Artigo Original Estudo randomizado: Síntese primária VS cicatrização secundária em glossectomia parcial Randomized Study: Primary Closure VS Secondary Closure in Partial Glossectomy Resumo Introdução: O propósito deste estudo é comparar a síntese primária e secundária após glossectomia parcial para tumores de língua iniciais (T1 e T2) e avaliar o melhor método em relação ao tempo de alimentação por sonda, necessidade de traqueostomia, bem como desejo de uma melhor reabilitação após ressecção da língua. Método: Estudo prospectivo, duplo-cego e randômico foi realizado no Instituto Nacional do Câncer, durante 2010 e 2011, com pacientes diagnosticados com tumores de língua (estágio I e II). Trinta e sete pacientes foram incluídos neste estudo, durante este período. Tamanho do tumor, histopatologia, a abordagem da língua (síntese primária e cicatrização secundária), traqueostomia (indicação e tempo de uso), indicação de alimentação por sonda e tempo de uso, infecção, deficiência de deglutição, o sangramento da língua durante o período de cicatrização, a cicatrização da língua, idade e sexo foram avaliados. Resultados: A média de idade dos pacientes avaliados neste estudo foi de 54,35 anos de idade. Cinquenta e nove vírgula quarenta por cento eram do sexo masculino e cinco (40,54%) do sexo feminino. Cinquenta e nove vírgula quarenta e cinco por cento destes pacientes foram submetidos a síntese primária e 40,55% desses pacientes foram submetidos a cicatrização secundária. Não houve diferença em ambos os grupos em relação ao uso de sonda alimentar (p = 0,066), incapacidade de deglutição (p = 0,482) e cicatrização da língua (p = 0,756). O grupo submetido a cicatrização secundária apresentou menor necessidade de traqueostomia (p = 0,016). Conclusão: Os dados avaliados neste estudo indicam que não houve diferença em relação ao uso de sonda alimentar, incapacidade de deglutição e período de cicatrização em ambos os grupos avaliados. No entanto, a necessidade de traqueostomia foi significativamente menor no grupo submetido a cicatrização secundária, favorecendo uma melhor reabilitação após a cirurgia. Marina Azzi Quintanilha 1 Terence Pires de Farias 2 Ana Carolina Pastl Pontes 3 Fernando Luiz Dias 4 Luciana Correa de Araújo Arcoverde 1 Maíra de Barros e Silva Botelho 3 Gledson Andrade Santos 3 Abstract Introduction: The purpose of this study is to compare primary and secondary closure after parcial glossectomy for inicial tongue tumors (T1 and T2) and to evaluate which method would promote better results regarding to feeding tube time, necessity of traqueotomy, as well as wish of them had a better recovery after tongue ressection. Method: A prospective, double-blinded and randomic study has been performed at the Nacional Brazilian Cancer Institute during 2010 and 2011, with patients diagnosed with tongue tumors (stage I and II). Thirtyseven patients were included in this study, during this period. Tumor size, tumor histopathology, tongue approach (primary closure and secondary closure), traqueotomy (indication and how long was used), feeding tube indication and how long was used, infection, deglutition disability, tongue bleeding during the healing period, tongue healing, age and gender were evaluated. Results: Mean age of the patients evaluated in this study was 54.35 years old. Fifty nine point forty five percent were male and 40.54% were female. Fifty nine point forty five percent of these patients were submitted to primary closure and 40.55% of these patients were submitted to secondary closure. There was no difference in both groups regarding feeding tube use (p=0.066), deglutition disability (p=0.482) and tongue healing (p=0.756). The group submitted to secondary closure presented lower need of traqueotomy (p=0.016). Conclusion: The data evaluated in this study indicate that there was no difference regarding feeding tube use, deglutition disability and healing period in both groups evaluated. Nevertheless, traqueotomy need was significantly smaller in the group submitted to secondary closure, favoring a better rehabilitation after surgery. Key words: Carcinoma; Tongue Neoplasms; Glossectomy. Descritores: Carcinoma; Neoplasias da Língua; Glossectomia. 