intuição, entra direto na coisa, encontrando a
essência que está por trás.
Apresentada a intuição, importa agora relacioná-la à ideia de
duração, demonstrada anteriormente.
Nesta perspectiva pode-se dizer que, ao se analisar os estudos
do filósofo francês, a intuição se mostra como um método de conhecimento, e não
como um mero sentimento ou algo do gênero. É o que destaca Deleuze: “a intuição
é um método elaborado, e mesmo um dos mais elaborados da filosofia”118.
Bergson mostra a idéia de intuição ligada com o conceito de
duração, ou seja, no tempo, apesar daquela primeira já conter esta última. Antes de
analisar a idéia do método intuitivo proposto mesmo que tacitamente por ele, cabe
definir o que seria duração. Neste sentido extrai-se o conceito dado por Nicola:
Abbagnano:
Duração é dado da consciência despojado de toda superestrutura
intelectual ou simbólica, e reconhecido em toda fluidez originária.
Nesta fluidez não existem estados de consciência relativamente
uniformes que sucedem uns aos outros como os instantes de tempo
especializado da ciência.Existe uma única corrente fluida que não
existem cortes nem separações e na qual a cada instante tudo é
novo e tudo é conservado na sua totalidade.119
117
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 720.
118
DELEUZE, Gilles. O bergsonismo.Tradução L.B. Orlandi.São Paulo: Editora14, 1999.p.7.
119
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.p.295.
45
Estabelecido o conceito de duração como agora entender
como a intuição funciona. Assim nos traz Rizzatto, qual analisa exaustivamente a
idéia de intuição em Bergson.
“Ela é ocorre na duração e opera no instantâneo, no plano da
consciência.Não há passagem de tempo (gasto) entre o objeto
externo que impulsiona o corpo nua reação através da percepção,
que leva a memória pura seu influxo, de lá recebe como resposta
externamente aquilo que estamos tratando, uma intuição120
Assim tem-se de maneira sintética a idéia o processo intuitivo
dado por Bergson, para o conhecimento, se dando diretamente no plano da
consciência. Neste sentido a idéia de intuição trazida pelo filósofo é uma espécie de
conector entre duração, memória e instinto. Corroboram com esse entendimento as
palavras de Deleuze ao dizer que:”do ponto de vista do conhecimento, as próprias
relações entre Duração, Memória e Impulso vital, permaneceriam indeterminadas
sem uso metódico da intuição”.121
Para o filósofo, a intuição seria o modo pelo qual o homem
pode conhecer o absoluto122. Neste viés, ele trata que existem duas maneiras de
conhecer um objeto, a saber, rodeando-o ou entrando nele. A primeira forma de
conhecer depende do ponto de vista do sujeito e dos símbolos pelos quais ele
exprime[...]a segunda, não se prende a nenhum ponto de vista e não se apóia em
nenhum símbolo”. A intuição então, seria esta segunda forma, da qual poderíamos
conhecer o absoluto.
Neste sentido o autor separa a idéia do sujeito e do objeto,
afirmando assim que “o absoluto é perfeito na medida em que ele é perfeitamente
aquilo que é”123 Bergson conceitua intuição como “uma simpatia pela qual nos
transportamos para o interior do objeto, para coincidir com aquilo que ele tem de
único e, por conseguinte, por inexprimível”
É nesta idéia então que ele afirmará que a intuição é o método
por excelência da metafísica, ou seja, o conhecimento a qual esta se propõe só
120
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 254
DELEUZE, Gilles. O bergsonismo.Tradução L.B. Orlandi.São Paulo: Editora14, 1999.p.7
122
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 254
123
Bergson apud FARIA, Marco Antonio Barroso.Vida e Criação: A religião em Bergson, 2009,
101p. Dissertação (Pós Gradução)Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009.p.11.
121
46
pode ser alcançado através da intuição. Nas palavras do autor “um conhecimento
interior, absoluto, da duração do eu pelo próprio eu é possível”, fazendo assim uma
grande crítica ao sistema psicológico positivista da época que para ele substituía o
eu por uma série de sentimento e sensações. No seu entender os filósofos passados
que conceituam intuição, erraram, pois traziam-na como uma abstração do intelecto,
ou seja, do tempo real, que ao seu modo de ver este se dá na duração..
2.1.6 Edmund Husserl
Edmund Husserl nasceu em 8 de abril de 1859, na cidade de
Prossnitz, Morávia, então pertencente ao Império Austro-Hungaro. Estou nas
universidades de Leipzig, Berlim e Viena. Sua carreira foi iniciada como professor na
Universidade de Berlim, em 1833, de onde se transferiria, sucessivamente, para as
universidades de Viena, de Halle, de Göttingem, e por fim a de Freiburg-Breisgau
até 1928, largando então a atividade do magistério. Entre suas principais obras
destacam-se Filodoxia da Aritmética(1891), Investigações Lógicas (1901), Idéias
Diretrizes para uma Fenomenologia (1913), e Meditações Cartesianas (1929). Com
a tomada do poder pelo partido nazista, foi proibido de sair da Alemanha, vindo a
falecer em 1938.124
O filósofo alemão é conhecido como o pai do movimento
fenomenológico, que gera grande nas ciências, “pretendendo então ser a essência
das ciências (eidética), e não dos fatos” 125. Neste sentido o método fenomenológico
nasce com o intuito de superar a as contradições entre os movimentos empiristas e
racionalistas, no que se refere ao processo de conhecimento. De forma resumida
pode-se elencar as diferenças que o método fenomenológico propôs contrariamente
aos estes métodos:
Isso significa que contrariamente ao que afirmam os racionalistas,
não há pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência
tende para o mundo; toda consciência é consciência de alguma
coisa. Mas também contrariamente aos empiristas os fenomenológos
afirmam que não há objeto em si, já que o objeto só existe para um
sujeito que lhe dá significado.
124
Vida e obra (Marilena Chaui.Edmund Husserl. In: Husserl.Col. Os pensadores.3ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1996.p.5.
125
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade européia e a filosofia.3° ed. Tradução de Urbano
Zillies.Porto Alegre:ediPURS,2008.p.12.
