Comunicado 108 Técnico Cruz das Almas-BA Dezembro, 2004 Cultivo do Abacaxizeiro Consorciação e Rotação de Culturas Getúlio Augusto Pinto da Cunha¹ Aspectos gerais Ainda que existam grandes plantios de abacaxi no mundo, utilizando tecnologia avançada, essa cultura é explorada, na maioria dos casos, por pequenos e médios agricultores. Esse fato, de certo modo, dificulta a introdução/adoção de novas técnicas de cultivo desenvolvidas pela pesquisa, principalmente naquelas regiões onde a abacaxicultura não tem o devido respaldo da assistência técnico-credíticia, nem a garantia de comercialização. Por isso mesmo, o agricultor enfrenta um maior risco no seu empreendimento/ investimento, o que torna a consorciação de culturas altamente recomendável. A cultura do abacaxi apresenta alta rentabilidade econômica, apesar de requerer tratos culturais intensivos, o que encarece o custo de produção, além de que os mercados de destino desse fruto exigem produtos de alta qualidade. Assim, para se alcançar um rendimento satisfatório, são necessários altos investimentos, o que os abacaxicultores em geral não podem fazer, a não ser que sejam assistidos por cooperativas ou associações de classe. Por esses motivos, em várias regiões produtoras de abacaxi do mundo, os agricultores têm procurado minimizar os riscos decorrentes da sua exploração, 1 adotando o cultivo consorciado, especialmente com culturas alimentares de ciclo curto. Acredita-se que tal sistema de cultivo, além de não causar maiores problemas às culturas consorciadas, é altamente benéfico do ponto de vista sócio-econômico para o agricultor, que tem sua renda aumentada e qualidade de vida melhorada. Resultados de consorciação em abacaxicultura Os fatos relatados acima conduziram à realização de pesquisas, em diferentes regiões produtoras de abacaxi, o que por certo orientará o abacaxicultor na escolha do melhor consórcio para suas condições. Em experimentos conduzidos na Paraíba, observou-se que as culturas do feijão comum, caupi, amendoim e girassol, plantadas em linhas alternadas, não causaram redução na produtividade do abacaxizeiro, nos espaçamentos de 0,90 x 0,30 m e 0,80 x 0,30 m (Choairy & Bosco, 1983; Choairy et al., 1986). Esse sistema aumentou a renda líquida do agricultor, pela colheita de 269 kg ha–1, 560 kg ha–1 e 428 kg ha–1 (espaçamento de 0,90 x 0,30 m) e de 297 kg ha–1, 680 kg ha–1 e 482 kg ha–1 (espaçamento de 0,80 x 0,30 m), respectivamente, para as culturas do Engo. Agrônomo, D.Sc. Pesquisador, Embrapa Mandioca e Fruticultura, Caixa Postal 07, 44380-000, Cruz das Almas-Bahia, e-mail: [email protected] 2 Cultivo do Abacaxizeiro - Consorciação e Rotação de Culturas feijão comum, caupi e amendoim, sendo este último a melhor opção de consórcio em termos econômicos (taxa se obter: 18 - 20 t ha–1 de tomate; 2,5 – 3,0 t ha–1 de amendoim; e 3,0 t ha–1 de quiabo (Osseni, 1985). de retorno igual a 2,05). A produção do girassol foi de 390 kg ha–1. O rendimento do abacaxi variou de 47,7 a Observou-se, no entanto, que o consórcio e a rotação do abacaxi com milho não são favoráveis, pois após a 51,9 t ha–1 (cultivo solteiro) e de 50,0 a 55,2 t ha–1 (cultivo consorciado), com peso médio do fruto sem coroa colheita desse último, alguns insetos passaram a atacar a folha do abacaxizeiro, abrindo portas de entrada para entre 1.280 e 1.360 g. determinados fungos (Osseni & Marchal, 1986). Ademais, os nematóides que atacaram o abacaxizeiro também Na Bahia, o cultivo consorciado de abacaxi com mandioca provocou diminuição marcante do crescimento vegetativo da planta, produtividade, peso e tamanho do fruto e afetaram o milho, reduzindo seu rendimento de 4,0 t para apenas 0,3 t ha–1. número de mudas do tipo filhote por abacaxizeiro (Embrapa/CNPMF, 1985). O plantio das duas culturas foi Os pequenos abacaxicultores da Martinica comumente exploram a 2ª safra (soca) e praticam o consórcio com simultâneo, ficando as filas do abacaxi entre as de mandioca cv. Cigana, plantada no espaçamento de 2,00 x culturas alimentares, tais como feijão e couve, que são plantadas no meio das filas duplas, nos camalhões (Cunha, 0,60 x 0,60 m, a qual foi podada quando da floração do abacaxizeiro. Um teste de consórcio com laranja, efetuado 1983). Na Venezuela foi detectado um expressivo aumento na produção do abacaxi, quando seu