cuidado e prevenção em saúde mental na cidade de Armação

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COMUNICAÇÕES DE PESQUISA
Apoio matricial – cuidado e prevenção em saúde mental na cidade de
Armação dos Búzios: um olhar sócioantropológico
Maria do Socorro Malatesta Freitas
Psicóloga, Mestre em Sociologia pelo IUPERJ, professora do Curso de Psicologia da
Universidade Veiga de Almeida - Campus Cabo Frio.
Rafael Bittencourt de Carvalho
Estudante do Curso de Psicologia da Universidade Veiga de Almeida - Campus Cabo Frio.
Wilson Bento da Anunciação
Estudante do curso de Psicologia da Universidade Veiga de Almeida - Campus Cabo Frio.
Resumo
Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada ao longo do ano de 2010 por alunos no Programa
de Iniciação Científica, sob a coordenação e orientação da Profa. Maria do Socorro Malatesta,
que recebeu o prêmio de melhor pesquisa da área da Saúde no PIC UVA 2010. Tendo em vista a
grande demanda para atendimento ambulatorial no município de Armação dos Búzios, RJ,
prevalentemente de mulheres com sintomas depressivos e ansiedade, o trabalho teve como
objetivo buscar uma compreensão deste sofrimento através de um olhar sócioantropológico. Ao
longo deste ano, foi implantado no município o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, NASF, e a
pesquisa acompanhou este processo.
Palavras-chave: saúde mental, território, apoio matricial.
Abstract
This work is the result of a research that took place during the year of 2010 with students of the
Scientific Iniciation Program, coordinated and oriented by Maria do Socorro Malatesta, who
received a prize for the best research in the area of health on PIC UVA 2010. Having in mind
the great demand for ambulatory treatment on the city of Armação dos Búzios, RJ, with a special
focus on women with depressive symptoms and anxiety, the job had as an objective to
comprehend this suffering through a social anthropological gaze. During this year it was
implanted in the city a Family’s Health Support Program and the research observed this process.
Key Words: mental health, territory, matrix support.
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Problematização
O Brasil vive um novo momento no que se refere ao cuidado com o portador de
sofrimento psíquico. Após a implementação de Legislação que regula este cuidado, a partir da
Reforma Psiquiátrica (AMARANTE,1999), nos serviços de assistência se configuram novas
práticas que priorizam a prevenção e a inserção do usuário na comunidade.
Um conjunto de iniciativas políticas, científicas, sociais, administrativas e jurídicas tem
lutado para transformar a compreensão cultural e a relação da sociedade com as pessoas que
apresentam transtornos mentais. Este processo resultou na provisão de incentivos para o uso de
recursos extra-hospitalares, prezando pela manutenção do portador de transtorno mental em seu
meio familiar e comunitário (BREDA; AUGUSTO, 2001)
A Política Nacional de Saúde Mental atualmente propõe que as práticas de saúde mental
na atenção básica/saúde da família devem ser substitutivas ao modelo tradicional de
atendimento. Disto decorre uma articulação da rede de cuidados, tendo como objetivo a
integralidade do sujeito, constituindo um processo de trabalho voltado para as necessidades
singulares e sociais, e não somente para as demandas (CAMPOS; DOMITTI,2007).
Segundo o Ministério da Saúde, a atenção básica/saúde da família é a porta de entrada
preferencial de todo o Sistema de Saúde, inclusive no que diz respeito às necessidades de saúde
mental dos usuários. Neste âmbito, pode-se buscar resgatar a singularidade de cada usuário,
investindo no seu comprometimento com o tratamento, apostando em seu protagonismo,
tentando romper com a lógica de que a doença é sua identidade e de que a medicação é a “única”
responsável pelas melhoras; investir nas suas potencialidades; auxiliar na formação de laços
sociais e apostar na força do território como alternativa para a reabilitação social.
Gomes (1999:291) reafirma a importância do território, o lugar onde a vida acontece,
enquanto "espaço privilegiado para os acontecimentos que devolvam os sentimentos de vínculo,
pertencimento, solidariedade".
O município de Armação dos Búzios, localizado na região da baixada litorânea do estado
do Rio de Janeiro, possui 28.652 habitantes, de acordo com dados do IBGE de 2009. A rede de
cuidados em saúde mental, segundo dados fornecidos pela Coordenação de Saúde Mental do
Município, conta na sua formação com uma equipe multiprofissional, composta por
fonoaudiólogo, psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais, localizada na Policlínica
Municipal – ambulatório que funciona ainda de forma tradicional. Os grupos de recepção,
dispositivo de acolhimento, são realizados neste ambulatório, assim como os atendimentos nas
diversas especialidades citadas, No Hospital Municipal Dr. Rodolpho Perissé está localizada a
porta de entrada das emergências psiquiátricas, com disponibilidade de dois leitos de curta
permanência, de até 72 horas.
