NO MEANDRO DA LOUCURA: OS DISCURSOS DA PSIQUIATRIA E A SOCIEDADE EM TERESINA NA DÉCADA DE 50 Auriane Gomes de Melo Graduanda em História e Bolsista PIBIC/UESPI-CCM Larisse Area Leão Costa Co-Autora: Graduanda em História e Bolsista Voluntária do PIBIC/UESPI-CCM Orientadora: Profª. Ms. Márcia Castelo Branco Santana INTRODUÇÃO No século XX ao olhar para uma nova possibilidade do fazer histórico, o profissional ou o aprendiz de historiadores, iram buscar novos objetos, abrindo assim novas discussões que abordariam inúmeras temáticas priorizando as minorias marginalizadas pelos historiadores ditos tradicionalistas. Uma dessas minorias que vai passar a ser analisada com mais freqüência a partir da geração do Annales foi a imagem da mulher, assim como a relação dessas com a sociedade em que está inserida objetivando, buscar compreender essas manifestações de feminidades em cada tempo histórico. Sobre essa recaiu falas que se manifestou na forma de discursos, quase sempre, impondo padrões de comportamento que deveriam está de acordo com os valores dessa sociedade. Nesse sentido, a psiquiatria constituir-se-ia como um dos aportes de construção de discursos normatizadores do comportamento feminino e na defesa da necessidade de locais especializados para o tratamento dessas mulheres tidas como loucas. Em Teresina, esse contexto se intensificara com a criação do hospital psiquiátrico Sanatório Meduna. Assim, vimos à necessidade de compreender como se formulam a construção dos discursos e ações normatizadoras do comportamento feminino e como isso ocorreu na sociedade teresinense dos anos 1950. O que possibilitam criação da imagem dessas mulheres tidas como loucas. O objeto aqui discutido foi tomando corpo por compreendermos que por trás da construção da imagem da loucura, sobre tudo a feminina, havia não só uma compreensão biológica ou fisiológica, mas social e cultura. A defesas da necessidade de ações que controlasse esses comportamentos, considerados desviantes, incidiu mais diretamente sobre a mulher por conta dessa ser 2 historicamente estigmatizada e vista como um ser misterioso. O que acaba por despertar a incompreensão e medo em uma sociedade encharcada de valores patriarcal. Buscamos também compreender em nossas análises qual a reação da sociedade teresinense com a instalação do Sanatório Meduna e como as normas de comportamento da sociedade influenciava no parecer médico com relação à loucura feminina. É importante ressaltar também a construção da imagem do Hospital Sanatório Meduna, pela sociedade teresinense na década de 1950, como um marco de modernização tanto estrutural como no saber científico. OBJETIVOS Foi através dessas indagações que nos instigou na busca em identificar o discurso formado pela psiquiatria sobre a loucura feminina durante a década de 1950 e as principais características elencadas por esses médicos como sendo sintomas de perturbação mental assim como as principais ações normatizadoras aplicadas às pessoas que apresentasse manifestações de loucura. Compreender também como a sociedade teresinense percebia o espaço do Meduna e como essa instituição foi recebida no ato de sua criação e perceber que com o passar dos anos esse espaço irá cristalizar-se na memória da população da cidade como um espaço ligado a loucura. Enxergar assim quais as expectativas criadas pela sociedade teresinense em relação ao Sanatório Meduna e como este tornou-se um marco de modernização tanto estrutural como de saber médico,tendo como seu idealizador Dr.Clidenor Freitas.Entender como este vai ser visto dentro da sociedade teresinenses e qual sua importância para o desenvolvimento do saber médico psiquiátrico no Piauí. METODOLOGIA As investigações realizadas sobre os discursos construídos a cerca da loucura feminina pela psiquiatria e a defesa da necessidade da intervenção normatizadora das mulheres que apresentasse comportamentos considerados desviantes pela sociedade em que essas estavam inseridas só foi possível com a busca da compreensão de conceitos e teorias sobre questões de gênero (LOURO, 