1 UTILIZAÇÃO DO CANABIDIOL COMO ANSIOLÍTICO MOREIRA, Aline Melo (Curso de Farmácia do Centro Universitário do Triângulo - Unitri, [email protected]) MEDEIROS, Francisco Costa de (Curso de Farmácia do Centro Universitário do Triângulo - Unitri, [email protected]) CARDOSO, Rita Alessandra (Curso de Farmácia do Centro Universitário do Triângulo - Unitri, [email protected]) RESUMO A Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha, apresenta em suas folhas mais de 400 substâncias, sendo que aproximadamente 60 delas são componentes canabinoides com potencial utilidade terapêutica. O canabidiol é um composto encontrado com abundância nessa planta, constituindo cerca de 40% de suas substâncias ativas, o canabidiol apresenta efeitos terapêuticos opostos aos do delta-9-tetrahidrocanabinol. No corpo humano, ocorre a produção de endocanabinoides que atuam por meio de receptores descobertos recentemente, chamados CB1 e CB2, o primeiro presente no sistema nervoso central e o segundo com distribuição periférica. Há evidências que compostos da Cannabis atuam justamente sobre esse sistema canabinoide endógeno. O objetivo deste trabalho foi avaliar o uso do canabidiol no tratamento da ansiedade em animais e humanos. Este trabalho constitui-se de uma revisão bibliográfica sobre o uso do canabidiol no tratamento da ansiedade, os artigos foram selecionados e identificados por meio de busca eletrônica nos bancos de dados PubMed, SciELO e Biblioteca virtual de saúde. Os resultados com sujeitos de pesquisa saudáveis e pacientes com transtornos de ansiedade fortalecem a ideia do potencial terapêutico do CBD como um novo e promissor fármaco ansiolítico. Palavras – chave: Cannabis sativa, canabidiol, transtorno de ansiedade. 2 1. INTRODUÇÃO Há relatos que há mais de 1000 anos antes de cristo a Cannabis sativa já era utilizada na China e Índia para tratamento de várias condições médicas como dores, epilepsia, tranquilizante no tratamento de ansiedade e constipação intestinal. Já no início do século XX, extratos da maconha começaram a ser comercializados para transtornos mentais, indicados como hipinóticos (em insônia, “melancolia”, entre outros), ou sedativos. No entanto, em meados desse século, houve declínio no uso dos extratos da planta para fins medicinais de modo geral e em particular na psiquiatria, uma vez que sem isolar os componentes da maconha torna-se complicado avaliar sua potência e composição podendo gerar efeitos inconsistentes e várias reações adversas (CRIPPA, ZUARDI, HALLAK, 2010). A maconha pertence à família Cannabaceae, que inclui o gênero Cannabis, cujo nome deriva do persa kannab (cânhamo). O gênero de planta de Cannabis inclui três grupos, Cannabis sativa, Cannabis indica e a Cannabis ruderalis, que diferem no tamanho e componentes químicos, sendo a Cannabis sativa conhecida como maconha (VILLANUEVA, 2010). Essa é a droga de abuso utilizada com maior frequência principalmente entre os jovens. Em sua folha são encontradas mais de 400 substâncias sendo que, aproximadamente 60 são consideradas componentes canabinoides denominados como fitocanabinoides e que podem ser usadas para fins medicinais (SCHIER et al., 2012). A principal substância psicoativa da Cannabis é o delta-9- tetrahidrocanabinol (∆9-THC). O canabidiol (CBD) é um outro composto encontrado com abundância, constituindo cerca de 40% das substâncias ativas da planta, esses dois componentes apresentam efeitos farmacológicos diferentes e opostos. As publicações o CBD aumentaram consideravelmente nos últimos anos e sustentam a ideia de que esta substância possui diversas possibilidades de possíveis efeitos terapêuticos, entre elas, as propriedades ansiolíticas e antipsicóticas se destacam (SCHIER et al., 2012). 