47
Neste viés o estudo do fenômeno segundo Husserl é tudo
aquilo que podemos ter consciência. A consciência para o filosofo é vista como
intencionalidade, ou seja, só existe consciência de alguma coisa. A respeito deste
assunto vale citar Zilles:
A análise da consciência abrange a descrição de todos os modos
possíveis como alguma „coisa‟ ideal ou real é dada imediatamente a
consciência126
E ainda nas palavras do próprio Husserl:
Vivemos os fenômenos como pertencendo à trama da consciência,
enquanto que as coisas nos aparecem como pertencendo ao mundo
fenomenal: os fenômenos não nos parecem, são vividos; é desse
seio que o mundo, as coisas se objetivam”127
Ocorre que quando um objeto ou um fato nos é apresentado
com ele também captamos sua essência. “As essências são as maneiras
características do aparecer dos fenômenos”128.Assim a fenomenologia husserliana
está ligada a idéia de essência , ou seja, busca-se retirar dos fenômenos suas
características psicológicas, ligadas ao sujeito, sejam elas reais ou empíricas, e levar
os objetos ao plano das essências. Contudo para que chegar a esta essência é
necessário colocá-los em epoché, isto é, depois que são postas entre parênteses as
nossas persuasões filosóficas e assim chega-se à redução fenomenológica.
A
palavra epoché significa literalmente colocar e parênteses, ou seja, significa a
suspensão do juízo.129
Portanto para chegar ao fenômeno puro, é necessário
suspender o juízo em relação a existência do mundo exterior, que nos é
apresentado em nossa consciência. Já em relação ao fenômeno procedem-se
sucessivas reduções até se chegar a redução eidética, ou seja, até chegar a
essência de um determinado fenômeno.
Tendo- se então que a consciência humana é „intencional‟
como já observada, e por isso é sempre consciência de alguma coisa que se
126
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade européia e a filosofia.3° ed. Tradução de Urbano
Zillies.Porto Alegre:ediPURS,2008.p.19.
127
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.158
128
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade européia e a filosofia.3° ed. Tradução de Urbano
Zillies.Porto Alegre:ediPURS,2008.p.19.
129
ABBAGNANO, Nicola.Dicionário de Filosofia.São Paulo:Martins Fontes,2003.p.339.
48
apresenta de determinado modo, procura-se através da fenomenologia a análise
desses modos. Para Husserl para conhecer a essência do objeto de estudo o
fenomenólogo usa da intuição eidética.
Para compreender este conceito vale citar Chauí
A intuição da essência é apreensão intelectual, imediata e direta de
uma significação, deixando de lado as particularidades e minha
representação e as particularidades dos representantes que indicam
empiricamente a significação130
Assim a intuição no para Husserl está ligada ao conhecimento
da essência dos fenômenos. Na intuição o conhecimento não é mediato, obtido
através da abstração ou comparação de vários fatos, capta-se o aspecto pelo qual
os fatos são semelhantes. O conhecimento das essências é a intuição.131
Toda intuição que apresenta originariamente alguma coisa é, por
direito, fonte de conhecimento; tudo aquilo que se apresenta a nós
originariamente na intuição (que, por assim dizer, se nos oferece em
carne e osso) deve ser assumido assim como se apresenta, mas
também apenas nos limites em que se apresenta.132
Corroboram com esses entendimentos as palavras de Zilles, ao
afirmar que:
O conhecimento das essências é intuição, uma intuição diferente
daquela que nos permite captar fatos singulares. As essências
são,conceitos, isto é, objetos ideais que nos permitem distinguir e
classificar os fatos.133
Como vimos a intuição em Husserl é o ato pelo qual se
identifica a essência da coisa em estudo. Este procedimento somente é obtido pela
suspensão dos fenômenos, ou seja, colocando-os entre parênteses (epoché). Este é
a redução fenomenológica.
Para Husserl, a intencionalidade da consciência, bem como a
utilização das epochés, repercute de forma importantíssima no mundo das ciências,
deflagrando a crise das ciências européias, proposta pelo filósofo.
130
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática,1997.p.65.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 560.
132
HUSSERL apud REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até
nossos dias. p. 562.
133
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade européia e a filosofia.3° ed. Tradução de Urbano
Zillies.Porto Alegre:ediPURS,2008.p.19
131
49
Esta crise não é a crise de sua cientificidade, mas do seu
significado, o sentido das ciências para a existência humana. A ciência moderna,
baseada na empiria, tenta descrever o mundo como a verdadeira realidade,
recortando-o e descrevendo-o em suas infinitas partes. Desse recorte, excluiu-se as
questões mais importantes para a vida humana, como o sentido da existência.
A intuição é essencial no mundo contemporâneo, que precisa
retomar a ciência, e aqui inclui-se a Ciência Jurídica, ao mundo da vida. A intuição,
por ir direto às coisas, precisa que a consciência esteja conectada ao mundo, à
realidade. Esse é o conteúdo da subjetividade mais humanista de Husserl.
Desse modo, a filosofia que leva à descoberta do fato de que toda
objetividade não é absoluta e é superável é o próprio sentido da vida.
Em suma, analisando o mundo da vida, a filosofia se abre sempre
para novos horizontes. Por detrás das concretizações que pretendem
se absolutizar e esclerosar, ela descobre a atividade e a criatividade
intencional da subjetividade. E, como disse. Tran Duc Tao, o
conteúdo real da subjetividade transcendental é a humanidade real,
único sujeito histórico.134
Com isto, entende-se a importância de ligar esta questão ao
Capítulo 3, que buscará aplicar a intuição à Ciência Jurídica. Para isto, é essencial
estar no mundo da vida, das relações humanas, para que a intuição vá direto ás
coisas.
134
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São
Paulo: Paulus p. 566.
CAPITULO 3
INTUIÇÃO E DIREITO
3.1 INTUIÇÃO COMO MÉTODO CIENTÍFICO
Feitas as premissas dos capítulos anteriores cabe agora a
verificação da intuição como método cientificamente valido, que assim como outros
métodos outrora apresentados, ou ainda, mais do que estes, auxilia na busca da
verdade em relação aos fatos e fenômenos observados
Isto decorre do fato que sendo a ciência o modo para alcançar
a realidade ela se utiliza, além da atividade racional, de métodos científicos como
indução, dedução e até mesmo a intuição. Ou seja, de forma resumida, tratou-se no
primeiro capitulo deste trabalho da influencia na realização da filosofia, mas também
na utilização desta para a realização da ciência, que munidas de métodos tende
utilizando-se destes alcançar a verdade de um determina objeto de estudo. Mostrouse que existem varias ciências, na sociedade contemporânea atual, e que é
estabelecida uma classificação da qual podemos encontrar como pertencentes a
uma destas a ciência jurídica.
