152 International Journal of Cardiovascular Sciences. 2016;29(2):152-154 PONTO DE VISTA Orientação para a Atividade Sexual após Infarto Agudo do Miocárdio: Estamos Negligenciando? Counseling on Sexual Activity After Acute Myocardial Infarction: Are We Overlooking It? Janaina Rocha Niehues,1 Ana Inês Gonzáles,1,2 Danielle Soares Rocha Vieira1 Universidade Federal de Santa Catarina – Campus Araranguá – Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Cardiovascular e Respiratória – Araranguá, SC – Brasil 2 Universidade do Estado de Santa Catarina – Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício – Florianópolis, SC – Brasil 1 Resumo A ocorrência de infarto agudo do miocárdio (IAM) causa mudanças consideráveis na vida do paciente, que se defronta com desafios físicos e psicológicos. Destaca-se a importante redução da atividade sexual, fator influenciador da qualidade de vida. É, portanto, importante que os profissionais da saúde estejam capacitados a orientar os pacientes na retomada da atividade sexual após o IAM e como realizar tal atividade de forma segura. Este trabalho tem por objetivo enfatizar a necessidade, ainda negligenciada, de os profissionais de saúde realizarem tal orientação de forma adequada, contribuindo assim para a qualidade de vida do paciente. Palavras-chave: Comportamento sexual; Infarto agudo do miocárdio; Disfunção sexual fisiológica; Reabilitação Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Acute myocardial infarction (AMI) causes significant changes in the life of patients, who face physical and psychological challenges. These include reduction in sexual activity, a factor that influences the quality of life. It is therefore important that health professionals be able to advise patients on the resumption of sexual activity after AMI and how to do that safely. This study is designed to emphasize the neglected need for healthcare professionals to perform such guidance properly, thus contributing to the quality of life of the patient. Keywords: Sexual behavior; Myocardial infarction; Sexual dysfunction, physiological; Rehabilitation Introdução As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são causas líderes de morbimortalidade em todo o mundo, constituindo grande problema de saúde global.1 Sua carga vem se elevando rapidamente nos últimos anos, ocasiona forte impacto na qualidade de vida dos indivíduos e eleva o índice de mortes prematuras, com impactos econômicos negativos.¹ Dentre as DCNT, destacam-se as doenças do aparelho cardiocirculatório, particularmente a doença arterial coronariana (DAC) e o infarto agudo do miocárdio (IAM). Estas se constituem na primeira causa de morte Correspondência: Janaina Rocha Niehues Rodovia SC 449 – Lado ímpar – Jardim das Avenidas – 88906-072 – Araranguá, SC – Brasil E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20160023 Artigo recebido em 29/01/2016, aceito em 02/05/2016, revisado em 06/05/2016. Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):152-154 Ponto de Vista Niehues et al. Orientação para a Atividade Sexual Após Infarto no mundo e no Brasil.¹ São também a terceira maior causa de internações no País, e o IAM representa o maior contingente de mortes da doença isquêmica do coração.² sistematizada, em que os artigos foram selecionados através de levantamento nos bancos de dados do PubMed, LILACS e SciELO, utilizando-se os seguintes descritores: counseling/, sex counseling/, sexual dysfunction, myocardial infarction/, cardiac rehabilitation. Foram considerados os artigos relevantes que apresentavam relação direta com o tema proposto. A ocorrência de um IAM causa mudanças consideráveis na vida do paciente que se defronta com desafios físicos e psicológicos.3 Dentre essas mudanças, destacam-se a redução da capacidade funcional, a limitação na participação social e o comprometimento da qualidade de vida, bem como a redução da atividade sexual. As principais disfunções observadas são: disfunção erétil, impotência, diminuição da libido e satisfação sexual, com consequente redução da frequência semanal e da qualidade de vida sexual.4-8 Associado a isso, os indivíduos sentem medo de sintomas como dispneia, fadiga, dor, palpitações e temem a ocorrência de novos eventos.4 Nesse aspecto, a sexualidade torna-se fator importante a ser considerado.3 Estudo desenvolvido por Brännström et al.,7 entre os anos de 2007-2009, em 13 hospitais da Suécia, com 115 pacientes após o primeiro IAM e seus parceiros, verificou que apenas 41,0% dos pacientes entrevistados e 31,0% de seus parceiros afirmaram ter recebido algum tipo de informação sobre a atividade sexual, e mesmo assim, descreveram-na como limitada. ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS •DAC – doença arterial coronariana •DCNT – doenças crônicas não transmissíveis •IAM – infarto agudo do miocárdio Indivíduos com disfunção sexual frequentemente apresentam dúvidas e são influenciados pelos mitos populares, estabelecendo-se um círculo vicioso. Embora seja inquestionável a relação da satisfação sexual com a saúde e a qualidade de vida, as manifestações da sexualidade humana em sua maioria são desconsideradas por médicos e profissionais da saúde. Tal omissão é influenciada pelo fato de a temática, construída sociohistoricamente, estar permeada por tabus e preconceitos, como mitos sobre o desempenho sexual após eventos cardíacos,5 favorecendo sentimentos de insegurança e medo.5,6 Tabus e preconceitos também podem ser verificados nos próprios pacientes que muitas vezes se mostram relutantes em discutir os problemas sexuais, o que pode aumentar a ansiedade e levar à redução da atividade sexual. 