Baixar arquivo - Professor Marlon

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EVOLUÇÃO E ADAPTAÇÃO
Loucos: compreender para aceitar.
Por que, afinal, uma pessoa é considerada louca?
Onde acaba o limite entre a dificuldade da família e da sociedade de lidar com o diferente e começam os problemas
realmente físico-patológicos?
Em que casos as medicações e outras intervenções são realmente necessárias?
Quando se faz obrigatório o isolamento social?
Faz-me pensar que a paz pode começar, realmente, com cada um de nós. Com a aceitação do outro.
Com a aceitação das diferenças do pensar, as diferenças no agir, no sentir.
A aceitação do outro, seja ele "esquisito", "depressivo", "louco", "especial", ou "doente mental".
Chega de legitimar a exclusão pela simples dificuldade de se lidar com o diferente.
EXTENSÃO E GRAVIDADE DO PROBLEMA
• O espectro total dos distúrbios mentais afeta 22% da população adulta em um determinado ano. Esse dado refere-se a
todos os distúrbios mentais e é comparável às taxas de distúrbios físicos, quando definida de maneira igualmente ampla
(p. ex., os distúrbios respiratórios afetam 50% dos adultos; as doenças cardiovasculares 20%).
• Os distúrbios mentais graves (isto é, esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva e formas graves de depressão, síndrome
do pânico e distúrbio obsessivo-compulsivo) afetam 2,8% da população adulta.
• A maioria dos alcoólatras melhora com tratamento, e as evidências sugerem que o tratamento do alcoolismo de fato
contribui para a contenção de gastos do sistema de assistência à saúde e para o aumento da produtividade do trabalhador.
SAÚDE MENTAL
Os seguintes itens foram identificados como critérios de saúde mental:
1. Atitudes positivas em relação a si próprio
2. Crescimento, desenvolvimento e auto-realização
3. Integração e resposta emocional
4. Autonomia e autodeterminação
5. Percepção apurada da realidade
6. Domínio ambiental e competência social
Doença Mental
A definição de doença mental deriva do que se acredita serem os fatores causais. Foram propostas as seguintes hipóteses
como determinantes da ocorrência de doença mental:
1. A hipótese biológica propõe disfunções anatômicas e fisiológicas.
2. A hipótese do aprendizado sugere modelos de comportamento inadaptado aprendidos.
3. A hipótese cognitiva propõe as inexatidões ou déficits no conhecimento ou consciência.
4. A hipótese psicodinâmica sugere conflitos intrapsíquicos e déficits de desenvolvimento.
5. A hipótese ambiental propõe estressores e respostas ambientais adversas.
Resignación
Autor: Henriette Petit
Técnica: Óleo sobre tela
Colección: Particular
O século 17 viu aparecerem os primeiros asilos para doentes mentais. Muitas vezes essas casas funcionavam em locais
onde, antigamente, estavam os leprosários. Extinto um grupo destoante, a classe de excluídos era agora outra. Precisava-se de
outro fenômeno que seria seu novo bode expiatório. Os loucos foram então sistematicamente suprimidos e enclausurados.
No Brasil, o problema da instituição psiquiátrica vem sendo discutido por diversos setores da sociedade há
pouco mais de 15 anos. O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial nasceu em 1987 entre os trabalhadores de
saúde mental, que decidiram se posicionar contra o encarceramento de pacientes e propor alternativas terapêuticas ao
portador de transtornos psíquicos. Mais de 60 mil pessoas estão encarceradas no país. E as formas de tratamento que
assombravam os manicômios há quatro séculos não foram abandonadas, apenas modernizadas. Mesmo portadores de
doenças mentais não-agressivas são submetidos a sedativos, eletrochoques, indutores de coma e até lobotomias.
ADAPTAÇÃO - Tudo que tem vida deve se adaptar ao meio ambiente.
A adaptação ao ambiente externo é necessária à sobrevivência. A medida que os organismos se tornaram mais
complexos , também aumenta a complexidade do sistema nervoso.
No mundo dos insetos, o comportamento não é alterado pela experiência, parece ser fixo e inato. Diz-se ser um
comportamento inadaptado.
A medida que ascende a escala evolutiva , o comportamento instintivo torna-se cada vez mais adaptável e
passível de ser modificado pela experiência.
Um bebê pode sugar, deglutir, respirar, mas em outros aspectos é totalmente dependente dos adultos que lhe
garantirão a satisfação de suas necessidades básicas.
A maneira como ele satisfaz estas necessidades dependerá dos padrões de comportamento formados em seu
sistema nervosos durante os primeiros anos de vida.
A inteligência é o meio pelo qual o homem se adapta ao ambiente que o cerca. Temos que nos adaptar
continuamente ‘as demandas e restrições da sociedade. Devemos satisfazer nossas necessidades, nos conformarmos com
as demandas da sociedade e nos adaptarmos ‘as necessidades das outras pessoas.
SUPERINTENDÊNCIA DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE
DIRETORIA DA ATENÇÃO BÁSICA
NÚCLEOS DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA
Visando apoiar a inserção da Estratégia Saúde da Família na rede de serviços, garantindo a
continuidade e integralidade da atenção, o Ministério da Saúde criou o Núcleo de Apoio à Saúde da
Família - NASF, com a Portaria GM nº 154, de 24 de Janeiro de 2008, Republicada em 04 de Março
de 2008.
O NASF é entendido como uma potente estratégia para ampliar a abrangência e a diversidade das
ações das ESF (Equipes Saúde da Família), bem como sua resolubilidade, uma vez que promove a
criação de espaços para a produção de novos saberes e ampliação da clínica. Tem como “modus
operandi” o apoio matricial para atuarem em parceria com os profissionais das ESF, compartilhando
as práticas em saúde nos territórios sob responsabilidade das ESF no qual o NASF está cadastrado.
Desta maneira, o NASF não se constitui porta de entrada do sistema para os usuários, mas apoio às equipes de saúde da família.
Tem como eixos a responsabilização, a gestão compartilhada e apoio à coordenação do cuidado, que se pretende, pela saúde da
família.
O que diz a portaria 154
Modalidades existentes:
- NASF 1: no mínimo cinco profissões de nível superior - vinculado de 08 a 20 Equipes de Saúde da Família;
- NASF 2: três profissões de nível superior - vinculado a, no mínimo, 03 Equipes de Saúde da Família.
Perfis:
O NASF está dividido em oito áreas estratégicas: atividade física/praticas corporais; práticas integrativas e complementares;
reabilitação; alimentação e nutrição; saúde mental; serviço social; saúde da criança/adolescente/adulto jovem; saúde da mulher e
assistência farmacêutica.