1)Especializanda em Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Instituto Nacional de Câncer. 2)Mestrado em Oncologia do Instituto Nacional de Câncer. Médico da seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer. 3)Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Instituto Nacional de Câncer. 4)Doutorado em Medicina (Clínica Cirúrgica) pela Universidade de São Paulo. Chefe da seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer. Instituição: Instituto Nacional de Câncer. Brasilia / DF - Brasil. Correspondência: Marina Azzi Quintanilha - SQN 206 Bloco G Apartamento 402 - Asa Norte - Brasília / DF Brasil - CEP: 70844-070 - E-mail: [email protected] Recebido em 09/07/2011; aceito para publicação 19/11/2011; publicado online em 30/12/2011. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 4, p. 173-177, outubro / novembro / dezembro 2011 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 173 Estudo randomizado: Síntese primária VS cicatrização secundária em glossectomia parcial. INTRODUÇÃO Cavidade oral é o sítio mais comum de câncer de Cabeça e Pescoço, destacando-se o tipo histológico carcinoma epidermoide que é responsável por 95% de todas as neoplasias malignas que acometem a cavidade oral1. Outras afecções malignas podem acometer a cavidade oral, destacando-se sarcomas, melanomas, adenocarcinomas e linfomas. Afecções de outras naturezas, como as lesões pré-malignas ou cancerizáveis (leucoplasia, eritroplasia, líquen plano), vasculopatias, doenças granulomatosas, neoplasias benignas também podem acometer a cavidade oral.2 A cavidade oral é composta por diversos subsítios anatômicos, dentre eles se destaca a língua que é o local de maior ocorrência de carcinomas.3 O tratamento das afecções malignas e de algumas lesões cancerizáveis da língua deve ser norteado de acordo com as características da lesão e da localidade acometida, além das alterações funcionais e estéticas decorrentes do tratamento realizado.4,5,6 Deve-se ressaltar que a abordagem dessas afecções e/ou lesões é eminentemente cirúrgica, com a realização de glossectomia, cuja extensão é determinada em função das dimensões da lesão, respeitando-se os princípios oncológicos.7 O tratamento cirúrgico empregado provoca alterações na fala, na deglutição e na fonação dos pacientes a ele submetidos, assim como necessidade de traqueostomia provisória devido ao intenso edema às vezes provocado pela síntese primária ou uso de retalhos. Algumas técnicas foram desenvolvidas objetivando melhores resultados estéticos e funcionais para reparo do defeito provocado pela ressecção cirúrgica, como síntese primária, enxertia, emprego de cicatrização secundária e emprego de retalhos locorregionais e pediculados.8 O objetivo desse estudo é comparar a síntese primária e a cicatrização secundária, em pacientes com tumores iniciais de língua (T1 e T2), submetidos à glossectomia parcial; e avaliar qual desses métodos teria um melhor impacto na deglutição, no tempo de uso de sonda nasoenteral, no emprego de traqueotomia, assim como uma melhor recuperação pós-operatória, objetivando minimizar déficit funcional imposto pelo tratamento cirúrgico realizado. MÉTODO Foi realizado um estudo prospectivo, randomizado e duplo-cego com pacientes portadores de tumor de língua, estágios I e II, tratados no Instituto Nacional de Câncer no período de 2010 e 2011. Foram selecionados 37 pacientes, avaliados ambulatorialmente, procedendo-se com exame físico para seleção dos mesmos. A inclusão de cada paciente em um dos dois grupos do estudo foi realizada de forma randomizada e duplo-cega. A escolha dos pacientes foi realizada com base no tamanho e na localização da lesão, todos, devido ao tamanho da lesão eram prováveis candidatos à traqueostomia ao término da cirurgia, devido ao edema provocado pela síntese Quintanilha et al. da língua. Tumores em região posterior ou maiores que 4cm foram excluídos do estudo. Foi realizada glossectomia parcial transoral em ambos os grupos. Vinte e dois pacientes foram