DIVERSIDADE E COMPLEXIDADE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA: RESGATE DO SABER DA EXPERIÊNCIA À LUZ DA HETEROGENEIDADE, CULTURA, LAZER E EDUCAÇÃO Tereza Luiza de França NIEL-DEF-CCS-UFPE - Doutorado em Educação-UFRN Katia Brandão Cavalcanti Base de Pesquisa Corporeidade e Educação-DEF-UFRN A diversidade e complexidade características inerentes de práticas sociais, revelam em essência que a história da humanidade é constituída de diferentes formas e com diferentes concepções ditadas e asseguradas pelas determinações1 de cada momento histórico. Dos efeitos desse ir e vir da história são impostas exigências, a partir do progresso científico, educacional e tecnológico que, ao mesmo tempo, criam e propiciam avanços significativos para a melhoria da qualidade de vida, provocam, também, trágicas conseqüências ao homem2. Nele, são traçados contornos que o aproxima ou o distancia do outro e faz presente e atuante no mundo que permanece em aceleradas e múltiplas transformações. Sob o enfoque de HOSSNE,1999, p. 15, a ciência evoluiu mais nos últimos 50 anos do que nos últimos 5 3 séculos. Esta evolução, forte indicador de que estamos vivendo um momento , resguardada as proporções históricas, de efervescência em níveis qualitativo e consideravelmente superior àquele que existia em séculos passados. Este é um dado relevante que indica investimentos significativos em diferentes setores econômico-político-educacional-sociais, na tentativa de buscar respostas às tais exigências, tanto em nível nacional quanto em nível internacional. Dessa real situação, no cenário do sistema educacional, é possível identificar traços que desenham uma educação com tendências asseguradas por processo de cunho reprodutivo4 ou por um processo de cunho revolucionário, os quais interferem5 diretamente no processo de formação humana. 1 Atualmente, tais determinações, também, são ditadas pelas orientações dos diferentes setores do governo brasileiro que seguem, em nível nacional, indicações como diretrizes para a formulação de políticas educacionais, como por exemplo o ordenamento legal, traduzido na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, nas Diretrizes Curriculares para a Educação Superior, nos Parâmetros Curriculares Nacionais e em outras políticas adotadas para o sistema educacional. 2 Ao utilizar o termo homem, busquei compreendê-lo considerando às questões de gênero, homem - mulher, em suas especificidades e fundamentalmente compreender, este homem e mulher segundo a Adolfo Sánchez Vázquez(1986, p. 11), para o qual o homem é um ser social e histórico, ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico. Homem comum e corrente, que se considera a si mesmo como verdadeiro homem prático, é ele que vive e age praticamente. Dentro de seu mundo as coisas não apenas são e existem em si, como também são e existem, principalmente, por sua significação prática, na medida em que satisfazem necessidades imediatas de sua vida cotidiana. 3 Aqui é importante ressaltar as afirmações de Cesário, 2001, p. 21, ao afirmar que os problemas situados, hoje, em nosso campo educacional constituem-se de processos históricos que marcam a corrida do país para o desenvolvimento industrial e tecnológico, sacrificando, na maioria das vezes, a qualidade da educação. O país, para sobreviver aos ajustes desenvolvimentistas, cria políticas educacionais baseadas na desresponsabilidade do Estado, desvalorização da educação, desqualificação docente, sucateamento das escolas de formação profissional, desvalorização do patrimônio público, perda das conquistas e direitos trabalhistas, entre outros. 4 Ibid., p. 25, ao citar Fidalgo, 1994, p. 32 , comenta que para a educação, algumas implicações ficam bastantes nítidas nesse movimento. O caráter adestrador do tecnicismo, tão presente nos sistemas de ensino e principalmente na formação profissionalizante, não deixa de estar presente na formação exigida por essas mudanças, que requer do trabalhador uma enorme capacidade de adaptação (....) mas necessita ao mesmo tempo, a formação de hábitos anteriormente esquecidos pela escola, tais como: a participação, a cooperação e a multifuncionalidade. 