Podem compor as equipes: Assistente Social; Educador Físico; Farmacêutico; Fisioterapeuta;Fonoaudiólogo; Médico
Acupunturista; Médico Ginecologista; Médico Homeopata; Médico Pediatra; Médico Psiquiatra; Nutricionista; Psicólogo e
Terapeuta Ocupacional. Os profissionais médicos podem compor apenas as equipes de modalidade 1.
A definição da composição do NASF é de responsabilidade dos gestores municipais, seguindo os critérios de prioridade
identificados a partir das necessidades locais. Tendo em vista a magnitude epidemiológica dos transtornos mentais, recomenda-se
que cada NASF conte com pelo menos 01 (um) profissional da área de saúde mental.
Os NASF devem funcionar em horário de trabalho coincidente com o das equipes de Saúde da Família, portanto, carga horária de
40 horas semanais.
Critérios para a implantação:
-NASF I: ter no mínimo 8 ESF.
-NASF II: 3 ESF, possuir densidade demográfica menor do que 10 hab/KM², sendo financiado apenas (um) NASF 2.
Aqueles municípios que não se encaixam nos critérios de implantação, poderão optar pela conformação de consócios
intermunicipais com municípios que fazem limite geográfico. (maiores informações sobre podem ser encontradas no site da
DAB).
Financiamento:
Há incentivo para implantação, parcela única, e custeio, mensal. Os valores serão repassados Fundo a Fundo, de acordo com a
modalidade de NASF:
NASF I: implantação- R$ 20.000,00 - custeio – R$ 20.000,00
NASF II: implantação – R$ 6.000,00 - custeio - R$ 6.000,00
O repasse mensal é mediante alimentação do SCNES;
Como implantar
1-Construir um Projeto
Solicitar apoio para as DIRES e Apoiadores Institucionais da DAB e construir o projeto de credenciamento (clique aqui para ver a
resolução CIB 49/2008 onde está disponível o modelo).
2- Credenciar o NASF
De posse do projeto, o município o submeterá ao Conselho Municipal de Saúde - CMS para avaliação e aprovação. Solicita
parecer à Diretoria Regional de Saúde – que seguirá o fluxo de credenciamento (também disponível na na resolução CIB
49/2008).
O que são consórcios
Os consórcios públicos são parcerias formadas por dois ou mais entes da federação, para realização de objetivos de interesse
comum, em qualquer área. Tem como um dos principais objetivos viabilizar a gestão pública nos espaços metropolitanos, em que
a solução de problemas comuns só podem se dar por meio de políticas e ações conjuntas. O consórcio também permite que
pequenos municípios ajam em parceria e, com ganho de escala, melhorem a capacidade técnica, gerencial e financeira.
Os municípios que constituem o consórcio deverão elaborar projeto único do NASF, especificando entre outros pontos, qual
munnicípio irá cadastrar o NASF e qual a contrapartida de cada um dos consorciados
De que forma a DAB/SESAB pode apoior a implantação dos NASF
A SESAB, através do Apoio Institucional feito pela DAB e DIRES, vem realizando uma série de ações para apoiar os municípios
no processo de implantação e desenvolvimento das ações do NASF:
- Apoio, orientação e esclarecimento de dúvidas para a construção de projetos e credenciamento das equipes;
- Realização de Seminário para divulgação, discussão e orientação dos gestores municipais;
- Oficinas de implantação nas Rodadas Microrregionais da Atenção Básica;
- Realização de Oficinas de acolhimento aos profissionais do NASF e de avaliação em municípios que já implantaram equipes;
- Disponibilização de materiais informativos e de orientação, portarias e consolidados para os diversos atores interessados através
do site da DAB;
Anexos:
Possibilidade de implantação de NASF no Estado da Bahia – Lista por município;
Fluxo de credenciamento – Resolução CIB nº 49/2008 (Aprova o fluxo de credenciamento de ESF, ESB, ACS e NASF);
Lei N° 11.107, de 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências
DECRETO Nº 6.017, DE 17 DE JANEIRO DE 2007. Regulamenta a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre
normas gerais de contratação de consórcios públicos
A PROPÓSITO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO E DA SAÚDE MENTAL
O sofrimento psíquico e a saúde mental simbolizam as transformações pelas quais passou a psiquiatria desde a década de 1970:
quando apesar das condições dos asilos e dos internamentos abusivos, ela não está mais ligada a esses eventos. Primeiro, seu
perímetro de ação alargou-se de forma considerável. Depois aumentou a heterogenidade dos problemas de que ela trata ao mesmo
tempo em que vários novos atores tomaram pé neste território. Esses “problemas”, enfim, tomaram uma importância econômica,
social, política e cultural inédita.
Apareceram novas espécies mórbidas durante os últimos trinta anos nas sociedades liberais: depressão, estresse pós-traumático,
transtornos obsessivos compulsivos (Toc), ataques de pânico, adições aos objetos mais diversos (a heroína, o ecstasy, a maconha,
o álcool, a comida, o jogo, o sexo, o consumo ou os medicamentos psicotrópicos), ansiedade generalizada (o fato de estar
permanentemente angustiado), impulsos suicidas e violentos (particularmente entre os adolescentes e jovens adultos), ataques de
pânico, síndromes de fadiga crônica, “patologias de exclusão”, sofrimentos “psicossociais”, comportamentos de risco, psicopatias
etc.
Os muros do asilo caíram, mas, paralelamente, um conjunto polimorfo de sofrimentos surgiu progressivamente em todas as
partes. Estes sofrimentos encontram uma resposta na saúde mental. Entramos de fato num período de redistribuição das cartas que
necessita um esclarecimento. É de suma importância fazer esse esclarecimento que nenhum dos vários relatórios sobre a
psiquiatria e a saúde mental encomendados por diversos governos há vinte anos não propõe uma análise do conjunto e não opera
um estado dos lugares precisos dos problemas, contrariamente ao que podemos constatar em outras esferas como a família ou o
trabalho, por exemplo.
As reflexões que se seguem não pretendem compensar tal lacuna, elas propõem um procedimento para responder à questão: em
que consiste, hoje em dia, o problema sociológico do sofrimento psíquico e da saúde mental? O uso recente e sistemático na vida
social da referência ao sofrimento psíquico e à saúde mental diz respeito a um ambiente, a uma atmosfera, a um estado de
espírito¹. Ele desenha uma nova forma social que pode ser caracterizada por três critérios. O primeiro é de valor: o distúrbio
psíquico é atualmente considerado como um mal tão grave quanto o distúrbio do corpo e, geralmente, mais insidioso.