No capitulo anterior no qual se dedicou a apresentação de
vários conceitos de intuição dado por filósofos. Começando por Aristóteles que traz
a idéia de razão intuitiva para o conhecimento dos primeiros princípios, sendo esses
essenciais para o alcance da virtude denominada sabedoria filosófica. Pode-se
observar também, principalmente nos estudos de Descartes, a importância da
intuição no seu método, que parte como premissa de seu método, sendo
necessárias, porém, a confirmação ou verificação desta através de processos
dedutivos, que consequentemente devem culminar nesta primeira, mostrando assim
seu entendimento real e verdadeiro.
Já em Kant, após fazer a análise conceitos importantes para
seu método, mostrou-se da intuição como modo de conhecimento imediato, através
51
de juízos, sendo eles a priori no que se refere a intuição pura e a posteori no que se
refere a intuição sensível, sendo que somente esta ultima que o ser humano pode
alcançar. Seguidamente trouxeram-se as análises de Bergson que compreendem a
intuição como o modo de alcançar o absoluto. Por fim, se analisou os conceitos
dados por Husserl, que propõe através do entendimento fenomenológico traz a idéia
de intuição da essência que busca através da redução fenomenológica, a redução
eidética que é a essência do fenômeno. Assim a intuição é meio pela qual se pode
chegar a esta redução.
Neste sentido, mesmo em diversas teorias filosóficas todos os
pensadores apresentados corroboram na idéia de trazer a intuição como um modo
de se alcançar a realidade. Desta maneira a intuição como já fora utilizada por vários
pesquisadores para ter o conhecimento real de determinado fato, como Arquimedes,
Parmênides, Descartes, entre tantos outros, deve-se observar a importância da
intuição para uso em nossas ciências atuais, como medicina, matemática, entre
tantas outras.
Sendo assim, pode-se utilizar da intuição para resolver uma
problemática levantada cientificamente, ou melhor, de acordo com Rizatto “ela pode
funcionar como método de descoberta do novo, e para a solução de problemas.
Pode-se classificar a intuição, como já demonstrado acima como um método que
tem seu papel de importância da ciência e não só na filosofia.Assim então mostra-se
a importância desta, em comparação aos métodos anteriormente apresentados
como a indução e a dedução.
Neste sentido se pode destacar Chauí:
A intuição pode ser o ponto de chegada, a conclusão de um
processo de conhecimento, e também pode ser o ponto de partida de
um processo cognitivo. O processo de conhecimento chega a uma
intuição, seja o que parte dela, constitui a razão discursiva ou o
raciocínio135
Ocorre, porém que esses se classificam como processos
mediatos da atividade racional enquanto aquele primeiro se apresenta como um
processo claro e imediato, mostrando sua maior agilidade para o processo de
135
CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. 9 ed. São Paulo: Ática.1997.p.66
52
conhecimento e conseqüentemente para a busca da verdade. É importante mostrar
como Rizzatto atribui a intuição como “método intuitivo”136.
Portanto, intuição é elemento primordial na elaboração da
atividade cientifica. Através da intuição então se tem o conhecimento imediato e
completo do real, e não é algo misterioso ou místico do qual não se sabe nem como
e nem o porquê, pois surge de uma longa etapa de um processo de estudo.
É importante ressaltarmos o entendimento de Reale:
O elemento racional deve sempre vir completar o elemento intuitivo,
salvo em se tratando de evidências que se nos impõem de maneira
direta e clara:- há verdades evidentes, intuitivas tanto no plano
lógico, como no plano axiológico, evidências teorias e evidências
praticas, salvo este domínio, importa verificar racionalmente as
conexões de sentido que a intuição nos revela, mesmo porque é a
compreensão do todo que, muitas vezes assegura autêntica
apreensão dos elementos singulares.137
Assim então, não só como momento culminante de solução de
um problema ou de uma hipótese, a intuição pode fornecer aquele dado primordial,
aquela hipótese ou ainda aquela problemática a ser resolvida pelo pesquisador.
Corrobora as palavras de Aranha e Martins:
Mas com isso não se deve mistificar a formulação da hipótese
apresentando-a como algo misterioso, pois mesmo em casos em que
houve nitidamente a intuição adivinhadora, ela foi precedida e
preparada por uma longa elaboração racional, da qual a descoberto
foi apenas o momento culminante”138
A confiabilidade neste tipo de método é tão verdadeira e real
que pode-se até mesmo utilizá-las em ciências de extrema exatidão como
matemática e física.Assim nos atenta Reale:
Antes de lembrarmos algumas teorias intuicionistas não é demais
ponderar que, mesmo fora do campo filosófico, no domínio das
ciências exatas, se reconhece o papel da intuição como instrumento
do saber.139
136
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.392.
REALE, Miguel.Filosofia do Direito.17 ° ed. São Paulo:Saraiva,1996.p.140,141.
138
ARANHA, Lucia de Arruda;MARTINS, Maria Helena Pires.Filosofando.2 ° Ed. São Paulo:
moderna,1999.p.156.
139
REALE, Miguel.Filosofia do Direito.17 ° ed. São Paulo:Saraiva,1996.p.134,135.
137
53
Utilizando-se desta premissa, ou seja, da intuição como um
método que pode auxiliar a ciência em seus procedimentos realizados pela atividade
racional do homem, pois essa assim se classifica, é necessário observar como ela
pode auxiliar a ciência jurídica já que, como vimos no primeiro capitulo esta este se
classifica como uma ciência e, portanto deve buscar a verdade em seus objetos de
estudo.
3.3 A CIÊNCIA DO DIREITO
A Ciência do Direito está vinculada às ciências sociais e
humanas, que diferenciam-se das ciências naturais quanto ao objetivo e aos meios
de estudo e pesquisa. Enquanto estas últimas buscam explicar os fatos naturais, nas
ciências humanas “é necessário captar o sentido dos fenômenos humanos; é
preciso compreendê-lo, portanto, numa ação valorativa”140. Compreender a ação
valorativa que está inserida nos fenômenos humanos exige mais do que um simples
exercício de ligar a ação praticada ao texto legal, é necessário entender
profundamente as motivações que permeiam a ação do indivíduo.
Além disso, não basta ao cientista tentar compreender o sentido da
ação ou do comportamento humano; é preciso, também, que ele
investigue o que o indivíduo que gerou a ação, ele próprio, pensa ou
sente em relação a seu ato, bem como das inte-relações pessoais
dali provenientes.141
Entender e sentir o que motivou o indivíduo a praticar
determinado ato certamente não é possível somente pela técnica de aplicação da
norma positivada, de forma que o operador jurídico se vê na necessidade de
recorrer ao auxílio de outras ciências, como a Psicologia, a Sociologia, a
Antropologia e a Filosofia.