5 Um marco desta interferência localiza-se no contínuo desenvolvimento do trabalho maquínico redobrado pela revolução da informática, onde por conta das forças produtivas desta revolução, vão tornar disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana potencial. Neste contexto, a reflexão pedagógica ganha aqui relevância social objetivando viabilizar estratégicas efetivas acerca do trato do conhecimento de formas a colocar problemáticas no confronto do dia-a-dia com os limites e possibilidades as quais lhes são impostos. Para dá conta deste desafio, torna-se necessário a construção de práticas numa perspectiva revolucionária congregando a participação de todos, contribuindo com responsabilidades para a formação de cidadãos através do acesso a experiências e vivências, fazendo-se necessário (re)elaborar conhecimentos que se expressam em conceitos, atitudes e processos, imprescindíveis para a vida em sociedades complexas6. Neste quadro, considerando a diversidade e complexidade de uma prática pedagógica viva e que possa cumprir com o papel de ampliar a capacidade reflexiva do educador e do educando acerca desta realidade contraditória, é necessário o compromisso coletivo para a construção de um projeto político pedagógico em que novas perspectivas educacionais sejam visualizadas e ancoradas em ações interdisciplinares de caráter interativo/integrativo, que venham consolidar uma formação humana enfatizando a dimensão conceitual de cunho científico, criativo, produtivo; a dimensão atitudinal de cunho valorativo e a dimensão processual de cunho dialético, participativo. Esta é uma prática pedagógica crítica implicando a concretude de um processo dinâmico e dialético para o pensar e o fazer. Um pensar e fazer que supere o ingênuo reprodutivo e que venha enfatizar a reflexão crítica sobre esta prática. Um pensamento complexo7 que imponha, também, viver processos propiciando condições objetivas para manter relações uns com os outros, num misto de experiências vislumbrando a compreensão do valor dos sentimentos e das emoções. Nesta direção, deve-se privilegiar uma prática pedagógica no contexto dos demais fatores intervenientes do processo formativo, entendendo-a como prática social existente no interior da formação profissional, formação docente, educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos, construída cotidianamente nos diferentes níveis do saber, objetivando ampliar a reflexão e a capacidade de intervenção crítica e criativa de cidadãos responsáveis pela criação e organização da realidade social. Assim, sua função social é ordenar a reflexão do educador para interferir socialmente dentro de determinada lógica, a lógica dialética8. Lógica, que tem como eixo norteador a amplitude e qualidade da reflexão numa perspectiva de constatação, sistematização, análise, interpretações, compreensão, explicação e avaliação desta mesma realidade. Espera-se que esta prática, muito embora não apenas ela, contribua com elementos necessários para a qualificação e formação do homem pleno no exercício responsável do papel de cidadão. Isto significa viver práticas que ofereça a aquisição de conhecimentos, compreensão de idéias e valores, formação de hábitos de convivência num mundo complexo e plural, resgatando o saber cultural como condição para a multidimensionalidade do exercício de ações que não produzam novas segmentações, mas contribuam para tornar a sociedade mais justa, solidária e integrada. No entanto, essa responsabilidade emancipatória da prática pedagógica, ainda confronta-se com concepções equivocadas que se colocam enquanto instrumentos de reprodução em diferentes 6 Em Cesário, op. cit., p. 29, fica evidente a o nível de complexidade de uma sociedade sob a égide do capital, pois conforme destaca a autora o embate entre os dois projetos de sociedade – civil e dos governantes –continuou pautado numa visão estática da mesma. De acordo com essa concepção, a sociedade já se encontra transformada, tendo na figura de seus governantes a busca de mecanismos que melhor possibilitem aos indivíduos seu ajustamento nessa ordem social. Dessa forma, adquirimos uma visão de mundo e de sociedade no sentido de já se encontrar pronta e estruturada, criada, a partir de uma leitura factual, cronológica e ahistórica da realidade, onde não nos resta mais nada a fazer, a não ser contribuir para o desenvolvimento e manutenção da ordem já estabelecida. 