submetidos à síntese primária que foi realizada com emprego de sutura com fio poligalactina e 15 pacientes foram submetidos à cicatrização secundária, com ausência de reconstrução, deixando-se leito cirúrgico cruento e feita hemostasia com eletrocautério. Dentre os pacientes selecionados, alguns já haviam tratado outros tumores previamente e outros foram matriculados em função da presença de tumor em língua. Foram avaliados tamanho do tumor (avaliação patológica), resultado histopatológico (avaliação de margens livres de neoplasia), forma de abordagem da língua (síntese primária e cicatrização secundária), necessidade de emprego de traqueotomia em cada grupo, necessidade do uso de sonda nasoenteral em cada grupo, surgimento de infecção em sítio cirúrgico após glossectomia, presença de episódios de sangramento durante pós-operatório, presença de distúrbio de deglutição o qual foi avaliado por meio da incapacidade de deglutir alimentos sólidos, tempo de cicatrização da língua em cada grupo, além de identificação de cada paciente incluído no estudo (sexo, idade, matrícula na instituição). Todos os parâmetros estudados foram avaliados por meio do emprego de um questionário que foi preenchido a partir do acesso aos dados contidos no prontuário dos pacientes, acesso aos laudos histopatológicos e com a realização de perguntas direcionadas aos próprios pacientes incluídos no estudo; além de exame físico dos pacientes submetidos à glossectomia parcial. O questionário apresentava identificação dos pacientes (nome, matrícula, sexo e idade), data da cirurgia, estadiamento tumoral pelo exame histopatológico, margens da peça cirúrgica avaliadas pelo exame transoperatório, forma de abordagem da língua, realização de traqueotomia, emprego de sonda nasoenteral, presença de infecção pós-operatória, presença de sangramento, tempo de cicatrização e distúrbio de deglutição. A avaliação da realização da traqueotomia, uso de sonda nasoenteral e presença de distúrbio de deglutição em ambos os grupos foi realizada pelo emprego do teste chi-quadrado. A análise do tempo de cicatrização em ambos os grupos foi realizada pelo teste Mann-Whitney. RESULTADOS Todos os pacientes incluídos no estudo apresentaram tumores T1 e T2, de acordo com classificação de tumores TNM da UICC, 6a edição 20049, confirmados pela análise histopatológica. A idade média dos pacientes avaliados nesse estudo foi de 54.35 anos, 22 pacientes (59.45%) eram do sexo masculino e 15 pacientes (40.54%) eram do sexo feminino. Vinte e dois pacientes (59.45%) foram submetidos à síntese primária (Gráfico 1). Desses pacientes, 8 (36.36%) apresentaram deiscência de ferida, 20 (90.90%) fizeram uso de sonda nasoenteral e 11 (50.00%) foram 174 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 4, p. 173-177, outubro / novembro / dezembro 2011 Estudo randomizado: Síntese primária VS cicatrização secundária em glossectomia parcial. Quintanilha et al. Tabela 1. Comparativo dos grupos estudados, entre pacientes submetidos a síntese primária x cicatrização secundária. Gráfico 1. Distribuição entre os pacientes dos grupos submetidos ao estudo. submetidos à traqueotomia. Onze pacientes (50.00%) referiram boa mobilidade lingual e 14 pacientes (63.64%) não apresentaram distúrbios de deglutição. O tempo médio de cicatrização da língua foi de 16 dias neste grupo. Neste grupo não houve relato de sangramento. Quinze pacientes (40.54%) foram submetidos à cicatrização secundária, desses pacientes, 9 (60.00%) fizeram uso de sonda nasoenteral e 1 (6.66%) foi submetido à traqueotomia. Doze pacientes (80.00%) referiram boa mobilidade lingual e 12 pacientes (80.00%) não apresentaram distúrbios de deglutição. O tempo médio de cicatrização da língua foi de 15 dias nesse grupo, 4 pacientes relataram episódios autolimitados de sangramento. Avaliandose os dois grupos conjuntamente, observou-se que 29 pacientes (78.37%) fizeram uso de sonda nasoenteral e 12 pacientes (32.43%) foram submetidos à traqueotomia. Nenhum paciente relatou infecção do sítio cirúrgico (Tabelas 1 e 2). Todos os pacientes do estudo tiveram peça cirúrgica avaliada