A Psicologia auxilia no estudo do comportamento e do
conhecimento
daquele
indivíduo,
ou
seja,
que
emoções
nele
provocam
determinadas conseqüências, que fatos em sua história de vida formaram sua
personalidade, que motivou-o a praticar determinado ato, e assim por diante. Em
140
141
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 299.
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 299.
54
outras palavras, auxilia no estudo tanto do plano consciente como inconsciente do
indivíduo.
A Sociologia traz toda a complexidade dos fatos sociais que
permeiam o funcionamento da sociedade. Entender a relação entre os grupos
sociais, o sentimento que está por trás da questão do desemprego, da criminalidade,
das relações de trabalho, é importantíssimo para o operador jurídico. A Sociologia
ajuda a entender a sociedade como corpo social, em que as ações estão sempre
conectadas.
A Antropologia situa-se no estudo da evolução do homem e de
seus comportamentos, identifica características que são comuns à própria espécie
humana. Pensar a espécie humana e não apenas o homem isolado também deve
ser levado em conta pelo operador jurídico.
Por fim, a Filosofia é o estudo do próprio conhecimento que
sustenta todas as outras ciências. A Filosofia busca os critérios racionais, a
utilização da própria razão como forma de conhecer a verdade. O conhecimento
filosófico é essencial para qualquer análise, pois é o mais que mais se preocupa em
identificar a essência do fenômeno, auxiliando na separar esta dos acidentes, bem
como ultrapassar os simples fenômenos.
Como se percebe, a inclusão da dimensão axiológica acaba
ampliar enormemente as dificuldades no exercício do operador jurídico.
Isso acaba aumentando a complexidade dos objetos postos em
análise nas ciências humanas, de forma que alguma coisa se perca
ou seja difícil de ser captada. A introdução do valor na ciência causa,
sem dúvida, um transtorno enorme ao cientista. Chega-se, por isso, a
pôr em dúvida o grau de cientificidade dessa ciência, pois não se
pode ter certeza precisa das relações de causalidade. Nem sempre
as mesmas causas já conhecidas geram o efeito esperado. Daí o
limite e a importância da compreensão dos fenômenos para as
ciências humanas.142
Isto leva o operador jurídico a extrapolar apenas a pesquisa
jurídica, ele deve tentar entender o ser humano em sua totalidade, e por isso a
importância da contribuição de outras ciências.
142
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 299-300.
55
Como ramo de ciência humana, a Ciência do Direito tem como
substrato de pesquisa o ser humano, em todos os aspectos
valorativos de sua personalidade. Da mesma maneira, como não se
compreende uma ciência humana que exclui de seu âmbito de
pesquisa o ser humano, é inadmissível pensar uma Ciência do
Direito que não tenha como fundamento e centro de suas atenções o
indivíduo. É colocado, assim, como pressuposto, o ser humano e sua
condição existencial, como princípio de investigação. A Ciência do
Direito deve, portanto, respeitá-lo na inteireza de sua dignidade, e
nos limites postos e reconhecidos universalmente como seus: a vida,
a saúde, a honra, a intimidade, educação, a liberdade etc.; bens
essenciais e indisponíveis que, em conjunto com bens sociais como
a verdade, o bem comum e a Justiça, são norteadores de todo o
material de investigação da Ciência do Direito.143
Este entendimento é essencial, pois reconhece-se que o centro
de atenção de toda a Ciência Jurídica deve ser o homem. É o homem que a norma
deve atender, e não a norma pela norma. A aplicação do direito, então, passa antes
pelo entendimento do próprio homem.
Contudo, a realidade se revela diferente, como se verá a seguir
com a apresentação sobre norma jurídica.
3.2 A NORMA JURÍDICA
Para se entender adequadamente a possibilidade de utilização
da intuição pelo operador jurídico, é importante antes fazer algumas considerações
acerca da natureza da norma jurídica.
O primeiro ponto fundamental é que a norma jurídica tem como
finalidade regular a ação dos indivíduos e das pessoas jurídicas nas relações
sociais. Disso resulta a diferença da norma jurídica para outras normas de condutas
sociais, como as normas morais, religiosas, etc. Diferentemente destas outras
formas de normas, a norma jurídica tem o poder coercibilidade estatal sobre o
indivíduo, o que inclusive pode alcançar a dimensão psicológica do mesmo:
Diz-se, também, que coerção emanada da norma jurídica é a
pressão psicológica que, exercida sobre o comandado, faz com que
ele obedeça ao comando, sob pena de poder ser obrigado
fisicamente a fazê-lo – ou a reparar os danos causados pelo nãocumprimento de sua obrigação. Todavia, como bem coloca André
Franco Montoro, não se deve confundir a “norma jurídica em si” com
143
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.301
56
sua “formulação lógica”. A norma jurídica em si é sempre um
comando, uma ordem, uma prescrição. A natureza da norma jurídica
é um “dever-ser”; um mandamento dirigido a um destinatário,
pretendendo impor uma conduta.144
A intuição terá importância quando se tratar da formulação
jurídica e de como a norma é aplicada no ordenamento jurídico. A norma prescreve
se determinada ação deve ou não ser praticada, mas da forma de como se dá na
realidade depende da passagem subjetiva realizada pelo operador jurídico.
A norma jurídica funciona dentro de um complexo maior,
denominado sistema jurídico.
Têm-se definido esse ordenamento jurídico como um “sistema”. Todo
sistema é composto de “elementos”, que se relacionam mediante um
conjunto de regras. Esse conjunto de regras que determinam as
relações entre os elementos forma a “estrutura” do sistema.145
Todas estas normas inseridas no sistema jurídico, bem como a
própria lógica que permeia o sistema, funciona também de forma interpretativa.
Desta forma, a própria Ciência Jurídica sustenta-se, em parte, em ensinar a
interpretar o sistema jurídico e suas normas específicas.
A doutrina corrente diz que interpretar significa fixar o sentido de
alguma coisa. Quem interpreta busca captar do objeto de
interpretação sua essência e colocá-la de forma traduzida como um
novo plano de entendimento. Em outras palavras, interpretar é extrair
do objeto tudo aquilo que ele tem de essencial. Quando se fala em
interpretar a norma jurídica, vale a mesma afirmação de “fixação do
sentido”, e deve ser acrescida a “fixação do alcance” da norma
jurídica, isto é, quando o objeto de interpretação é a norma jurídica, é
preciso, além do sentido, fixar seu alcance, de modo a deixar patente
a que situações ou pessoas a norma jurídica interpretanda se
aplica.146
Decorre deste entendimento que por mais que a lei indique
determinada ação conforme seu texto prescritivo, é o operador jurídico quem extrai
dela a essência, o que exige acima de tudo uma atitude interpretativa. É a
interpretação que permite ir além do simples texto legal, compreendendo seu
contexto, suas nuances, toda a dimensão axiológica que se encontra por trás do
144
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 294.