7 A este respeito estou valendo-me das afirmações de Morin(1997, p. 11), quando faz a abertura da obra sobre ensaios de complexidade, que ao escrever com profunda propriedade, destaca o pensamento complexo como um pensamento que pratica o abraço. Ele se prolonga na ética da solidariedade. Ao mesmo tempo, o pensamento complexo redescobre o individual, o contigente e o perecível que haviam sido desprezados pela metafísica, pela ciência e pela técnica ocidental. O que há de mais belo, de mais comovente, de mais precioso, é o que é o mais frágil, ou seja, o mais perecível, o mais contigente, o mais individual. 8 Como um processo universal e necessário, destinado a conhecer e a plasmar a realidade de modo a não deixar de fora nada de si. Pois, o homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático.(Kosik, 1976, 58) campos de atuação do educador. Concepções que persistem em orientar o educador na esteira de visões reducionistas, ampliando distanciamentos tanto para o entendimento crítico, quanto para as possíveis formas participativas de superação dos problemas sócio-educativos, dando-se ênfase ao ensino de disciplinas, métodos e técnicas dicotômicos e/ou obsoletos, onde evidenciam-se fracassos no desempenho do educador seja na escola, na universidade e/ou aplicadas às diferentes situações educativas. Mergulhar no cotidiano9 da vida do educador, refletir a prática pedagógica é investir para a superação de limites, significa compreender que o trabalho do educador é parte integrante do projeto educativo mais global, pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social, de forma que possa exercer seu papel como sujeito capaz de intervir, efetiva e conscientemente nas relações estabelecidas no contexto socio-político-educacional. Essa preparação é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, pois a apropriação do saber garante ao indivíduo os elementos substanciais para atuar como cidadão - agente de transformação. No meu entender, essa responsabilidade básica da prática pedagógica tem, como política de educação, tratar o conhecimento à luz das teorias pedagógicas que possam responder, com competência, à crise orgânica10 por que passa a educação brasileira, dentro do bojo da crise estrutural do capitalismo, reafirmando, através de ações responsáveis, o compromisso de uma educação de qualidade para todos. Assim, a prática pedagógica, por se constituir parte integrante da dinâmica da relação e das formas de organização social, exige do educador saberes para responder a essas situações-problemas e que o qualifique de forma a compreender as diferentes relações que se estabelecem na sociedade para (re)elaborar, executar e controlar o seu processo de trabalho. Portanto, o educador necessita de uma formação profissional sólida, tendo em vista a qualidade de ensino exigida pelo contexto no qual se desenvolve sua ação pedagógica. Entendo que uma ação educativa consistente e dialética deve garantir ao educador condições para atuar no seu meio, sofrendo e exercendo influências, estabelecendo uma estreita relação com o mundo. Essa relação é estabelecida quando o educador envolvido na dinâmica educativa, consegue elaborar e organizar, de forma concreta, seus interesses, objetivos e as estratégias encaminhando ao processo educativo ações para superar o compromisso com a reprodução e assumir o compromisso com a transformação, com o objetivo de melhorar a qualidade de ensino por meio de uma proposta pedagógica que tenha como pressuposto central modificar, modernizar e humanizar as estruturas sociais vigentes. Para assumir compromisso com um processo que busca esta transformação, cabe ao educador ter clareza de que o meio social em que vive é fator determinante na educação, pois, conforme afirma Freitas, 1995, p. 17), não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma exigência de vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais, e políticas da coletividade. 