o direito sob as perspectivas de luhmann e habermas

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O DIREITO SOB AS PERSPECTIVAS DE LUHMANN E HABERMAS
Marluce de Oliveira Rodrigues
O DIREITO
HABERMAS1
SOB
AS
PERSPECTIVAS
DE
LUHMANN
E
Marluce de Oliveira Rodrigues
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO). Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela
Universidade Gama Filho (UGF). Mestranda no Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Estudante Pesquisadora no Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho, Política, Movimentos Sociais e Serviço
Social da UFF.
RESUMO
A sociedade moderna surgiu representando um novo tempo que se liberta de dogmas religiosos e da estratificação -, passando a
se estruturar em diversos sistemas mais especializados e complexos.
Com a mudança de uma sociedade estratificada para uma sociedade
regida pelo elemento “trabalho”, aumentou-se as possibilidades de
ação dos atores sociais, assim como suas expectativas. Nesse
sentido, incrementou-se também a importância do direito, na medida
em que este serve como estrutura normativa da coletividade. A
pesquisa, portanto, analisará basicamente os pontos de vista de dois
grandes sociólogos do direito - Jürgen Habermas e Niklas Luhmann.
O primeiro é conhecido por sua teoria da ação comunicativa e pela
ética do discurso; e o segundo por sua teoria dos sistemas
operacionais fechados. E no que se refere à evolução da sociedade e
à posição do direito, procurar-se-á destrinchar as críticas de
Habermas a Luhmann, identificando suas semelhanças e diferenças.
1
A discussão exposta neste trabalho foi apresentada oralmente no XX Encontro Nacional do Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte, 2011 e no II Congresso da
Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito, Porto Alegre, 2011.
Palavras-chave: Jürgen Habermas; Niklas Luhmann; Teoria
Comunicativa; Teoria Autopoiética.
ABSTRACT
The modern society emerged representing a new age – that
becomes free from religious dogmas and the stratification -, starting
to take form in various systems more specialized and complex.
Changing of a stratified society to a society governed by “labour”,
increased the possibilities of action of social factors, as well as their
expectations. In this sense, the importance of the law was also
increased, in so far as it serves as the normative framework as a
whole. Therefore, the research will basically analyze the point of view
of two great law sociologists - Jürgen Habermas and Niklas Luhmann.
The first one is known by his communicative action theory and for his
ethic speech; and the second one by his closed operating systems
theory. And in regards to the evolution of society and the position of
law, it will try to break down the criticisms of Habermas to Luhmann,
identifying their similarities and differences.
Keywords: Jürgen Habermas, Niklas Luhmann; Communicative
Theory; Autopoietic Theory.
1.
INTRODUÇÃO
Muito
se
discute
sobre
pós-modernidade,
complexidade,
deslocamento de tempo e espaço, mas, primeiramente, precisamos
entender em que consiste o conceito de modernidade. ANTHONY
GIDDENS
(1991),
realizando
uma
análise
institucional
da
modernidade, a define como estilo, costume de vida ou organização
social que emerge na Europa a partir do século XVII e que
ulteriormente se torna mais ou menos mundial em sua influência. Daí
associar modernidade a um período de tempo e a uma localização
geográfica inicial.
Da mesma maneira, essa ideia pode ser extraída em HANNAH
ARENDT (2007) quando a autora, discorrendo sobre a “era moderna”,
a relaciona com uma decadência do sistema de estados nacionais
europeus e a compressão econômica e geográfica do mundo. Assim,
estaríamos na era dos fenômenos globais, na era da substituição do
conceito de sociedade (delimitada pelo estado nacional) pelo conceito
de humanidade – que tem agora como território o planeta.
Mas quando surgiu essa ideia de moderno? O conceito clássico
de Modernidade é associado a Hegel. Porém, a palavra “modernus”
surgiu em fins do século V, como forma de se distinguir o novo tempo
“cristão” do antigo tempo “pagão”, ou seja, como forma de sintetizar
a ideia de um novo tempo, de uma nova época. Daí Hegel retratar o
período Pós-Revolução Francesa e Pós-Iluminismo como moderno e
iniciar uma reflexão desse novo tempo à luz de uma crítica da razão.
Esta serviria de apoio à modernidade, a fim de dar razões plausíveis à
adoção desse novo modelo, assim como ajudaria na produção de
novas regras a partir dela própria (HABERMAS, 2001).
Surgia
assim,
nesse
novo
tempo,
uma
modernidade
teoricamente autoconsciente, autodeterminada e autorrealizável, que
balizava sua estrutura no “princípio da subjetividade”, não aceitando
nada como incontestável. Mas despontava também, com esse novo
tempo, uma complexidade social que a todo o momento crescia e que
acabava por gerar diferenciação, decomposição da sociedade em
sistemas
parciais
e
quebra
da
tradição
do
mundo
da
vida.
(HABERMAS, 2001).
A noção da evolução ofereceu a possibilidade da relativização e
da transformação do religioso em leigo, e a partir daí novos trabalhos
tentaram explicar o desenvolvimento da sociedade e do direito.