no transoperatório por patologista, com avaliação de limites cirúrgicos por exame de congelação. Dos 37 pacientes, 4 (10.81%) foram submetidos à ampliação de limite, com obtenção de limites livres de neoplasia após uma ampliação. Os outros 33 pacientes (89.19%) obtiveram limites livres sem necessidade de ampliação de margens. Trinta e cinco pacientes (64.60%) apresentavam carcinoma epidermoide de língua e 2 pacientes (5.40%) apresentavam lesões pré-neoplásicas (displasia de grau moderado e hiperplasia epitelial). Nenhum paciente necessitou de reintervenção cirúrgica em função de sangramento e de deiscência de ferida. Não houve complicações em função da realização de traqueotomia e do emprego de sonda nasoenteral. Avaliando-se comparativamente os dois grupos, verificou-se realização de traqueotomia em 11 pacientes do grupo submetido à síntese primária e em 1 paciente submetido à cicatrização secundária x2= 5,79 (p=0.016). Vinte pacientes do grupo submetido à síntese primária fizeram uso de sonda nasoenteral, enquanto 9 pacientes do grupo submetido à cicatrização secundária fizeram uso de sonda nasoenteral x2=3,37 (p=0.066). Com relação ao distúrbio de deglutição, 8 pacientes submetidos à síntese primária referiram distúrbio; enquanto 3 pacientes submetidos à cicatrização secundária referiram distúrbio x2=0,49 (p=0.482). Com relação ao tempo de cicatrização nos dois grupos, a comparação foi feita pelo teste não paramétrico Pacientes Traqueotomia Sonda nasoenteral Tempo cicatrização Distúrbio deglutição Síntese primária 22 (59.45%) 11 (50%) 20 (90.90%) 22.59 dias 8 (36.36%) Cicatrização secundária P 15 (40.54%) 1 (6.66%) 0.016 9 (60.00%) 0.066 18.87 dias 0.756 3 (20.00%) 0.482 Tabela 2. Comparativo relativo ao tempo de cicatrização nos dois grupos estudados. Tempo cicatrização Média aritmética Desvio padrão Mediana Mínimo Máximo Síntese primária 22,59 dias 19,54 dias 16 dias 7 dias 90 dias Cicatrização secundária P 18,87 dias 0.756 13,0 dias 15 dias 7 dias 60 dias Mann-Whitney. No grupo submetido à síntese primária, o tempo de cicatrização variou de 7 a 90 dias (mediana 16 dias) e no grupo submetido à cicatrização secundária; o tempo de cicatrização variou de 7 a 60 dias (mediana 15 dias) U*=0,31 (p=0.756). Dentre os 22 pacientes submetidos à síntese primária, 8 (36.36%) evoluíram com deiscência, sem reabordagem posterior e consequente síntese secundária. Dentre os 15 pacientes submetidos à cicatrização secundária, 4 (26.67%) apresentaram episódios autolimitados de sangramento, sem necessidade de reintervenção cirúrgica. Não foi observada infecção de ferida operatória em nenhum dos grupos avaliados. Dos 37 pacientes avaliados no estudo, 17 foram estadiados como T1 (11 submetidos à síntese primária e 6 submetidos à cicatrização secundária) e 18 foram estadiados como T2 (11 submetidos à síntese primária e 7 submetidos à cicatrização secundária). Dois pacientes não apresentavam carcinoma epidermoide ao laudo histopatológico, tratando-se de lesões pré-neoplásicas (hiperplasia e displasia moderada); ambos casos submetidos à cicatrização secundária. DISCUSSÃO No planejamento cirúrgico dos tumores de cavidade oral as opções de reconstrução têm que ser consideradas. Os objetivos dessa reconstrução são proporcionar uma boa cicatrização local, manter uma boa função do órgão e a restauração da sensibilidade local. Mesmo em defeitos pequenos da língua ou assoalho da boca, para que a função seja restaurada, em alguns casos são necessários reconstruções com retalhos locais. A reconstrução inadequada pode acarretar um impacto severo na Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 4, p. 173-177, outubro / novembro / dezembro 2011 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 175 Estudo randomizado: Síntese primária VS cicatrização secundária em glossectomia parcial. deglutição e fonação com consequente piora da qualidade de vida desses pacientes. O maior desafio desta reconstrução é evitar que a língua fique presa o que pode impedir uma fonação e deglutição adequadas.10 As alterações na deglutição decorrentes da realização de glossectomias parciais