1997), tais como a sexualidade, o sentimento 3 de maternidade, agressividade entre outras e como essas serão vistas pela psiquiatria como indícios da loucura feminina. Os métodos adotados para realização da pesquisa foi assim feito por conta do objeto de nossa investigação conter um olhar a partir da história cultural, já que a própria idéia de loucura para alguns historiadores será entendida muito mais como um conceito cultural do que fisiológico ou patológico. Portanto, para aliar as teorias que deram suporte para as fontes coletadas no Sanatório Meduna decidimos por utilizar uma abordagem qualitativa, muito em virtude do caráter fluido que é próprio dos discursos que envolvem os estudos culturais e sociais (CHATIER, 1990). Dessa forma, para a realização da análise do material coletado no Sanatório Meduna e no Arquivo Público do Piauí realizamos leituras que permitiram fundamentar teoricamente as análises a respeito de como, no espaço teresinense, as questões de gênero influenciara na formação da imagem da loucura e, sobretudo da feminina. Já a respeito da defesa pela psiquiatria e de locais apropriados para o tratamento das pessoas que apresentavam desvio de comportamento foi utilizado as noticias vinculadas nos jornais O Dia e O Piauí, nos documentos oficiais como mensagens governamentais e no Diário Oficial. Foi através desses que buscamos compreender quais as reações da opinião pública e da sociedade teresinense com a instalação do Sanatório, bem como as expectativas criadas com a inauguração desse local e do idealizador desse espaço o médico Clidernor Freitas Santos A coleta e análise das fichas médicas dos pacientes nos permitiram perceber as principais características que elucidava a possibilidade de uma determinada pessoa ser considerada louca, nelas constam primeiramente Identificação Geral tais como cor, sexo, idade, estado civil, profissão, naturalidade, nível de instrução, tempo de internação e quem encaminhou a internação revelando então o perfil social, em seguida tem-se os Dados sobre a Doença a exemplo do diagnóstico, reincidência de internação, quanto ao resultado do tratamento se foi Curado ou Melhorado, se o paciente possuía casos semelhantes na família,quais entorpecentes consumia, é perceptível um caráter patológico nesta análise. Para complementar a discussão, coletamos material bibliográfico na Academia Piauiense de Letras visando compreender como se dar a evolução do saber psiquiátrico na sociedade de Teresina na década de 1950 e que foi determinante na construção loucura feminina Os livros analisados nos permitiram também compreender o papel que o Dr. Clidenor Freitas teve para legitimar esse discurso. 4 O contato com essas fontes despertou nosso interesse de entender como o espaço físico do hospital vai se torna um patrimônio da cidade de Teresina. Embora esse ainda não seja reconhecido pelas autoridades competentes. RESULTADOS E DISCUSSÕES Desde o início do século XX era visível em Teresina a presença de um discurso que apontava a necessidade de um espaço para abrigar as pessoas que precisavam de uma assistência psiquiátrica. Nas várias mensagens dos governadores do primeiro meado do século passado observamos que estes tinham uma preocupação de sempre apontarem a ausência de um espaço próprio para o tratamento dos doentes, bem como a precárias condições após a instalação do Asilo de Alienados de Teresina. À medida que as mudanças começam a se avolumar na cidade em relação ao saber médico e sua importância para a constituição de uma sociedade mais civilizada e ajustada aos padrões progressistas e modernos foi também se formulando entre os teresinenses a idéia de que era primordial a efetivação de um tratamento mais humanizado renegando os antigos métodos de tratamento aplicados no Hospital de Alienados Areolino de Abreu, aos doentes mentais. Foi a experiência do Dr. Clidenor Freitas como diretor desse hospital que o despertou para a necessidade da criação de um espaço que atendesse ao bem estar dos doentes, bem como um ambiente salubre já que o atual hospital Areolino de