3 No corpo humano há a produção de canabinoides, chamados de endocanabinoides (VILLANUEVA, 2010). Há evidências que compostos da Cannabis atuam justamente sobre esse sistema canabinoide endógeno. Estes atuam por meio de receptores descobertos recentemente chamados CB1 e CB2, um presente no sistema nervoso central e o outro com distribuição periférica, respectivamente. Os receptores CB1 encontram-se com abundância na pars reticulada da substância negra, córtex frontal, hipocampo e cerebelo, e potencializam as ações de diferentes neurotransmissores como GABA, serotonina, dopamina, noradrenalina, pois se localizam principalmente na présinapse. Esta ação pode influenciar a cognição, percepção, apetite e sono (CRIPPA et al., 2005). Existem vários tipos de transtornos psiquiátricos, sendo o transtorno de ansiedade o que atinge a maior parte da população e resulta em grande sofrimento e importante comprometimento funcional (MOCHCOVITCH et al., 2010). Nesse tipo de transtorno, pelo menos três sistemas de neurotransmissores são profundamente afetados por certos fármacos que proporcionam algum benefício terapêutico. No entanto, novos sistemas de neurotransmissores também foram descobertos como subjacentes a sintomas e transtornos de ansiedade, tais como o sistema endocanabinoide, criando novos desafios para os pesquisadores (NARDI et al.,2012). Esse trabalho teve como objetivo avaliar o uso do canabidiol no tratamento da ansiedade em animais e humanos. 2. METODOLOGIA Este trabalho constitui-se um levantamento bibliográfico, resultado de 41 artigos sobre o uso do canabidiol no tratamento da ansiedade, selecionados para a presente revisão e identificados por meio de busca eletrônica nos bancos de dados PubMed, SciELO e Biblioteca virtual de saúde. Além disso, as listas de referências dos artigos selecionados foram analisadas em busca de referências adicionais. Na literatura estudada, foram incluídos estudos experimentais com amostras humanas e animais sem delimitação de tempo. 4 3. ANSIEDADE A ansiedade é definida como sofrimento por antecipação de algo desconhecido ou estranho e é caracterizada pelo sentimento desagradável de medo, apreensão e insegurança em alguma situação (CASTILLO et al., 2000). De acordo com D'el Rey, Pacini e Chavira (2006), a ansiedade está presente durante todo o desenvolvimento do ser humano e geralmente precede qualquer compromisso social novo ou desconhecido, sendo vantajoso responder com ansiedade a certas situações. No entanto, algumas pessoas desenvolvem quadros de ansiedade bastantes desproporcionais a determinadas circunstâncias da vida. Segundo Castillo et al. (2000), entre 9% e 15% das pessoas sofrem com ansiedade patológica em algum período da vida, é valido reforçar que transtornos ansiosos são quadros psiquiátricos que merecem atenção e diagnóstico preciso. A Associação dos Portadores de Transtornos de Ansiedade (APORTA, 2014) divide a ansiedade em algumas categorias, sendo o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno obsessivo compulsivo (TOC), fobia social ou transtorno de ansiedade social (TAS) e transtorno do pânico (TP) as mais recorrentes. A TAS tem sido considerada um grave problema de saúde mental pela sua alta prevalência e pelas incapacidade decorrentes no desempenho e nas interações sociais. Conforme os critérios de diagnósticos do DSM-IV, os indivíduos com fobia social manifestam um medo excessivo, persistente e irracional de serem vistos comportando-se de um modo humilhante ou embaraçoso, pela demonstração de ansiedade ou de desempenho inadequado e de consequente desaprovação ou rejeição por parte dos outros (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994). TAS surge cedo na vida da pessoa, geralmente os primeiros sintomas são ainda na infância e podem ser observados pelo medo e apreensão na ausência dos pais ou até mesmo o sofrimento com a aproximação de estranhos. No entanto, as manifestações se tornam mais frequentes no início 5 da vida adulta, onde o contato e a comunicação com várias pessoas passam a ser obrigatórios (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2008). Pessoas portadoras de TAS preocupam-se extremamente com a opinião de outros indivíduos e temem que os julguem ou avaliem como inadequados e estranhos. Outro sintoma é o medo descontrolado de falar, comer, beber, escrever em público ou conversar com figuras de autoridade, como também apresentam dificuldade de iniciar e manter um diálogo (APORTA, 2014). A ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando são excessivos e desproporcionais em relação ao estímulo, ou qualitativamente diversos, interferindo negativamente na qualidade de vida, no conforto emocional e/ou desempenho diário do indivíduo. Tais comportamentos exagerados