A CONTRIBUIÇÃO DE SIEYES PARA A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE JOSÉ RUYDERLAN FERREIRA LESSA Advogado, Procurador do Estado de Roraima, Especialista em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil e em Compras Governamentais (Licitações e Contratos). MARCOS PEREIRA DA SILVA- Advogado Criminalista, Conselheiro Estadual da OAB-RR, Especialista em Criminologia Jurídica, Mestre em Direto pela Universidade Estadual do Amazonas, Professor de Processo Penal, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Cathedral RESUMO A questão que se colocou em debate neste artigo teve como objetivo conhecer um pouco da teoria do poder constituinte pela grande importância que este possui na elaboração de todo o sistema jurídico, o qual foi analisado por meio de pesquisas realizadas a partir de textos bibliográficos de autores brasileiros, com exceção de Canotilho. Dentro deste contexto, a pesquisa preocupou-se em encontrar qual a efetiva contribuição de Sieyes para a elaboração da teoria do Poder Constituinte, a partir de sua obra, denominada de A Constituinte Burguesa ou o que é o Terceiro Estado. Nessa direção foi possível entender a definição de poder constituinte e saber que sua matriz se encontra na revolução francesa e surge pelo embate entre os interesses das ordens que compunham os Estados Gerais, com destaque para a ordem dos comuns, que passou a pleitear que sua representação passasse a ser composta por representantes oriundos verdadeiramente do Terceiro Estado, e que este número fosse igual ao número de representantes das duas outras ordens e que o voto passasse a contar não por ordem, mas por cabeça, surgindo daí a ideia de constituição, como origem de toda ordem jurídica. Palavras-Chaves: Poder Constituinte. Sieyes. Soberania Nacional. Estados Gerais. Terceiro Estado. ABSTRACT The question that arose for discussion in this article aimed to learn a little theory of constituent power by the great importance it has in the development of the entire legal system, which was analyzed by means of surveys conducted from bibliographic texts of authors Brazilians, except Canotilho. Within this context, the research was concerned to find that the effective contribution of Sieyes for the elaboration of the theory of constituent power, from his work, called The Constituent Bourgeois or what is the Third Estate. This direction was possible to understand the definition of constituent power and know that her mother is in the French Revolution and the clash arises between the interests of the orders that made up the Estates General, highlighting the order of the commons, now claim that their representation pass to be composed of representatives of the Third Estate truly coming, and that this number was equal to the number of representatives of the two other orders, and the vote passed the order does not count, but a head, there came the idea of the constitution, as the source the whole legal system. Key Words: Constituent Power. Sieyes. National Sovereignty. States General. Third Estate. 3 1. INTRODUÇÃO Diversos são os autores que se preocuparam em estudar o Poder Constituinte, seja pela sua relevância, pela sua atualidade, ou por se constituir na principal referência material de sustentação de um determinado ordenamento jurídico. Desta maneira, neste artigo, pretende-se fazer uma abordagem das principais características do poder constituinte, tendo como marco a contribuição de Sieyes, a partir do movimento revolucionário francês. A partir deste contexto, e tendo como ponto de partida as formulações teóricas de Sieyes, se faz necessário melhor estudar o tema, para que se possa perceber a sua dimensão, dentro daquele momento histórico, no qual ele se consolida. Trata-se, pois, de um trabalho descritivo elaborado a partir de consultas bibliográficas, que tem como objetivo geral extrair, qual a contribuição de Sieyes para a definição do Poder Constituinte e como objetivos específicos: apresentar a definição de poder constituinte; abordar sua teoria, comentar sobre sua titularidade, exercício e legitimidade a partir da visão da Constituição Burguesa ou O que é o Terceiro Estado. Nesse sentido, sua estrutura será montada conforme segue: Definição, Teoria, natureza, titularidade, legitimidade do Pode Constituinte e a contribuição de Sieyes para sua definição. 