Abreu sofria precariedades estruturais e métodos de tratamento defasados. Quando indagado o porquê da fundação do novo Sanatório ele afirmou: Porque o doente mental sempre constituiu para mim uma constante atração. Para minha formação de neuropsiquiatria de uma nova época da medicina vitoriosa, não me conformava com a situação desumana e anacrônica dos doentes que encontrei no primeiro asilo de alienados de Teresina. Dali consegui arranca 1.450 quilômetros de correntes e grades “(Inauguração do Sanatório Meduna. Jornal O Piauí, ano LXIV, nº 893, p.1-4-5 8 abr. 1954). É nesse contexto, que o primeiro médico psiquiatra do Piauí assume a direção do Asilo e passa a implantar no seu interior os novos procedimentos e tratamentos para as doenças mentais. Isso passou a ocorrer durante toda a década de 1940, como ressalta o seguinte trecho do artigo de Anfrísio Neto Castelo Branco. 5 O primeiro psiquiatra piauiense foi Clidenor Freitas Santos que, em 1940, assumiu a direção do citado Asilo. Clidenor foi sem dúvida um benemérito da Psiquiatria piauiense, introdutor em nosso Estado das terapêuticas da época como a malarioterapia, insulinoterapia e a culvulsoterapia química e elétrica (CASTELO BRANCO, 1980, p. 57). Tratamentos que eram apontados como os mais adequados para a cura de doentes que apresentavam os males da mentes. Nesse sentido, o psiquiatra Clidenor Freitas passou a ser visto como um das principais referências na sua área no que diz respeito às novas formas de tratamento da loucura. Tal imagem se consolidaria entre os teresinenses na década de 1940 e 1950 no que diz respeito ao tratamento dos doentes mentais e mesmo do que fosse a loucura e suas formas de cura tanto no Asilo de Alienados como na outra instituição hospitalar construída por Clidenor Freitas, em Teresina, para o tratamento psiquiátrico dos piauienses que necessitassem dessa assistência. Durante o processo de edificação do Meduna, o projeto por ser muito ousado, despertou a inquietação de muitos críticos para com a grandiosidade e ousadia da obra. Seu idealizador por vezes foi considerado “louco”, pois não se visualizavam naquela paisagem provincial, um estilo arquitetônico de herança Greco - neoclássica contrastando com o espaço anterior, que localizava-se fora do perímetro urbano na zona norte da capital próximo ao rio Poti. Foi essas características de lugar calmo, boa arborização que levaram a Dr.Clidenor a escolher esse espaço pra a concretização do seu sonho (GUIMARÃES, 1945, p.39-40). Nascia assim, o hospital psiquiátrico Sanatório Meduna que tem sua sede inaugurada em 21 de abril de 1954 e que sugira como uma alternativa inovadora no tratamento de doenças mentais. Mesmo havendo outro local dito especializado nesse tipo de tratamento esse não era considerado capaz de suprir as necessidades e demandas da região já que havia escassez de material e de pessoas especializadas no tratamento desses pacientes, assim como as técnicas aplicadas no Asilo de Alienado eram ultrapassados diante das inovações que a psiquiatria estava passando no inicio daquela década. Essa observação foi possível através de uma matéria vinculada em documentos oficiais como o Diário Oficial do dia 23 de abril de 1952 diz “este hospital tem prestado inestimáveis serviços, muito embora precise sofrer uma reforma que o coloque a par das necessidades e 6 da evolução a que tem atingido a psiquiatria atual” (HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. Diário Oficial, ano XXII, n. 31, p.19, 23 abr. 1952). Dessa forma, a inauguração do Sanatório Meduna foi recebida com grande entusiasmo pela sociedade teresinense de um modo geral. Pode-se notar que as figuras públicas também viam com bons olhos a criação dessa nova instituição para o tratamento dessas pessoas ditas loucas já que a presença desses nos espaços públicos comprometia a beleza e segurança da cidade tornando essa categoria uma questão que necessitava de respostas rápidas, daí a presença das personalidades que compunham o governo federal bem como as elites da capital piauiense. (DR.CLIDENOR