variam em função da localização, da extensão da ressecção e do tipo de reconstrução empregada. Frequentemente, se observa algum grau de disfagia nesses pacientes, já que a língua é um órgão fundamental à deglutição e está envolvida não apenas na preparação do bolo alimentar, mas também na fase faríngea da deglutição.11 As glossectomias parciais provocam disfagia temporária em função do edema e das dificuldades de desencadeamento do reflexo da deglutição no pós-operatório, além da redução da motricidade da língua com déficit na fala, mastigação e deglutição.11 Nesse estudo foi observado que a maioria dos pacientes submetidos a síntese primária, 14 (63.64%), não apresentaram distúrbios de deglutição no seguimento pós-operatório. No grupo submetido à cicatrização secundária, 80% dos casos também não apresentaram distúrbios de deglutição. Esta diferença não apresentou significância estatística (p=0.482), porém já observamos que aqueles que cicatrizaram por segunda intenção tiveram menos distúrbios de deglutição, talvez devido ao menor edema provocado na língua. O uso de sonda alimentar foi necessário em 20 pacientes (90.90%) nos casos de síntese primária e 9 (60%) nos de cicatrização secundária. Também observamos um maior número de pacientes que necessitaram do uso de sonda alimentar no grupo de síntese primária em relação ao grupo de cicatrização secundária, mas não houve significância nos estudos estatísticos (p= 0.06), mais uma vez, atribuímos o uso de sonda devido ao edema da síntese primária, dificultando a deglutição e, por conseguinte, necessitando da sonda. Alterações na fonação e na inteligibilidade da fala decorrem da localização, da extensão e do tipo de reconstrução empregada após glossectomias parciais, assim como as alterações na deglutição; pois a língua é importante na articulação para fonação. Os resultados de avaliação da fala após glossectomias em diferentes estudos são heterogêneos, em função dos diferentes métodos de análise empregados e dos diminutos grupos avaliados.12 O estudo da motricidade do órgão também tem sua importância para tais aspectos. Onze pacientes (50%) referiram boa mobilidade lingual no grupo de síntese primária enquanto doze (80%) no de cicatrização secundária, podendo estes dados estar relacionados a forma com que se deu a recuperação do leito operatório. Idealmente as formas de reconstrução do defeito provocado nas glossectomias parciais devem restaurar as funções de deglutição e fonação, além de apresentar um resultado estético favorável.13 Neste estudo não houve diferença estatisticamente significante entre os resultados de deglutição e fonação nos dois grupos estudados (p=0.482). Em relação ao aspecto estético, Quintanilha et al. as duas formas de reconstrução empregadas levaram a resultados satisfatórios em ambos os grupos. Apesar da impressão de que a coaptação dos bordos do leito cirúrgico seria um fator importante na diminuição do tempo de cicatrização local, tal achado não foi encontrado neste estudo. Não houve diferença estatisticamente significante em relação ao tempo de cicatrização do leito cirúrgico nos dois grupos que apresentou tempo médio de 22.6 dias no grupo de síntese primária e 18.8 dias no grupo de cicatrização secundária (p=0.75); portanto maior no grupo de síntese primária. Além disso, no grupo em que foi realizada a síntese primária a taxa de deiscência foi de 36.36% (8 casos), fato este que nos fez questionar a real necessidade da mesma. Já em relação ao sangramento local pós-operatório, não houveram casos no grupo da síntese primária contra 4 casos de sangramento autolimitado relatado pelos pacientes na área cruenta nos casos de cicatrização secundária, o que pode favorecer a realização da síntese primária como forma de tentar evitar a ocorrência do mesmo. Um dos objetivos do uso da sonda nasoenteral é facilitar a cicatrização local evitando o contato entre alimentos e ferida operatória.10, 14 A síntese primária realizada nas glossectomias, entre outros objetivos, apresenta o de tentar evitar que a saliva ou até quando possível a dieta oral após a retirada da sonda nasoenteral ou