2. PODER CONSTITUINTE 2.1 DEFINIÇÃO Lenza (2010) conceitua poder constituinte como o poder capaz de elaborar ou atualizar uma Constituição, seja por meio supressão, modificação ou acréscimo de suas normas constitucionais. Conforme Temer (2004) o Poder Constituinte é uma manifestação soberana de vontade de um ou alguns indivíduos capazes de fazer nascer um núcleo social. Pela ordenação de Canotilho (1998), o Poder Constituinte se revela sempre como uma questão de “poder”, de “força” ou de “autoridade” política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política. Bonavides (2004) ensina que se fizermos abstração do agente ou titular deste poder, este se reduz a uma ação constituinte, capaz de criar ou modificar a ordem constitucional ou de produzir as instituições fundamentais de uma determinada sociedade. 4 Horta (2010), com base nos escritos de Sieyes e Hauriou, aponta que poder constituinte é diverso do poder legislativo, razão pela qual se justificaria a convocação de um órgão especial, diferente do parlamento, para a elaboração de uma constituição, uma vez que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2009) a Constituição se firma pela vontade das forças determinantes da sociedade que a precede Tanto a Assembleia Nacional Francesa quanto a Convenção Americana, conforme Bonavides (2004) foram inspiradas em Rousseau, mas com consequentes distintos, quase opostos: a Assembleia Nacional francesa, baseada nas teses de Sieyes, produzira um modelo de assembleia absoluta vinculada a ideia de que a constituinte era o povo (nação), e a americana, que vê na Constituinte ou Convenção apenas uma assembleia limitada cujo trabalho se legitima unicamente com a aprovação do povo, dando ensejo à doutrina da soberania popular em contraponto à doutrina da soberania nacional. O erro da teoria francesa, segundo Bonavides (2004), consiste em admitir a delegação dos poderes completos de soberania a uma assembleia política, ou seja, em proclamar a identidade do povo com seus representantes; em confundir o mandatário com o mandante e em conferir competência ilimitada a uma autoridade, que devia reconhecer constituída, subalterna, derivada. Desta feita, a concepção da soberania nacional faz da Constituinte um poder à parte, distinto dos poderes constituídos, mas, nem por isso, reveste-se dos traços que identificam uma assembleia onipotente, pois nunca enfeixará em suas mãos a função constituinte e legislativa, capazes de elaborar tanto as leis constitucionais quanto as ordinárias. Mendes, Coelho e Branco (2009) reconhecem que o conceito de poder constituinte possui sua matriz nos ensinamentos de Sieyes, autor do manifesto revolucionário francês denominado de Terceiro Estado, que reivindicava a reorganização política da França, enfatizando que a Constituição é produto do poder constituinte originário, que gera e organiza os poderes do Estado, mas sendo superior a eles. Sieyes propunha um rompimento com o modo de legitimação do poder vigente, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não vinculada ao direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da sociedade. Pela proposta de Sieyes o poder constituinte devia distanciar-se da legitimação dinástica assentada na força de um poder de dominação baseado no antigo regime pela noção de Estado como “unidade política do povo”, por entender que o povo detinha a matriz de uma nova força, consciente de si, apta a ordenar um novo modo de convivência na comunidade política, a qual chamou de poder constituinte originário. 5 2.2 TEORIA DO PODER CONSTITUINTE Pela argumentação de Canotilho (1998), o poder constituinte proposto por Sieyès antes de ser constituinte é desconstituinte, a partir do momento que se volta contra o domínio jurídico-constitucional do poder dominante, no caso, o poder político da monarquia. De tal sorte que abolido o poder monárquico, uma nova organização jurídico-política se impõe, desta feita baseando-se no poder constituinte da nação, que pela sua formulação teórica tomaria a forma de poder reconstituinte. Da clássica obra de Ferraz (1989) é possível extrair que a doutrina do Poder Constituinte foi concebida para justificar a criação da Constituição escrita, nos moldes revolucionários, de tal sorte que seria impossível analisar uma Constituição sem ter os olhos voltados para o Poder Constituinte que a estabelece ou estuda o Direito Constitucional sem dedicar-lhe atenção. Encontra-se em Bonavides (2004) que a teoria do poder constituinte, do ponto de vista ideológico se relaciona com a concepção do Estado liberal; este, por sua vez, guarda íntima e estreita conexão com a doutrina da soberania nacional, e graças a essa doutrina, a burguesia fez legítimas as suas instituições representativas, nascidas durante a fase revolucionária de fins do século