Paciente de 70 anos de idade, sexo masculino, refere que há cerca de um ano começou a apresentar poliartralgia inflamatória em mãos, joelhos, tornozelos e pés associado à rigidez matinal de 30 minutos. Há quatro meses passou a apresentar parestesias em mãos e membros inferiores abaixo dos joelhos e há dois meses episódios de aumento de volume em punhos e metacarpofalangianas. Referia ainda tosse seca diária de longa evolução. Apresentava como antecedentes: fratura de fêmur esquerdo em 2003 após queda de cinco metros de altura com necessidade de tratamento cirúrgico; etilismo diário desde os 14 anos de idade, com uso de 1 litro de destilados diariamente nos últimos oito anos; tabagista desde os 14 anos de idade 56 anos/maço. Ao exame físico apresentava aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax, com diminuição global do murmúrio vesicular bilateral e presença de estertores em ápice de hemitórax direito; sinovite de metacarpofalangianas, interfalangianas proximais, punhos e joelhos; hiperestesia em face palmar e força muscular grau V em membros. Exames laboratoriais: VHS (1° hora): 55 mm PCR: 11,96 mg/L (normal até 1,0mg/L) Hemograma e Eletrólitos normais Creatinina 0,6 mg/dL AST 15 U/L ALT=17 U/L Sorologias para HBV, HCV e HIV negativas Eletroforese de proteínas normal Fator reumatoide 51,2 (normal até 14) Urina 1 sem alterações Radiografia de Tórax PA e Perfil OBS: Caso clínico apresentado na reunião clínica da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP pelo Residente Felipe Grizzo no mês de maio de 2011. Exames complementares realizados: Adendo: Paciente também apresentava ao exame físico baqueteamento digital, conforme foto ao lado. Laboratório de reumatologia da Disciplina de reumatologia da UNIFESP: Fator reumatóide e APF (antiprofilagrina) negativos. Radiografia de mãos e punhos: espessamento periostal em todas as falanges proximais das mãos Radiografia da fíbula: espessamento periosteal Tomografia de Tórax: tumoração heterogênea de 6x5,5cm em lobo superior direito com plano de clivagem com as estruturas mediastinais e com acometimento de pleura Broncoscopia: Lesão infiltrativa e obstrutiva de segmento apical de LSD, compatível com neoplasia primária de pulmão. Biópsia: carcinoma não-pequenas células, compatível com adenocarcinoma. Tomografia de crânio: formação expansiva heterogênea, de limites definidos, contornos regulares, de realce nodular heterogêneo no hemisfério cerebelar direito. Essa lesão apresenta área cística de permeio e exerce efeito expansivo caracterizado por edema peri-lesional, compressão e desvio do quarto ventrículo e sulcos adjacentes e dos pedúnculos cerebelares direito. Suas medidas nos maiores eixos são: 2,7 x 3,4 x 3,7 cm. Considerar a hipótese de processo expansivo secundário Eletroneuromiografia: polineuropatia sensitivo-motora, desmielinizante e axonal acometendo os 4 membros, mais acentuado em MMII CONCLUSÃO: Diagnóstico: Osteoartropatia Hipertrófica secundária a adenocarcinoma de pulmão com metástase em SNC. Paciente iniciou quimioterapia e radioterapia e prossegue em acompanhamento com equipe de oncologia e reumatologia. Comentários da Dra. Cristiane Kayser, Médica Assistente, chefe da Casinha de Triagem da Reumatologia, Coordenadora da Capilaroscopia Periungueal, Microcirculação do Setor de Esclerose Sistêmica da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP: “A osteoartropatia hipertrófica (OAH) é uma síndrome caracterizada por periostite, baqueteamento digital das mãos, pés ou ambos e artralgia ou oligo/poliartrite. Pode ser classificada em primária ou secundária. A forma primária é uma doença idiopática familiar rara, geralmente auto limitada, também conhecida como paquidermoperiostose, em virtude do espessamento cutâneo característico da face, couro cabeludo, mãos e pés. A OAH secundária corresponde a 95-97% dos casos, sendo freqüentemente associada a neoplasias torácicas, principalmente brônquicas, como a encontrada em nosso paciente. Quando associada a doenças pulmonares é conhecida também como Síndrome de Pierre-Marie-Bamberger. Infecções crônicas, cardiopatias congênitas com shunt, doença inflamatória intestinal e uma série de outras condições podem também se apresentar com OAH. A forma secundária é geralmente de início mais tardio que a primária, e com alterações ósseas e articulares mais agudas e dolorosas. No presente caso, recebemos um paciente para investigação de quadro de poliartrite simétrica de grandes e pequenas articulações, com diagnóstico prévio de artrite reumatóide, mas cuja investigação mostrou tratar-se de OAH secundária a adenocarcinoma pulmonar. Queixas articulares ocorrem em torno de 40 % dos casos de OAH secundária. As articulações mais acometidas são os joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos e metacarpofalangeanas. O envolvimento articular simétrico das mãos, punhos, joelhos e tornozelos com evolução subaguda pode assemelhar-se com a artrite reumatóide. Devemos enfatizar que, sobretudo nos tumores malignos de pulmão, os sintomas articulares como sinovite ativa, podem ser a forma inicial de apresentação da doença, mimetizando quadros de doenças inflamatórias articulares. O diagnóstico da OAH é eminentemente clínico e baseado na tríade: (1) baqueteamento digital, (2) periostite de ossos tubulares longos, (3) associado a dores de membros inferiores e artralgia ou artrite simétrica e bilateral de grandes articulações. Apesar de a periostite ser mais freqüente e evidente em ossos longos dos membros inferiores, os membros superiores também podem ser envolvidos. Alterações laboratoriais como elevação de provas inflamatórias e de marcadores da remodelação óssea podem ser encontradas. O quadro de neuropatia periférica descrito no presente caso foi atribuído a síndrome paraneoplásica. O manejo da OAH varia conforme a etiologia associada. Na OAH secundária a neoplasias, a remoção do tumor ou o tratamento quimioterápico costuma levar a melhora dos sintomas. Anti-inflamatórios não esteróides e analgésicos podem ser utilizados para melhora dos sintomas articulares. Em resumo, a OAH é uma síndrome pouco freqüente na prática clínica reumatológica. Entretanto, em pacientes com sinovite clínica, história e exame físico cuidadosos visando a busca de achados sugestivos de síndromes paraneoplásicas como a OAH devem ser sempre realizados.” Referências Carvalho Filho AX, Sardinha S, Baldotto CS, Mohana- Borges AVR, Martins ISM. Osteoartropatia hipertrófica secundária ao carcinoma broncogênico (síndrome de Pierre-Marie-Bamberger). Pulmão RJ 2007;16:97-102. Armstrong DJ, McCausland EM, Wright GD. Hypertrophic pulmonary osteoarthropathy (HPOA) (Pierre Marie-Bamberger syndrome): two cases presenting as acute inflammatory arthritis. Description and review of the literature. Rheumatol Int. 2007;27(4):399-402. Yao Q, Altman RD, Brahn E. Periostitis and hypertrophic pulmonary osteoarthropathy: report of 2 cases and review of the literature. Semin Arthritis Rheum. 2009;38(6):458-66