O segundo critério é de extensão: o distúrbio psíquico diz respeito a cada instituição (escola, família, empresa ou justiça) e
mobiliza os atores mais heterogêneos (clínicos de toda espécie, médicos e não médicos, assistentes sociais, educadores, direção de
recursos humanos, novos movimentos religiosos, a própria Igreja, onde se desenvolveria uma espiritualidade de performance na
questão do declínio das noções de pecado e de culpa² etc.).
O terceiro critério é de descrição e de justificação da ação: não somente nenhuma doença, mais também nenhuma situação social
“com problemas” (a delinquência adolescente, o desemprego, a ajuda financeira ao desempregados (RMI), a relação entre
empregados e clientes ou usuários, etc.) ela não deve, hoje em dia, ser abordadada sem se considerar o sofrimento psíquico e sem
visar a restauração da saúde mental.
Eis em que consiste a novidade: esta preocupação pelos problemas de massa da subjetividade individual. Eles impregnam hoje o
conjunto da vida social, e oscilam entre o desconforto e patologia, falta de conduta e desvio. Mas de qual subjetividade falamos?
Minha hipótese pode ser formulada como segue: a dupla sofrimento psíquico-saúde mental se impôs em nosso vocabulário à
medida que os valores de propriedade de si e de escolha de sua vida, de realização pessoal (direito do homem por assim dizer ) e
de iniciativa individual se ancoravam na opinião.
É o ideal de autonomia como se traduziu na vida cotidiana de todo indivíduo. Considero esta dupla como expressão das tensões
de um tipo de indivíduo de quem sempre se exige, certamente, disciplina e obediência, mas sobretudo autonomia, capacidade de
agir e decidir por si mesmo. Se é verdade que a autonomia, “o fato de agir por si mesmo”, é uma característica geral da ação
humana³, poder-se-ia dizer que num plano sociológico a norma social nos faz adquirir uma disciplina da autonomia (inclusive no
operariado e empregados em geral). A obediência mecânica (“os corpos dóceis”, descritos por Foucault) evidentemente não
desapareceu, ela foi incorporada à iniciativa.
Dito de outra maneira, o que chamamos atualmente de individualismo diz respeito às mudanças nos modos de agir e de justificar
nossas ações. A ampliação das fronteiras de si foi acompanhada do aumento paralelo da responsabilidade e da insegurança
pessoais. Irei desenvolver de forma sucinta essas reflexões provisórias em quatro tempos. No primeiro serão apresentadas
rapidamente as incertezas da psiquiatria e de forma mais geral da psicopatologia.
No segundo, ver-se-à como estas duas expressões são empregadas nas múltiplas relações administrativas de que dispomos. A
conclusão parecerá paradoxal: o uso da saúde mental é tão diverso quanto o seu foco é mal identificado. Para resolver o problema,
proponho abordá-lo por um exame da relação normal-patológico. Não me perguntarei, contrariamente ao uso incômodo, qual é a
fronteira entre o normal e o patológico, mas proporei uma abordagem relacional que consiste em descrever como a relação
normal-patológico se modifica, pois estes dois pólos só se definem um com relação ao outro. Com efeito, é ainda a totalidade
relacional que se modifica, isto é, não somente a doença e a patologia, mas também a saúde e a normalidade.
Em um terceiro tempo, será dado ênfase ao pólo patológico da relação: o louco que deve ser aprisionado é apenas um elemento
num conjunto mais vasto que o incorporou, o do cidadão em dificuldade, que sofre e que é preciso apoiar, mas também reprimir e
conter de uma maneira diferente de como se tratava o louco. Espera-se deste cidadão que ele seja “ator de sua doença”. A saúde
mental é aqui um problema político de saúde pública. Enfim, tentarei mostrar como o fato de justificar nossas maneiras de ser e
nossas maneiras de fazer, nos termos da autonomia é o elemento que induz a adotar uma linguagem da vulnerabilidade individual
de massa.
O PARADOXO DA SAÚDE MENTAL: UM USO MULTIDISCIPLINAR, UM
OBJETO INDETERMINADO
Se o tema da saúde mental é muito antigo na psiquiatria, ele ficou por muito tempo limitado ao território psiquiátrico, aliás, às
suas margens. Não é mais o caso. Na psiquiatria, a saúde mental foi oficializada pela circular de 14 de março de 1990, intitulada
Novas orientações gerais em saúde mental13. Ela é, portanto, de forma regulamentar o objeto mesmo da psiquiatria pública. Os
objetivos da circular são de reforçar as estruturas extra-hospitalares (treze anos após, a missão Cléry-Melin faz lembrar ainda “a
falta evidente de alternativas à hospitalização14 “ a diminuição de leitos nos centros hospitalares especializados (nova
denominação do hospital psiquiátrico), a cooperação com os serviços (de pediatria, de urgência etc.) dos hospitais gerais e com os
outros parceiros do tratamento, em particular psiquiatras liberais e clínicos gerais15. A circular indica que “para realizar estes
objetivos, a associação dos setores (na França território sob a responsabilidade de um médico chefe) a hospitais gerais continua
sendo uma das prioridades da política nacional”. Aqui, a saúde mental é uma questão de reforma da psiquiatria.
Um dos principais objetivos é a luta contra a estigmatização das pessoas que sofrem de distúrbios psiquiátricos. É o motivo
condutor de todos os relatórios. Piel et Roelandt escrevem :
Poucas pessoas que sofrem desses distúrbios falarão publicamente. […] No início do terceiro milênio, a imagem do “doente
mental” no grande público continua arcaica. […] Entretanto, assistimos já há alguns anos, à queda deste tabu. […] O que era
invisível antigamente, pois escondido no hospital psiquiátrico, nos consultórios dos psicanalistas [sic] ou em segredo de família
torna-se um verdadeiro fenômeno de sociedade de que começamos a medir a extensão16.
Quantos talk-shows e reportagens são dedicadas aos distúrbios mentais hoje em dia na televisão? Tudo passa pela telinha:
autismo, distúrbios obsessivos compulsivos, depressão e outras fobias… A declaração pública do mal é uma estratégia para se
fazer reconhecer como um cidadão igual aos outros: transformar a estigmatização, que inferioza, em diferença, que o torna
semelhante, é uma maneira de agir das mais esperadas numa sociedade onde a normalidade é marcada pelo pluralismo dos valores
e dos estilos de vida17.