XVIII, que se institucionalizou pela presença dos governados na formação da vontade oficial, ainda que não fosse de todos, mas de uma parcela já considerável da sociedade, que assim introduzia o princípio democrático no sistema representativo do Estado liberal. Dessa maneira, destaca Bonavides (2004), os governantes, comandando e postulando obediência em nome desse novo sistema de organização, podem ter sua autoridade questionada. O poder constituinte, portanto, deixa de ser visto como um fato social ou como um poder, visto de maneira isolada, e passa a ser visto como um fato acrescido de um valor sustentado por um título de legitimidade política, despontando daí uma teoria do poder constituinte, historicamente nova, inédita e revolucionária. Nessa direção Bonavides (2004) ensina que o poder constituinte e sua teoria são duas coisas diversas, pois enquanto o primeiro se relaciona com os fundamentos da organização social do homem, o segundo só vem aparecer a partir do movimento revolucionário francês e que o poder constituinte sempre existiu e sempre existirá como instrumento apto a estabelecer uma nova ordem de apresentação e organização do Estado e estruturação da sociedade política, formalizada por uma Constituição. 6 A autoridade máxima da Constituição, nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2009), vem de uma força política não somente capaz de estabelecer o seu vigor normativo mas também de mantê-lo. Esta força política que, em última análise, acaba por dar fundamento de legitimidade ao texto da Constituição, desde a Revolução Francesa, é conhecida com o nome de poder constituinte originário. 2.3 NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE Novelino (2010) com fundamento em Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta o poder constituinte dentro de uma concepção jusnaturalista, como um poder jurídico focado na existência de um direito eterno, universal, imutável, preexistente e superior ao direito positivado dando conta que o poder constituinte apesar de não encontrar limites no direito positivo anterior, estaria subordinado aos princípios do direito natural. Já a concepção positivista, por não admitir a existência de qualquer outro direito além daquele posto pelo Estado, entende que o poder constituinte é anterior e se encontra acima de toda e qualquer norma jurídica, devendo ser considerado um poder político. Carls Schimitt apud Novelino (2010) adota a tese de que, em razão de sua natureza essencialmente revolucionária, o poder constituinte estaria liberado de valores referentes a sua legitimidade. De acordo com o teórico alemão, por ter o seu sentido na existência política, o sujeito do poder constituinte pode fixar livremente o modo e a forma da existência estatal a ser consagrada na Constituição, sem ter que justificar em uma norma ética ou jurídica, e que sua legitimidade seria uma questão a ser analisada no estudo de sua teoria. Bonavides (2004) pensa o poder constituinte como um poder de essência jurídica, com origem num sistema estatutário antecedente ou exercido de conformidade com uma ordem jurídica preestabelecida, atuando sempre atado ao Direito, na moldura de um ordenamento jurídico, vinculado ao Direito Constitucional, embora admita que a nação, segundo o entendimento de Sieyes, jamais deixa o estado de natureza, visto que independe de leis, regras ou formas, tendo ela, por conseguinte, enquanto titular do poder constituinte, o direito absoluto de mudar a Constituição. Com a Constituição é possível criar e organizar o Governo, produto do direito positivo; nunca porém a Nação, obra do direito natural. Daí ressaindo o reconhecimento segundo qual a grande contribuição de Sieyes para ciência do conhecimento é, sem dúvida, o que procede da verificação de que o poder constituinte existe não como fato apenas, mas sobretudo como valor, dando legitimidade de atuação jurídica aos poderes constituídos. 