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 295.
146
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 297.
145
57
texto legal. Esse tipo de conhecimento não se alcança por método indutivo nem
dedutivo, mas pela intuição, pois não é pela empiria que se interpreta melhor o texto,
mas pela via direta da intuição. Ao intuir, o operador jurídico capta a essência que
está por trás do texto, o valor que motiva a existência daquela lei, os princípios que
norteiam sua eficácia. Esse exercício, como se percebe, é viável somente por
interpretação, de forma que mais importante que a lei, o objeto, é o sujeito que
interpreta, o operador jurídico.
Retomando a realidade das normas jurídicas, há de se
evidenciar que poucas possuem texto claro, que não necessita de interpretação, de
forma que todo operador jurídico entenda de modo consensual o verdadeiro sentido
do texto. A maioria das normas possuem dificuldade em apresentar o real sentido,
seja pela complexidade do texto utilizado, pelo contexto histórico em que é inserida,
pela relação com outras áreas do direito, pela necessidade de discutir questões de
constitucionalidade, ou outras inúmeras possibilidades que distanciam o operador
jurídico do real sentido do texto legal. Assim, cada operador alcança determinadas
partes do fenômeno, e não o verdadeiro sentido do texto legal. Diante deste fato,
amplia a importância da intuição como meio de interpretar e alcançar a essência do
texto legal.
Apresentados fundamentos jurídicos, resta por fim relacionar o
exercício da intuição com a Ciência Jurídica.
3.4 INTUIÇÃO E DIREITO
Para que se possa analisar utilidade da intuição na ciência
jurídica
faz-se
necessário
preliminarmente
trazer
algumas
características
referentes a esta ciência. Como anteriormente analisado o direito se enquadra no
ramo das ciências sociais aplicadas. Dentro desta ciência houve uma grande divisão
em diversos ramos, como Direito penal, direito processual, Direito administrativo,
entre outros. Isto se deve ao grande avanço social advindo da Revolução industrial,
que deu base a todo processo de globalização hoje existente.147
147
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.289.
58
Com esta globalização surgiram os especialistas em diversas
áreas especificas, e, portanto, o direito acompanhando todo este processo também
assim se dividiu em varias áreas especificas como citado acima. Desta maneira a
ciência jurídica tem como foco, ou seja, seu objeto baseado na incerteza das ações
dos indivíduos bem como na dificuldade de captar claramente as necessidades e de
solucionar
os
problemas
existentes
na
sociedade
através
de
normas,
acrescentando-se ainda a problemática surgida da relação do Estado com seus
cidadãos , dando a estes garantias de seus direitos entre eles próprios bem como
em relação ao estado, a idéia em que este objeto, entendido como as normas
jurídicas vigentes, parte-se então para a realização da ciência, em outras palavras,
através das normas jurídicas vigentes postas a alcançar uma solução verdadeira a
essas problemáticas das quais são baseados seus objetos, é que inicia-se a
investigação cientifica jurídica.148
Nesta idéia cabe complementar a classificação dada a esta
ciência, pois além de social, ou seja, que tentar reger a sociedade estipulando
normas, ela também pode ser classificada como uma ciência humana se interessa
em resolver problemas ligados ao ser humano na sua individualidade dentro de um
contexto social.
Neste sentido esclarece Bittar:
Deve-se dizer que a ciência jurídica é parte das ciências humanas por
estar comprometida com a causa humana. Ao versar sobre os direitos,
os deveres, os poderes, as faculdades, as instituições as praticas
burocráticas...está lidando diretamente com questões de interesse
humano, quando não com os próprios valores humanos. Assim, estão
em jogo a liberdade, a moralidade, o comportamento...todos esses
valores de intensa significação humana.149
Feito este breve contexto de como se mostra a ciência jurídica
em nossa sociedade atual, passa-se a observar como a intuição pode auxiliar nestes
problemas, que como acima demonstrado trazem situações de profundo interesse
ao homem por versarem de “causas humanas”.
148
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.286-288.
BITTAR,
Eduardo
C.B.Metodologia
da
Pesquisa
Jurídica.7°
Ed.São
Paulo:
Saraiva,2009.p.46,47.
149
59
De inicio, na tentativa de mostrar como a idéia de alguns dos
filósofos estudados acima em relação a intuição, tem sua aplicabilidade no ramo da
ciência jurídica, pode-se apresentar a influência dada pelo filosofo Edmund Husserl,
com seu método fenomenológico, assim dispõe Reale.
Os continuadores de Husserl sustentam, ao contrario, que atingimos a
essência do direito em virtude da intuição intelectual pura, ou seja,
purificada de elementos empíricos, que são apenas condições da
analise eidética.150
De maneira diversa, mas trazendo novamente a intuição como
método de análise na ciência jurídica, é necessário trazer as observações dadas por
Rizzatto. Partindo da idéia de dos meios da ciência jurídica que se trouxe no
primeiro capitulo, ou seja, de que a ciência jurídica utiliza-se dos conceitos jurídicos
como instrumento de trabalho, para que se possa identificar e caracterizar os
elementos jurídicos e assim suas problemáticas, estes não passam de palavras, que
ao serem definidas os são por outras palavras e assim sucessivamente. Neste
sentido o autor traz que nunca se chega a compreensão real daquele conceito, ou
seja, da essência daquele conceito e sim passa-se por rodeios que o próprio
interprete do direito não percebe.
Assim, então, para ele é necessário o uso da intuição para que
se chegue as essências destes conceitos, assim dispõe o autor:
[...] o cientista persuade-se facilmente de que, se for justapondo
conceitos a conceitos irá recompor a totalidade do objeto[...]O
interprete do Direito age exatamente assim, e é assim que o fazem,
da mesma forma aqueles que pretendem representar a duração (só
possível na intuição) e alinhando conceitos de unidade[...]Mas é por
aqui, também que se percebe a impossibilidade da substituição da
intuição151
Ou seja, apoiado no estudo de Bergson o autor afirma que ao
proceder deste modo, o interprete do direito apenas rodeia objeto, e com isso não
consegue ter o conhecimento absoluto deste, pois só poderia tê-lo se entrasse nele,
e isso só é possível pela intuição, como se analisou no capitulo anterior. Assim
então destaca Rizzatto:”É preciso portanto, na busca de uma essência, transpor, ou
150
151
REALE, Miguel.Filosofia do Direito.17 ° ed. São Paulo:Saraiva,1996.p.138,139.