9 A respeito do cotidiano da vida, tomamos como referência os estudos de Castro, (1997, p. 175), quando afirma que a indeterminação dos acontecimentos e a incerteza da vida diante da imposição dos limites nos fazem admitir que o cotidiano possui um considerável grau de desordem, tamanha é a vastidão de incertezas que o povoam. Um estranhamento ou um espanto filosófico diante do cotidiano são suficientes para garantir que, além da cega doutrina do mesmo a desencadear o mundo, o contínuo movimento de reencatamento desse também acontece por intermédio dele. 10 Crise orgânica é aqui entendida por situação-problema que desencadeia o processo reflexivo o qual permite a formulação de pedagogias que respaldem a ação pedagógica das classes contendoras. A crise orgânica se constitui, pois, na situação conscientizadora da necessidade. Necessidade urgente de uma nova ordem social. Necessidade também urgente de uma educação que contribua para a construção dessa nova ordem social que a crise orgânica exige e anuncia. Seja pela modernização da tecnologia e das relações ideológico-políticas, seja por uma real alteração dos pressupostos da ordem até então dominante, dependendo da correlação de forças que for possível estabelecer no interior da crise, e da opção por um dos lados na luta pela hegemonia.(Souza, 1987, p. 176-177). Isso significa articular ações, partindo da perspectiva de uma prática pedagógica à luz da heterogeneidade cultural, propiciando acesso aos bens construídos11 pela humanidade como por exemplo o lazer e a educação. Significa materializar uma prática social atenta para que as ações por ela desenvolvida considerem as implicações que são inerentes ao processo educativo e as implicações próprias do contexto que determinam as relações estabelecidas na sociedade. Nesse sentido, a prática pedagógica é tratada como capaz de elevar os simples a uma condição superior de vida, objetivando uma dinâmica que garanta a apropriação de saberes que capacitam, motivam e possibilitam ao educador organizar e conduzir o ensino, materializar concepções, teorias, metas, propostas, programas. Nesse contexto, a decodificação do universo, seus símbolos, signos, escolhas e opções de teorias pedagógicas, devem ser expressas na práxis educativa, através da efetiva reflexão crítica da ação pedagógica, redimensionando as intenções e intencionalidades, perspectivando temáticas na busca da superação do "status" do macrossistema. Esse salto de qualitativo busca superar a postura neutra do educador expressa na falácia daqueles que, assumindo a servidão voluntária, permanecem a serviço do sistema reprodutor e excludente. O fundamental é o educador, ao desenvolver sua prática pedagógica, compreendê-la enquanto parte integrante da dinâmica das relações sociais, das formas de organização social e explorá-la em suas contradições manifestas no interior do ato educativo. Isso é possível quando entende-se o espaço pedagógico, como espaço de luta capaz de trazer elementos significativos para repensar e operar mudanças no sistema social global. Como afirma Gadotti,(1986, p. 14), o espaço pedagógico-político é certamente dependente de legislação, das normas, dos programas etc., mas permite uma relativa autonomia. Nele, o trabalho crítico não consiste apenas em denunciar a domestificação, a seletividade, a injustiça salarial etc. , mas consiste, igualmente, em pesquisar e apontar reais soluções. Esperar a grande mudança social para depois operar a modificação na educação, acobertando-se uma pseudoteoria da dependência ou da reprodução social, é um álibi para justificar a passividade e a inércia dos educadores e cientistas da educação, traindo sua função de "organizador" da sociedade, enquanto intelectuais que são de uma classe. Romper com a postura de passividade diante dos fatos, apresenta-se como uma possibilidade de conquista deste espaço pedagógico-político, concorrendo para concretizar, através da açãoreflexão-ação, que o educador deve realizar a cada momento na tentativa de buscar caminhos e novos rumos para consolidar a práxis transformadora. Necessariamente, isso implica que a prática pedagógica esteja dirigida por todos os envolvidos, a partir de uma intencionalidade sistemática e planejada, vislumbrando a apropriação do saber construído historicamente. Cabe, também, ao educador, numa relação de cumplicidade com seus pares, (re)orientar a busca para a construção do conhecimento de qualidade e relevante socialmente. Essa atitude deve ser precedida por um constante diálogo heterogeneidade e diversidade do mundo e da heterogeneidade e diversidade inerentes à sua prática pedagógica, onde o conhecimento tratado desde sua origem ou gênese, a fim de possibilitar ao aluno a visão de historicidade, permitindo-lhe compreender-se enquanto sujeito histórico, capaz de interferir nos rumos de sua vida privada e da atividade social sistematizada, tratada metodologicamente de forma a favorecer a compreensão dos princípios da lógica dialética materialista: totalidade, movimento, mudança, qualidade e contradição. É organizado de modo a ser compreendido como provisório, produzido historicamente e de forma espiralada.