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III Seminário Regional de Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família e
I Seminário Nacional de Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família: crise, conservadorismo e resistência. | 2016
ISBN: 978-85-397-0963-2
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OS DIREITOS HUMANOS E O SERVIÇO SOCIAL: APROXIMAÇÕES
INTRODUTÓRIAS
Charles Machado Hoepner1
Idilia Fernandes2
Simone Barros de Oliveira3
Resumo: O presente artigo visa identificar como vem sendo abordada a categoria dos
Direitos Humanos no processo de formação profissional em Serviço Social. Essa reflexão é
necessária a partir do momento que os Direitos Humanos à luz de seu processo de
constituição histórica foram pensados para reconhecer que todos os seres humanos devem
ser respeitados e ter suas condições de existência garantidas e reconhecidas legalmente.
Essa problematização vai ao encontro dos princípios fundamentais preconizados no Código
de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, em vigência desde 1993 que prevê a defesa
intransigente dos Direitos Humanos, sendo este um importante documento de resistência
para os profissionais do Serviço Social. No entanto, é necessário dizer que estes
comportam, em sua origem, aspectos que os concebem a partir de valores expressos e
difundidos no sistema capitalista, o que demonstra o seu caráter contraditório.
Palavras-chave: Direitos Humanos; Formação Profissional; Serviço Social.
1 INTRODUÇÃO
Discorrer sobre Direitos Humanos é tarefa demasiadamente necessária para a
identificação dos processos transitórios de retrocessos e conquistas que a sociedade
produzindo ao longo de sua constituição histórica. Permeados por disputas e interesses
distintos os Direitos Humanos são o produto das lutas da população que coletivamente
exigiu do Estado respostas frente às suas necessidades enquanto sujeitos inseridos em um
modelo econômico desigual, contraditório, excludente e repressor.
Embora que seja possível identificar as primeiras manifestações de Direitos
Humanos relacionados com a dignidade da pessoa humana já no período axial da história,
opta-se nesse trabalho por dar ênfase aos Direitos Humanos e seus primeiros passos no
período da Revolução francesa, que com a defesa de valores como liberdade, igualdade e
1
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected].
2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]
3
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: [email protected]
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fraternidade, marcadas por ideias iluministas e sob protagonismo da insatisfeita classe
burguesa foi o berço das lutas por direitos. Da mesma forma esse trabalho objetiva
evidenciar o período de pós-segunda guerra mundial, na primeira metade do século XX,
onde os Direitos Humanos ganharam visibilidade pela então Organização das Nações
Unidas (ONU), que, naquele momento, estava ainda em fase de construção.
Dessa forma, o presente trabalho está divido em dois momentos. No primeiro
momento é realizada a contextualização histórica dos Direitos Humanos, de modo a
compreender as motivações que foram fundamentais a problematização de se pensar
direitos para todos os homens, dando especial enfoque para a Revolução Francesa e seus
rebatimentos para a criação da necessidade da constituição de direitos. Nesse momento
também é apresentado o aspecto contraditório dos Direitos Humanos, uma vez que, eles se
inserem na sociedade capitalista, herdando da mesma todos os limitantes políticos,
econômicos e sociais que a conformam.
No segundo momento realiza-se a abordagem dos Direitos Humanos em sua
relação intrínseca e necessária com o Serviço Social. Esse item procura mostrar o
compromisso ético-político assumido pela categoria profissional dos assistentes sociais
brasileiros a partir da década 1980 e, especialmente, na década de 1990 com as
contribuições do Código de Ética Profissional dos assistentes sociais, as Diretrizes
Curriculares e, por fim, o Projeto Ético-político. Esse projeto que norteia a direção social
da profissão está intimamente relacionado com a defesa dos Direitos Humanos e a recusa a
qualquer opressão ou autoritarismo, sendo importante ferramenta de resistência.
Por fim, a partir das considerações finais, são tecidas as conclusões provisórias
encontradas pelos autores no decorrer do processo de elaboração do trabalho, bem como,
são apresentadas as sugestões e contribuições estabelecidas a partir da realização da
referida produção.