ao estímulo ansiogênico se desenvolvem com maior frequência, em indivíduos com uma predisposição neurobiológica herdada (CASTILLO et al., 2000). O TAG é pontuado como um tipo de transtorno de ansiedade, à vista disso é caracterizado como distúrbio mental frequentemente detectado na clínica. Preliminarmente esse transtorno não é grave, no entanto, seja pela falta de conhecimento, informação ou pela não aceitação, o problema acaba se intensificando. Atualmente o TAG é atribuído como uma patologia crônica e geralmente é associado à morbidade e elevado custo individual e social, um exemplo é que cerca de 24% dos pacientes classificados como grandes usuários de serviços médicos ambulatoriais apresentam diagnóstico de TAG (ANDREATINI et al., 2001). O TAG é constituído de manifestações de ansiedade que não ocorrem na forma de ataques e está relacionado com vários aspectos da vida do indivíduo. O principal sintoma é a preocupação excessiva, nervosismo persistente, tremores, tensão, dores musculares e transpiração também são indícios de que a pessoa apresente TAG (FIGUEIREDO, 2000). Conforme a APORTA (2014), outro tipo de transtorno de ansiedade é o TOC, apesar desse não ser um dos transtornos ansiosos mais frequentes, estima-se que afete até 3% da população. Este transtorno caracteriza-se pela presença de pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos. As obsessões são 6 pensamentos, ideias, imagens ou impulsos persistentes que são vivenciados pelo indivíduo como intrusivos, inadequados e indesejáveis, e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. Apesar de ser capaz de reconhecer que são produto de sua própria mente, o indivíduo não controla as obsessões, cujo conteúdo, em geral, não é a espécie de pensamento que ele esperaria ter. As obsessões mais comuns são, pensamentos repetidos acerca de contaminação, dúvida, necessidade de organizar as coisas em determinada ordem, impulsos agressivos, imaginações sexuais repetidamente (APORTA, 2014). O TP é qualificado pelo aparecimento de crises de pânico frequentes, que equivale ao sentimento de pavor ou indisposição excessiva seguido de manifestações físicas e cognitivas, que começa repentinamente atingindo máxima proporção em poucos minutos. Tais ataques ocasionam angústias constantes ou modificações consideráveis de conduta no que diz respeito à probabilidade de acontecer novos acessos de aflição, apreensão ou estresse (SALUM, BLAYA, MANFRO, 2009). O transtorno é identificado através de súbitos e repetidos ataques de pânico acompanhado de preocupação excessiva durante algum tempo por medo de desenvolver outra crise. O ataque do pânico é determinado por um acentuado período de medo ou desconforto, seguido de palpitações, medo de perder o controle, tontura, sensações de formigamento, calafrios ou ondas de calor. A preocupação de desenvolver outros ataques pode gerar comportamento de fuga do indivíduo, denominado de agorafobia que é definido como resistência de ficar em lugares fechados ou de difícil saída (APORTA, 2014). O indivíduo portador de TP pode chegar a até 10 anos de sofrimento antes de se estabelecer o diagnóstico correto. Em vista disso, além de psiquiatras, médicos de outras especialidades e, principalmente, aqueles que se dedicam a atenção primária e serviços de emergência médica devem conhecer bem esse transtorno, visto que muitas vezes é confundido como apenas algum surto de ansiedade ou estresse (SALUM, BLAYA, MANFRO, 2009). 7 4. CANABIDIOL (CBD) Segundo Zuardi (2008), o CBD foi descoberto por volta de 1940, no entanto apenas em 1963 foram realizados os primeiros estudos com essa substância que resultaram em poucas publicações sobre o assunto, diferentemente das pesquisas relacionados à Cannabis sativa que crescia continuamente. Antes dos anos 70, poucos artigos foram publicados a respeito do CBD (Figura 1) e, nessa época acreditava-se que o CBD não apresentava efeito farmacológico. A partir de 1975 as publicações aumentaram e nesse período Carlini, que liderava um grupo de pesquisa brasileiro, contribuiu consideravelmente, especialmente pelas descobertas sobre interações do composto delta-9-THC com outros canabinoides, inclusive com o canabidiol, e após isso, as pesquisas estacionaram novamente (RUSSO, 2006). O interesse dos estudos sobre a maconha foi renovado no início de 1990, com a descoberta de receptores específicos para canabinoides no sistema nervoso e o posterior isolamento da anandamida, um canabinoide endógeno. Desde essa época, o número de artigos publicados começaram a aumentar, com destaque para os últimos anos quando os indícios dos diversos efeitos terapêuticos do CBD tiveram início, além do fato de que muitos desses efeitos terapêuticos são de grande potencial de aplicabilidade clínica (ZUARDI, 2008). O gráfico abaixo representa o número de publicações sobre a Cannabis e o canabidiol ao longo do tempo. 