(LUHMANN, 1983)
Karl Marx, por exemplo, tira o sentido da sociedade do âmbito
político, e o traz para o econômico. Assim, sua doutrina acredita que
o manejo da produção deve variar independentemente de interesses,
sendo o direito apto a dar maior racionalidade à propriedade. O
marxismo acreditava em uma estrutura jurídica coexistente, com a
maior complexidade e volubilidade da sociedade. (LUHMANN, 1983)
Emile Durkheim analisa o desenvolvimento da sociedade pela
perspectiva da mudança de uma diferenciação por segmentos
(baseada em uma consciência coletiva de regras morais), para uma
diferenciação
funcional
(baseada
na
divisão
do
trabalho).
A
diferenciação funcional, portanto, seria motivo de aumento da
complexidade da sociedade, agora subdividida em sistemas parciais,
com funções específicas. E o direito deveria ser mutável e baseado
em sanções restitutivas, cuja máxima seria a reparação dos possíveis
danos causados. (LUHMANN, 1983)
Max
Weber
já
preconizava
a
independência
do
direito,
retirando-lhe elementos como a vontade pessoal de seus aplicadores,
costumes e concepções morais. O direito, dessa forma, se tornaria
mais neutro e específico, abarcando possibilidades abstratas que
garantiriam certa previsão e maior segurança frente ao aumento da
complexificação. (LUHMANN, 1983)
Assim,
partindo
da
análise
dessa
modernização
e
complexificação da sociedade, tanto Jürgen Habermas como Niklas
Luhmann desenvolveram seus trabalhos teóricos. Este tendo como
inspiração a teoria funcionalista de Durkheim, retomada por Talcott
Parsons; e aquele tendo como inspiração os estudos filosóficos de
Kant a Marx e os estudos críticos de Adorno e demais estudiosos da
Escola de Frankfurt.
Nesse contexto, será estudada, em linhas gerais, a teoria da
ação comunicativa e da ética do discurso de Jürgen Habermas, assim
como a teoria autopoiética de Niklas Luhmann, para depois se
concluir com as semelhanças e diferenças desses dois grandes
sociólogos do direito.
2.
A
ESTRUTURAÇÃO
DA
TEORIA
SISTÊMICA
DE
LUHMANN
Desde 1958, quando publicou seu primeiro artigo, Luhmann já
se debruçava sobre o conceito de função, ressaltando que a
sociedade moderna era caracterizada não mais por hierarquias
(decomposição do status), mas sim por funções diferenciadas a partir
do contexto “trabalho”. A perspectiva, então, não era mais do sujeito
individual, e sim do funcionalismo dos grandes sistemas políticos,
jurídicos, econômicos, dentre outros, razão pela qual coube à
sociedade a operacionalização dessa transformação, por meio da
comunicação
e
da
mudança
de
suas
referências
particulares.
(GUIBENTIF, 1993)
Nesse sentido, a semântica assumiria a tarefa de descrever as
transformações da sociedade e dos conceitos, o que faz Luhmann
lançar mão, primeiramente, da noção de equivalentes funcionais, e,
posteriormente, do conceito de sistema. Este passaria a designar
tudo aquilo a que se pudesse aplicar uma distinção entre o meio
interior e exterior. E sua teoria funcionalista-estrutural se basearia na
ideia de que um determinado sistema formaria sua estrutura como
resultado de seus próprios processos funcionais. (GUIBENTIF, 1993)
Assim, Luhmann dizia que os sistemas sociais eram compostos
de ações factuais, ligadas entre si pelo nível do sentido, existindo
“sistema social” toda vez que as ações de diferentes pessoas fossem
colocadas em relação umas com as outras, por meio do sentido e
com diferenciação de seu meio. Além disso, tinham como função
reduzir complexidade, servindo
de mediação entre a extrema
complexidade do mundo e a capacidade muito limitada do homem de
assimilar suas experiências. (GUIBENTIF, 1993)
Porém, observa-se grande dificuldade até Luhmann ter um
domínio preciso sobre o tema “sistema”. Daí, somente em fins dos
anos 70 e início dos anos 80, passar a reorganizar toda a
conceitualização dos sistemas sociais, encontrando na teoria biológica
de Humberto Maturana e Francisco Varela a palavra-chave de sua
teoria. “Autopoiese” era a palavra que os biólogos usavam para
definir a vida orgânica. E o termo “autopoiese” tinha origem grega,
significando “autocriação”. (GUIBENTIF, 1993; LUHMANN, 1983)
Desse modo, quando LUHMANN (1993a) diz que o sistema é
“autopoiético”, ele quer dizer que esse sistema organiza, reproduz e
mantém possibilidades e condições para outras possibilidades através de suas operações -, criando suas próprias fronteiras em
relação ao ambiente. A recursividade, nesse sentido, assegura que os
sistemas possam lidar seletivamente com situações, focando nas
seqüências de operações já prontas e disponíveis – as quais o
sistema utilizou anteriormente, e sobre as quais ele tem controle
exclusivo, sem recorrência ao meio circundante. (ZIEGERT, 2007)
Ademais, seria alcançado o “fechamento operacional” quando
houvesse um autodirecionamento total de suas operações, formando
uma clara barreira entre estas e o ambiente. O sistema jurídico,
então, seria constituído pela totalidade das comunicações sociais
formuladas com referência ao direito. E os sistemas, compostos por
operações, estariam ao mesmo tempo abertos cognitivamente, pois a
capacidade de aprendizagem e de ajuste é inerente ao seu conceito.