A reivindicação da diferença é um dos traços da paixão igualitária contemporânea. Quanto mais abertamente, a saúde mental
aparece como um elemento sem o qual não podemos nos considerar saudáveis. O alto comitê de saúde pública (HCSP) a
classifica como um problema prioritário de saúde pública em seu primeiro relatório publicado em 1994. Nas grandes categorias de
doenças citadas, as “doenças crônicas e ligadas ao comportamento” formam o essencial. O relatório visa dois objetivos principais:
reduzir as depressões e os suicídios, melhorar o acompanhamento das doenças mentais crônicas18. A própria União européia em
2000 a colocou no rol das prioridades de saúde.
As razões avançadas para considerar a saúde mental como um problema de saúde pública diz respeito por um lado, à porcentagem
da população atingida por patologias mentais e, por outro lado, ao caráter invalidante, custoso social e economicamente,
sobretudo quando elas tornam-se crônicas. Além disso, uma categoria como a dos depressivos tendem a sofrer de um número
maior de doenças somáticas que a dos não-depressivos19, o que aumenta o custo da patologia, particularmente o consumo de
medicamentos não psicotrópicos. A prevalência das patologias é considerável e estaria em aumento. No que diz respeito às
pessoas que são acompanhadas, o aumento seria de 17% no setor privado e de 46% no setor público em 1992 20.
“Neste ano, um Francês em quatro sofrerá de um distúrbio mental”, declara o relatório Piel- Roelandt desde o seu primeiro
parágrafo21. Uma proporção que encontramos em escala européia: “Nos países europeus em doze meses, perto de 250 pessoas
em 1000 apresentam uma morbidade psiquiátrica”, anuncia um relatório sobre saúde mental na Europa22.
L’OMS, que fez do ano de 2001 o ano da saúde mental, dá a mesma porcentagem sobre o conjunto do planeta. Daí, a vontade de
dar respostas específicas para as populações (os jovens, as pessoas idosas) ou síndromes (distúrbios obsessivos compulsivos,
alcoolismo, ansiedade, estresse pós-traumático23). Simultaneamente, as associações de pacientes tendem a se regrupar por tipo de
síndrome (associações de deprimidos, de ansiosos etc.).
As síndromes psiquiátricas se multiplicaram nas nomenclaturas, permitindo fornecer um bom diagnóstico para um grande número
de problemas psicológicos e comportamentais, mas sobretudo de lhes dar um nome, uma identificação social. Eles aumentaram
assim a gama de expressão de patologias mal definidas e levaram ao interesse dos sofrimentos psíquicos não pertencentes ao
âmbito da psicopatologia.
O caso do estado de estresse pós-traumático é particulamente significativo do uso de uma noção psiquiátrica permitindo regrupar
sob o mesmo rótulo uma grande variedade de sofrimentos psíquicos. O sofrimento psíquico e a saúde mental são igualmente
preocupações fortes nas doenças somáticas graves e crônicas (aids, cânceres, doenças cardiovasculares).
A “psiquiatria de ligação” tem por missão ocupar-se desta nova esfera da saúde mental: os psiquiatras devem passar nos serviços
hospitalares para detectar as patologias mentais não diagnosticadas e os sofrimentos psicológicos (ansiedade e depressão) que
acompanham as doenças somáticas graves (“é no hospital geral que emergem as demandas de cuidados psiquiátricos
específicos24”). Entretanto, é sobretudo na medicina geral que a encontramos, e ela se apresenta geralmente mascarada atrás dos
sintomas corporais25.
Mas a saúde mental é apenas um processo de reconhecimento dos novos fenômenos patológicos, de extensão da noção de
patologia para problemas que não pertenciam a sua esfera. Ela não é tampouco apenas uma vontade de reforma das instituições
psiquiátricas. Ela é, hoje em dia, um elemento chave da saúde em geral. Ela é o ponto final de um processo de reconhecimento da
saúde como questão médica.
Para a psiquiatria, a saúde é mais que a ausência da doença (“Um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não
apenas a ausência da doença e da enfermidade”, segundo a célebre fórmula). Podemos nos apoiar aqui num relatório americano
publicado em 2003: “A psiquiatria fala constantemente da saúde mental, mas não faz nada por ela”. Ela não se interessa,
sobretudo, pela “saúde mental positiva”. Desta maneira, o estudo constata com pesar que dezenas de milhares de artigos foram
dedicados à depressão ou à ansiedade desde 1987, enquanto que cinco mil somente mencionam “a satisfação de viver” e um
pouco mais de oito por cento “a alegria26”.
O autor define seis modelos empíricos de definição da saúde mental: ela pode ser concebida como um equilíbrio mental acima da
média e objetivamente desejável, uma realização pessoal, ela pode ainda ser definida pela maturidade (simplesmente ser adulto), a
inteligência emocional e social (a capacidade de controlar suas emoções num máximo de contextos), o bem-estar subjetivo e a
resiliência (capacidade de superar os choques da vida graças aos mecanismos de defesa – ou de negação…).
Nos encontramos aí na mesma problemática como a do desenvolvimento pessoal: o objetivo da dopagem psicológica, esta chave
do sucesso pessoal onde se alimenta as diversas revistas dedicadas ao aconselhamento de vida (Psicologia, etc.) e no qual se
apoiaria o sucesso da nebulosa psicoterapêutica … Encontramos exatamente o mesmo tema na revista profissional dos psicólogos
clínicos americanos no numero especial da American Psychologist de fevereiro de 2000 dedicada à “Felicidade, excelência e
funcionamento humano otimizado”.
Nos interessamos intensamente à psicologia da patologia e não suficientemente à psicologia da saúde, insistem os autores. Este
movimento em direção à saúde se desenvolve num contexto ultrapassando muito à psiquiatria: ele diz respeito ao conjunto da
medicina que inclui daqui em diante o bem-estar na sua esfera de ação. Desta forma, o relatório do Alto Comitê da saúde pública
de 1994 guarda a definição de saúde dada pela OMS, mas lhe parece útil ainda acrescentar a sua definição “o caráter adaptativo
da saúde”: “Saúde e doença são os resultados de processos que fazem intervir a relação do indivíduo com a sociedade27”. O
caráter adaptativo da medicina da saúde, implicando “uma elaboração psicológica complexa”, é o vetor que introduz a saúde
mental não apenas na medicina, mas também em toda vida social.
Na medicina, fala-se, aliás, cada vez mais de medicamento da qualidade de vida (para a alopécia, por exemplo) ou de doença da
qualidade de vida de cuja gravidade se mede pelo mal que ela faz à auto-estima (como a psoríase). A indústria cosmética colocou
recentemente no mercado uma categoria de produtos que embaralha a fronteira entre comésticos e medicamentos: os “
cosmaceuticaux”28, nos mesmos modes dos “nutrients”, os “medicalimentos”.