8 Figura 1 - Número de publicações da Cannabis e do canabidiol entre 1963 e 2007 Fonte: Zuardi (2008, p.272). Como dito anteriormente, o CBD é o principal componente não psicotrópico encontrado na Cannabis e constitui cerca de 40% das substâncias ativas da planta (RUSSO, 2006). De acordo com Pedrazzi et al. (2014), algumas observações apontam que CBD pode minimizar alguns efeitos farmacológicos predominantes do ∆9-THC, como intoxicação, sedação e taquicardia e isso leva à ideia que essa substância poderia apresentar uma ação ansiolítica e também antipsicótica. Ainda, segundo Pedrazzi et al. (2014), no início da década de 40 foi realizado o primeiro isolamento do canabidiol, entretanto, sua estrutura química foi apresentada apenas na década de 60 por Raphael Mechoulam. Ao longo dos anos, grupos de pesquisadores determinaram a estrutura e as peculiaridades estereoquímicas dos canabinoides predominantes na Cannabis sativa, incluindo o CBD, o que incentivou a pesquisa da atividade farmacológica desses compostos. Por outro lado, segundo Honório, Arroio e Silva (2006), o isolamento das substâncias, a descoberta das estruturas, a estereoquímica, a síntese, o metabolismo, a farmacologia e os efeitos fisiológicos dos canabinoides foram 9 impulsionados durante os anos 80 e 90, através da identificação e clonagem dos receptores canabinoides específicos (CBRs), localizados no sistema nervoso central (CB1) e no sistema periférico (CB2), além da identificação dos ligantes canabinoides endógenos (endocanabinoides). Assim, a partir destas descobertas, foi possível entender alguns aspectos importantes relacionados ao mecanismo de ação desses canabinoides. Os efeitos bioquímicos e farmacológicos produzidos pela maior parte dos compostos canabinoides parecem ser mediados pelos dois subtipos de receptores descritos (MATSUDA apud HONÓRIO, ARROIO, SILVA, 2006). No entanto, as diferenças funcionais entre os dois subtipos ainda não são conhecidas, mas as discrepâncias estruturais entre eles aumentam esta probabilidade (JOY, WATSON, BENSON, 1999). Os canabinoides pertencem à classe química dos terpenofenois, moléculas não polares e com baixa solubilidade em água. Dado que são compostos diferentes, a nomenclatura química do THC e CBD também se diferem. As figuras 2 e 3 representam a estrutura química desses compostos, respectivamente (LIMA, 2009). Figura 2 - Estrutura química do delta-9-tetrahidrocanabinol Fonte: Honório, Arroio e Silva (2006, p.318). 10 Figura 3 - Estrutura química do Canabidiol Fonte: Lima (2009, p.19). 5. CANABIDIOL E ANSIEDADE Posteriormente à caracterização molecular do receptor CB1, foi descoberto o primeiro endocanabinoide, a anandamida (DEVANE et al., 1992) Etimologicamente, o nome anandamida vem da palavra sânscrita “ananda”, que significa prazer, e da natureza do seu grupo químico, uma amida (FONSECA et al., 2013). Os endocanabinoides são produzidos por meio de precursores membranares e sua produção ocorre somente sob estímulo, não sendo armazenados em vesículas como a maior parte dos neurotransmissores (FOWLER, 2013). Vários estudos mostraram que os efeitos do delta-9-THC são antagonizados pelo CBD, sendo que as propriedades do CBD são opostas ao delta-9-THC, que muitas vezes atua como ansiogênico e o CBD como ansiolítico (KARNIOL; CARLINI, 1973). Os autores Crippa, Zuardi, Hallak (2010) acreditam que os efeitos ansiolíticos do CBD não são mediados pelos receptores GABAérgicos que fazem parte do principal sistema neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, mas sim pela interação com os receptores serotoninérgicos 5HT1A. Segundo Gomes