(ZIEGERT, 2007; LUHMANN, 1993a)
Além disso, para se manter essa autopoiese, o sistema contaria
com dois mecanismos: o código binário e a auto-observação. O
primeiro sendo responsável pela perspectiva semântica que cada
sistema tem sobre o mundo, a fim de possibilitar sua percepção e
redução da complexidade à sua maneira, ou seja, de acordo com seu
código próprio
– que no direito, por exemplo, se traduziria em
lícito/ilícito; e o segundo sendo responsável pela diferenciação entre o
que pertence ao próprio sistema e o que lhe é exterior. (ZIEGERT,
2007; LUHMANN, 1993a)
Por fim, como na prática há necessidade de articulação entre
sistemas diversos, sendo exemplos a articulação entre o sistema
jurídico-político e o sistema econômico-jurídico, a teoria sistêmica
constrói o conceito de “acoplamento estrutural”.
Isso porque se
admite que, embora os acontecimentos de um determinado sistema
não sejam diretamente relevantes para outro sistema, podem-se
desenvolver, no processo de evolução da sociedade, mecanismos
“tradutores” aptos a possibilitar essa composição. (LUHMANN, 1993b)
Quanto ao direito, considerado positivo, seria então válido
porque
alterável,
porque
escolhido
dentre
várias
outras
possibilidades. Daí surge a ideia de legitimidade. Esta não se
preocuparia com os motivos substanciais que cada um pode ter ao
aderir às regras ou decisões. A legitimidade somente se interessa
pela aparência de adesão que determinados comportamentos
proporcionam, pois é essa aparência que faz com que os demais
membros da sociedade sigam as regras. (GUIBENTIF, 2005)
O direito positivo moderno torna-se necessário e possível com a
diferenciação funcional estabelecida ao longo do século XIX, pois a
transformação da sociedade fez aparecer novas necessidades de
decisões, às quais o direito aparece como resposta. Mas “resolúvel” e
“variável” por definição, a norma do direito positivo cortou os pontos
de ligação com as normas sociais, ou seja, se separou dos valores
sociais como a justiça e a liberdade. (GUIBENTIF, 1993)
Isso porque, no decorrer do desenvolvimento social em direção
à
complexidade,
o
direito
teve
que
abstrair-se,
adquirindo
elasticidade conceitual-interpretativa, para abranger situações das
mais diversificadas possíveis. Assim, o “bom” direito deveria ser
capaz de captar a problemática do convívio humano, diferenciar
estruturas cognitivas de estruturas normativas de expectativas –
sendo aquelas possíveis de mudança pela compreensão, e estas
previstas e mantidas, ainda que insatisfatoriamente, para, enfim,
considerar as condições sociais (Institucionalização) e materiais
(identificação de expectativas) da generalização de expectativas de
comportamento. (LUHMANN, 1983)
A função do direito, em vista disso, seria de generalizar
estruturas de expectativas coerentes em todas as dimensões, e sua
aceitação se daria por um caminho procedimental, auxiliado pela
conformidade e aparente adesão dos indivíduos. Esse mecanismo
seria ainda favorecido pela distinção entre procedimentos legislativos
e judiciais, na medida em que no legislativo se discutem regras em
abstrato (o que facilita sua aceitação), enquanto no judiciário muitas
vezes as questões já se encontram resolvidas - por contarem com
precedentes. (GUIBENTIF, 2005)
Nesse sentido, considerando o direito como um sistema social
diferenciado, a teoria sistêmica coloca à margem de seu campo de
observação todas as outras realidades sociais. Os valores e normas
sociais acabam por se ver substituídos por princípios de desempenho
e
eficácia
dos
sistemas
funcionais,
eis
que
reconstitui
o
funcionamento do direito a partir da noção de codificação. Daí surgir,
por meio da Constituição, a separação dos sistemas e, ao mesmo
tempo, a operacionalização de seu acoplamento estrutural, servindo à
dupla função de incluir e excluir as “irritações” recíprocas das
operações jurídicas e políticas. (GUIBENTIF, 1993; LUHMANN, 1993b)
Por fim, dada a crescente complexidade social, entende
LUHMANN (1993) que é cada vez mais necessário suposições fictícias
de consenso e sua institucionalização. Portanto, a normatização dá
continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que
ela - de tempos em tempos - venha a ser frustada, pois através da
institucionalização o consenso geral é suposto. E no processo de
positivação do direito, há um abandono progressivo de uma relação
com a “verdade” ou com a “verdadeira justiça”, em favor de
processos de decisão, porque “um sistema que tenha que assegurar a
possibilidade de decisão de todos os problemas levantados não pode,
simultaneamente, garantir a justiça da decisão”. (LUHMANN, 1980)
3.