DE FREITAS SANTOS. Diário Oficial, ano XXIV, n. 28, p.1 22 abr.1954). A instituição foi considerada tanto como um novo símbolo de modernização do saber médico psiquiátrico como do próprio espaço físico da cidade de Teresina. A memória do Dr. Clidenor Freitas está intimamente ligada ao Meduna, pois assim como esse era considerado um marco na modernização este também era um símbolo sobre o novo pensar da psiquiatria na em medida que este aprofundou seus estudos na área neoropsiquiatria influenciado por teóricos estrangeiros tornando-se referência na psiquiatria piauiense. Por conta dessas qualidades o médico psiquiátrico vai ser considerado pela sociedade teresinense, bem como a opinião pública em geral, um visionário, “conterrâneo de grande valor” além de possuir grande prestígio junto as figuras governamentais dessa década. Quanto ao que se refere a que idéias que foram utilizadas para a construção e defesa da necessidade da intervenção normatizadora de pessoas que apresentavam desvio de comportamento por parte dos profissionais da psiquiatria notamos que quando relacionadas especificamente a mulher o que prevaleceu foram as questões referentes a sexualidade, no sentido que se considerava que essa tinha um maior apetite sexual e, portanto, propensa a ser enquadrada como louca ou histérica a partir dessa questão. Sobre essa afirmativa podemos citar uma observação feita por Magali Engel (2002) em seu texto Psiquiatria e feminilidade em que aborda casos de mulheres recolhidas em instituições para tratamento dos males da mente. Entendemos que a construção da imagem da loucura e, sobretudo a feminina, passa a ter uma conotação muito mais social e cultural que propriamente biológica ou fisiológica, já que muitas das características que foram apontadas como sendo pré-requisito para avaliar uma mulher como louca ou histérica tinham quase sempre sua formação ligada em normas e convenções sociais. 7 Em um país com a maioria de sua população se definindo quanto as manifestações religiosas como sendo católica se definir como sendo adepto de uma forma de manifestação religiosa diferente da tradicional acabara por despertar certo preconceito e no caso específico das “seitas espíritas” essas foi também definida como característica de pessoas que seriam suscetível de sofrer de males da mente, mas haverá mesmo uma ligação entre essas definições, ou essa seria apenas mais uma forma de normatizar as ações e crenças de uma sociedade? Apesar dos dados coletados na empiria não serem suficiente para responder a esse questionamento, levantamos para discussão como essa peculiaridade foi usada pela psiquiatra para traçar o perfil de uma pessoa mentalmente desequilibrada. Fomos levados a essa observação ao analisar as fichas coletadas no sanatório Meduna que entre outros registros era questionado se o paciente participava de cultos religiosos espíritas. Para entender de que forma era feita o perfil dessas pessoas consideradas loucas achamos interessante demonstrar alguns dados que constam nas fichas de internação: idade, sexo, tempo de internação, origem, nível de instrução, profissão, estado civil, solicitação de internação, diagnóstico da doença, qual o estado de melhoramento do paciente, quanto à hereditariedade, se fazia uso de bebida alcoólica ou entorpecente. Aos poucos o Hospital vai ganhando prestigio junto à sociedade teresinense, isso pode ser observado quando analisamos as fichas dos pacientes que foram internados nos seis primeiros anos de funcionamento pelo número cada vez maior de entradas. Em 1954, eram um total de 33 pacientes, e com o decorrer dos anos esses números se tornaram cada vez mais expressivos, pois um ano após sua inauguração o total de pacientes irá saltar para 191, dos quais 74,86% são provenientes do Piauí; o tipo de tratamento oferecido no Piauí chamava atenção de pessoas do Maranhão e Ceará, que somaram 21,98% dos internos de 1955, e em menor número vinham também pacientes de outros estados que representavam 3,14% do total. Mas quem são essas pessoas que foram internadas nos seis primeiros