7 2.4 CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE Para Mendes, Coelho e Branco (2009) o poder constituinte originário tem na insubordinação a sua própria natureza, ele se manifesta absolutamente livre capaz de se expressar pela forma que melhor lhe convier. Trata-se de um poder que se funda sobre si mesmo, onímodo e incontrolável, justamente por ser anterior a toda normação e que abarca todos os demais poderes. É um poder permanente e inalienável que depende apenas da sua eficácia. Como todo movimento inaugural, teoriza Temer (2004) não há limitações a sua atividade podendo o constituinte estabelecer a preceituação que entender mais adequada podendo assim dar ensejo a criação de um Estado Unitário ou Federal sobre a forma republicana ou monárquica de governo cujo regime tanto pode ser parlamentar, como presidencial ou diretorial. Enfim, criará o Estado mediante atuação ilimitada do poder. Em suma, Mendes, Coelho e Branco (2009) apontam três características básicas que se reconhecem ao poder constituinte originário. Ele é inicial, ilimitado e incondicionado. É inicial, porque está na origem do ordenamento jurídico, no começo do Direito e não pertence à ordem jurídica anterior. De tal sorte, que não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente, daí se dizer incondicionado. O caráter ilimitado do poder constituinte deve ser entendido em termos, pois se relaciona a sua liberdade com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente, sem, contudo, deixar de considerar as limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte. Para Mendes, Coelho e Branco (2009) se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações. Por isso, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder constituinte originário, se se dispuser a redigir uma Constituição que hostilize esses valores dominantes, não haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu empreendimento revolucionário e não será reconhecido como poder constituinte originário. Afinal, só é dado falar em atuação do poder constituinte originário se o grupo que se diz representá-lo colher a anuência do povo, ou seja, se vir ratificada a sua invocada representação popular. Para Mendes, Coelho e Branco (2009) quem atua como poder constituinte originário não é quem quer ou pensa estar legitimado para tanto mas quem se encontra em condições de produzir uma decisão eficaz sobre a natureza da ordem jurídica, contudo o poder o poder 8 constituinte originário não se esgota quando edita uma Constituição. Ele subsiste fora da Constituição e está apto para se manifestar a qualquer momento. Trata-se, por isso mesmo, de um poder permanente, e, como também é incondicionado, não se sujeita a formas prefixadas para operar. O poder constituinte originário, entretanto, não costuma se fazer ouvir a todo momento, até porque não haveria segurança das relações se assim fosse. 2.5 TITULARIDADE, EXERCÍCIO E LEGITIMIDADE Bonavides (2004) com seu profundo brilhantismo assegura que um dos temas mais delicados e controversos é a questão da titularidade do poder constituinte, ou seja, a de saber a quem pertence esse poder. Historicamente pois se nos afastarmos da indagação de legitimidade, que abrange considerações valorativas, deixando, portanto de lado o fundamento ou a justificação da pessoa investida nesse poder a resposta se simplifica, pois na Idade Média girava ao redor de Deus, conforme o princípio omnis potestas a Deo. Com as monarquias absolutas a titularidade veio a recair no monarca, que a justificava mediante a invocação de um suposto direito. Com a Revolução Francesa passou a pertencer à Nação ou ao Povo, mas de modo efetivo, o seu exercício pertencia a burguesia. Temer (2004) escreve que a titularidade e o exercício do Poder Constituinte são coisas distintas, ou seja, o seu titular nem sempre é aquele que o exerce. Em princípio o titular seria o povo e o exercente aquele que, em nome do povo cuida da implantação do ordenamento constitucional. Assim o exercício dar-se-ia ou pela eleição de representantes populares para a composição de uma Assembleia Constituinte, ou pela revolução, quando um grupo exerce aquele poder sem manifestação direta do agrupamento humano. Segundo Lenza (2010) a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, mas distingue-se de seu exercício, pois o exercício do poder constituinte está reservado a um ente diverso do povo. Seja como for, segundo Temer (2004) esta distinção tem natureza meramente acadêmica, uma vez que o conceito jurídico de “povo” só é apurável a partir da ordem jurídica, logo, mesmo que se considere a Constituição como emanada do Poder constituinte, não se pode negar que, antes dela, o “povo”, segundo concepção jurídico-positiva não passava de uma ficção, salvo se emprestássemos essa expressão da ordem jurídica anterior. Aliás, é o que ocorre quando, por eleição popular, se institui a Assembleia Nacional Constituinte. Por outro lado, o agrupamento que assume o poder, pela força, fora dos parâmetros da Constituição vigente é juridicamente usurpador, salvo se receber integral apoio da vontade popular. 