A IMPORTÂNCIA DA AÇÃO COMUNICATIVA E DA
ARGUMENTAÇÃO PARA HABERMAS
HABERMAS (1989 e 1997a) analisa as sociedades modernas
pela visão da teoria comunicativa e da ética do discurso e sua
evolução pelo desenvolvimento do juízo, do sistema moral e jurídico.
Assim, por meio da teoria do agir comunicativo, substitui a razão
prática pela comunicativa, transportando o conceito de razão para o
medium lingüístico, o que lhe retira a carga do componente moral e
lhe dá nova conceituação. Vale lembrar que tal conceito de “razão
prática” surge com a modernização, significando a habilidade de
motivar
imperativos
segundo
critérios
de
subjetividade
e
racionalidade de fins. Nesse sentido, estaria ligada à adequação a fins
estratégicos e juízos morais, sendo fonte de normas.
A razão comunicativa, ao contrário da razão prática, já não é
mais fonte de normas do agir. Possui apenas uma substância
normativa, visto que os envolvidos na comunicação não se apoiam
em
fatos,
mas
sim
em
idealizações.
Daí
surgirem
discursos,
argumentos capazes de servirem para uma intersubjetividade mais
elevada, em que o interesse próprio deve-se harmonizar com o
coletivo, ao mesmo tempo em que examina a validade, adequação de
mandamentos morais e seu cabimento. (HABERMAS, 1997a)
Nesse ponto, HABERMAS (1997a) já inicia sua divergência com
Luhmann, pois este nega qualquer tipo de conteúdo normativo da
razão
prática, considerando
o
Estado
apenas como mais um
subsistema autopoiético.
A teoria dos sistemas vê a economia, o Estado, a educação, a
ciência etc, como sistemas parciais funcionalmente especificados, que
necessitam balancear-se entre si, porque nenhum possui posição de
hegemonia. E, para tanto, contariam apenas com a consciência que
fazem de si. Daí ser impraticável um consenso operacional da
sociedade inteira, sendo este apenas provisório. (HABERMAS, 2002)
Mas a teoria do agir comunicativo discorda dessa ideia. Entende
que tal posição faz a comunicação sobre o que seja jurídico e
injurídico perder o seu sentido social-integrador, eis que as normas e
os atos jurídicos jamais refletiriam procedimentos de entendimento
racionais.
Além
disso,
nesse
mesmo
sentido,
os
argumentos
perderiam seu valor essencial, uma vez que serviriam apenas como
meio utilizado pelo sistema jurídico para convencer a si próprio e os
outros de suas decisões. (HABERMAS, 1997a)
A teoria da ação comunicativa, diferentemente, sustenta um
cerne de autoentendimento, capaz de formar uma consciência
comum, não
um
“consenso
funcional”. Isso
porque, na ação
comunicativa, a institucionalização das ideias e anseios seria guiada
para a difusão, mas suas fronteiras seriam permeáveis, havendo
influências recíprocas ao invés de fechamento. Os participantes,
assim, suspenderiam a faceta de observadores e passariam a seguir a
faceta de falantes e ouvintes, tentando ajustar interpretações comuns
da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos de ação.
(HABERMAS, 1997a e 2002)
Os indivíduos, portanto, necessitam dialogar e agir, uns com os
outros, a fim de se entenderem sobre o que ocorre e sobre o que
ambicionam produzir. O conceito de racionalidade, dessa maneira, é
visto pela ótica do consenso, e somente conseguido através de uma
intersubjetividade comunicacional compartilhada pela comunidade.
(HABERMAS, 2002)
Ademais, os diferentes mundos da vida, aqui entendidos como
“sistemas
parciais
funcionais
da
altamente
reprodução
especializados
cultural,
da
para
integração
os
domínios
social
e
da
socialização”, não se conservam incompreensíveis um para outro. A
cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade pressupõem-se
reciprocamente, e o direito deve ser capaz de mediar esse mundo da
vida com os sistemas sociais funcionais. Este, como resolução
autêntica que se tornou reflexiva, sendo parte do mundo da vida,
possui em suas ações o medium, por meio do qual as instituições se
reproduzem. (HABERMAS, 1997a)
Sob essa perspectiva, a teoria comunicativa tenta assimilar o
conflito decorrente de condições factuais impostas e sua força de
validade, ou seja, a chamada “tensão entre facticidade e validade”,
no intuito de edificar e manter as ordens sociais existentes. E, para
tanto, conta com a eficácia de atos que se realizam através da fala,
orientados ao entendimento. (HABERMAS, 1997a)
Seguindo suas críticas, HABERMAS (2002) chama a atenção
para
outro
erro
da
teoria
luhmaniana:
ter
ignorado
que
a
burocratização e a monetarização, através dos quais os sistemas
funcionais
se
destacam
do
mundo
da
vida,
precisam
ser
institucionalizados neste, ainda que após o seu amadurecimento. A
ideia é que “dinheiro” e “poder” ajustem-se de modo perspicaz, a fim
de evitar o sobrecarregamento do sistema.