Devido à grande demanda para atendimento ambulatorial, prevalentemente de pessoas
com sintomas depressivos e de ansiedade, o Programa de Saúde Mental do Município iniciou em
2009 algumas atividades em parceria com a Estratégia de Saúde da Família. Neste ano de 2010,
estava sendo constituída a equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, o NASF, cujo
objetivo é fornecer apoio matricial às equipes do PSF, incluindo de forma decisiva a saúde
mental nas ações da atenção básica (BRASIL, 2003).
Para esta pesquisa, foi escolhido o território que abrange o Programa de Saúde da Família
do Cruzeiro, bairro situado na Rasa, região muito pobre do município. Segundo dados do SIAB
(Sistema de Informação da Atenção Básica), fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde em
28/05/2010, existem nesse território 896 famílias cadastradas, perfazendo um total de 3.049
pessoas atendidas.
O trabalho teve como objetivos: mapear o perfil sócioeconômico de mulheres, residentes
no Cruzeiro que fazem uso de benzodiazepínicos, identificar algumas percepções das mesmas
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em relação à comunidade e ao seu sofrimento psíquico, conhecer aspectos históricos da
comunidade, bem como acompanhar a implantação do NASF.
Atividades Realizadas
Originalmente, estava prevista a pesquisa envolvendo os usuários da oficina conduzida
pela Terapeuta Ocupacional desenvolvida na Unidade de Estratégia de Saúde da Família do
Cruzeiro, no município de Armação dos Búzios. Fizemos uma visita a esta oficina, que contava
nesse dia com três usuárias, e percebemos que era uma amostra insuficiente. Pouco tempo
depois, esta oficina foi suspensa pela Coordenação Municipal de Saúde Mental, tendo em vista a
implantação do NASF e das políticas de apoio matricial decorrentes.
Inicialmente, foi feito um levantamento junto ao cadastro da farmácia do PSF do
Cruzeiro para identificar os moradores que fazem uso de benzodiazepínicos. Foi confeccionada
uma planilha com os nomes, endereços, o tipo de medicação utilizada e o médico que
prescreveu. Esta planilha identificou que o número de mulheres cadastradas que fazem uso de
medicação psicotrópica é significativamente maior do que o de homens, e também que existem
áreas geográficas de maior concentração de usuários desta medicação.
Foram realizadas entrevistas com os profissionais do Programa de Saúde da Família
(PSF) do Cruzeiro (agentes, enfermeiro, terapeuta ocupacional e médico); observação do
território; levantamento dos dados coletados previamente pela Secretaria de Saúde. Foram feitas
visitas domiciliares a nove mulheres que fazem uso de psicotrópicos (antidepressivos e
ansiolíticos), em companhia dos agentes comunitários de saúde, e foram aplicados questionários,
com o objetivo de conhecer a situação sócioeconômica, a percepção da comunidade e do seu
próprio sofrimento psíquico (JODELET, 2003; DAMATTA, 1984). Todas as entrevistadas
assinaram o Termo de Livre Consentimento.
Os pesquisadores participaram de um encontro realizado pela equipe do NASF para o
lançamento do programa. Foi um dia inteiro de programação, com palestrantes do Ministério da
Saúde, no qual foi explicada a proposta do programa e apresentados os integrantes da equipe. Foi
feito um levantamento dos principais problemas enfrentados em cada PSF. Nesse dia, foi
possível tomar conhecimento dos problemas do município como um todo, segundo a percepção
dos profissionais dos PSF, e comparar a realidade do Cruzeiro com a de outras regiões.
Resultados Obtidos
O município de Armação dos Búzios apresenta uma dupla realidade: dentro do pórtico,
ficam as mansões, o balneário conhecido internacionalmente. Fora do pórtico, é a área carente,
com alto índice de pobreza, conforme os dados obtidos na Secretaria de Saúde. Na comunidade
do Cruzeiro, existem remanescentes do Quilombo da Rasa, que lutam para serem reconhecidos e
receberem apoio do Governo para demarcação das terras e projetos de preservação das tradições.
A situação sócioeconômica foi investigada na primeira parte da entrevista. As mulheres
entrevistadas tinham idades variadas (85, 81, 78, 63, 62, 58, 57, 54 e 43). Quatro são viúvas,
duas casadas, duas separadas e uma solteira, mas todas têm filhos. Somente uma mora sozinha.
Uma trabalha como arrumadeira, três são aposentadas, e as outras não trabalham fora. Duas
nasceram no Cruzeiro, seis moram ali há pelo menos 12 anos e apenas uma chegou há sete
meses. À exceção desta última, que quer voltar para o Espírito Santo, seu local de origem, todas
as outras gostam de morar ali, e dizem ter muitos amigos.
Quanto à percepção da comunidade, todas consideram o lugar tranquilo. Suas queixas
recaem sobre a infraestrutura do bairro, que não possui saneamento básico, recolhimento regular
de lixo, opções de lazer e atividades esportivas. Todas praticam alguma religião. Quando
interrogadas sobre as escolas públicas da comunidade, todas têm uma boa opinião sobre elas.