et al. (2012) o CBD parece apresentar propriedades 11 agonísticas nos receptores serotoninérgicos do tipo 5-HT1A, entretanto é necessário realização de testes para comprovação científica desses dados. Apesar do mecanismo de ação do CBD não ser totalmente conhecido, sabe-se que provavelmente essa substância não atue sobre receptores específicos como o delta-9-THC. O CBD facilita a sinalização dos endocanabinoides por meio do bloqueio da recaptação ou hidrólise enzimática da anandamida, entretanto em oposição ao delta - 9 -THC, o CBD apresenta baixa afinidade pelos receptores CB1 e CB2 (MECHOULAM, HANUS, 2002). O CBD parece apresentar diversos efeitos no sistema nervoso, não apenas como ansiolítico, mas é essencial a realização de estudos complementares afim de elucidar todas essas possibilidades (CRIPPA, ZUARDI, HALLAK, 2010 e ZUARDI, 2008). 5.1. Estudos em animais Nos experimentos iniciais com modelos experimentais de ansiedade, foram encontrados alguns dados conflitantes quanto ao efeito ansiolítico do CBD. Com administração de altas doses de CBD (100 mg/kg) não foi observada melhora nos sintomas da ansiedade no experimento de conflito de Geller Seifter (SILVEIRA FILHO, TUFIK, 1981 apud SCHIER et al., 2012). Por outro lado, quando foram administradas doses menores de CBD (10 mg/kg), obteve-se efeitos ansiolíticos em ratos sujeitos ao teste de resposta emocional condicionada (ZUARDI E KARNIOL, 1983 apud SCHIER et al., 2012). De acordo com Crippa, Zuardi e Hallak (2010), além dos testes citados acima, muitos outros foram realizados para reforçar a ideia de que o CBD possui efeito ansiolítico em vários modelos animais, como os testes do estresse por mobilização aguda, extinção de memória de medo condicionado, labirinto em cruz elevada em camundongos e ratos. As últimas pesquisas revelaram uma curva de efeito do CBD em “U” invertido, que resulta em efeito característico para drogas em quadros ansiosos com quantidade baixas e retorno ao padrão de controle com doses mais altas, isso explica a ausência de resposta dessa substância no estudo em que foi aplicado quantidade superior a 100 mg/kg. 12 Diversos animais foram usados em estudos para elucidar quais os mecanismos do CBD responsáveis pela diminuição da ansiedade. Em um desses estudos, foi utilizado o teste de conflito de Vogel, esse teste é realizado através da privação de água para o animal que é colocado em uma gaiola com grade eletrificada através da qual o animal recebe choques depois de lamber a água por um número pré-determinado de vezes. O resultado desse teste mostrou que o CBD produziu efeitos paralelos aos do diazepam. No entanto o flumazenil, antagonizou o efeito ansiolítico do diazepam, mas não do CBD, o que sugere que os efeitos do CBD não são mediados pela ativação dos receptores GABAérgicos (MOREIRA, AGUIAR e GUIMARÃES, 2006). Outro ponto importante segundo Uribe-Mariño et al. (2012) relaciona aos animais que foram pré-tratados com CBD, que apresentaram reduções importantes na fuga explosiva e imobilidade defensiva sendo essas respostas relacionadas aos modelos de pânico. Esses resultados sugerem que o CBD possa ser utilizado no controle dos ataques de pânico. Os resultados obtidos nos testes realizados estão apresentados na tabela abaixo (tabela 1). 13 Tabela 1 - Estudos em animais sobre o efeito ansiolítico de canabidiol MODELO Dose Efeito Estudo Ansiolítico Teste de Conflito 100 mg/Kg - Silveira Filho,1981 apud Schier 2012 et al. Paradigma de Resposta 10 mg/Kg + Emocional Condicionada Zuardi et al., 1983 apud Schier et al., 2012 Teste de Labirinto em 2,5, 5,0, 10,0 e Cruz Elevado 20,0 mg/kg Teste de Conflito de Vogel 2,5, 5,0 e 10,0 + Guimarães et al., 1990 + mg/kg Moreira et al.,2006 Condicionamento 10 mg/kg + Contextual de Medo Resstel et al., 2006 Estresse por 1, 10 e 20 mg/kg + Resstel et al. Confinamento 2006 Fonte: Adaptado de Schier et al. (2012). 5.2. Estudos em humanos O CBD administrado em sujeitos de pesquisa saudáveis ou em outras condições não apresentou qualquer efeito adverso significativo. Assim, comprovando estudos prévios em animais, o CBD mostrou-se um composto seguro para a administração em seres humanos em uma ampla faixa de dosagem (CONSROE et al., 1991). 