No que se refere à teoria do discurso, identifica-se em
HABERMAS (1999) uma reconstrução da autocompreensão práticomoral da modernidade. Daí sua lógica de argumentação, neste ponto
em conjunto com a lógica de Toulmin, buscar situações ideais de fala,
com ações orientadas ao entendimento, em que seus interlocutores
procurem eliminar todo tipo de coação, seja ele interno ao processo
de argumentação, ou externo, na busca da “cooperação da verdade”.
A argumentação, desse modo, é vista como um procedimento
que tem por finalidade formar argumentos fortes, aptos a persuadir
através de seus elementos essenciais, e assim se conseguir uma
aceitação intersubjetiva para a validade de normas propostas de
maneira abstrata e precária. (HABERMAS, 1999)
Nesse contexto, a argumentação ante um Tribunal precisa
conter elementos fundamentais, somente conseguidos através de um
modelo de argumentação moral que leve em conta a integridade de
enunciados normativos. Daí todas as argumentações terem que
versar sobre questões de direito ou de moral, ou sobre conjecturas
cientificas e obras de arte, exigindo a mesma forma de organização
básica pela busca conjunta da verdade, subordinando os meios da
erística ao objetivo de obter convicções intersubjetivas, baseadas nos
melhores argumentos. (HABERMAS, 1999)
4.
COMPLEXIDADE OU “FIM” DO INDIVÍDUO?
A noção de complexidade, conceitualizada a partir de um crivo
científico, surge no século XX, dentro da microfísica e da macrofísica.
Só que à época a ciência reduzia a complexidade fenômena a uma
ordem simples e a unidades elementares, ignorando a realidade do
sistema abstrato. Posteriormente, já associada a fenômenos de autoorganização,
passa
a
ser
considerada
como
um
fenômeno
quantitativo, uma quantidade extrema de interações e interferências
entre um número muito grande de unidades. Daí a associação do
conceito
a
incertezas,
indeterminações,
fenômenos
aleatórios,
imprecisos, ambíguos e contraditórios. (MORIN, 1990)
Tal conceito, nesse sentido, está muito associado ao fenômeno
do abandono de uma visão de mundo ligado à divindade, ao advento
da modernidade e à mudança em sua estrutura - que de estratificada
passou a funcional, caracterizando-se por uma subdivisão em
sistemas parciais funcionalmente especificados. (HABERMAS, 1990)
LUHMANN (1983) encara essa transformação afirmando que
cada indivíduo vive fora dos sistemas de funções, sustentando apenas
um acesso a eles, na medida em que estes forem relevantes. Assim,
através dos sistemas de funções, os indivíduos realizariam tarefas
específicas de acordo com seus próprios códigos. Nesse contexto, há
para os indivíduos uma grande variedade de experiências e ações,
que, por outro lado, comportam outras possibilidades e expectativas.
E essa dinâmica faz com que todas as pessoas necessitem realizar
escolhas,
assumindo
riscos
e
se
submetendo
a
possíveis
desapontamentos.
HABERMAS (2002) critica essa visão, por entender que essa
decomposição dos sujeitos em sistemas, determina de maneira
implícita o “fim dos indivíduos”.
Daí iniciar sua crítica afirmando que a individualização social, na
teoria
luhmaniana,
aparece
como
inserção
de
sistemas
de
personalidade, na medida em que as estruturas da intersubjetividade
sumiram. Ou seja, os indivíduos, abolidos de seu mundo da vida,
contariam agora com um sistema social e um sistema pessoal,
configurados de forma independente e circular, um para o outro. E, o
sujeito autorreferencial (da filosofia do sujeito) teria se transformado
em sistema autorreferencial, que aboliu todo tipo de pretensão
racional. (HABERMAS, 2002)
Para HABERMAS (2002), Luhmann utiliza os conceitos da
cibernética, demonstrados pela biologia, e da teoria geral dos
sistemas - desenvolvida por Parsons - para reconceitualizar os
estudos desenvolvidos por Kant e Nietzsche, no que se refere à
racionalidade e autoconservação da vida humana. E essa posição faz
com que a distinção entre o transcendente e o empírico perca o seu
significado. Além disso, tendo em vista que os sistemas formam
mundos circundantes uns para os outros, não podem os mesmos se
juntar, nem se inserir em uma totalidade.
Assim, a teoria sistêmica se engana a partir do momento em
que invade a essência privada e pública do mundo da vida, pois as
realizações próprias determinadas aos sujeitos diferem da escolha
racional comandada por preferências próprias. Isso porque, para que
os
indivíduos
se
integrem
socialmente,
é
necessária
uma
autorreflexão moral e existencial, somente possível quando se adota
o ponto de vista do outro. Porque, caso contrário, o que se configura
é uma negação a uma ordenação coerente do mundo, ordenação esta
baseada no autoentendimento e na capacidade de racionalidade de
cada um. (HABERMAS, 1990).