9 Para Novelino (2010), a titularidade do poder constituinte não deve ser confundida com o seu exercício. Titular é aquele que detém o poder, ainda que, em certos casos, este poder seja exercido por outros agentes. A elaboração de uma Constituição por um grupo minoritário não significa que a titularidade pertença a este ou que tenha trocado de mãos, mas sim o exercício ilegítimo de um poder usurpado do verdadeiro titular. Bonavides (2004) explica que ao se tomar consciência, no século XVIII, da existência de um poder constituinte e formular-se uma teoria, ancorada na legitimidade dos governados como lógica e racional, é evidente que a crítica constitucional haveria de descobrir, a partir dali, outras matrizes, tanto sociológicas como filosóficas, conforme sua titularidade recaísse em entes tais como a divindade, o soberano, a nação, o povo, a classe, a raça etc. Qualquer que seja o seu titular, pelo entendimento de George Boudeau, citado por Bonavides, o que não pode haver é um poder constituinte abstrato, posto que este se encontre sempre preso a um indivíduo, a um grupo ou a um povo que o legitima, assim o poder constituinte não se concentra nem se absorve num único titular, visível ou definido, que se apresenta materialmente difuso. Por todas estas razões é que Novelino (2010) afirma que a questão envolvendo a titularidade do poder constituinte não encontra uma resposta homogênea. A doutrina majoritária sustenta que a titularidade deste poder reside sempre na soberania do povo (resposta democrática), em sentido oposto, há quem sustente que o titular do poder constituinte não é apenas o povo, podendo ser também o monarca, uma facção ou uma elite dirigente, um ou mais partidos políticos (resposta autocrática). Nesta concepção, a função desenvolvida pelo povo no processo constituinte é, sobretudo, de legitimação do detentor do poder constituinte. Bonavides (2004) aponta que foi a partir de uma análise racional da legitimidade do poder, contida nas reflexões do contrato social, que fez brotar a teoria do poder constituinte, assim é possível dizer que quando se fala em poder constituinte está a se falar na legitimidade desse poder. Contudo, conforme Mendes, Coelho e Branco (2009) é possível, que um segmento do povo aja como representante do povo, dele obtenha o reconhecimento, e atue como poder constituinte originário – o que correspondia à pretensão da burguesia na Revolução Francesa. Para Bonavides (2004) aqueles que consideram a questão do sujeito ou titular do poder constituinte menos uma questão de fato do que uma questão de direito transferem o problema para a esfera dos valores ou da legitimidade, mas neste ponto, esbarram em dificuldades. Uma dessas dificuldades consiste em separar dois aspectos fundamentais: o de 10 mero titular e do titular legítimo, bem como o da titularidade e do exercício dessa titularidade, onde o titular legítimo seria unicamente a Nação, fazendo com que o poder constituinte, em uma expressão técnica ou meio instrumental, fosse a forma pela qual se daria eficácia a vontade soberana da Nação, a única legitima para governar as coletividades humanas ou reger o destino dos povos. Ensina Horta (2010) que o Poder Constituinte emana do fato revolucionário deflagrando uma crise entre o ordenamento estatal vigente, cuja legitimidade se contesta e uma outra legitimidade que se revela num novo poder constituinte que tende a se refletir numa nova constituição, um novo direito, apoiado na nação e na vontade popular, cujo exercício, conforme o princípio de legitimidade, como ensina Bonavides (2004) encontra suporte de legitimidade nos próprios cidadãos ou nos seus representantes ou ainda nos dois conjuntamente. Em qualquer hipótese, contudo, a natureza política soberana, inerente a essência do poder constituinte, fá-lo-ia sempre absoluto, desatado de vínculos restritivos que não fossem os da direta e imediata expressão de sua própria vontade. Novelino (2010) analisa a legitimidade do poder constituinte sob dois prismas distintos. Do ponto de vista subjetivo, a legitimidade está relacionada a questão envolvendo a titularidade e o exercício do poder, do ponto de vista objetivo, o poder constituinte deve consagrar na Constituição um conteúdo valorativo correspondente aos anseios de seu titular. 