(Coletivo de Autores, 1992, p. 212.) É, justamente a partir desses entendimentos, voltada para ação-reflexão-ação e atentando para a busca de mudanças, que se justifica refletir sobre prática pedagógica com o objetivo de, a 11 Este fantástico acervo cultural constitui saberes a ser sistematicamente tratados na prática pedagógica, favorecendo: identificação de estilos e hábitos a partir de indicadores da cultura e do âmbito da vida em sociedade; o reconhecimento dos fatores motivacionais referentes às práticas e o desenvolvimento do sentido e significado do fazer, tanto no trato dos conteúdos tematizados, como por exemplo temas da cultura popular, quanto nas relações sociais mais amplas, como por exemplo temas transversais, proporcionando oportunidades de questionar o existente e tentar modelos alternativos. partir deste estudo que se configura como um desdobramento da pesquisa de doutoramento, resgatar o trato de saberes que qualifiquem e potencializem a atuação de educadores. Tomando e explicitando posições na discussão da heterogeneidade, cultura e educação para subsidiar e concretizar o propósito de articular saberes da experiência, provocando inquietações, indagações e reflexões em torno de práticas pedagógicas, tomando como universo o campo do lazer/corporeidade e suas dimensões de totalidade, aproximações e identificações, até onde suas especificidades permitem. Assim, ao abordar este estudo à luz de saberes da educação, lazer, corporeidade, pretende-se caracterizar intervenções com base em orientações metodológicas da Etnometodologia(Coulon,1995), resgatando a compreensão do humano como sujeito sensível construído em sua práxis social, tomando como norte o mundo vivido, que possibilita compreenderse, comentar-se, analisar-se, apreendendo os fenômenos a partir das interações com e no social. É preciso sonhar, é preciso persistir e superar os limites que se colocam a cada passo. É no caminhar que podemos perceber se os procedimentos adotados são realmente eficazes e eficientes. São estes procedimentos que nos podem desvelar o mundo com outras cores, outros sentidos e outros significados. Perceber o sabor da vida. Vida esta, complexa e, por assim o ser, difícil de ser tratada por um só foco. Portanto, é fundamental investir na busca dos elementos essenciais para orientar o caminho. É preciso reformar o pensamento que balisa, que formata o pensamento linear12, que toma por referência o modelo cartesiano e a lógica aristolética do fazer, do construir. Nestas bases, o resultado é sempre previsível, generalista e/ou equivocado. Pois, à luz da complexidade cotidiana, o que conduz a busca de tais afirmações é o cunho autoritário, reducionista e excludente de assertivas como essas poderia nos levar a concordar com aqueles que dizem que, neste fim de século, a ‘competitividade, a ganância e a certeza de que as vitórias só valem quando o adversário é eliminado acabaram produzindo a emergência de um misticismo compensatório. É claro que não é assim – mas isso não pode ser entendido apenas por meio do raciocínio linear (Mariotti, 2000, p.52). Na esteira deste estudo, foi possível perceber que para a prática pedagógica dar conta das indagações o que fazer? como fazer? para que fazer? é condição essencial ter clara as intenções, inquietações, desejos, e adotar procedimentos respaldados numa literatura própria e que possa favorecer este caminhar. Esta é uma atitude investigativa à luz do pensamento complexo trás indicadores para indagar e descobrir a realidade e bases teóricas sólidas e consistentes que impõem disciplina constante, deve proporcionar prazer. Um prazer permanente, tanto nos momentos de busca como nos momentos de respostas. Mas, sobretudo tornar efetiva a reflexão sobre o que pretendemos pesquisar. Entretanto, esta reflexão deve ser constituída a partir de exigências13 filosófico-científico-pedagógicas para alimentar todo processo de construção do conhecimento. Esta efetiva reflexão implica no descobrimento da realidade humana, condição básica para alguém que busca desvelar e construir, a partir desta realidade - o conhecimento. 