em casos em que esta não é utilizada, entre em contato com a área cruenta e predisponha a sangramento ou infecção local. Em nosso estudo não houve infecção de sítio cirúrgico em nenhum dos casos entre os dois grupos. Neste estudo, a realização da traqueostomia foi mais frequente no grupo submetido a síntese primária (50% dos pacientes), em relação a 1 paciente (6.6%) do grupo submetido a cicatrização secundária. Através dos estudos estatísticos, pôde-se concluir que este achado foi significante (p=0.016). O edema de língua pós-operatório provocado nos casos em que são realizadas reconstruções com síntese primária ou colocação de retalhos locais, regionais ou microcirúrgicos pode ser o fator predisponente para a necessidade de traqueostomia nestes pacientes. A traqueostomia tem sido muito utilizada para fornecer um manejo seguro das vias aéreas no pós-operatório em alguns casos de ressecções oncológicas na região da cabeça e pescoço. Historicamente a traqueostomia tem sido associada com algumas complicações e mortalidade substancial. As taxas de complicações reportadas em adultos variam consideravelmente.15,16 Na prática, os aspectos técnicos relacionados à traqueostomia nas cirurgias eletivas tornam este procedimento seguro. Nos casos em que este procedimento traz morbidades específicas ao paciente, estas normalmente ocorrem em pós-operatório precoce. Halfpenny e McGurk, num estudo publicado em 2000, relatam as complicações de traqueostomia associadas a cirurgia de cabeça e pescoço, podendo ser estas divididas em precoces e tardias. Dentre as precoces estão o sangramento, traqueíte, obstrução da cânula e formação de falso trajeto. Já com relação às tardias: fístula traque- 176 e���������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.40, nº 4, p. 173-177, outubro / novembro / dezembro 2011 Estudo randomizado: Síntese primária VS cicatrização secundária em glossectomia parcial. ocutânea, fístula traqueoesofágica, estenose traqueal e recorrência no estoma.17 Assim, apesar de necessária em diversas situações, o ideal e observado em nosso estudo é que deva ser evitada quando possível tendo em vista que não é isenta de complicações e pode aumentar a morbidade relacionada ao procedimento cirúrgico principal, assim como é um procedimento desconfortável e indesejável para o paciente. Dentre os diversos tipos de reconstrução da língua, destacam-se síntese primária, enxertia, retalhos de língua, retalhos regionais (peitoral maior, grande dorsal, trapézio), retalhos microcirúrgicos (antebraquial, anterolateral da coxa) os quais devem ser empregados de acordo com o tipo de reconstrução adequada à reparação do defeito decorrente da ressecção tumoral.8,11, 18 Defeitos da borda lateral móvel da língua são frequentemente fechados de forma primária com bons resultados funcionais, sendo a cicatrização por segunda intenção também uma boa alternativa.10 Desta forma, podemos ter em vista que para cada tipo e estágio das lesões da língua existem formas de ressecção e reconstrução adequadas e que estas, desde que bem indicadas, minimizam o prejuízo em função da perda do órgão. Além disso, se deve também analisar criticamente outras questões, como por exemplo, a realização de traqueostomia, procedimento não isento de riscos e que aumenta a morbidade relacionada à cirurgia e que, quando possível de forma segura, deve ser evitada. CONCLUSÃO Os resultados obtidos neste estudo sugerem que não houve diferença quanto ao emprego de síntese primária ou de cicatrização secundária em pacientes submetidos à glossectomia parcial quando avaliados: uso de sonda nasoenteral, distúrbio de deglutição e tempo de cicatrização. Não foi observado um maior índice de infecção ou de sangramento no grupo submetido à cicatrização secundária. Evidenciou-se impacto apenas quanto à realização de traqueotomia, que foi menor no grupo submetido à cicatrização secundária, impondo menor morbidade associada à realização da traqueotomia e favorecendo à melhor reabilitação desse grupo de pacientes. Quintanilha et al. Referências 1. Carvalho MB. 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