2.6 A CONTRIBUIÇÃO DE SIEYES Nas palavras de Sevegnani e Garcia (2011) a construção teórica do Poder Constituinte nasce sob a influência da Revolução Francesa – um dos acontecimentos mais importantes da humanidade – e que foi determinante para as mudanças da sociedade moderna com influencia direta na positivação dos direitos fundamentais e desenvolvimento da teoria constitucional moderna. No final de 1788, o Rei Luis XVI, conforme Sevegnani e Garcia (2011), resolve convocar os Estados Gerais, espécie de Assembleia Nacional, que reunia as três ordens ou três Estados: o clero, a nobreza e os comuns. A nobreza e o clero detinham o monopólio político e possuíam representação própria e diferenciada, pois a votação nos Estados Gerais era realizada por ordem, o que para o Terceiro Estado não fazia qualquer diferença, pois favorecia sempre as duas primeiras ordens. Contrários aos privilégios dessa minoria insubordina-se o Terceiro Estado, fazendo uma série de propostas para o modelo de deliberação dos Estados 11 Gerais, que ganha destaque no panfleto escrito pelo abade Emmanuel Joseph Sieyes, conhecido como O que é o Terceiro Estado ou A Constituição Burguesa. Em suma Sieyes (1986) destaca o Terceiro Estado como uma nação completa, uma vez composta por todas as atividades particulares e pela maioria dos cargos públicos, salvo aqueles exercidos pelos privilegiados da nobreza e do clero, que representam uma minoria, mas o Terceiro Estado nada tem, pois os Estados Gerais, em razão de deliberem e votarem por ordem detém o poder legislativo (uma assembleia clerical, nobiliárquica e judicial). Nesse sentido, aponta que todo privilégio se opõe ao direito comum e que portanto é necessário entender o Terceiro Estado como um conjunto de cidadãos que pertencem a uma ordem comum. Contudo, em razão das manobras do poder dominante, a escolha dos seus representantes recaiam sempre nos membros da nova nobreza (terceiros estadistas que são enobrecidos ou privilegiados) esvaziando sua representatividade. Assim sendo, segundo Sevegnani e Garcia (2011), o panfleto de Sieyes requer que a representação do Terceiro Estado passe a ser composta por representantes oriundos verdadeiramente do Terceiro Estado, e ainda que este número de representantes iguale-se ao número de representantes das duas outras ordens e que se substitua o voto por ordem pelo voto por cabeça. Naturalmente que a proposta do abade Sieyes não foi bem recebida no seio da Corte francesa. Nasce daí, a definição de vontade comum representativa, que compreende a noção de maioria, vista como a vontade do Terceiro Estado em face da representação da minoria formada pela nobreza e pelo clero. Surge a ideia de constituição, como origem de toda ordem jurídica, tendo acima de si, apenas o direito natural. Cunha Junior (2010) identifica que Sieyes distingue três fases na formação a sociedade política. Na primeira, a existência de indivíduos isolados e que desejavam se reunir. Na segundo identifica esses indivíduos agora reunidos, passando a deliberar sobre necessidades comuns e a forma como satisfazê-las, e na terceira fase, em razão da grande quantidade de indivíduos e de sua dispersão por um território extenso, ficam eles impossibilitados de adotar diretamente posições comuns, ensejando a necessidade de delegarem as decisões da coletividade a algum integrante desta, que passaria a ser seus representantes. É, dessa terceira fase, que Sieyes sustenta a necessidade de uma Constituição para organizar a forma e as funções do corpo legislativo e defende a existência de um poder legítimo, cujo titular seria a nação. É da constituição do corpo legislativo, segundo a ideia de Sieyes (1986) que emana as leis positivas, que devem respeito contudo às leis constitucionais que são leis fundamentais, e que embora constem da constituição do corpo legislativo, dela jamais se 12 derivam ou por ela podem ser alteradas, posto que estas nascem do poder constituinte, enquanto àquelas vinculam-se ao poder constituído. Dessa forma, pela formulação proposta, a nação se forma unicamente pelo direito natural, enquanto o governo, somente se regula pelo direito positivo. Logo a nação possui dois tipos de representantes: os ordinários – limitados ao que é definido constitucionalmente - e os extraordinários, composto de uma comissão nacional com força para deliberar e regulamentar a constituição do corpo político ou a lei fundamental. Deveras, os Estados Gerais, em tese, seria composto por representantes ordinários, ou representaria um poder constituído, e como tal não poderiam fazer qualquer alteração na constituição. Dessa forma a proposta de Sieyes (1986) ganha musculatura, justificando a convocação da nação para que escolham representantes extraordinários para a reformulação da constituição francesa. Nessa relação entre poder constituinte e a nação, extrai-se da lição de Horta (2010) a lógica consequência de que esse poder constituinte reclama um órgão especial, inconfundível com o poder legislativo, que passou