12 Este pensamento linear toma para si hipóteses generalizadas para responder inquietações diferenciadas ou mesmo para ler o mundo com o objetivo de localizar dados visando negar e/ou fortalecer afirmações. Conduz o indivíduo a fazer um recorte daquilo que deseja ver ou com aquilo que estar comprometido. Fazendo, assim, com que seja priorizado, dentro de um dado contexto, unicamente aquilo que lhes interessa. Atitude que coloca o contexto em uma função secundária e, muitas vezes, deixando de lado sua totalidade complexa. Estas atitudes reforçam a linearidade, o que deixa frágil o objetivo pretendido. O que prevalece é a unidimensionalidade sempre presente em procedimentos com base na lógica linear. O que prevalece é o entendimento de que: ‘todo mundo estar feliz’; ‘estamos no mesmo barco, se ele afundar todos morremos juntos’; ‘somos o que somos, porque no mundo as coisas acontecem desta forma’; ou ainda, ‘a história mostra que sempre os mais fortes são os vencedores’ . 13 Estas exigências aqui colocadas, levam em conta os requisitos adotados por Dermeval Saviani(1986, p. 24), quando em seus estudos discutem A filosofia na formação do educador. Alerta o autor que, para refletir sobre os problemas que a realidade apresenta, deve-se considerar pelo menos três requisitos básicos: a radicalidade – exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, é preciso que se vá até as raízes da questão; o rigor – proceder com rigor, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar; a globalidade – o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto. Morin, (1997, p. 17), ao escrever sobre complexidade e liberdade, nos alerta que refletir quer dizer, ao mesmo tempo: a) pensar, repensar, deixar descansar, imaginar sob diversos aspectos o problema, a idéia; a) olhar o seu próprio olhar olhando, refletir-se a si mesmo na reflexão. É preciso alimentar o conhecimento com a reflexão; é preciso alimentar a reflexão com o conhecimento. Esta maneira de aprofundarmos a compreensão acerca dos fenômenos que buscamos desvelar e explicar, sintonizados à concepção geral da realidade, exige do pesquisador uma ampla e contextualizada reinterpretação do modo de pensar essa mesma realidade. Sendo o objetivo deste texto proporcionar uma (re)visão crítica acerca da diversidade e complexidade da prática pedagógica, resgatando saberes da experiência à luz da heterogeneidade, cultura, lazer e educação, para apontar as possíveis contribuições de uma dada metodologia que possibilite desvelar esta relação, torna-se imprescindível encarar a problemática do ponto de vista da realidade concreta onde esta está inserida. Assim, partindo dos pressupostos expressos anteriormente que sustentam o conhecimento da realidade como possibilidade de agir sobre ela adequadamente. Esta constatação nos revela a necessidade de adotar técnicas e/ou métodos eficazes que a partir desta realidade, reexaminar suas manifestações, pondo em questão as concepções nela asseguradas. Nesta esteira teórica, adotamos a Etnometodologia14 por entender que esta perspectiva metodológica assegura sistemas de valores para tornar possível ‘saber ver’, ‘saber esperar’, ‘saber conversar’, ‘saber amar’, ‘saber abraçar’15. Estes são saberes indispensável para um caminhar investigativo em que se adota um acervo teórico-metodológico à luz do pensamento complexo, valendo-se de diferentes enfoques toma como eixo norteador da ação investigativa o desvelar do mundo vivido, na medida em que seus princípios possibilitam compreender-se, comentar-se, analisar-se, apreendendo os fenômenos a partir das interações com o e no social, para ser capaz de compreender os nexos da existência humana, para ver e ler o mundo. Isto implica, em se tratando da prática pedagógica, no reconhecimento da cultura construída e acumulada pela humanidade como uma fonte de saber, a qual possibilite extrair saberes para aprofundar reflexões, (re)elaborar e (re)descobrir a práxis do cotidiano enquanto laboratório de aplicação, exploração e criação, visando superar limites e pensar práticas em diferentes áreas numa inter-relação com e para as manifestações, concretizando objetivos expressos nos desejos, nos anseios, nos projetos de vida enquanto valor da própria vida. (Re)elaborar e (re)descobrir esta prática implica em localizá-la a partir das dimensões16 diagnóstica, judicativa e teleológica, como exigências colocadas para tal reflexão, enquanto 14 A palavra ‘Etnometodologia’ não deve ser entendida como uma metodologia específica da etnologia ou uma nova abordagem metodológica da sociologia. Sua