anos de funcionamento dessa instituição? E principalmente quais atributos elas tinham que indicavam as possíveis manifestações de loucura? Nessas pessoas estas características resultarão da soma do discurso da psiquiatria como um saber médico especializado e a manutenção das regras e padrões de comportamento estabelecidas pela sociedade teresinense da década de 1950, isso fica evidenciado quando observamos que essas fichas trazem informações tanto sobre a ótica social como a científica, a exemplo disso temos campos que descrevem sexo,cor,idade e tempo de internação assim como do uso ou não de 8 álcool ou outro tipo de entorpecente. Observava-se também a hereditariedade, em caso afirmativo isso era tomado como um possível precedente para uma pessoa apresentar perturbação mental. Tentaremos perceber como essas características se apresentaram nesses dois primeiros anos de 1954 e 1955. Alguns dos resultados encontrados apresentam-se diferentes de outras pesquisas realizadas na área. Podemos citar Maria Concepta Padovan no hospital de alienados do Recife e Yonissa Mermitt Wadi que tem como local de sua pesquisa o Rio Grande do sul. Os resultados verificados pelas duas autoras citadas apontam para um maior número de internas do sexo feminino, outro discurso empreendido pelas mesmas é que essas mulheres além de estarem em maior quantidade também permaneciam por mais tempo nesses locais, nesse sentido verificamos que no hospital Sanatório Meduna o número de internos homens é superior às mulheres no ano de 1954, eles compõem 63,63% e as pacientes do sexo feminino são 36,37%. Já no ano de 1955 esse padrão irá se manter com os homens sendo 62,30% e as mulheres 37,70%. Quanto ao que se refere ao tempo em que estes pacientes permaneciam nesses locais de tratamento notaremos que no caso teresinense os internos sejam eles homens ou mulheres permaneciam por pouco tempo em 1954. Aqueles pacientes internados por no máximo um mês eram 57,57% enquanto aqueles que estiveram internados por dois meses eram 33,33%, e apenas 6,06% dos pacientes permaneceram internados por mais de 3 meses. Já no ano de 1955 notamos uma aproximação entre os números de pacientes internados por dois meses – 24,08% - e por três meses ou mais - 27,22%. Nos dois últimos anos referentes à nossa pesquisa, de 1958 a 1959, verificamos nas análises das fichas médicas uma permanência dos dados no que se refere ao número superior dos homens internados em relação às mulheres, e quanto ao tempo de permanência dos pacientes no hospital os que ficaram internados por três ou mais meses eram 39,13% em 1958 e em 1959 eram 41,52%. Compreendemos então que com o passar dos anos ocorreu um aumento significativo do tempo de internação, uma das possíveis explicações seria o fato que nesse contexto intensificavam-se juntamente com as idéias de modernização as políticas de higienização do espaço urbano, portanto a maior permanência desses pacientes estariam relacionadas com essas políticas que visavam a “limpeza” desse espaço. 9 Outro ponto de análise das fichas é no que se referem ao estado civil dos pacientes que em sua maioria eram casados, os dados revelam que 56,5% eram casados no ano de 1958 e 69,20 % em 1959, no que concerne à idade percebemos um abismo entre homens e mulheres casados, na qual a mulher contrairia matrimônio com idade inferior a do homem, uma vez que a sociedade impõe um padrão de comportamento em que a prioridade para essas mulheres era o casamento e consequentemente os afazeres do lar e isso é perceptível nos dados das fichas dos pacientes que versam sobre as práticas de trabalho, sendo a maioria das mulheres descritas como “doméstica” (no sentido de donas de casa) e os homens assumindo cargos públicos e relacionados ao comércio. Essas pessoas em sua maioria eram de origem simples e com pouco grau de instrução mesmo com as fichas constando que mais de 80% dos pacientes teriam instrução essa limitava-se em sua maior parte ao nível primário. CONSIDERAÇÕES FINAIS A primeira fase da pesquisa chegou ao seu término com a coleta de dados nos espaços