cultivo foi na Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA), permitiu a obtenção de 20.000 frutos de abacaxi associado com mandioca ou ervilha e plantio sobre cobertura de folhas de glicirídia (Gliricidia sepium (Jack) por hectare (rendimento estimado de 71,4%). As perdas foram decorrentes de problemas fitossanitários comuns à Stand) (Montilla & Cataño, 1995). Houve também uma elevação da umidade, matéria orgânica e teores cultura do abacaxi, que foi plantada em filas duplas de 0,90 x 0,40 x 0,40 m (28.000 plantas ha–1), um ano assimiláveis de fósforo, cálcio e magnésio. Os autores concluíram que esse tipo de cultivo associado pode ser após o plantio da laranja, cujo espaçamento foi de 7 x 7 m. A renda com o abacaxi, que ocupou 60% da área do adotado por pequenos agricultores para aumentar a produção da cultura do abacaxi. consórcio (Coelho, 1991), correspondeu ao custo de implantação de dois hectares de citros. Em Riacho das Almas (PE), o retorno financeiro aumentou consideravelmente quando se consorciou o abacaxi Tipos de consorciação em uso e recomendações ‘Pérola’ com feijão e mandioca, em relação ao cultivo solteiro do abacaxi, apesar dos rendimentos terem sido No Brasil, o consórcio de abacaxi com outras culturas, baixos, em função das longas estiagens, típicas da região. O reduzido crescimento do abacaxi permitiu um novo consórcio com feijão no segundo ciclo de seu cultivo (Bezerra, 1984). No Estado do Amazonas, testou-se o consórcio do guaraná com abacaxi ‘Smooth Cayenne’ (Corrêa et al., 1981), concluindo-se que o produtor de guaraná pode beneficiar-se desse sistema e ressarcir as despesas de implantação do guaranazal. O aproveitamento da área do consórcio pelo abacaxi foi de 70%, obtendo-se um rendimento de 32,8 t ha–1 e um peso médio do fruto de 2.100 g. O guaraná foi plantado no mês de fevereiro no espaçamento de 5 x 3 m e o abacaxi em junho do mesmo ano, no espaçamento de 0,90 x 0,30 m (entre as linhas do guaraná), correspondendo a 20.000 plantas ha–1. Na Costa do Marfim, resultados de pesquisa da consorciação do abacaxi com culturas alimentares (quiabo, pimentão, tomate, amendoim e milho), com vistas a permitir ao pequeno produtor o aumento do rendimento econômico de sua propriedade e a melhoria de seu regime alimentar, mostraram que nesse sistema de cultivo pode- sobretudo aquelas de subsistência (feijões Phaseolus e Vigna, mandioca, milho, arroz, amendoim) é praticado por pequenos agricultores de várias regiões. Em outros países, são exploradas, ainda, quiabo, pimenta, pimentão, tomate, repolho, couve, batata-doce, girassol e outras. Em geral, as culturas consorciadas são colhidas apenas uma vez e abrangem a fase inicial do ciclo da cultura do abacaxi, à exceção da mandioca, cujo ciclo é mais longo. Todas essas culturas são plantadas nas entrelinhas do abacaxizeiro – em espaçamentos compatíveis com os da cultura principal, e na mesma época ou até 30 dias após. Dessa forma evitase a competição que certamente ocorrerá após cinco a seis meses do plantio, decorrente da expansão do sistema radicular, aumento da massa foliar e crescimento mais rápido da planta consorte. Nesses casos, há uma melhoria na relação custo/benefício, com redução do custo de produção, em função do uso comum de alguns insumos, e o abacaxizeiro ainda pode proteger as culturas consortes contra o vento, chuvas fortes e radiação solar. Além da consorciação com as culturas alimentares mencionadas, onde o abacaxizeiro é a cultura principal, esse tipo de exploração é também viável com outras Cultivo do Abacaxizeiro - Consorciação e Rotação de Culturas plantas – arbustivas e arbóreas, de ciclo longo ou perenes –, quando o abacaxi passa a ser a cultura secundária. Como exemplos dessas culturas citam-se: abacate, caju, café, citros, coco, manga, mamão, guaraná e pinha. Nesse caso, ambas as culturas devem ser plantadas na mesma época, deixando-se uma distância de 1,0 m a 1,5 m entre as filas do abacaxizeiro e da planta principal. Poder-se-á, assim, obter até três safras de abacaxi na mesma área, o que contribui para reduzir e/ou cobrir os custos de implantação da cultura principal, ou ainda permitir a obtenção de uma renda extra. A adoção de plantios consorciados, que têm se mostrado mais apropriado para os agricultores familiares e/ou pequenos, deve ser