Numa palavra, e para embaralhar um pouco mais a paisagem e voltar ao ponto de partida das doenças, a preocupação do bemestar não resulta somente da extensão da medicina para a saúde, ele está igualmente ligado à fragilização da distinção entre os
tratamentos curativos e tratamentos paliativos, fragilização que tem haver com doenças em número crescente29, mas de forma
particular as patologias mentais onde o personagem do doente crônico está em via de extinção (particularmente nas depressões e
nas adições) – daí, a onipresença do tema da qualidade de vida. Existe atualmente, um eixo cronicidade-qualidade de vida-bemestar que estrutura a noção de saúde mental. Essa rápida mudança de horizonte nos leva a uma situação embaraçosa : não se vê
mais de que se fala, pois a saúde mental fala de tudo. Num extremo, ela designa as psicoses adultas e infantis, no outro, o
desenvolvmento pessoal ou a “saúde mental positiva” (“um recurso do qual temos necessidade para gerir nossa vida com
“sucesso”30 ).
Tomar consciência de uma esquizofrenia ou melhorar as performances no trabalho, na sexualidade ou nas relações com as
crianças pertence a uma mesma esfera. Entremeando problemas francamente patológicos e preocupações de bem-estar, a noção é
tão abrangente que ela parece indeterminada. Trata-se mesmo de seu duplo investido, não mais a doença mental, mas o
sofrimento psíquico (“a noção […] é vaga” e “relativamente mal definida”, destaca um relatório do HCSP31). Referência central,
a saúde mental é simultaneamente inderteminada, nisso está seu paradoxo. Mas um paradoxo que só faz assinalar uma
obscuridade.
O que designam estes famosos males da sociedade? O famoso estado completo de bem-estar pregado por toda parte não parece
estranhamente a um ideal do toxicômano? Como distinguir ao mesmo tempo os problemas que a saúde mental agrega e
compreender os significados sociais desta referência capaz de tudo? A noção de saúde mental é uma referência multidisciplinar
que trabalha e reformula o conjunto das relações normal-patológico: ela é a expressão de uma reorganização das relações entre
doença saúde e socialização.
ENFRAQUECIMENTO OU TRANSFORMAÇÃO DA REGRA SOCIAL ?
A referência ao sofrimento está subentendido na crença que o individualismo contemporâneo se caracteriza por uma perda das
referências, um desligamento do laço social, uma crise do sentido, uma crise da autoridade (a figura tão execrada, pensamos, do
pai), uma ausência dos limites das paixões de todo indivíduo. Podemos distinguir duas versões dessa interpretação: uma
pessimista e uma otimista.
Na versão pessimista, fala-se de crise do sujeito: o dito sujeito não saberia mais colocar limites à disposição de si-mesmo porque
ele teria perdido qualquer referência e, por esta razão, ele aparece como um ser sofredor. O argumento é de que nos confrontamos
com novas patologias regrupadas sob a denominação “patologias narcíssícas” que não seriam patologias do desejo, do conflito e
da culpa, mas do gozo, da clivagem e da vergonha.
A “nova economia psíquica” caracterizaria um indivíduo que sofre da ausência de limite; de patologias do laço. A versão otimista
postula que as únicas relações entre os invíduos permitem fabricar, por exemplo, sua própria família via negaciações e contratos
morais – ou seja, a tese da intersubjetividade. A sociedade parece então com um encontro de subjetividades, o que induz a uma
concepção puramente contratual (processual) do social, isto é, sob forma de acordo entre livres partes. Os indivíduos só seriam
engajados pelo que eles próprios decidem de engajar. Esta retórica comum desenvolve propostas que, todas, dizem respeito à
normatividade, mas que se enganam sobre o que é uma norma, uma proposta, uma regra.
Esta retórica mostra que tendemos, cada vez mais, parece-me, a se deixar seduzir pelo que chamaria de ilusão do enfraquecimento
da regra social. As duas versões dividem uma mesma confusão: não é porque as coisas pareçam mais “pessoais” hoje em dia, que
elas são por isso, menos sociais, menos políticas ou menos institucionais. Elas são de outra maneira, e é esta “diferença” que
tentamos descrever aqui. Pois, nos encontramos menos num contexto de enfraquecimento que no de transformação da regra.
Coloquemos então o problema da seguinte maneira.
O SOFRIMENTO, PSÍQUICO E A SAÚDE MENTAL: EXPRESSÕES ESPERADAS
POR SENTIMENTOS.
O números de situações e de circunstâncias em que nos referimos ao “sofrimento”, e particularmente ao “sofrimento físico”,
aumentaram, de agora em diante, a tal ponto que a noção parece ter se tornado a principal razão invocada para engajar uma ação
ou explicar um problema. Ou seja, um exemplo banal de situação interpretada como sofrimento: numa página do jornal Le Monde
dedicado em novembro de 2001 à democratização da vida dos liceus (escolas de ensino médio), um mestre de conferências em
ciências da educação declara: Atrás da demanda de uma melhor democratização no liceu, há a expressão de um sofrimento,
delicado para se resolver, e que eles [os alundos do liceu] traduzem a demanda, muito geral, por ‘direitos’57.
Empregamos as expressões “sofrimento físico” e “saúde mental” a todo instante, não porque as pessoas estão pior que antes
(tratamos aqui somente da derradeira versão do “mal-estar na civilização”), entretanto, porque elas são socialmente aguardadas
num contexto em que a valorização do sucesso social faz do fracasso uma responsabilidade pessoal. No caso destes estudantes, o
sofrimento parece traduzir uma transformação da relação com a hierárquia que torna dificilmente aceitável o seu próprio lugar
social. Ela resulta do aumento do nível de expectativas produzido pelas transformações do sistema escolar sobre um fundo de
manutenção das desigualdades sociais.
Se a palavra sofrimento é empregada, é porque estas desigualdades são endossadas como um fracasso pessoal, impressão que não
existia para as gerações precedentes que tinham o sentimento de experimentar um destino coletivo58: as novas formas de seleção
incentivam os indivíduos a acreditar que eles são responsáveis de seu fracasso. “O sofrimento no trabalho” e o assédio moral
pertencem à mesma mudança de contexto: O engajamento exigido pelas formas atuais da organização do trabalho, o aumento da
autonomia entre os operários e os empregados e a realização pessoal que seria a sua contrapartida aumentam as expectativas de
reconhecimento59.
Nesses dois exemplos, nos deparamos com o sofrimento psíquico sem psicopatologia porque a única constatação de uma situação
traumatizante é bastante60, o sofrimento que resulta do mal causado à “integridade psíquica”. A saúde mental se apresenta como
uma resposta a este sofrimento produzido pelo sentimento de responsabilidade pessoal.