2 DIREITOS HUMANOS NO CAPITALISMO: RESISTÊNCIA E CONTRADIÇÃO
A discussão acerca de direitos para o homem ganhou notoriedade em 1789 com a
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Essa declaração surge no período em que
a França travava um de seus mais importantes acontecimentos históricos, a Revolução
Francesa. Bobbio (2004) apropriando-se do legado de Hegel vai elucidar que com a
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Revolução “iniciara-se uma nova época da história”, onde “todos os seres pensantes
celebraram em uníssono essa época”. Esse período de efervescência, contudo, não foi
imune de críticas e movimentos contrários aos então direitos do homem (BOBBIO, 2004,
p.101).
A Revolução Francesa, enquanto importante movimento histórico marca um
processo de transição entre o declínio da monarquia absolutista e a instauração da
democracia francesa. Comparato (2005) chega a proferir que nesse momento a palavra
revolução estava ligada ao rompimento dos ranços políticos e históricos da sociedade de
maneira que os revolucionários envolvidos trabalhavam na perspectiva de construção de
um novo mundo. O diferencial dessa revolução, se comparada com as demais, deve-se ao
fato de sua abrangência e alcance. Suas ações atingiram toda a humanidade e não apenas
ao povo francês, devido o momento de efervescência que rondava a Europa.
Do ponto de vista político, essa Revolução contou com o protagonismo da
emergente classe burguesa com forte apoio das classes populares que, aliadas à primeira,
foram persuadidas pelo discurso de uma burguesia “preocupada” com as demandas dessa
classe “desfavorecida”. É oriunda desse período a defesa pelos valores de igualdade,
liberdade e fraternidade, lema da Revolução Francesa. Esses três valores4 tiveram seus
significados reconhecidos, de forma que até a contemporaneidade, embora sob outro ponto
de vista, são defendidos enquanto princípios substanciais para o desenvolvimento da vida
em sociedade no sistema capitalista. No que concerne ainda à Revolução Francesa esse
lema foi fundamental, mesmo diante de suas contraditoriedades, para que as atenções
fossem voltadas para os direitos, de maneira a dar conta do atendimento às necessidades5
dos homens enquanto sujeitos de direitos.
4
“Disso só poderia resultar uma igualdade artificial, que se realiza no marco do “possível” permitido pelo
sistema desigual do capital, a qual recebe denominações que não expressam um igualitarismo substantivo,
tais como: igualdade formal/ jurídica, de status ou de oportunidades, que privilegiam a lei, a distinção e o
mérito – todas definidas pela ideologia dominante e de acordo com os seus mandamentos. E, obviamente,
esse privilegiamento não tem impedido que as desigualdades se aprofundem, como vem acontecendo. Pelo
contrário; visto que, no capitalismo, a desigualdade pode ter função estimuladora do progresso individual em
benefício do sistema, e a liberdade é identificada com a ausência de obstáculo à competição econômica, não
deve causar surpresa o fato de a desigualdade vir, continuamente, aumentando; e, mais que isso,
mundializando se, multiplicando-se e naturalizando-se” (PEREIRA, 2013, p.62).
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Necessidade vista aqui de um ponto de vista mais amplo, de maneira a contemplar os aspectos políticos,
econômicos e sociais.
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Contudo, esse período não está isento de contradições, uma vez que, essa
Revolução teve como um dos seus resultados o fortalecimento da classe burguesa, que
embora tenha contado com o apoio do povo, protagonizou essa revolução em oposição ao
domínio absolutista da Monarquia6. Essa mesma classe que, lutava por liberdade e
igualdade, posteriormente viria a ser a detentora dos meios de produção que produzem e
reproduzem as desigualdades no sistema capitalista. Sob esse aspecto Comparato (2005)
ressalva que “[...] não é menos verdade que a civilização burguesa e o sistema econômico
capitalista não teriam prosperado tão vivamente, a partir do século XIX, se o direito
revolucionário não tivesse criado as instituições que lhe serviram de fundamento”
(COMPARATO, 2005, p. 143-144).
Comparato (2005) refere que “ora a revolução burguesa, como bem salientou Marx,
desencadeou o mais rápido movimento de transformação social de todos os tempos. Tal
como o dinheiro, bem central da economia capitalista, tudo pôs-se a circular e a ser
trocado” (COMPARATO, 2005, p. 148).