Além disso, como o intercâmbio entre os sistemas não depende
mais de intenções ou interesses dos indivíduos, mas do modo como
se desenvolve suas operações internas, há uma renúncia ao conceito
de sociedade centrado no Estado. A política e o direito, sendo
sistemas autônomos e autorreferentes, acabam incapazes de uma
comunicação direta, o que impede uma integração total da sociedade.
(HABERMAS, 1997b)
Portanto, na visão de Habermas, a teoria sistêmica de Luhmann
não possui capacidade de formular uma nova democracia, na medida
em que enxerga o procedimento político somente do ponto de vista
de seu próprio código. O sistema político, assim, acaba perdendo a
harmonia
que
deveria
ter
com
o
direito
e
demais
sistemas
estruturais, por interagir com eles somente por meio da observação.
(HABERMAS, 1997b)
Daí
HABERMAS
(2002)
identificar
na
teoria
sistêmica
a
impossibilidade de se ter uma perspectiva da totalidade (Estado ou da
sociedade) - visto que cada sistema tem seu entendimento de acordo
com seu próprio código -, o que torna inviável a formação de uma
identidade lógica da sociedade, assim como a formulação de qualquer
crítica à modernidade.
5.
CRÍTICA DE HABERMAS A TEORIA DO DIREITO DE
LUHMANN
A teoria sistêmica de Luhmann, segundo a visão de HABERMAS
(1997a), confere ao direito um cenário em que este se vê inserido de
maneira marginal, somente compreendido sob a perspectiva funcional
do equilíbrio e da estabilização de expectativas de comportamento.
Nesse sentido, na visão crítica de HABERMAS (1997b), os
processos jurídicos são interpretados como “institucionalização de
deveres de fundamentação e de argumentação”, somente servindo
para reduzir o valor de surpresa das decisões, pois Luhmann não
acredita que a argumentação tenha uma “força racional motivadora”.
Os argumentos, então, nada importam quanto à sua qualidade, visto
que apenas servem para criar a impressão de que justificam as
decisões, ideia esta totalmente negada pela teoria do discurso.
O direito, agora “autopoiético”, estaria assim descolado de
todos os outros sistemas de ação, o que acaba com sua capacidade
de troca com os mundos que estão à sua volta, assim como com sua
influência – antes utilizada por meio regulatório. Daí somente reagir a
problemas
próprios,
ficando
impedido
de
elaborar
questões
relacionadas a problemas que onerem a sociedade como um todo.
(HABERMAS, 1997a)
Um segundo desdobramento diz respeito ao fim de todos os
indícios de compreensão contidos na própria norma do sistema
jurídico.
Com
efeito,
há
uma
nova
interpretação
quanto
às
expectativas de comportamento positivadas - orientada e canalizada
para o processamento de desapontamentos de expectativas. E isso conforme visão de HABERMAS (1997a) - apagaria a dimensão
deontológica da validade normativa e, por extensão, o sentido de
mandamentos e normas de ação. A distinção entre validade em
termos de verdade e validade normativa resulta, ou se reduz, em
duas possibilidades de reação: aprender ou não – porém apenas com
relação a expectativas cognitivas.
Nesse sentido, HABERMAS (1997b) entende que Luhmann
elimina o sentido ilocucionário dos preceitos, daquilo que é permitido
ou proibido, assim como também a eficácia vinculante desses atos de
fala. E o motivo de isso se dar guarda relação com a reinterpretação
das expectativas normativas de comportamento, calcado na teoria da
aprendizagem, adotando-se como variantes situações nas quais
expectativas meramente cognitivas amparam-se em prognósticos - e
não em autorizações. As expectativas normativas, portanto, revelamse
como
expectativas
cognitivas
dogmáticas
e
imunes
à
aprendizagem.
Além disso, indaga HABERMAS (1997b) sobre a aceitação desse
direito, eis que digno de incerteza, visto que modificável a qualquer
momento por uma simples decisão do legislador político e passível de
crítica, pois produzido apenas com fim de inibir conflitos, absorvendo
decepções. Não se trata, pois, de produzir um consenso, mas sim de
dar impressão exterior de que existe uma aceitação geral, ou de que
é provável a suposição dessa aceitação.
Em razão disso, a ideia da sociologia funcionalista do Direito
não pondera a sua complexidade de validade, o que enseja no
desligamento do sistema jurídico acerca de todas as suas relações
internas com a política e a moral, o que é rechaçado por HABERMAS
(1997a), neste ponto seguindo Weber.
Para o crítico, como o direito se relaciona internamente com a
política e a moral, sua racionalidade própria - apta a lhe assegurar
independência - não pode simplesmente desprezar outros sistemas,
pois deve ser arquitetada e desenvolvida sob princípios que estejam
justificados e, portanto, universalizados. (HABERMAS, 1997a e
1997b).