Segundo os termos do plano Kouchner de 2001, a saúde mental tem por princípio a realização pessoal, realização que implica
combinar projeto de saúde e projeto de vida. A realização de si: são as referências do desenvolvimento pessoal ou da saúde
mental positiva que empregnam a relação normal-patológico, pois o normal e o patológico devem assemelhar-se em sua
oposição. Compreende-se que o sofrimento psíquico e a saúde mental sejam referências ao mesmo tempo centrais e vagas, tão
imprecisas quanto seu emprego é extenso. Este duplo caráter é menos incoerente que necessário. A noção de saúde mental, estima
um relatório do Alto Comitê de saúde pública, deveria acompanhar-se de uma otimização das possibilidades de expressão do
projeto de vida de todo indivíduo. Isto implicaria acompanhar o ser humano em seu crescimento61. Otimização das possibilidades
de vida e acompanhamento implicam ligar projeto de saúde e projeto de vida com o objetivo de qualidade de vida.
A TOTEMIZAÇÃO DE SI
As palavras “mudança”, ‘concorrência” “competição”, “incerteza”, “responsabilidade” ou “decisão” se impuseram na linguagem
comum a partir da década de 1980. Esses termos parecem opor-se a uma outro grupo, no qual cada um pensa que está em crise:
“proibido”, “disciplina”, “obediência” etc. O indivíduo contemporâneo é um tipo de ser social de quem se espera que decida e aja
por si-mesmo como se ele fosse o empreendedor de sua própria vida.
O imperativo da autonomia, através de suas duas facetas da liberação dos costumes e da liberação da ação, alargou as fronteiras
de si em todos os níveis. À medida que a exigência de autonomia impregna o conjunto da vida social, a tendência para que cada
indivíduo seja responsável de tudo se afirma como a autoridade de uma regra, seja qual for seu lugar na hierarquia social. É a
força motriz da atenção que dispensamos a esta subjetividade extremamente desarranjada.
Os ideais de realização de si e de iniciativa individual parecem dar razão a uma outra fórmula célebre de Claude Lévi-Strauss:
“Tudo se passa como se, em nossa civilização, cada indivíduo tivesse sua própria personalidade por totem”62. Está aí nossa teoria
indígena do agente social, e é por isso que é tão forte a crença de que o essencial se desenrola na interioridade de si: isto tem
relação com a postura antropológica das sociedades modernas que levou a colocar o homem no topo da hierárquia dos valores. O
social encontrou-se aí desvalorizad63 enquanto que a verdade do ser humano foi alojada numa parte dele mesmo: o espírito, o
mental, a psique, em resumo a interioridade.
A relação entre o indivíduo como valor supremo e o valor da interioridade é estrutural. Entretanto, um totem, toda a antropologia
afirma, é sagrado: a intensa atenção ao sofrimento psíquico e à saúde mental, à integridade psíquica, é a marca de uma
totemização de si. Esta dupla lhe dá sua forma social, seu estilo e seu simbolismo. Os adjetivos “psíquico” e “mental”,
contrariamente a “físico”, têm uma função de totalização (como o substantivo “cérebro” nas neurociências): é o indivíduo em sua
totalidade que designamos assim por essa parte dele mesmo que nós totemizamos.
Àqueles que falam de psicologização ou de juridicização das relações sociais, que acompanham um declínio das instituições, das
normas e da ação política, e a emergência de um tipo de homem puramente privado, podemos opor que o homem privado é uma
quimera lógica e antropológica: um sujeito humano sem sociedade é tão absurdo quanto um sujeito sem corpo.
A forma que tomou, hoje em dia, o ideal de autonomia acentua então a contradição própria à sociedada democrática entre a crença
que encontramos em si, a fonte de todas as ações, como se a sociedade fosse acrescentada ao indivíduo, e o fato de que o
indivíduo é um ser social, que vive num sistema de interdepêndencias, de obrigações, de dívidas e de créditos, que age e pensa
num contexto normativo. Da acentuação dessa contradição decorre uma representação do indivíduo sem limites, o “novo
individualismo”, causa de todos os males do homem contemporâneo, e sobretudo de uma fragilidade psíquica que não era mais
motivo de preocupações há apenas uma geração.
A grande transformação dos últimos trinta anos é que a “subjetividade” do indivíduo tornou-se uma questão coletiva. E o grande
erro, acrescentaria, é confudir subjetividade e individualidade, pois isto leva a buscar o interior do sujeito (em sua psique, em seu
cérebro ou em seu “si”) transformações de natureza social. Não existe, com efeito, nenhuma razão lógica ou antropológica para
acreditar que o homem seria menos consciente dele mesmo, menos refletido e menos “subjetivo” em 1300 como em 2000.
Pois “o traço próprio das sociedades democráticas, nos lembra Vincent Descombes, não é que encontramos “a fonte principal das
crenças” em si e tampouco no céu, é que encontramos estas crenças na “razão humana”, isto é, na opinião comum e não mais no
sobrenaturall”64. Não é, por conseguinte, a consciência de si que importa, mas a consciência de si enquanto tal me refiro a um
todo (a opinião comum) sem a qual me seria estritamente impossível acreditar, por exemplo, que sou um indivíduo moralmente
livre para escolher minha vida.
É preciso parar, então, de julgar o sofrimento psíquico e a saúde mental como uma experiência interior, pois são as regras de
conduta que mudaram e as expectativas que se transformaram. No lugar de se deixar seduzir pela ilusão moderna que consiste em
acreditar que o indivíduo é um ser abandonado a si mesmo e que deve sozinho decidir regular sua vida, far-se-ia melhor explorar
os novos modos de instituição do social na sociedade dos indivíduos que faz a sociedade tanto a dos Pápuas, dos Nambikwaras
como a dos Franceses de 1914. O desafio político é o de que não há mais a necessidade de se apegar, de maneira passadista, a um
modelo teológico-político, como o modelo republicano.
O crepúsculo de nossos antigos ídolos não nos deixa certamente desprovidos de meios intelectuais para formular politicamente
uma concepção da ação pública em concordância não apenas com os costumes, mas também com as desigualdades de uma
sociedade onde o fracasso e a dessocialização são concebidos por aqueles que são suas próprias vítimas.
TRATAMENTO
É importante destacar que a anorexia se apresenta em graus diferenciados de comprometimento e que sua gravidade não está
ligada diretamente ao grau de emagrecimento, de maneira que, muitas vezes, um quadro de exagerada restrição alimentar e
importante redução no plano afetivoerótico pode ocorrer paralelamente a um sucesso no campo profissional (SCHMIDT e
MATA, 2008).