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.305.
60
melhor, transcender os conceitos para chegar à intuição”.152 Segue-se então que
não necessário dispensar os conceitos, mas sim ultrapassá-los.
Assim então ensina o autor, sobre a intuição como modo de
alcançar a justiça:
Logo, a intuição como método permite que o julgador com um lance
completo e único encontre o caminho para a realização da justiça.
Feito isso, seu trabalho será escrever – colocar no papel – sua
descoberta; e assim fará justiça153
Sendo que através da intuição conseguimos alcançar a essência
de um objeto, a mais pura verdade dele, e não meros conceitos que geram outros
conceitos observa-se um modo de tanto julgador, quanto o legislador, como
advogados, procuradores, pesquisadores do direito, enfim todos os cientistas desta
área da ciência, proporcionar a justiça.
3.4.1 A intuição e o Direito: um novo caminho
Um dos aspectos mais importantes para a defesa da intuição
contra os demais métodos é que estes alcançam apenas o relativo, o contingencial,
enquanto aquela atinge o absoluto.
No que se relaciona à Ciência Jurídica isto ganha ainda mais
relevância, uma vez que sendo o Direito uma ciência prática, que vise fins práticos
ligados a uma ação eficaz e a satisfação de interesses da vida em geral, pois assim
a intuição auxiliará a encontrar a essência que está por trás de todos estes
relativismos práticos. Por ser demasiadamente prática, a Ciência Jurídica sempre
pode ser ameaçada de não precisar da essência do conceito, mas apenas de
decisões singulares que visem determinados casos. Contudo, mesmo na prática, a
justiça não poderá sair do contingencial, do relativo, pois o contingencial está
exposto às imperfeições, às opiniões, aos juízos passionais. Somente o absoluto é
puro e escapa destas contingências. E a justiça deve se aproximar a esta condição
pura da intuição.
152
153
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.305.
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.402.
61
Rizzatto Nunes ressalta a importância da intuição mesmo para
os fins práticos da Ciência Jurídica.
É possível trabalhar com um modus operandi que se estriba em
inverter o trabalho individual da inteligência. Com efeito, pensar
consiste, ordinariamente, em ir dos conceitos às coisas, e não das
coisas aos conceitos. Pode-se, por isso, dizer que conhecer uma
realidade é – no sentido usual da palavra „conhecer‟ – tomar
conceitos já fabricados, dosá-los e combiná-los, até obter um
equivalente prático do real. Esse trabalho da inteligência, contudo,
não é desinteressado. Longe disso; não se conhece por conhecer,
mas para tomar partido, para retirar vantagens, enfim, para satisfazer
a um interesse – o que torna esse ponto muito atrativo e relevante na
Ciência do Direito, em função de uma de suas finalidades, que é a
prática real e concreta. Pesquisa-se, nesse trabalho usual de pensar,
até que ponto o objeto a conhecer é este ou aquele conceito, em
qual dos gêneros conhecidos ele entra e que espécie de ação ou
atitude ele sugere ou deveria sugerir. Determinam-se assim pelas
diversas ações e atitudes possíveis outras direções conceituais do
pensamento para ser seguidas. É dessa forma que se vai dos
conceitos às coisas.154
O conhecer pelo conhecer, tão-somente nos conceitos, sem
compreender suas finalidades práticas, pode se tornar desinteressado da prática. A
ciência deve sempre conhecer algo tendo em vista um motivo, algo que traga
benefícios para as pessoas. Um conhecimento que não contenha nada de útil não
possui eficácia social. A Ciência Jurídica é das ciências práticas por excelência, de
forma que o conceito sem aplicação social e sem finalidade perde seu valor.
A passagem do conceito ao conceito para o conceito à coisa se
dá justamente nessa ideia de finalidade. Para se adequar algo melhor ao fim prático
é preciso abandonar o puro conceito abstrato e aplicá-lo à realidade. Contudo, a
aplicação à realidade torna-se mais complexo que o simples conceito, uma vez que
atende casos específicos, na qual deve-se observar várias circunstâncias. Exemplo
disso é a aplicação da lei ao caso específico pelo juiz. Aplicar a norma abstrata
positivada é um exercício conceitual, porém utilizá-la no caso concreto, observando
a conduta das partes, as circunstâncias do fato, a sociedade em se insere, além de
todas as questões psicológicas, sociais e culturais envolvidas exige um critério mais
complexo e real do que a simples aplicação da norma. Este universo complexo
abrange uma vasta dimensão de valores, e o aplicador muitas vezes não terá uma
154
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009. p. 309.
62
base sólida para que caminho seguir, o que decidir. Nestes casos, a intuição é
sempre uma alternativa válida.
No direito penal, por exemplo, a duração da pena a ser
aplicada dependendo tanto da aplicação da norma como da convicção pessoal do
juiz, que em geral advém de juízos subjetivos. Esta situação não restrita ao juiz da
área penal, mas de todas as áreas. Todo juiz se prepara para ser capaz não
somente de aplicar de forma abstrata a norma, mas adequá-la ao caso concreto e
singular, o que exige um exercício de inteligência. Este exercício possui contornos
subjetivos, pois varia de juiz a juiz, pessoa a pessoa. É neste exercício subjetivo,
que aplica a norma com perfeição, que pode-se visualizar melhor a utilização da
intuição.
[...] um conceito num objeto é perguntar ao objeto o que podemos
fazer dele, o que ele pode fazer por nós. Colar sobre um objeto a
etiqueta de um conceito é marcar em termos precisos o gênero de
ação ou de atitude que o objeto nos deverá sugerir. Todo
conhecimento propriamente dito é, pois, orientado numa certa
direção ou operado de um certo ponto de vista. É verdade que nosso
interesse é frequentemente complexo. E esta é a razão por que
orientamos em variar os pontos de vista sobre ele. Nisto consiste, no
sentido usual desses termos, um conhecimento „largo‟ e
„compreensivo‟ do objeto: o objeto é remetido então, não a um
conceito único, mas a vários conceitos nos quais ele é dito
„participar‟.155
A intuição é uma forma de precisar as particularidades dentro
desta universalidade. Pois os objetos participam de vários conceitos, de forma que
esta multiplicidade pode melhor entendida e aplicada com a utilização da intuição,
uma vez que esta atinge diretamente o objeto, sem passar pelos processos de
classificação e demonstração os quais são típicos dos métodos indutivo e dedutivo.