originalidade não reside aí, mas em sua concepção teórica dos fenômenos sociais. O projeto científico desta corrente é analisar os métodos – ou, se quisermos os procedimentos - que os indivíduos utilizam para levar a termo as diferentes operações que realizam em sua vida cotidiana. Trata-se da análise das maneiras habituais de proceder mobilizadas pelos atores sociais comuns a fim de realizar suas ações habituais”. Coulon(1995, p. 15) 15 Estes são os cinco saberes do pensamento complexo, apresentado por Humberto Mariotti(2000, p. 295-318). Os quais, segundo o autor, devem ser tomados numa perspectiva de inter-relação, pois dependem uns dos outros para serem vividos em sua plenitude. Para ele esses saberes significam: Saber ver é saber ver o outro, único ponto de partida realmente humano para começar a enxergar o mundo. Saber esperar não é uma condição que deriva de um conjunto de regras, de um sistema filosófico ou de uma disciplina pragmática. Tampouco é uma condição transcendente, à qual devemos nos curvar movidos pela fé. Trata-se de uma dimensão importante da condição humana, e negá-la é negar a própria essência do viver. Saber conversar é saber ser livre. O principal aqui consiste em fazer com que os conteúdos inconsciente venham à tona, para que possamos tentar examiná-los e, dentro do possível, fazer escolhas. Saber amar, é perceber que o amor se expande a inteligência, e parece não haver dúvidas a esse respeito. Nesse sentido, sustento que viver a biologia do amor é viver inteligentemente. De modo competente, o que significa, entre outras coisas, deixar de querer reduzir mistérios a problemas e vice-versa. A inteligência é ao mesmo tempo o resultado do amor e a vertente que o faz brotar. Saber abraçar é compreender quer a essência do ser humano se define por meio de sua relação com o mundo, e guarda também uma afinidade indispensável com a totalidade de Ser. Não há pois individualidade sem interpessoalidade. 16 Resgatando o pensamento de Souza(1987, p. 177-79), a dimensão diagnóstica busca permitir um diagnóstico, o mais completo e significativo possível. A dimensão judicativa onde tem que optar pela construção da hegemonia da classe trabalhadora ou pela classe exploradora na situação concreta de crise orgânica em que se encontra. A dimensão teleológica propõe um tipo de intervenção e a forma de fazê-la entendida como um instrumento imprescindível para (re)dimensionar a prática pedagógica levando em conta suas características para realizá-la voltada para a leitura e constatação da realidade, partindo do real concreto17 do fenômeno, interpretando-o e julgando-o, emitindo juízos de valores. Nesse movimento, a leitura e julgamento, por sua vez, apontam na direção moral, intelectual, política e pedagógica que nos aproxima de sua perspectiva de construção teórica tendo, como referência, o real concreto para promover a superação da dominação existente em nossa sociedade. Essa reflexão, necessariamente, passa a fundamentar a disputa pelo controle do processo educacional e apropriação do saberes, ao mesmo tempo que aflora elementos que possam contribuir com ações e valores para a construção de um processo civilizatório. Essa disposição é vinculada ao compromisso de construção, desenvolvimento e ampliação da práxis educativa através da qual o homem aprende, compreende e transforma as circunstâncias ao mesmo tempo em que é transformado por ela. É, sobretudo, optar por caminhos que apontem rumos significativos e que objetivam contribuir para elaboração e desenvolvimento de novas aprendizagens socais, ou seja, para o saber do sabor e o sabor do saber.(Alves,1999, p 13). A guisa de conclusão (re)afirmo que teorizar, historicisar e problematizar temáticas à luz dos saberes necessários à formação de sujeitos crítico-reflexivos é o desafio para todo educador. Tornando-se imprescindível assegurar pressupostos básicos, levando em conta as exigências do contexto e as amplas questões interplanetárias, assegurar concepções sobre lazer enquanto fator de qualidade de vida. Neste processo, consideramos fundamental tomar a corporeidade enquanto mediadora do processo de construção das práticas, para ser possível tratar o conhecimento a partir da unidade na multiplicidade, resgatando a ética do gênero humano. Assim, faz-se necessário viver práticas com a presença do elemento lúdico como experiência estética o que fazer surgir uma