Os transtornos alimentares são situações bastante complexas, contudo, exigem tratamento igualmente complexo. Na atualidade, o
trabalho com equipe multidisciplinar tem sido muito reconhecido como a forma mais adequada de tratamento por se tratar de
transtornos híbridos em dois aspectos importantes: o sintomatológico e o etiológico (CLAUDINO e ZANELLA, 2005).
Segundo os autores, os sintomas da anorexia nervosa abrangem e alteram tanto o funcionamento psíquico quanto o somático.
Esses sintomas representam grande risco para a saúde do paciente, principalmente por estarem associados uns aos outros. Para
que se tenha uma recuperação adequada e efetiva, deve-se trabalhar sobre os vários desequilíbrios.
Afirmam que o trabalho em equipe qualificada e especializada para tal é capaz de personalizar o tratamento e satisfazer as
necessidades da paciente por manejo apropriado e efetivo.
De modo geral, considera-se que o tratamento da anorexia é realizado através de quatro abordagens: a recuperação nutricional
que, por sua vez, necessitará de abordagem psicofarmacológica com objetivo de suspender mais rapidamente a recusa alimentar, a
psicanálise e a terapia familiar, ou de outros membros da família (SCHMIDT e MATA, 2008).
A estrutura básica da equipe multiprofissional para o tratamento dos transtornos alimentares é constituída por psiquiatra,
psicólogo, nutricionista, enfermeiro, endocrinologista, terapeuta ocupacional, terapeuta familiar e clínico geral (CLAUDINO e
ZANELLA, 2005).
O tratamento da anorexia tem como objetivo geral a recuperação das doenças sistêmicas, de acordo com a natureza da patologia e
suas manifestações clínicas. Entretanto, não devem constar somente em eliminar a conduta problemática, mas devem abranger
todas as dificuldades, desde o temor ao descontrole alimentar e o aumento de peso, até as distorções da imagem corporal e
vínculos familiares problemáticos (RIBEIRO et al, 2004).
Os mesmos autores afirmam que os objetivos específicos desse tratamento são: aumento do peso corporal do paciente, tratamento
dos múltiplos sintomas psiquiátricos associados, orientação e tratamento familiar e manutenção da melhora alcançada.
A realimentação com alimentos é a primeira opção para a recuperação do peso e é a que possui melhor resultado comparada a
realimentação com suplementos. Para inicializar o tratamento, é fundamental fornecer calorias necessárias para o metabolismo
basal, considerando os ajustes necessários, pois os pacientes apresentam uma queda de aproximadamente 50% na taxa de
metabolismo basal (JORGE e VITALLE, 2008).
A terapia farmacológica é uma das etapas para o tratamento dos transtornos alimentares. Ela deve ser assistente da terapêutica
multidimensional, em conjunto com as abordagens nutricionais, clínicas e psicoterápicas (NUNES et al, 1998).
Os autores afirmam que a terapêutica medicamentosa tem um papel limitado, sendo utilizada simplesmente em função dos
episódios de compulsão alimentar que também ocorrem na anorexia nervosa.
O uso de antidepressivo deve ser considerado na fase de manutenção, quando os efeitos psicológicos recorrentes da desnutrição
não estão mais presentes (CLAUDINO e ZANELLA, 2005).
De acordo com os autores os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) são os mais utilizados, principalmente
quando há associação com sintomas depressivos.
O tratamento ambulatorial da anorexia é indicado para pacientes que possuem um quadro clínico e psicológico mais estável,
podendo assim se beneficiar do tratamento multidisciplinar. Pacientes mais graves ou resistentes ao tratamento podem necessitar
de abordagem mais intensa, em regime de internação completa ou parcial (hospital-dia) (CLAUDINO e ZANELLA, 2005).
Os autores afirmam que o tratamento em hospital-dia, em geral, é indicado para pacientes que já receberam tratamento sob
internação, apresentam baixo risco de auto ou heteroagressão, incapacidade de autocuidado e ausência de doenças clínicas agudas.
A hospitalização quando usada de forma adequada, pode proporcionar um ambiente seguro onde a paciente pode readquirir seu
equilíbrio emocional e sua capacidade de lidar com o ambiente externo (NUNES et al, 1998).
Os mesmos autores afirmam que os custos financeiros, tanto em nível público quanto privado, fazem da hospitalização de
pacientes com anorexia nervosa uma tarefa praticamente impossível, tornando a indicação cada vez mais restrita àquelas pacientes
que realmente não respondem ao manejo ambulatorial e/ou apresentam sérias complicações clínicas.
Afirmam ainda que, para que a reposição do peso corporal ocorra de forma adequada, é de fundamental importância que a família
possa ser incluída no tratamento, estabelecendo com a equipe uma aliança terapêutica, ajudando a paciente a evitar a negação de
seus sintomas.
ABORDAGEM FAMILIAR
A psicodinâmica da família interfere na doença, tornando assim muito difícil cuidar da paciente sem inserir o contexto familiar;
dessa forma, as intervenções familiares, o aconselhamento e o apoio se tornam necessário tanto para a paciente, quanto para os
familiares (LUPO, 2004).
Pelo fato do individuo não se considerar doente, leva-o em geral a não procurar tratamento por si só; a terapia em família tem um
papel de grande e importante valia em seu tratamento. A participação da família garante, ou pelo menos favorece a continuidade
do tratamento. Nessa, seriam discutido tanto questões relacionadas à doença e às relações familiares quanto questões relacionadas
ao próprio tratamento (NUNES et al, 1998).
Os autores afirmam que o individuo com anorexia nervosa raramente tem a iniciativa de procurar ajuda, dificilmente sua família
procura uma terapia familiar por livre espontânea vontade. Geralmente são profissionais da área da saúde e educacional que
encaminham essas famílias. Profissionais esses que estão envolvidos em seu atendimento, podendo ser o psiquiatra, o clínico, o
terapeuta individual e /ou as próprias equipes hospitalares. Os autores acrescentam que a família, geralmente, ao receber indicação
terapêutica tende a tomar atitudes contraditórias: ou ela se vê como fonte da doença e/ou do problema do paciente em questão; ou
ela tenta manter o foco no problema da paciente, negando possuir participação no processo da doença e, por conseqüência, no seu.
Os integrantes da família da paciente anoréxica devem ser inseridos em qualquer proposta terapêutica, pois “os familiares podem
apresentar uma série de incapacidades que se sedimentaram frente ao adoecimento psíquico desse familiar” (OTTO, 2001).