O problema da variabilidade de conceitos e objetos é também
tratada por Rizzatto Nunes:
O problema é que reconhecemos o real, o concreto, o vivido na
própria variabilidade. Mas o elemento surge naquilo que é invariável
por definição; ele funciona como um esquema, uma espécie de
reconstrução simplificada ou um símbolo: um simples aspecto da
realidade que flui. Com a imensa variabilidade das coisas do mundo
155
BERGSON, Henri apud
Paulo:Saraiva,2009. p. 310.
NUNES,Rizzatto.Manual
de
Filosofia
do
Direito.2
ed.São
63
fazemos tantas variações, verificamos tantas qualidades ou
modificações, quantas quisermos, que serão outros tantos aspectos
imóveis, tomados pela análise. Acontece que essas modificações
tomadas uma a uma são apenas elementos; estes não são partes da
realidade, da imensa variabilidade real, e assim não produzirão nada
que a ela se assemelhe. Elementos e partes são coisas
completamente diversas.156
Identificar o invariável no variável vivido é possível com a
utilização da intuição, que por essência busca o aspecto perene e imutável que se
encontra em cada fenômeno. Tal processo é muito semelhante ao método
fenomenológico de Edmund Husserl, trabalhado no Capítulo II da presente pesquisa,
na qual o sujeito precisa superar as várias fenomenologias para encontrar a
essência que se apresenta por trás de todas as variáveis.
O método indutivo, por ser dependente da empiria, consumada
na passagem do particular ao universal, baseia grande parte de suas inferências nos
aspectos acidentais do fenômeno, não alcançando a essência do mesmo. E como
afirma a citação acima, na vivência concreta das coisas o sujeito experimenta tantas
modificações no fenômeno, tantas particularidades, que é difícil separar todos
acidentes para ir ao encontro da essência. A intuição não necessita da empiria, e por
isso sua possibilidade de êxito é mais ampla.
Na dúvida de como aplicar uma norma a intuição pode ser
fundamental ao juiz para se desvencilhar dos acidentes e encontrar a melhor
decisão, que não está no empírico, mas na essência que se desvela com os
processos de separação entre as fenomenologias e a essência.
Percebe-se aqui, facilmente, ao colocar a questão do direito, que na
Ciência do Direito trabalha-se com elementos de um sistema dado e
imóvel, e não com partes de uma realidade móvel, o que para uma
ciência como o Direito é um fluxo de esvaziamento que vai do real ao
abstrato, pondo em risco todo um “direito vivo” que, experimentando
socialmente, acaba sendo desprezado. E é por isso que aqueles que
propugnam pelo estudo de um direito concreto, real, vivo, acabam de
um jeito ou de outro chegando à intuição. Ou, como o faz com todas
as letras André Franco Montoro, que não só propugna como
defendem-na no estudo do chamado direito real, vivo.157
156
157
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.274.p. 311.
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 314.
64
Portanto, a contraposição entre a imobilidade da Ciência do
Direito e a mobilidade da realidade pode ser superada pela intuição, que por ir direto
à essência não se situa nas contingências temporais e relativas da mobilidade. Se
para a Ciência do Direito é quase impossível acompanhar a mobilidade social, o
preparo dos operadores jurídicos pode suprir tal falha. É com isso que o operador
jurídico consegue construir um direito vivo, um direito que ainda que se encontre
estruturado em normas situadas no tempo e no espaço, torna-se capaz de superar
as mobilidades da sociedade, que varia a cada momento conforme os costumes,
gerando novas concepções de moral, justiça, etc. O direito deve acompanhar este
ritmo vivo de cada sociedade, e se a norma tem alcance limitado para isso,
certamente o operador não o é. E tendo em vista que os demais métodos
dificilmente conseguem escapar das contingências relativas do fenômeno, a intuição
surge como alternativa importante.
Assim, pode-se dizer que um esforço de intuição que venha a
empreender o filósofo seria capaz de libertar o espírito vivo do
Direito, muitas vezes aprisionado e imobilizado na letra dura e fria
dos conceitos. Pois, como bem o diz Bergson, o ato simples que pôs
a análise em movimento e que se dissimula por trás dela emana de
uma faculdade muito diferente daquela de analisar: a intuição.158
Essa reflexão é importante para compreender o papel
indispensável da intuição: somente ela supera a letra imóvel da lei, que é incapaz de
captar as várias nuances que ocorrem em cada fato social analisado pelo Direito.
Somente a inteligência humana é capaz de entender toda este vasto e complexo
fenômeno que envolve a evolução social. O direito muda a cada tempo e a cada
região, a cada povo. Cada pessoa tem suas concepções, suas opiniões, sua própria
história, e tudo isso influencia na criação de fatos relacionados ao mundo jurídico,
seja a ocorrência de um crime, seja um problema de trabalho que repercuta na
Justiça Trabalhista, seja uma eleição para Prefeito ou Presidente da República.
Para mostrar a aplicabilidade do método intuitivo encerra-se o
trabalho trazendo a exemplificação de um caso que relata como a intuição pode
auxiliar na conclusão de um determinado fato jurídico.
No caso do juiz que assistia à peça de teatro, sem estar pensando no
processo criminal que ele cuidava, um objeto na cena, entra das
158
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p. 314.
65
circunstancias da peça, acabou após, entrar por suas vias perceptivas
na direção da memória, indo de encontro a imagens-lembranças que
vinham tensionadas (pela pesquisa que o juiz fizera no decorrer da
instrução criminal), e assim, esse movimento, - o processo conforme
descrevemos-possibilitou a resposta buscada – ainda que não tivesse
sendo procurada exatamente naquele instante – surgisse no
consciente do juiz.159
Ainda que o juiz não estivesse buscando naquele momento as
respostas para o processo criminal, as memórias e as imagens relacionadas ao caso
continuavam presentes em sua mente. O fato de que ele, conscientemente, não
estivesse realizando a investigação, não impede que uma coisa externa, quando
percebida pelos sentidos, entre em contato com a memória, ativando as imagens
necessárias. O ato intelectual despertado pelo objeto não foi um raciocínio indutivo
nem dedutivo, mas intuitivo.