que tinham sido indicados no projeto. Podemos afirmar que os dados coletados em muito das fontes aparecem insuficientes para entender como se deu a construção e defesa do discurso normatizador dos comportamentos das mulheres que viviam em Teresina na década de 1950, assim como a defesa da construção de uma imagem da loucura feminina por parte da psiquiatria. Entretanto, os documentos analisados nos permitiram elencar algumas características que ajudaram na formação desses discursos e a relação que essas estabelecem com as questões de gênero teoricamente compreendidas. Também pode se perceber que a instituição Sanatório Meduna vai se corporificar como um símbolo de modernização do espaço teresinense nesse período, bem como o seu idealizador Dr.Clidenor Freitas foi visto pela sociedade da época como um profissional que traria o que havia de mais avançado ao que se referiam as técnicas de tratamento para essas pessoas tidas como loucas. A percepção do hospital como um local de construção e conservação da memória tanto coletiva como individual e a sua associação como “um espaço de guarda doidos” nos levou a elaborar um artigo que foi apresentado na I Semana de História e II Simpósio de História do Campus Clóvis Moura intitulado como SONHO DE UM VISIONÁRIO: O MEDUNA COMO UM MARCO DE MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DE TERESINA 10 NA DÉCADA DE 1950. Nesse nos propomos explicar como a estrutura desse hospital vai ser percebida como um marco do processo modernizador que as capitais do país estavam passando na década de 1950, bem como com o passar do tempo a sociedade vai resiguinificar esse espaço. O aprofundamento da pesquisa nos possibilitou a construção de um outro artigo este apresentado em forma de pôster intitulado SILHUETAS CULTURAIS DA LOUCURA: OS DISCURSOS PSIQUIÁTRICOS COMO NORMATIZADORES DO COMPORTAMENTO FEMININO EM TERESINA NA DÉCADA DE 1950 na 62ª Reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) realizado na UFRN em Natal. O referido artigo propõe uma discussão de como a psiquiatria, que começava a se firmar como um saber específico da medicina dita moderna, irá perceber as questões referente a mulher e relacioná-las a construção de uma imagem da loucura feminina. A análise realizada através do material coletado na Academia Piauiense de Letras nos possibilitou enxergar a evolução da psiquiatria e o confrontamento desse com os noticiários de jornais nos permitiram entender como a sociedade teresinense passa a perceber o profissional da psiquiatria como o mais preparado para diagnosticar as características peculiares daqueles consideradas desviantes do comportamento normal, na medida em que só este poderia ter legitimidade para determinar que tipo de comportamentos não condizia com as normas de comportamento estabelecidas pela sociedade da década 1950 desta forma cabe a estes delimitar o perfil tanto social como patológico de loucura desses doentes, isso foi possível de concluir-se quando analisado os campos que compõem as fichas de internação destes. A partir do levantamento dos dados das fichas médicas dos pacientes do Sanatório Meduna, concluímos que o número de pacientes masculinos era em maior quantidade, porém a permanência do tempo de internação eram equiparados para homens e mulheres. Ou seja, mesmo sendo minorias as mulheres eram alvos maiores de um discurso normatizador por conta dos condicionamentos sociais estabelecidos para elas, diferentemente os homens sofriam de problemáticas envolvendo alcoolismo ou uso de entorpecentes ambos fatores que contribuíam, segundo os psiquiatras, para o diagnóstico da loucura associando esta como uma questão fisiológica que social. Diante das percepções se faz necessário novas investigações referentes as manifestações de masculinidades essas relacionadas a loucura. 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade: a reestruturação da ideologia de gênero no Brasil, 1914-1940. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. CARDOSO, Elizangela Barbosa. 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