Essa burguesia que, até então contara com o apoio do povo, apropria-se da
propriedade privada dos meios de produção, nesse recente sistema capitalista, enquanto um
instrumento de exploração da força de trabalho do povo. Este mesmo povo que não
pertence a essa classe munida de privilégios, consequentemente a ela se opõe dando
contorno, mais uma vez, a luta de classes.
Com o fim da revolução francesa e com a instauração do modo capitalista de
produção, a burguesia assume, definitivamente, o status de classe dominante.
Consequentemente, os direitos passam a ser, consequentemente, objeto de luta pela então
classe operária7. Essas lutas e disputas de interesses têm, enquanto resultado, sob o prisma
das garantias os primeiros contornos dos Direitos Humanos.
Marx (2005) vai assegurar no Manifesto do Partido Comunista que “A história de
todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes” (MARX, 2005, p.
40). Embora a divisão da sociedade em classes seja anterior ao modo de produção
6
“Trata-se da relação, concomitante, entre interesses particulares da burguesia e a forma de síntese universal
que contém o ideário burguês. Sua expressão universal faz com que suas proposições sejam atraentes para
outros setores sociais, mas não eliminam seu caráter particular” (RUIZ, 2014, p. 36).
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Passa a ser denominada dessa forma devida a sua relação com a fábrica devido a Revolução Industrial.
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capitalista8 é, com a instauração desse sistema, que essa cisão se acentuou
consideravelmente.
O capitalismo, enquanto modo de produção vigente, é composto por duas classes
que nele se inserem de formas opostas no processo de sua (re)produção. A burguesia,
oriunda dos burgos no período feudal e devendo a esse fator o seu nome assume o papel de
classe dominante que detém a apropriação privada dos meios de produção. A classe
proletária, por sua vez, necessita da venda de sua força de trabalho, enquanto sua única
propriedade à classe burguesa como forma de manter, mesmo que minimamente, sua
subsistência enquanto classe (MARX, 2005).
Com o estopim da Revolução Industrial a sociedade seria permeada por
consideráveis transformações, de forma que os sujeitos tiveram que se reorganizar frente às
mudanças provocadas pela instauração do Capitalismo enquanto sistema econômico
vigente e da imposição da burguesia enquanto classe dominante. Marx (2005) demonstra o
caráter real dessa burguesia ao afirmar que esta,
[...] fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as
numerosas liberdades, conquistadas duramente, por uma única liberdade
sem escrúpulos: a do comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração
dissimulada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma
exploração aberta, direta, despudorada e brutal (MARX, 2005, p. 42).
A partir disso torna-se possível a identificação dos princípios preconizados por esse
sistema, de forma que este reduz o proletário à condição de subalterno. Esse cenário fica
ainda mais evidente com a instalação das primeiras indústrias manufatureiras. Com a falta
de condições mínimas de subsistência os trabalhadores das recentes indústrias passam a se
articular e lutar por melhores condições de vida e de trabalho. Nesse momento a
necessidade de direitos passa a não só ser essencial como também se torna prioridade das
lutas dos trabalhadores enquanto condições essenciais para a manutenção da vida em
sociedade.
8
Nas mais remotas épocas da História, verificamos, quase por toda a parte, uma completa estruturação da
sociedade em classes distintas, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga encontramos
patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres das corporações,
aprendizes, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, outras gradações particulares (MARX,
2005, p. 40).
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Segundo Ruiz (2014) é a partir da Revolução Mexicana de 1910 e a Revolução
Russa de 1917 que os direitos entram fortemente na agenda de debate. Ainda conforme o
autor “começavam a constituir-se, na disputa dialética em torno de que direitos deveriam
ser reconhecidos e promovidos socialmente, germes para futuras novas concepções de
direitos humanos” (RUIZ, 2014, p. 60).
Tendo em vista o cenário mundial instaurado no fim da Segunda Guerra Mundial
(1945), onde populações de diferentes origens foram brutalmente perseguidas, torturadas e
violentadas foi necessário que os sujeitos, por meio de suas representações legais,
buscassem uma forma de diminuir e, até mesmo, erradicar qualquer atentado à vida
humana decorrente de divergências étnicas, culturais ou de interesses econômicos distintos.