159
NUNES,Rizzatto.Manual de Filosofia do Direito.2 ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.274.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito deste trabalho, demonstrar como o homem dotado de
racionalidade pode-se valer da intuição para a realização da ciência. Assim então foi
necessário trazer a ideia de razão e como ela opera no homem, partindo então para
seu uso na ciência, apresentando seus métodos, para depois apresentar os
conceitos de intuição e em seguida mostrar como ela pode ser utilizada na ciência
jurídica.
Neste sentido tem-se que razão não significa somente uma
capacidade moral ou intuelectual, para com isso justificar alguma atitude (moral) ou
ainda para conseguir um conhecimento verdadeiro (intelectual), mas também uma
propriedade ou qualidade primordial das próprias coisas, existindo na própria
realidade.
Seguindo esta seara há duas vertentes que se encontra
intuição, e a partir daí foram trazidos vários entendimentos filosóficos sobre intuição.
Primeiramente com Aristóteles que traz a ideia de intuição como um modo de colher
as coisas do real de forma imediata. Porém não é qualquer tipo de conhecimento,
mas sim aqueles que tratam dos primeiros princípios.
Depois com Descartes que a intuição nasce unicamente da luz
da razão, e é muito mais certo do que a própria dedução, pois de acordo com o
filósofo a intuição é a condição para o próprio entendimento e diz respeito aos
primeiros princípios do conhecimento sendo assim primordial para o entendimento
da ciência, e tendo os outros métodos como forma secundária de alcance da
verdade.
A seguir com Kant, que traz a intuição que não é senão a
representação de um fenômeno o filósofo distingue duas espécies de intuição: a
pura e a empírica. E finalmente com Bergson e Husserl que irão demonstrar a
intuição como a busca da essência de um dado fenômeno.
67
Bergson mostra a ideia de intuição ligada com o conceito de
duração, ou seja, no tempo, apesar daquela primeira já conter esta última. Antes de
analisar a ideia do método intuitivo proposto mesmo que tacitamente.
Então Husserl assim evidencia o entendimento de que a vida
humana é uma intersubjetividade, pressuposto este que diz respeito a toda e
qualquer concepção de justiça contemporânea, levando em consideração a
definição desta como „referente a outrem‟.
No Capítulo 3 estudou-se a possibilidade de utilização da
intuição na Ciência Jurídica. Para tanto, foi necessário estudar como se dá o
fenômeno do Direito na sociedade, com suas normas e sistema jurídico. Identificouse que a norma jurídica constitui em texto legal prescritivo, a qual demanda
determinada ação ou proibição da mesma. Como exemplos tem-se as normas do
direito civil, direito penal, direito tributário, bem como normas de trânsito e tantas
outras que auxiliam a organizar a vida em sociedade.
Depois foi analisado como se pode utilizar a intuição na Ciência
Jurídica. Uma forma seria na interpretação do texto legal. A maioria dos textos legais
não é suficientemente claro, suscitando várias possibilidades de interpretação. Com
isso, o operador jurídico pode utilizar a intuição para ir além das varias
características acidentais que circundam o texto, encontrando a essência que se
situa no verdadeiro sentido da norma, a motivação que originou tal texto. Este
sentido está mesclado ao contexto histórico, sociológico e cultural.
Outra forma de utilização da intuição na Ciência Jurídica seria
no juiz, que no exercício da subjetividade precisa aplicar a lei ao caso concreto. Esta
aplicação não consiste apenas em adequar o texto ao particular, mas entender as
várias questões morais, culturais, psicológicas, sociais, entre outras, que envolvem a
prática de um ato que deve ser analisada pelo juiz. O direito se envolve com
fenômenos sociais bastante complexos, situações estas que a norma positivada por
si só em geral não é suficiente.
Em relação às hipóteses é necessário verificar se concluíram
verdadeiras ou não.
68
Hipótese 1: A intuição é um tipo de conhecimento imediato e
válido, portanto aplicável a qualquer ciência, logo também ao Direito.
Após o estudo dos filósofos que contribuíram os entendimentos
sobre a intuição, identificou ser esta uma forma de conhecimento válido, que por ir
direto ao objeto, superando as fenomenologias que ocultam a essência do
fenômeno, possui maior grau de certeza. Dessa forma, é aplicável também à Ciência
Jurídica.
Hipótese 2: A intuição é válida apenas para as ciências exatas,
pois o Direito trabalha com valores, juízos, em que não existem conhecimentos
imediatos, mas apenas conceitos criados pela racionalidade humana.
Esta afirmação não se verificou, pois o Direito pode utilizar a
intuição para realizar a passagem do texto legal à aplicação ao caso particular, o
que exige exercício subjetivo do operador jurídico. Nesse exercício, o método
indutivo e o dedutivo poderiam se situar apenas no campo relativo das opiniões,
percepções, induções, e não o conhecimento puro que advém da intuição.
Hipótese 3: A intuição é aplicável ao Direito, pois por ser capaz
de apreender o fenômeno de imediato, pode captar a essência do mesmo,
superando a aparência das normas e decisões jurídicas e encontrando a verdade
que se desvela por trás destas.
Esta hipótese entende-se verdadeira, conforme demonstrado
no Capítulo 3. As normas e decisões jurídicas muitas vezes se situam no campo das
contingências. A intuição consegue superar estas contingências e por isso sua
validade
Hipótese 4: A intuição não pode ser aplicada ao Direito, pois a
ciência é construída com bases indutivas e dedutivas, logo não haveria como a
intuição captar fenômenos concebidos naquelas lógicas.
De fato a intuição não está diretamente relacionada aos
métodos indutivo e dedutivo, e estas foram as bases lógicas de construção da
Ciência do Direito. Contudo, a construção e a aplicação do direito são dois
69
momentos diferentes, e neste segundo a intuição encontra grande possibilidade de
aplicação, conforme já demonstrado anteriormente.
Portanto, conclui-se que a intuição pode ser uma alternativa
fundamental para a utilização do operador jurídico. Nesse sentido, é importante que
estudos na área, demonstrando a importância da intuição para o Direito, seja na
pesquisa dos filósofos e pensadores que trouxeram o tema, como estudos mais
práticos, são de essencial papel para a evolução do sistema jurídico, visando um
direito mais vivo, mais humanista, que não se limite ao texto frio da lei, mas
compreenda que os aspectos sociais, psicológicos, culturais, entre outros, todos
abarcam contribuições na construção de um fenômeno social, e que além de todos
estes se encontra a motivação essencial que causa a ação que repercutirá no
direito. A compreensão dessa totalidade é uma das necessidades de evolução para
o direito contemporâneo.
70
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