nova ética e compreender a dinâmica da formação e atuação do educador como parte de um projeto político pedagógico de humanização. Para tanto, é chamada uma prática pedagógica capaz de problematizar e alterar a produção de conhecimento, as relações de poder e as formas de comunicação e linguagem de maneira critica, criativa, participativa, reflexiva, dialógica, interativa, interpretativa, persuasiva, argumentativa, que significam indicadores de qualidade na prática pedagógica, na perspectiva de um projeto de escolarização voltado para a formação omnilateral, para a emancipação humana e social. Tal prática terá sempre como meta buscar consolidar práticas lúdicas diferenciadas para (re)significar o ler e interpretar do real, mergulhando no imaginário social, resgatando saberes da experiência – expressos pelos códigos, signos e mitos do imaginário cultural, os quais são atributos da realidade percebida., construídos e expressos através dos símbolos. Para a partir deste imaginário sociocultural do educador, através do resgate dos saberes da experiência, recriar e reordenar a realidade como campo da interpretação do real. Por fim recomendamos os seguintes procedimentos para aprofundar a reflexão: ¾ Observação sistemática, rigorosa, criteriosa, com meios científicos e instrumentais tecnológicos da prática pedagógica no trato com o conhecimento e das aprendizagens privilegiadas; ¾ Análise do tempo pedagógico para as aprendizagens significativas definidas pelo projeto de escolarização e formação; ¾ Análise das relações interativas/relacionais nas aulas, nas relações de poder estabelecidas; ¾ Sistematização de conhecimentos a partir da literatura, sobre proposições metodológicas para consolidar uma prática pedagógica eficiente e qualitativa. 17 À luz da reflexão sobre o real concreto, a realidade existente no meio social em que se realiza a ação, exige analise, não da aparência, mas, precisamente, da essência do fenômeno, produzindo exigências de acordo com a referência apresentada por Kosik(1976, p. 09-10), ao afirma que o pensamento dialético distingue representação e conceito da coisa, com isso não pretendendo apenas distinguir duas formas e dois graus de conhecimento da realidade, mas especialmente e sobretudo duas qualidades da práxis humana. A realidade não se apresenta aos homens à primeira vista, o indivíduo "em situação" cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade. ¾ fortalecer práticas de cunho lúdico, preparando e estimulando enfrentar as incertezas, provocando a reflexão para optar por vivências lúdicas que levem em conta as complexidades inerentes às suas próprias finalidades. ¾ formular processos para reforma mentalidades e ensinar a compreensão no sentido de romper com uma dada visão fragmentada, dogmática, reducionista da corporeidade e uma dada visão “funcionalista”, “a-crítica” do lazer, superando a superficialidade e mergulhando na essência do ser no mundo. ¾ resgatar saberes da experi6encia, mediados pela corporeidade, prevalecendo a ética do gênero humano da vivência lúdica como experiência estética que faz surgir uma nova ética, a qual visa compreender o corpo como indivíduo/sociedade/espécie de forma cultural, o que pressupõe o respeito a unidade na diversidade, desenvolver uma ética solidária, uma ética da compreensão uma ética do gênero humano. Esta é uma tarefa histórica, que tem em si desdobramentos no cotidiano dos educadores brasileiros e implica em assumir compromissos contínuo, sistemático e permanente para realizar transformações imediatas e mediatas, no âmbito da subjetividade das relações humanas individuais e sociais. Uma tarefa histórica educacional sintonizada com outros setores da sociedade, com o mundo e com outras lutas, resgatando o coletivo de outras instâncias, o que implica na organização de um coletivo político, como este e outros para (des)construir para (re)construir; de (des)organizar para (re)organizar à luz de atitudes interdisciplinares com suporte no pesquisar, estudar, experimentar, vivenciar, teorizar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Rubem. Filosofia da ciência – introdução ao jogo e as suas regras. São Paulo : Editora Brasiliense, 1999. ASSMANN, J. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba, SP : Ed. da UNIMEP, 1993. CASTRO, Gustavo de. et ali(Org.) Ensaios de complexidade. 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