A terapia familiar tem como objetivo promover a melhora na qualidade de vida dessas famílias, fazendo com que as pessoas que
dela fazem parte possam buscar e encontrar novas formas de convivência e interrelacionamento (CORDAS et al, 1998).
As famílias costumam chegar à terapia familiar muito desconfiadas sem desejo de cooperação, procurando assim, manter o foco
do seu relato no caso clínico da paciente (NUNES et al, 1998).
De acordo com os autores, em especial, no caso de famílias com pacientes que estiveram um período internadas, a primeira
impressão que essas pacientes causam ao chegar ao espaço terapêutico familiar é uma mistura de cansaço, medo, culpa e
insegurança.
Segundo ainda os autores, a família dessas pacientes tem dificuldade de expressar seus sentimentos e de vivenciar diferentes
comportamentos afetivos.
Já o paciente com anorexia, nas sessões de terapia, permanece calado, expressando apenas sua concordância com o que é dito a
seu respeito pela família, e discordando quando é relatado seus hábitos alimentares.
A orientação familiar deve ser dada a todas as famílias aconselhando-as com a intenção de educar a respeito da doença, tirar das
cabeças dos pais as idéias de culpa que eles sempre trazem e orientar para o retorno ao padrão alimentar natural da família
(CORDAS, 1999).
INTERV. DE ENFERMAGEM ANOREXIA
O atendimento ao adolescente, na prevenção da Anorexia, é realizado na atenção primária e junto dele é necessário fazer uma
discussão sobre a auto-imagem (representação psíquica de si mesmo) (LIMA e KNUPP, 2007).
As condições básicas na assistência de pacientes com transtornos alimentares são: conhecer a patologia, as reações adversas dos
medicamentos, ter empatia e sensibilidade, estar preparado e apto para lidar com situações de risco como tentativa de suicídio e
aplicar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), que é composta por histórico do paciente, levantamento de
problemas, prescrição e evolução (CASTILLO et al, 2004).
De acordo com os autores, a assistência de enfermagem deve ser individualizada, levando sempre em conta os fatores biológicos,
sociais e psíquicos.
A enfermagem encontra-se constantemente preocupada com a atenção primária à saúde do paciente, sobretudo estando esse na
delicada fase que é a adolescência (OLIVEIRA e ANTONIO, 2006).
O enfermeiro, como agente de saúde e educador, atua como intermediário entre o conhecimento científico e o senso comum,
portanto, deve ampliar suas dimensões do cuidar, buscando estratégias que possam privilegiar o paciente, seu sofrimento, sua dor.
O desafio deste profissional é trabalhar com essas pessoas para que reavaliem suas próprias condutas e as tornem mais flexíveis,
de modo a buscar adaptação criteriosa que lhes permita vivenciar um grau de autonomia saudável (GRANDO e ROLIM, 2005).
O enfermeiro dotado de um olhar holístico, misturado com um saber prático e teórico, encontra-se amplamente capacitado para
lidar com vários empecilhos na otimização da qualidade de vida. Tem como um de seus diversos objetivos reduzir o estresse para
uma facilitação no processo de recuperação, focando-se em desfazer efeitos de estresses reais ou potenciais (OLIVEIRA e
ANTONIO, 2006).
Segundo os autores, podemos ainda recordarmos das características do enfermeiro quando da utilização da comunicação para
auxiliar na adaptação positiva entre o cliente e o meio ambiente, podendo-se ainda estender esta conversa terapêutica/educativa
aos familiares, dando assim uma cobertura mais ampla de atenção à saúde dos mesmos, abrangendo um todo.
É de fundamental importância a realização de palestras informativas com uma linguagem simples, acessível a todos e educativas a
respeito dos transtornos alimentares, dando mais importância e ênfase à Anorexia Nervosa, pois é o mais severo em função de
prejuízo e abrangência a múltiplos sistemas corporais, curso frequentemente crônico e grave (RIBEIRO et al, 2004).
Nestas palestra o tema seria abordado em duas partes principais: a primeira trataria de esclarecer sobre as características
diagnósticas, epidemiológicas, comportamentais, fatores desencadeadores e de risco para o seu desenvolvimento. A segunda
trataria de discutir sobre as exigências da mídia sobre o padrão de beleza atual, destacando atitudes preventivas e práticas
saudáveis de alimentação e esportes, e alertando para o perigo da utilização de medicamentos e dietas sem acompanhamento
médico (OLIVEIRA e ANTONIO, 2006).
Quanto às palestras a serem realizadas em escolas, seria importante que elas se realizassem com alunos a partir de 10 anos de
idade de ambos os sexos, já que é normalmente nesta faixa etária que as crianças começam a notar as mudanças corporais em
função da aproximação do início da puberdade. Também é importante que o número de participantes não seja elevado para que se
possa responder a dúvidas de todos (RIBEIRO et al, 2004).
Segundo Ribeiro et al (2004) o enfermeiro é o profissional mais indicado para organizar e realizar tais palestras, pois ele está
sempre presente nos ambientes hospitalares, postos de saúde e pode ter acesso a escolas tanto públicas como particulares, tem
contato direto com comunidades e serve-se de conhecimentos sobre a enfermidade.
De acordo ainda Ribeiro et al (2004) , como complementação, é de fundamental importância a distribuição de folhetos gratuita e
rotineiramente nos locais onde seriam realizadas as palestras. Esses folhetos teriam informações sobre os transtornos alimentares,
sobre como, onde e quando procurar atendimento médico e destacando que o preconceito e a demora para procurar
ajuda aumentam os prejuízos à saúde das pessoas acometidas por estas doenças.
No relacionamento interpessoal que ocorre entre equipe de enfermagem e pacientes existem medidas terapêuticas como o
oferecimento de apoio (permanecer ao lado do paciente, mostrar suas características sadias, estimular a participação em grupos de
atividades como jogos e técnica de relaxamento), as características das relações interpessoais (acolher o paciente, aceita-lo sem
preconceitos, estar disponível e incentivá-lo no tratamento) e o estabelecimento de limites (estimular a participação do paciente,
não omitir o que está sendo realizado e conduta uniforme) (CASTILLO et al, 2004).
De acordo com os autores, é necessária a realização de atividades específicas no tratamento da anorexia nervosa como: a
observação clínica (exame físico), passagem de sonda caso se recuse a comer - sob prescrição médica, administração de
medicamentos, observar, anotar e comunicar efeitos colaterais do antidepressivo, verificar sinais vitais, observar e anotar
eliminações fisiológicas, estimular ingestão hídrica e ficar atento às queixas álgicas.
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