Ademais, partindo-se de uma interpretação sistemática, não há
como se explicar a função essencial de fundamentação que redunda
em evitar ou corrigir falhas, porque é inviável costurar-se um
entendimento acerca da distinção entre decisões factuais e corretas.
Não há um output a partir do qual o sistema jurídico pudesse
fornecer na forma de normatizações, pois não são possíveis as
intervenções no mundo que o cerca. Tampouco existe um input que o
sistema jurídico receba na forma de legitimações. (HABERMAS,
1997a)
Entretanto, destaca HABERMAS (1997a) que o Direito não
representa tão-somente uma forma do saber cultural - como a moral
- uma vez que se constitui, concomitantemente, em um componente
relevante do sistema de instituições sociais. Nesse sentido, as
funções de integração social que não são alcançadas pelas ordens
sociais, assim o devem ser por meio do Direito moderno.
Sob a ótica de HABERMAS (1997a), portanto, o Direito
constitui-se num sistema calcado no saber e, paralelamente, um
sistema de ação. Este pode ser compreendido tanto como um texto
de propostas, sugestões e interpretações normativas, assim como
também pode ser considerado como uma instituição cuja essência se
resume a um complexo de reguladores de ação. O mundo da vida
desenha-se conforme uma rede ramificada de ações comunicativas,
as quais se propagam em épocas históricas e espaços sociais. As
ações comunicativas têm como fontes as tradições culturais e as
ordens legítimas, e também são dependentes das identidades de
indivíduos socializados.
Assim, no Direito interpretado como sistema de ação, há uma
interligação com orientações axiológicas. As suas propostas alcançam
uma eficácia direta com relação à ação - situação distinta do que
acontece nos juízos morais. (HABERMAS, 1997a)
O sistema de ação “Direito”, naquilo que se refere à teoria do
agir comunicativo, está inserido juntamente ao componente social do
mundo da vida. Há uma impossibilidade de o Direito satisfazer
somente às exigências funcionais de uma sociedade complexa. Ele
deve levar em consideração todos os tipos de condições precárias
concernentes à integração social que se realiza, em última análise,
por meio da consecução do entendimento de sujeitos que agem
comunicativamente, ou seja, levando-se em conta a aceitabilidade de
pretensões de validade. A obtenção da legitimidade das leis se dá
pelo processo legislativo, que, por sua vez, está escorado no princípio
da soberania do povo. (HABERMAS, 1997a)
Portanto, somente partindo dessa ideia, HABERMAS (1997a)
entende ser possível explicar o paradoxo do alcance da legitimidade a
partir da legalidade. Paradoxo este formado, de um lado, por
cidadãos
que
possuem
garantias
e
aos
quais
são
abertos
possibilidades de liberdade de arbítrio; e, de outro, pela necessidade
de um processo legislativo democrático que estabeleça o cotejo dos
participantes na direção do bem da comunidade - somente legítimo
por advir de um processo de entendimento travado por seus
membros. E para que isso possa ser levado à frente, preenchendo-se
a função de estabilização das expectativas nas sociedades modernas,
é indispensável que haja, por parte do Direito, uma ligação interna
com a força social que integra o agir comunicativo. (HABERMAS,
1997a)
Assim, a partir da visão de HABERMAS (1997a) sobre a noção
do que vem a ser o sistema de direitos, entende-se que este
ultrapassa a concepção segundo a qual o Direito abarca somente as
comunicações que lhe são próprias. Daí o Direito se estender a todas
as influências ou interações, isto é, a todas aquelas que por ventura
não se guiem, não se orientem pelo Direito, a fim de dar possibilidade
de se erigir um Direito novo.
Nesse
sentido,
a
institucionalização
do
sistema
jurídico
necessita de uma autoaplicação do Direito - por meio de regras
secundárias - que estabeleça e transmita as competências referentes
à imposição do Direito, normatização e aplicação, o que remeteria,
em última instância, à legislação, à justiça e à Administração Pública.
(HABERMAS, 1997a)
Em sentido amplo, HABERMAS (1997a) também inclui, no
sistema jurídico, os sistemas de ação regulados juridicamente. No
interior destes surge uma parte central da produção privada e
autônoma de atos jurídicos, constituindo-se por meio de um Direito
reflexivo, contra um espaço de tempo já decorrido de ações dirigidas
por normas jurídicas materiais. Ademais, há uma divisão por estratos
com relação aos domínios de ações orientadas por uma organização
formal, constituídas por forma jurídica, e as que têm somente
características superficiais da forma jurídica, sendo conduzidas,
reguladas primordialmente através de instituições que se situam à
margem do Direito. E isso se dá em razão do fato de que este não
pode desconsiderar aspectos derivados da ligação interna entre
Direito e poder político, sobretudo no tocante à permissão jurídica
exercida pelo Estado, com o emprego de força legítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Idade Moderna, que se inicia por volta de 1450, é marcada
pelo abandono de uma concepção ontológica-metafísica de mundo, e
por uma substituição progressiva do sistema feudal em capitalista. O
Renascimento - juntamente com o Racionalismo - inicia uma linha de
pensamento que passa a priorizar as ações humanas e os indivíduos,
em detrimento do divino. Mas tais conceitos ainda encontram-se
carregados de concepções morais e hierárquicas, somente deixadas
de
lado
com
a
consolidação
do
sistema
capitalista
e
do
Protestantismo.