precedida de uma avaliação sobre os ganhos econômicos que o sistema pode proporcionar para esses produtores. Além disso, alguns aspectos devem ser levados em conta quando da escolha das culturas consortes, pois pode ocorrer alguma combinação não recomendável, principalmente do ponto de vista fitossanitário. A cultura do milho, por exemplo, é hospedeira do fungo Fusarium subglutinans – causador da fusariose (Aguillar, 1982), e de nematóides. Por esse fato seu consórcio é recomendado com restrições, devendo-se adotar algumas medidas que diminuam os riscos de infecção e perdas, como o plantio em linhas alternadas, o que reduz a densidade da referida cultura na área. Na Paraíba sugere-se o plantio de uma fila de milho para cinco ou seis de abacaxi (Choairy, 1992). Ademais, algumas plantas podem ter um efeito depressivo no crescimento, nutrição e rendimento do abacaxizeiro, principalmente se o ciclo das mesmas alcançar a fase de diferenciação floral, em função da competição por fatores de produção. Nesse caso, uma das alternativas é plantar de uma fila da cultura consorte para duas de abacaxi, conforme recomendado para feijão, amendoim e girassol na Paraíba (Choairy, 1992). Além do mais, o uso de cultivo consorciado dificulta a realização de algumas práticas culturais, o que torna difícil a sua adoção em grandes plantios, mormente naqueles com alto nível de mecanização. Mas, nesse caso, pode-se adotar determinadas técnicas, a exemplo do cultivo em faixas, que contribui para minimizar o problema. Em geral, quando o abacaxizeiro é a cultura principal, o consórcio deve restringir-se aos primeiros seis meses do ciclo da cultura, e não se deve empregar plantas que sombreiem demasiadamente o abacaxizeiro, nem herbicidas para o controle de plantas infestantes. Entretanto, em regiões onde o abacaxi apresenta um crescimento vegetativo mais lento e, portanto, um ciclo mais longo, algumas culturas consorciadas podem ser cultivadas mais de uma vez, a exemplo dos feijões. As vantagens da consorciação de culturas com relação ao monocultivo são indiscutíveis, no tocante ao melhor uso dos fatores de produção, maior produção total por área, uso de mão-de-obra familiar, controle da erosão, diversificação da dieta alimentar e da fonte de renda, bem como à redução dos riscos inerentes à atividade agrícola. Rotação de culturas Outro aspecto cultural que está a merecer uma maior atenção, inclusive da pesquisa, é a rotação de culturas, visando melhorar ou recuperar os solos cultivados com abacaxi, em geral, de modo intensivo, principalmente onde se aplicam herbicidas com freqüência. Na Martinica são usadas as culturas da soja, crotalária, sorgo, feijão vigna, calopogonium, siratro e outras (Cunha, 1983). No México, De la Cruz et al. (2002) observaram que a produtividade de culturas intercalares foram bem mais altas, apenas depois da rotação com plantas leguminosas. No Brasil, não tem sido dada muita importância a essa prática, o que vem causando problemas edáficos e nutricionais em algumas regiões produtoras, após vários anos de cultivo intensivo com abacaxi. Nesses casos, recomenda-se a incorporação de restos de cultura, a fim de melhorar as características físicas dos solos e outras (Cintra & Cunha, 1987; Bezerra et al. 1995). A intercalação da rotação com a consorciação de culturas com o abacaxizeiro, principalmente quando a mucuna rajada (Mucuna deeringiana) é usada, constitui uma técnica viável e economicamente rentável (De la Cruz et al., 2002). Bibliografia AGUILAR, J.A.E. Determinação de hospedeiros de Fusarium moniliforme var. subglutinans do abacaxizeiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira. Brasília, DF: v. 17, n. 5, p. 709-714, 1982. BEZERRA, J.E.F. Sistemas de produção em consórcio na cultura do abacaxi; relatório do projeto de pesquisa. Recife, IPA, 1984. 09 p. BEZERRA, J.E.F.; SILVA, A.B. da; LEDERMAN, J.E.; REIS, R.M.G. Manejo dos restos culturais do abacaxizeiro e sua influência na produção, qualidade dos frutos e na erosão do solo. II. Dados do terceiro e quarto ciclos de produção. Revista Brasileira de Fruticultura. Cruz das Almas, v. 17, n. 2, p. 7-15, 1995. CHOAIRY, S.A. O abacaxizeiro: conhecimentos básicos, práticas de cultivo e uso. Fortaleza: EMEPA-PB/BNB, 1992. 140 p. (EMEPA-PB. 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