No que diz respeito à percepção do seu sofrimento psíquico, nenhuma delas foi internada
em hospital psiquiátrico, e uma delas tentou suicídio. Algumas atribuem o uso da medicação a
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“nervoso”, a dores de cabeça, tremor nas pernas, insônia. Duas mulheres não sabem por que
tomam a medicação. Nenhuma das mulheres faz ou já fez algum tipo de terapia, e sete delas
gostariam de fazer.
Análise de Resultados
A hipótese inicial do trabalho foi de que o sofrimento psíquico poderia estar vinculado de
alguma forma a razões sociais, e que poderia ser compreendido também a partir desta
perspectiva. Na fala das mulheres entrevistadas e na dos profissionais do PSF do Cruzeiro,
muitos problemas apareceram com frequência, apontando para fatores que afetam a coletividade.
Algumas ruas apresentam maior incidência de pessoas que fazem uso de medicação
psicotrópica e, de acordo com os Agentes Comunitários de Saúde, também possuem maior
concentração de dependentes químicos e adolescentes grávidas.
Conclui-se que existem sérios problemas de infraestrutura, alto índice de consumo e
álcool e drogas, e não são oferecidas opções de lazer ou de esporte. Este resultado demonstra
uma contradição, pois o município é um dos destinos turísticos mais famosos, mas esta
população se sente excluída do lazer. Estas mulheres não têm acesso a outras formas de
abordagem do sofrimento psíquico que não o medicamento, embora o desejem. A solução desses
problemas, se afrontados por meio de políticas públicas, especialmente pelo NASF, pode
contribuir para o bem-estar desta população e para o tratamento e prevenção do sofrimento
psíquico.
Considerações Finais e Previsão de Atividades
Segundo Yasui (2010), operar segundo a lógica do território é olhar e ouvir a vida que
pulsa neste lugar. Logo, a pesquisa foi relevante pela possibilidade de identificar na comunidade
(território) problemas que possam estar gerando sofrimento psíquico e consequente demanda por
atendimento. Os resultados obtidos poderão contribuir para o trabalho realizado pela
coordenação de saúde mental, e pela Estratégia de Saúde da Família, através do NASF. Desta
forma, a pesquisa se insere plenamente no escopo da Universidade, que é gerar conhecimentos
que possam ser aplicados para a promoção do bem-estar social da comunidade em que se insere.
O trabalho de pesquisa foi muito proveitoso, tanto para os alunos quanto para a
professora orientadora, não só pela conclusão do trabalho e resultados obtidos, mas pelo
relacionamento criado entre os membros da equipe de pesquisa e também com os atores
envolvidos (equipe do PSF, do NASF e da Secretaria Municipal de Saúde). Esta parceria pode se
mostrar muito interessante, inclusive para abrir novos campos de pesquisa e estágio para os
alunos da Universidade.
Há um outro projeto previsto para o PIC UVA 2011, cujo objetivo será aplicar o mesmo
questionário em um outro PSF, e comparar os resultados com aqueles obtidos no Cruzeiro.
REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. (org) (1995). Loucos pela Vida – a trajetória da Reforma Psiquiátrica
Brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz.
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coordenação de Saúde Mental e Coordenação de Gestão
da Atenção Básica. Saúde mental e atenção básica: o vínculo e o diálogo necessários.
Brasília/DF, 2003.
BREDA, Mércia Zeviani; AUGUSTO, Lia Giraldo da Silva. O cuidado ao portador de
transtorno psíquico na atenção básica de saúde. Ciênc. Saúde coletiva [online]. 2001, vol.6, n.2,
http://www.uva.br/trivium/edicao1-dez-2010/comunicacoes-de-pesquisa/1-apoio-matricialcuidado-e-prevencao-em-saude-mental.pdf
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pp. 471-480. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S141381232001000200016&script=sci_abstract&tlng=pt > Acessado em: 18 nov. 2009.
CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio Matricial e Equipe de Referência: uma
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(FIOCRUZ), v. 23, p. 399-408, 2007. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102811X2007000200016&script=sci_ abstract&tlng=pt Acessado em 19 nov. 2009.
DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1984.
GOMES, M. P. C. (1999). A política de Saúde Mental na cidade do Rio de Janeiro. Tese de
Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
JODELET, D. “Olhares sobre as metodologias qualitativas”. In: MOSCOVICI, S; BUSCHINI,
F. (Org). Métodos das Ciências Humanas. Cuiabá: GPEP, 2003.
YASUI, S. “A produção do cuidado no território: ‘há tanta vida lá fora’”. In: Conferência
Nacional de Saúde Mental, 4, 2010, Brasília. Anais eletrônicos... Brasília: Ministério da Saúde,
2010. Disponível: <http://portal.saude.gov.br/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=34591&janela=1
>. Acesso em: 05 out. 2010.
Recebido em: 16 de dezembro de 2010
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