a ser denominada Convenção ou Assembléia Nacional Constituinte. De tal forma, que Bonavides (2004) aponta que a teoria do poder constituinte é basicamente a teoria da legitimidade de um novo poder, que se contem nos conceitos de soberania nacional, a partir da elaboração teórica de Sieyes, que se opondo ao poder decadente da monarquia francesa, invoca o poder da nação (terceiro estado) como titular da soberania, legitimando uma nova titularidade do poder soberano. Esse poder, segundo ensina Cunha Junior (2010) é um poder que não encontra limites no direito positivo anterior, mas no direito natural existente antes da nação e acima dela, vinculando-se, pois a jusnaturalismo, conforme o entendimento de Sieyes. Trata-se, pois, de um poder de direito permanente, incondicionado, ilimitado e autônomo que é anterior ao próprio Estado que funda, em oposição à compreensão positivista, que entende que direito somente é direito quando positivado, daí defendendo a ideia de que o Poder Constituinte é um poder de fato, que se funda em si mesmo e não num direito anterior. 3. PROCEDIMENTOS METODÓLOGICOS O presente artigo desenvolveu-se a partir da realização de pesquisas bibliográficas, iniciando-se com a seleção e leitura de livros e artigos que tratavam sobre o tema, para que se pudesse conhecer a influencia e a importância da obra de Sieyes para o desenvolvimento da teoria do Poder Constituinte. 13 Após selecionados os livros e artigos, destacou-se os pontos relevantes para a pesquisa, em seguida realizou-se uma série de leituras, das quais extraiu-se o referencial teórico. Daí foi possível destacar, ponto a ponto, qual a contribuição teórica de Sieyes para a formatação do Poder Constituinte. A fase seguinte foi analisar os textos destacados e lidos e deles extrair seu conteúdo jurídico para confrontá-lo com os objetivos da pesquisa, cujo resultado acabou por satisfazer o questionamento levantado. Trata-se, pois, de um trabalho descritivo elaborado a partir de consultas bibliográficas. 4. CONCLUSÃO A resposta obtida com a pesquisa alcançou o objetivo esperado a medida que foi possível entender o conceito de poder constituinte, ou seja, foi possível saber que este poder seria capaz de elaborar ou atualizar uma Constituição e que a matriz deste poder encontra-se na revolução francesa que carregava consigo a força da soberania nacional representada num órgão denominado Assembléia Nacional Constituinte. Pelo estudo da teoria do Poder Constituinte foi possível abordar acerca do aparecimento do poder constituinte, a diferença entre poder constituinte e teoria do poder constituinte e que esta teoria foi concebida para justificar a criação da Constituição escrita, nos moldes revolucionários, a partir da concepção de Sieyes. Também foi possível verificar que titularidade e o exercício do Poder Constituinte são coisas distintas e que o titular nem sempre é aquele que o exerce este poder. Contudo ficou patente que a titularidade do poder constituinte pertence ou deveria pertencer ao povo. Nesse sentido, verifica-se que a construção teórica do Poder Constituinte nasce sob a influência da Revolução Francesa, a partir das propostas levantadas pelo abade Sieyes, a favor dos comuns, em contraposição aos privilegio dos membros da nobreza e do clero, posto que os derradeiros detinham o monopólio político, na composição dos Estados Gerais. Em suma o que Sieyes pretendia, conforme constatado no artigo, era que a representação do Terceiro Estado passasse a ser composta por representantes oriundos verdadeiramente do Terceiro Estado, e que este número fosse igual ao número de representantes das duas outras ordens e que o voto contasse não por ordem, mas por cabeça, surgindo daí a ideia de constituição, como origem de toda ordem jurídica. 14 REFERÊNCIA BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra-Portugal: Almedina, 1998. CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. amp e atualizada. Bahia: Podivm, 2010. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-Membro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. GARCIA, Marcos Leite; SAVEGNANI, Joacir. A Luta pela Liberdade e as Origens do Poder Constituinte: A obra do Abade Sieyes e a Revolução Francesa. In Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, 2011. HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5. ed. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2010. SIEYES, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa/O que é o Terceiro Estado. Rio de Janeiro: Liber, 1986. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.