Loucura Mito e Realidade Carmem Dametto Loucura Mito e Realidade 1ª Edição POD Petrópolis KBR 2012 Edição de texto Noga Sklar Editoração: KBR Capa KBR Copyright © 2012 Carmem Dametto Todos os direitos reservados à autora. ISBN: 978-85-8180-039-4 KBR Editora Digital Ltda. www.kbrdigital.com.br [email protected] 55|24|2222.3491 150 — Psicologia Carmem Dametto é psiquiatra e psicanalista da SBPRJ. Nasceu em Garibaldi, Rio Grande do Sul, em 1941, e vive no Rio de Janeiro desde a década de 1970. Foi muito perseguida nos anos do Regime Militar por sua formação marxista. Talvez por essa formação dialética, tem com seus pacientes uma abordagem terapêutica inovadora. Escreveu cinco livros e foi fundadora da extinta Pensão Margaridas, clinica dinâmica de tratamento de pacientes internados ou semi-internados. Foi Professora Titular da Cadeira de Psiquiatria em Vassouras, e chefe e supervisora da 1ª clínica de Tratamento Dinâmico, RJ na década de 1970, a chamada Vila Pinheiros. Email: [email protected] Blog da autora: carmemdametto.blogspot.com Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Fernando Pessoa Sumário Agradecimentos • 11 Introdução • 13 Da destinação • 15 Da minha posição • 19 Do envolvimento emocional • 23 De sofrimento e loucura • 27 Da cultura e meio social • 31 Da existência da loucura • 35 Do setting da doença • 39 Do perigo em sociedade • 45 Da resistência aos preconceitos • 49 Da potencialidade de recuperação • 53 Do suicídio • 57 Da acessibilidade humana • 61 Do interesse na cura • 65 Da influência educacional • 67 Da negação • 69 Do isolamento • 75 Da repressão • 79 Do grupo familiar • 83 Da valorização da doença • 87 Da dificuldade do tratamento • 91 Da ética médica • 93 Do eu e do outro • 97 Das mentiras em terapia • 101 Da cumplicidade entre paciente e terapeuta • 105 Do mito da medicação • 111 Bibliografia • 125 Agradecimentos Agradeço, como sempre o faço, em especial a Marialzira Perestrello, sem cujo auxílio eu não me arriscaria, hoje, a escrever para um público grande; à minha família, sem a qual eu não existiria e que sempre me incentivou na procura do melhor para mim e para o outro, como ser humano; a Marcelo Blaya, com quem aprendi o básico sobre a Psiquiatria e o contato decente com o ser humano chamado paciente; a Danilo Perestrello, que sempre me incentivou a trabalhar do meu jeito com a pessoa em estado psicótico; a Maria Inês Barros de Almeida, amiga que leu, como leiga, o que escrevi, me mostrou como se usa um texto com precisão inaudita e que, com uma capacidade impressionante de análise das pessoas e palavras, me mostrou que muitos textos eram injustos com determinados grupos de terapeutas e determinados grupos de ideias. Mesmo assim, não consegui captar tudo o que ela me sugeriu, o que declaro, sendo uma injustiça a ela, mas foi além de minha capacidade. E a todas as pessoas que, chamadas de pacientes, estiveram comigo nestes vinte anos, agradeço do fundo do coração tudo o que me ensinaram e me proporcionaram em matéria de crescimento emocional e cultural, sem falar no grande prazer que essa convivência — feita a partir de entendimentos-desentendimentos — sempre me proporcionou. | 13 | Introdução Este pequeno livreto, fazendo parte de uma série que pretendo escrever, se dirige a um grupo de pessoas que ne­ cessitam de uma leitura mais acessível em termos de conhe­ cimento da doença mental, suas causas, suas manifestações visíveis e invisíveis, e seu tratamento. Nele, falo da mistificação em torno da loucura, tanto por parte de médicos e psicólogos, como de familiares, e dos próprios ditos loucos. O intuito é esclarecer coisas que, em geral, não são aces­síveis ao grande público, mas tão somente aos ditos terapeu­tas — como se o grande público não tivesse o direito e o dever de ser independente de seu saber, ou pretenso saber. Acredito que quanto mais pessoas souberem a respeito de doenças mentais, a participação da família e os métodos de tratamento, mais os terapeutas serão exigidos a tratar bem de seus pacientes. Nada de consultas de cinco minutos no SUS,1 nada de tratamentos alienantes com drogas ou eletrochoques. 1 Nota do Editor: Na versão original, publicada em 1988, consta INAMPS. | 15 | Carmem Dametto O século XVIII acabou. Estamos no século XXI e não temos o direito de igno­rar quem somos, e por que somos, já que somos de uma era e de uma raça de mamíferos que inventa guerras, agora já nas estrelas, enquanto ficamos ignorando coisas que estão diante de nossos olhos, às vezes por ignorância, outras por comodismo interno, isto é, para fugir do sofrimento. | 16 | Da destinação Este livro se destina a leitores leigos em psiquia­tria, psico- logia ou psicanálise, aos assim chamados doentes mentais, a seus pais, seus irmãos e amigos, ao leitor comum e interessa­do na matéria. Acho importante dar esta explicação, pois tudo o que aqui está contido foi dito numa palestra em um Simpósio de Assistência ao Psicótico e em outras palestras que fiz, inclusive para meus alunos da Faculdade de Medicina de Vassouras — e reflete, portanto, minhas posições constantes e antigas, nada difícil de ser entendido. Renato Pompeu, que escreveu, entre outros, o livro Me­mórias da Loucura, diz, e muito bem, que nada se pode aprender sobre a loucura nos compêndios de Psiquiatria, Psicanálise ou Psicologia. Na verdade, médicos ou psicólogos pouco se atrevem na descrição da loucura, que situam como extremamente distanciada de si mesmos. O depoimento de escritores é menos estranhado, mas ainda escasso. Até Renato Pompeu publicar seu livro, eu, por exemplo, ao ser interrogada no início do curso de Psiquiatria em Vassouras, | 17 | Carmem Dametto sempre mencionava como material de estudo a tradução do livro de Clifford Beers, O Espírito que encontrou a si mesmo. Citava, também, os clássicos, romances russos em que a loucura está sempre pre­sente e alguns franceses e ingleses, enfim, me apoiava na lite­ratura universal, da qual, nos últi­mos anos, nossos jovens foram habilmente afastados por um mau direcionamento do ensino. Dos livros que me têm chegado às mãos, o único que fala, explica e descreve bem a loucura do sujeito, da família e da sociedade brasileira, como outrora o fez O Alienista, de Machado de Assis, é O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino. Embora, evidentemente, tenha recomendado aos meus alunos os clássicos compêndios de Psiquiatria, sempre procurei abrir-lhes igualmente outros caminhos, dar-lhes acesso a tipos de linguagem que os colocasse em intimidade com a loucura, para além das formas do convencionalismo científico. Eu mesma, que aqui estou me propondo fazê-lo, percebo que não me torno tão acessível ao conhecimento leigo quanto gostaria. Tentarei, no futuro, dar continuidade a este trabalho, e em pequenos volumes abordar vários temas psiquiátricos de interesse comum, me esforçando para ser totalmente compreendida por todos. Sempre que empregar uma frase ou usar uma explicação psicodinâmica, tentarei traduzi-la para a linguagem familiar — nada de “psicanalês”. Para mim, tem sido constante o desejo de escrever para leigos a respeito do tema loucura, que ainda é polêmico a essa altura; sempre que posso, faço palestras sobre o assunto e procuro usar a linguagem coloquial. | 18 |