Resenha Cultura da Convergência (JENKINS, Henry. São Paulo: Aleph, 2008. 379 p.) Vítor NICOLAU1 Compreender a forma como as mídias estão estruturadas na atualidade é a principal proposta de Henry Jenkins, no seu livro Cultura da Convergência. Fundador do programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Jenkins está no “olho do furacão” das mudanças culturais e da revolução do conhecimento causadas pela convergência midiática. Na obra aqui resenhada, o autor aborda a convergência não apenas como fluxo de conteúdo através de múltiplos suportes, mas como uma transformação cultural, tendo em vista que os consumidores agora são incentivados a procurar novas formas de obter a informação e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos, além de criar comunidades de conhecimento e uma inteligência coletiva, através de uma cultura participativa onde produtores midiáticos e consumidores participam e interagem do processo de criação. A introdução do livro é dedicada ao emergente paradigma da convergência trazido por Jenkins presume que novas e antigas mídias estão interagindo e de forma cada vez mais complexa. A convergência opera como uma força pela unificação, mas está longe de uma estabilidade perfeita entre os meios de comunicação. Ela é um processo, uma mudança nos padrões de propriedade dos meios e impacta principalmente o modo como consumimos estes meios, uma transformação, tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir. Este processo não envolve apenas materiais e serviços produzidos comercialmente, mas ocorre quando as pessoas começam a assumir o controle das mídias. Se os antigos consumidores eram passivos, hoje eles são extremamente ativos, migratórios, conectados socialmente e barulhentos, de grande expressividade pública. A convergência vai representar uma mudança no modo como encaramos nossas relações com as mídias. O público ganhou espaço com as novas tecnologias e agora está exigindo o direito de participar intensamente desta nova cultura. 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Ano VI, n. 10 – Outubro/2010 O primeiro capítulo do livro traz os conceitos de inteligência coletiva e cultura do conhecimento expostos por Pierre Levy. Compreendemos a inteligência coletiva como a capacidade dos membros de uma determinada comunidade em combinar as informações que estão disponíveis para eles. Aqui o autor traz como exemplo as comunidades de spoliers do reality show americano Survivor, semelhante ao “No Limite” brasileiro. Estas comunidades, que surgem com a afiliação de voluntários, procuram evidências, através de pesquisas, boatos e da própria edição técnica do programa, para desvendar os segredos do reality show antes mesmo deste ir ao ar, e estão criando uma nova cultura do conhecimento, que não é mais partilhado e sim coletivo. As suposições tradicionais, trazidas por Jenkins, sobre expertises (experts) estão se tranformando, graças a processos mais abertos da troca de informações no ciberespaço. As questões que são desenvolvidas em uma inteligência coletiva são ilimitadas e interdisciplinares, induzindo um conhecimento combinado entre os membros de uma comunidade. No segundo capítulo, Jenkins demonstra a importância dos consumidores fiéis, os fãs, como uma nova estratégia de marketing que procura expandir os investimentos emocionais, sociais e intelectuais do consumidor, com o intuito de moldar padrões de consumo. Aqui ele traz o exemplo do American Idols, conhecido como “Ídolos” no Brasil, e a interrelação do programa com os patrocinadores e fãs do mesmo. Os anunciantes estão procurando compreender a eficácia dos diferentes meios de comunicação e da sua convergência, já que não existe mais um bloco fixo de espectadores e sim um mosaico de microssegmentos, em constante transformação. O foco agora é menos no conteúdo e mais na conciliação entre os diversos entretenimentos midiáticos, para que haja um relacionamento mais profundo e contínuo. O futuro das relações com os consumidores está nos lovemakers (fãs), pois estes tipos de consumidores defendem as marcas que são fiéis, além de promovê-la. Estes tipos de consumidores, segundo Jenkins, são muito mais valiosos hoje, já que eles prestam mais a atenção nos anúncios, produtos e patrocinadores. No terceiro capítulo, é abordada a questão do entretenimento na era da convergência como uma interação entre múltiplos textos para a criação de uma narrativa tão ampla que não pode ser contida em uma só mídia, ou seja, uma narrativa transmidiática. A distinção entre autores e leitores, produtores e espectadores, criadores Ano VI, n. 10 – Outubro/2010 e interpretes irão se dissolver e formar assim um círculo de expressão, com todos trabalhando para sustentar a atividade dos outros. O exemplo aqui abordado é a franquia Matrix, como um ativador cultural, impulsionando o público a buscar uma maior elaboração da narrativa, sua decifração e especulação. Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo para um todo. Para Jenkins, o acesso também deve ser autônomo, para que seja necessária uma dependência, oferecendo sempre novos níveis para renovar a franquia e sustentar a fidelidade. As narrativas estão se tornando uma arte de construção de um universo e as mídias digitais, que possuem uma “capacidade enciclopédica”, conduzem as novas formas de narrativas, à medida que o público busca informações. Um crescente número de consumidores talvez esteja escolhendo sua cultura popular pela oportunidade de explorar mundos complexos e comprar suas observações. Cada vez mais consumidores estão participando de culturas de conhecimento on-line, é o que sugere Jenkins no seu quarto capítulo ao trazer o exemplo de Star Wars (Guerra nas Estrelas) e a participação dos fãs na criação de novas narrativas. A nova cultura vernácula incentiva a ampla participação, a criatividade alternativa e a economia baseada na troca e com a convergência, todos podem participar. A web tem sido a peça fundamental de ligação entre os fãs e o seu principal ponto de participação, mas à medida que as suas produções tornaram-se públicas, elas não puderam mais ser ignoradas pela indústria midiática, que muitas vezes toma uma posição proibicionista, procurando proibir ou limitar o fan fiction (nome dado as narrativas produzidas por fãs nos Estados Unidos). O autor considera que o aumento do leque de opções midiáticas, chamada de economia da plenitude por Grant McCracken, irá forçar as empresas a abrir mais espaço para a participação dos consumidores. No quinto capítulo, Jenkins, através do exemplo das comunidades que constroem narrativas sobre Harry Potter, aborda o letramento midiático. Os papéis fornecidos pelos produtores midiáticos podem ser entendidos, pelas afirmações de Anne Haas Dyson, como uma “licença para brincar” e é através desta brincadeira que crianças estão desenvolvendo uma compreensão mais rica de si e da cultura a sua volta. Cada vez mais os educadores estão valorizando os espaços recreativos informacionais, frutos da cultura da convergência e criando locais de aprendizado conhecido como espaço de afinidades, e motivando crianças a aprender e expandir seus conhecimentos. Mas nem Ano VI, n. 10 – Outubro/2010 este tipo de construção de comunidade está livre da posição proibicionista da indústria midiática, que tenta controlar as narrativas em torno dos seus produtos, mesmo que estes fãs sejam apenas crianças desenvolvendo habilidades de escrita, leitura e análise textual. As discussões em torno de Harry Potter, sobre os fan fiction e sua temática, tem se apresentado de grande relevância, principalmente devido ao envolvimento direto de crianças inseridas dentro de comunidades de conhecimento, discutindo ativamente sobre liberdade de leitura e expressão. O sexto e último capitulo do livro aborda a edição de imagens e vídeos dos meios de comunicação, muitas vezes sem autorização, utilizados durante a campanha presidencial norte-americana de 2004. Durante este período, segundo o autor, houve uma série de inovações e experimentações no uso das novas tecnologias e de estratégias baseadas na cultura popular. Percebe-se também a constituição de uma nova cultura política, que reflete o jogo entre os dois sistemas de mídia: o tradicional e o alternativo. Os candidatos podem formar suas bases e militâncias na internet, mas vão precisar da televisão para chegar aos indecisos e ganhar as eleições. Jenkins percebeu que as comunidades on-line estão sendo de grande importância para a discussão e reflexão durantes o processo de eleição de um candidato, principalmente analisando aquilo que é veiculado na mídia, como as notícias, pesquisas etc. Já os blogs alternativos também estão ganhando visibilidade durante o processo, facilitando o fluxo de ideias e assegurando um debate político. A conclusão do livro retoma todos os aspectos abordados até agora sobre a ótica do jornalismo participativo, explorando os jornalistas cidadãos que se proliferam pela internet, mas não possui a mesma visibilidade nos meios de comunicação tradicionais, como a televisão. Aqui, Jenkins cita o exemplo do canal Current, onde os próprios internautas produzem as notícias e as que mais recebem apoio no website do canal, são exibidas na televisão. O livro Cultura da Convergência procurou documentar o processo de transição vivido por todos nós, em nosso dia-a-dia, graças às constantes inovações tecnológicas que permitem a participação cada vez maior do público no processo de comunicação. Jenkins propõe, durante toda a sua obra, discutir esta nova cultura, trazendo bons exemplos e nos preparando para o futuro. Apesar de o livro ter sido Ano VI, n. 10 – Outubro/2010 escrito em 2006 e, de lá para cá muita coisa surgiu, como o YouTube e o Twitter, continua bastante atualizado. Em alguns pontos a obra é bastante repetitiva, retomando e explicando conceitos já bem definidos em capítulos anteriores. A visão sempre otimista em relação à convergência também é um ponto chave da obra, com o autor sempre rebatendo as críticas a essa nova cultura. Os estudos de casos selecionados como exemplo são pertinentes ao encaminhamento da obra, mas em casos como Matrix e StarWars tratam de assuntos muito próximo e que poderiam ser abordados em capítulos únicos, principalmente devido a sua proximidade temática. Com certeza é uma obra histórica, que aborda o início da cultura da convergência, com o autor nos preparando para um processo muito maior do que podemos imaginar. Ano VI, n. 10 – Outubro/2010