5 No entanto, dúvidas a respeito do tempo estimado de abstinência sexual, possíveis riscos para novos eventos, intensidade e frequência da atividade sexual são comuns e devem ser esclarecidos ainda durante a internação e na alta hospitalar,4 uma vez que grande parte dos pacientes pós-IAM demonstram interesse em manter a vida sexual ativa.5 Nesse sentido, a fim de enfatizar a necessidade, ainda negligenciada, de os profissionais de saúde realizarem uma orientação sexual adequado após um IAM, optou-se pela realização de pesquisa bibliográfica não Estudo longitudinal e prospectivo recente, realizado por Lindau et al.8 em 127 hospitais dos Estados Unidos e da Espanha, com 2 349 mulheres e 1 152 homens pós-IAM e média de idade de 48 anos, demonstrou que a maioria dos pacientes entrevistados afirmou ser apropriado para os médicos discutir a saúde sexual com seus pacientes (89,0% das mulheres, 94,0% dos homens) e expressou a necessidade de discutir questões relacionadas à vida sexual após IAM (84,0% das mulheres, 91,0% dos homens). O presente estudo demonstrou que, um mês após o IAM, apenas 12,0% das mulheres e 19,0% dos homens receberam do médico alguma informação sobre a atividade sexual. Analisando por países, verificou-se que nos Estados Unidos os pacientes que relataram ter recebido informação foram os responsáveis por iniciarem a discussão; já na Espanha, as discussões foram iniciadas pelo médico. No Brasil a realidade se mostra ainda mais preocupante. Estudo transversal de Lunelli et al.,5 realizado entre junho e julho de 2005, com 96 pacientes que se encontravam no sexto dia pós-IAM, demonstrou que apenas 4,0% receberam orientações sobre atividade sexual pelos profissionais de saúde durante o período de internação. Segundo De Souza et al.9, as orientações e prescrições na prática clínica em ambulatório visam a atender às necessidades imediatas dos pacientes, não considerando aspectos importantes e emergidos ao longo do tratamento, como o retorno à atividade sexual. Porém, apesar de existirem mitos e dificuldades em estudar a relação da vida afetiva e o paciente cardiopata, a literatura científica oferece suporte suficiente para os profissionais na orientação do retorno à atividade sexual.9 153 154 Niehues et al. Orientação para a Atividade Sexual Após Infarto Sugere-se que as orientações sobre o retorno à vida sexualmente ativa seja prática da equipe da enfermagem.9 Deve-se salientar, no entanto, que esta é de responsabilidade de todos os profissionais da área da saúde que atuam na reabilitação desses pacientes. De acordo com os estudos apresentados, observa-se que a orientação sobre o retorno às atividades sexuais após um episódio de IAM parece não ser rotina entre todos os profissionais de saúde envolvidos com o paciente.5,7,8 Entretanto, o retorno às atividades sexuais após eventos cardíacos merece uma abordagem criteriosa, propiciando o retorno seguro dos pacientes à vida sexual e contribuindo para diminuir a elevada prevalência de disfunção sexual. Assim, da mesma forma que recebem informações, visando ao retorno ao trabalho e ao engajamento em programas de exercícios, torna-se relevante que os pacientes recebam orientações pertinentes à atividade sexual,10 uma vez que o agravo na atividade sexual é impactante na qualidade de vida desses pacientes. Assim, é muito importante que os profissionais da saúde estejam capacitados a orientar os pacientes na retomada da atividade sexual após o IAM e como realizar tal Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):152-154 Ponto de Vista atividade de forma segura. Nesse propósito, a educação em saúde associada ao embasamento científico torna-se uma estratégia adequada na capacitação dos profissionais de saúde para as ações de orientação aos indivíduos pósIAM. As orientações poderão ser verbais e/ou escritas, pertinentes ao perfil dos pacientes e/ou dos serviços de saúde em que estes se encontram inseridos, capazes de gerar resultados positivos. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Ponto de vista As opiniões apresentadas neste artigo são somente as dos autores. O International Journal of Cardiovascular Sciences acolhe pontos de vista diferentes a fim de estimular discussões com o intuito de melhorar o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. Referências 1. Alves CG, Morais Neto OL. Tendência da mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis nas unidades federadas brasileiras. Cien Saúde Coletiva. 2015;20(3):641-54. 2. Pesaro AEP, Serrano CV Jr, Nicolau JC. Infarto agudo do miocárdio - síndrome coronariana aguda com supradesnível do segmento ST. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):214-20. 3. Lange RA, Levine GN. Sexual activity and ischemic heart disease. Curr Cardiol Rep. 2014;16(2):445. 4. Souza CA, Cardoso FL, Silveira RA, Wittkopf PG. Atividade sexual após infarto agudo do miocárdio. Arq Catarin Med. 2011;40(2):30-3. 5. Lunelli RP, Rabello ER, Stein R, Goldmeier S, Moraes MA. Sexual activity after myocardial infarction: taboo or lack of knowledge? Arq Bras Cardiol. 2008;90(3):156-9. 6. Stein R, Hohmann CB. Atividade sexual e coração. Arq Bras Cardiol. 2006;86(1):61-7. 7. Brännström M, Kristofferzon ML, Ivarsson B, Nilsson UG, Svedberg P, Thylén I; SAMMI-Study Group. Sexual knowledge in patients with a myocardial infarction and their partners. J Cardiovasc Nurs. 2014;29(4):332-9. 8. Lindau ST, Abramsohn E, Gosch K, Wroblewski K, Spatz ES, Chan PS, et al. Patterns and loss of sexual activity in the year following hospitalization for acute myocardial infarction (a United States National Multisite Observational Study). Am J Cardiol. 2012;109(10):1439-44. 9. D e Souza CA, Cardoso FL, Silveira RA, Martins C. Abordagem pelo cardiologista na actividade sexual do doente com doença arterial coronária. Acta Med Port. 2011;24(2):249-54. 10. Carvalho GMD, Gonzáles AI, Sties SW, Lima DP, Schmitt Neto A, Carvalho T. Exercício físico e sua influência na saúde sexual. Cinergis. 2015,16(1):77-81.