Jürgen Habermas e Niklas Luhmann, então, inclinaram-se a
estudar a chamada Modernidade, formulando teorias da sociedade e
do direito, no intuito de explicar esse processo evolutivo e apontar
mecanismos de absorção de uma complexidade cada vez mais
presente e intensa.
Entretando, os dois sociólogos do direito vão traçar caminhos
completamente diferentes. Luhmann formula sua teoria de sistema
social inicialmente focado no funcionalismo de uma nova sociedade
regida pelo “trabalho”. E partindo desses estudos, formula uma
estruturação do sistema a partir das funções de cada membro na
sociedade, iniciando só mais tarde suas meditações sobre sistemas
redutores de complexidade.
Nesse novo conceito, passa a dividir o sistema social em
diversos
sistemas
parcias,
funcionalmente
especificados
e
autopoiéticos. Dessa maneira, cada sistema é regido por seu código
próprio, responsável por um fechamento operacional alcançado
através da auto-observação, da recursividade e da codificação. E o
isolamento - proporcionado por essa independência - é minimizado
pelo chamado “acoplamento estrutural”.
Com relação mais especificamente ao direito, entende que este
se desvincula dos valores sociais, como justica e verdade, para
ganhar
abstração
procedimento.
A
e
ser
institucionalizado
legitimidade,
portanto,
através
advém
da
de
um
legalidade
procedimental da criação das normas - e estas passam a valer, ainda
que baseadas numa aparente adesão, como um consenso presumido
e não necessariamente real.
Jürgen Habermas, entretanto, já formula sua teoria baseada na
ação comunicativa e na ética do discurso. Entende que a evolução da
sociedade se dá por meio do desenvolvimento do juízo e do sistema
moral, substituindo a “razão prática” pela razão comunicativa. Nesse
sentido, se apoia em idealizações - não em fatos -, acreditando que
os argumentos são capazes de garantir uma intersubjetividade mais
elevada, em que o interesse próprio se harmonize com o coletivo.
Em vista disso, acredita ser possível o alcance de um consenso
operacional da sociedade em sua totalidade. As normas devem
refletir processos de entendimento racionais, eis que obtidas de uma
consciência comum. Na teoria comunicativa não há observadores,
mas sim falantes e ouvites. Cultura, sociedade e estruturas de
personalidade se pressupõem. E o Direito faz uma reconstrução
prático-moral da sociedade, buscando a cooperação da verdade.
Há, portanto, uma preservação da relação interna existente
entre Direito, Política e Moral, estando o primeiro inserido ao
componente social do mundo da vida como um sistema de ação. Daí
interagir com a sociedade na sua totalidade, independente de
códigos,
preservando
sempre
o
sentido
ilocucionário
de
seus
preceitos.
Pelo o que foi esmiuçado anteriormente, essas são as principais
diferenças destacadas entre as duas teorias estudadas. Mas esses
dois autores não se ligam somente por suas distinções.
Tanto Jürgen Habermas como Niklas Luhmann nasceram na
Alemanha, sendo ambos influenciados por uma mesma época. O
primeiro nasceu em 1929, enquanto o segundo, em 1927. Além
disso, os dois lecionaram na Escola de Frankfurt - ainda que Luhmann
o tenha feito por um período curto -, sofrendo influências dos estudos
desenvolvidos pelos pesquisadores da Instituição.
Quanto ao trabalho téorico, observa-se em ambas as teorias
um abandono do componente moral e uma convergência no estudo
de uma nova sociedade “pagã”, subdividida não mais por quotas, mas
sim por sistemas funcionalmente especificados e complexos.
Desse modo, ainda que discordem quanto à operacionalização
dos procedimentos, as teorias entendem que a legitimidade do
sistema jurídico advém de um mecanismo procedimental baseado na
legalidade.
Igualmente, não negam a função do Direito de estabilizar
expectativas sociais - mesmo que por meio de mecanismos diferentes
-, posto que Habermas defende com bastante ênfase a ligação do
jurídico com “a força social que integra o agir comunicativo”.
Por todo o exposto, conclui-se que, apesar de traçarem
caminhos aparentemente tão opostos, esses dois grandes sociológos
do direito possuem certos aspectos em comum, eis que em alguns
pontos suas teorias convergem. O que Habermas chama de input e
output, por exemplo, Luhmann chama de acoplamento estrutural. E
quanto às distinções de conceitos e abordagens, delineadas muitas
vezes por questões semânticas, a
dialética entre essas duas
perspectivas figura como característica necessária e indispensável
para a consecução e manutenção de um Estado Democrático de
Direito.
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