14 Em um estudo inicial conduzido por Zuardi et al. (1982) apud Pereira Junior (2013) a administração juntamente de CBD (1 mg/kg) com elevada dose de delta-9-THC (0,5 mg/kg) em sujeitos de pesquisa saudáveis diminuiu os sintomas ansiogênicos proporcionados pelo delta-9-THC, mas não reduziu o aumento da frequência cardíaca. O teste de simulação de falar em público (SFP) foi realizado com sujeitos de pesquisa a fim de avaliar o efeito ansiolítico do CBD (HALLAK et al., 2010). Esse teste baseia-se na fala do indivíduo em frente a uma câmera de vídeo por alguns minutos, nesse tempo a ansiedade subjetiva é mensurada através de escalas de auto avaliação e os parâmetros fisiológicos são registrados (frequências cardíacas, pressão arterial, condutância da pele tem validade aparente para o transtorno de ansiedade social (TAS), uma vez que o medo de falar em público e seus concomitantes fisiológicos são considerados como aspectos essenciais nesta condição (ZUARDI et al.,1993 apud CRIPPA, ZUARDI E HALLAK, 2010). Hallak et al. (2010) afirma que esse teste tem se mostrado eficaz em induzir a ansiedade, e é sensível a compostos ansiogênicos e ansiolíticos. Experimentos comparativos foram realizados com o diazepam (10 mg), ipsapirona (5 mg) e o CBD (300 mg) em um procedimento duplo cego. Tanto o CBD quanto os dois ansiolíticos citados tiveram resultados positivos na redução da ansiedade induzida pela SFP (ZUARDI et al., 1993 apud CRIPPA, ZUARDI E HALLAK (2010). Em outro teste realizado recentemente foi demostrado pelo método de estudo duplo cego cruzado onde os sujeitos receberam CBD (400mg) ou placebo em duas sessões experimentais, com intervalo de uma semana sendo avaliados por meio de Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT), o resultado do teste induz que o CBD apresente efeito ansiolítico (CRIPPA et al., 2004). Estudos executados com administração do CBD sob um amplo espectro de doses não promoveu efeitos colaterais e tóxicos significativos, nem mesmo induziu efeitos sedativos (CUNHA, CARLINI e PEREIRA, 1980). Trzesniak e Crippa (2008) acreditam que os efeitos modulatórios do CBD na ativação de 15 áreas límbicas e paralímbicas são consistentes com o efeito de drogas ansiolíticas em pacientes com transtornos ansiosos e em sujeitos saudáveis. Dessa forma, induz que o CBD possa ter propriedades ansiolíticas na ansiedade patológica, como mostra a tabela 2 (CRIPPA, ZUARDI e HALLAK, 2010). Tabela 2 - Estudos em humanos sobre o efeito ansiolítico do canabidiol. Modelo Dose Redução dos escores dos 300 mg Efeito Ansiolítico Estudo + Zuardi fatores de ansiedade após falar et al.,1993 em público (voluntários apud Schier saudáveis) et al., 2012 Redução dos escores dos fatores de ansiedade após falar 600 mg + em público (pacientes com fobia Bergamaschi et al., 2011 social) Redução dos escores dos 400 mg + fatores de ansiedade antes do Crippa et al., 2011 procedimento SPECT (pacientes com fobia social) Redução dos escores dos 400 mg + fatores de ansiedade antes do procedimento SPECT (voluntários saudáveis) Fonte: Adaptado de Schier et al. (2012). Crippa et al., 2004 16 6. CONCLUSÃO A planta Cannabis sativa apresenta diversos compostos com atividade terapêutica, um deles é o CBD que é um canabinoide desprovido de efeitos psicoativos. Os elementos levantados na atual revisão confirmam que o CBD pode ser um recurso terapêutico interessante no tratamento dos transtornos de ansiedade. A inexistência dos efeitos psicoativos faz com que esse composto seja seguro e bem tolerado, e os resultados dos estudos em animais, sujeitos de pesquisa saudáveis e pacientes com transtornos de ansiedade ratificam a ideia de que o CBD possa ser um fármaco inovador para o tratamento dessas patologias. 17 7. REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (4ª Ed.). Washington DC, 1994. ANDREATINI, R., et al. Tratamento farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada: perspectivas futuras. Rev. Bras. Psiquiatr. v.23, n.4, p. 233-242. 2001. APORTA, Associação de Portadores de Transtorno de Ansiedade. Fobia Social. Disponível em: < http://www.aporta.org.br/fobia-social.asp >. Acesso em: 21 set 2014. APORTA, Associação de Portadores de Transtorno de Ansiedade. 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