ID: 62356478 19-12-2015 | Revista E Tiragem: 98880 Pág: 9 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 23,50 x 29,70 cm² Âmbito: Lazer Corte: 1 de 2 Um planeta a precisar de fumo branco A PEGADA ECOLÓGICA É USADA PARA MEDIR O IMPACTO NEGATIVO DA ATIVIDADE HUMANA NA TERRA, MAS NUMA ECONOMIA VERDE SERÁ PRECISO MEDIR TAMBÉM O IMPACTO POSITIVO DE CADA PAÍS GETTY TEXTO VIRGÍLIO AZEVEDO INFOGRAFIA ANA SERRA O ano de 1970 foi um marco na história da Terra. Pela primeira vez, as necessidades humanas em recursos naturais superaram a capacidade dos ecossistemas para os repor. Desde então, este desequilíbrio tem crescido e hoje precisamos de uma capacidade de regeneração de 1,5 planetas Terra para fornecer os produtos e serviços que usamos. Como temos apenas um planeta, caminhamos para um futuro de escassez em recursos naturais, destinados a uma população de 7,2 mil milhões de pessoas, que continua a crescer e a querer atingir níveis de bem-estar dos países mais desenvolvidos. Mas este cenário negro não é uma fatalidade, há alternativas. Para as organizações ambientalistas, tudo passa por uma mudança profunda no modelo de desenvolvimento e na forma como os recursos naturais podem ser geridos à escala global. O que implica uma transformação dos valores e comportamentos da população e do modo de agir dos decisores políticos e económicos. Uma das formas de representar e medir a situação da Terra é a Pegada Ecológica, que compara o consumo de recursos naturais consumidos pela Humanidade com a capacidade regenerativa ou biocapacidade do planeta. As contas são feitas da seguinte maneira: calcula-se a área exigida para produzir esses recursos, mais a área ocupada pelas respetivas infraestruturas e a área de floresta necessária para reter o dióxido de carbono (CO2) gerado por essa produção que não é absorvido pelos oceanos. Ângela Morgado, coordenadora em Portugal da organização ambientalista WWF (Fundo Mundial para a Natureza), que de dois em ID: 62356478 fisga 19-12-2015 | Revista E Tiragem: 98880 Pág: 10 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 23,50 x 29,70 cm² Âmbito: Lazer Corte: 2 de 2 A RIQUEZA ECOLÓGICA DAS NAÇÕES Se todos os países do mundo tivessem a pegada ecológica e a biocapacidade de Portugal em 2011, seriam necessárias 1,9 Terras para satisfazer as suas necessidades em recursos naturais de uma forma sustentável, isto é, garantindo a capacidade dos ecossistemas para repor esses recursos naturais consumidos. E o nosso país precisaria de 2,2 “Portugais” para não ser deficitário em termos de biocapacidade Pegada ecológica maior do que biocapacidade > 150% 100 a 150% 50 a 99% 0 a 49% Israel 1300% Portugal 120% Rep. Centro-Africana 580% Gabão 1000% Congo 1000% Emirados Árabes Unidos 1300% Biocapacidade maior do que pegada ecológica 0 a 49% 50 a 99% 100 a 150% > 150% Singapura 15 000% PORTUGAL: OS ÚLTIMOS 50 ANOS Em hectares globais per capita dois anos publica o “Relatório Planeta Vivo”, onde faz o balanço da Pegada Ecológica, afirma ao Expresso que “não pode haver complacência nenhuma com a situação atual, porque o declínio da biodiversidade está a atingir níveis alarmantes, mas ainda está ao nosso alcance contrariar esta tendência”. A dirigente da WWF reconhece que “há sectores onde se têm feito grandes progressos, como as empresas multinacionais, em que um número apreciável definiu metas ambiciosas para o uso mais sustentável dos recursos”. O mesmo acontece “com os progressos que muitas ONG, incluindo a WWF, têm conseguido em projetos de pagamento dos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas, em soluções para o uso sustentável da terra ou na conservação dos recursos marinhos”. A organização aposta ainda em campanhas para a mudança do comportamento dos consumidores, no lema “produzir e consumir de uma forma responsável”, mas Ângela Morgado esclarece que “isto não implica perda de qualidade de vida e regresso a modos de vida arcaicos”. Há, no entanto, quem aposte numa abordagem diferente do problema. 4 3,5 PEGADA ECOLÓGICA 3 2,5 2 1,5 BIOCAPACIDADE 1 0,5 0 61 66 71 76 81 86 91 96 01 06 11 FONTE: GLOBAL FOOTPRINT NETWORK Paulo Magalhães, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS) da Universidade Nova de Lisboa e um dos responsáveis do projeto internacional Condomínio da Terra, argumenta que as alternativas apresentadas por muitas organizações, incluindo a ONU, não funcionam. “Nunca se chega a um acordo entre a maioria dos países do mundo nestas questões, porque as soluções defendidas vão contra todas as regras de funcionamento da PAULO MAGALHÃES, UM DOS RESPONSÁVEIS DO PROJETO INTERNACIONAL CONDOMÍNIO DA TERRA, ARGUMENTA QUE AS ALTERNATIVAS APRESENTADAS POR MUITAS ORGANIZAÇÕES, INCLUINDO A ONU, NÃO FUNCIONAM economia.” Ou seja, “são soluções reducionistas, que apostam num sistema de proibições e implicam consumir menos”. E quanto menos se consome “menos a economia se desenvolve”. Por isso, Paulo Magalhães afirma que “se deve passar de um sistema de proibições para um sistema de incentivos”. O conceito de Pegada Ecológica tem essa visão reducionista, fala apenas dos impactos negativos da ação humana nos recursos naturais. “Ora, para conseguirmos gerir o uso do Sistema Terrestre de forma sustentável, temos de incluir também os impactos positivos dos ecossistemas, florestas ou áreas marinhas.” E para termos uma Economia Verde “devemos contabilizar os impactos negativos e positivos e passar de uma economia de consumo para uma economia de produção de recursos naturais”. Este é o novo modelo global de gestão do Sistema Terrestre defendido pelo projeto internacional Condomínio da Terra, que é liderado por Portugal. “A grande diferença deste modelo é que considera tanto a contribuição negativa como a contribuição positiva de todos os países do mundo sobre o Sistema Terrestre”, explica Paulo Magalhães. Mas, para este modelo funcionar, “terá de ser reconhecido juridicamente e depois valorado através de um sistema de compensações a nível internacional, o Ecosaldo, gerido por uma entidade ligada à ONU”. b