É nesse contexto que é formulada, com a colaboração de diversos países, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (datada de 10 de dezembro de 1948)9. Essa
Declaração firmou no papel o compromisso dos diferentes países na luta pela erradicação
dos crimes cometidos contra os seres humanos, independentemente de suas motivações.
Os Direitos Humanos10, partindo das contribuições de Trindade (2013) são
resgatados no âmbito do Estado a partir do término da Segunda Guerra Mundial (19391945), onde o cenário global era marcado pela destruição expressiva dos países envolvidos
nesse conflito. O estado caótico instaurado fez com que os diversos países se voltassem
para as consequências desse que foi um dos conflitos bélicos mais expressivos da história
recente da humanidade.
9
A Declaração, de 1948 teve o status de uma “recomendação” aos Estados subscritores, não de uma lei de
cumprimento exigível. Mas, além de ser o primeiro documento de direitos humanos de âmbito internacionalinaugurando, portanto o direito internacional dos direitos humanos- essa Declaração também fundou a
concepção contemporânea dos direitos humanos, segurando a qual as suas várias dimensões (direitos civis e
políticos, direitos econômicos, sociais, culturais, etc.) configuram uma unidade universal, indivisível,
interdependente e inter-relacionada (TRINDADE, 2013, p.20-21, grifos do autor).
10
Para Marx (2010) existe uma diferença entre Direitos Humanos e Direitos do cidadão. Nesse sentido, “Os
droits de l’homme, os direitos humanos, são diferenciados como tais do droits du citoyen, dos direitos do
cidadão. Quem é esse homme que é diferenciado do cioyen? Ninguém mais ninguém menos que o membro
da sociedade burguesa. Por que o membro da sociedade burguesa é chamado de “homem”, pura e
simplesmente, e por que seus direitos são chamados de direitos humanos? [...] antes de tudo constatemos o
fato de que os assim chamados direitos humanos, os droits de l’homme, diferentemente dos droits du citoyen,
nada mais são do que os direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem
separado do homem e da comunidade (MARX, 2010, p. 48).
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A noção de Estado de bem-estar11 parte desse dado momento histórico em que não
só as nações derrotadas como também as nações envolvidas com o referido momento
bélico ficaram destruídas e sem as devidas condições para sua reconstrução. Segundo
Pereira (2013) “revelou-se uma instituição que, sem renegar o capitalismo, objetivava
formalmente zelar pelo bem-estar humano, seja garantindo direitos sociais, seja
implementando políticas sociais abrangentes, como saúde, educação, emprego, moradia”
(PEREIRA, 2013, p. 65).
Ainda imerso nesse momento de pós-segunda guerra a Organização das Nações
Unidas (ONU) viria a redigir o documento que seria o marco no campo da garantia dos
Direitos Humanos em escala global: A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse
sentido ficam estabelecidos os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais como
direitos indispensáveis para a construção da noção de dignidade da pessoa humana.
Consta, no segundo artigo da referida Declaração, enquanto elemento essencial, que
“todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta
Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição” (ONU, 1948).
A constituição federal de 1988, importante marco no campo dos direitos sociais,
também reconheceu a importância dos direitos humanos inclusive na relação entre o Brasil
e os demais países do mundo. Em seu artigo 4º trata dos princípios norteadores da atuação
do Estado brasileiro em suas relações internacionais, de maneira que no inciso segundo ela
defende a “prevalência dos Direitos Humanos” (BRASIL, 1988).
No Brasil, principalmente durante o período de ditadura militar (1964-1985) houve
um momento significativo na luta pela garantia dos direitos humanos, principalmente em
razão das atrocidades que foram cometidas contra a população nesse período obscuro da
11
“Em sua versão keynesiana, que constitui o paradigma deste esforço de definição, ele tem sido um meio
institucional e histórico de combinar a melhoria do status de cidadania de grande parte da população com a
economia de mercado. Em essência, seu objetivo não é abolir o capitalismo (Ibid.), mas evitar com que este
se torne autofágico e, consequentemente, possa progredir graças à associação virtuosa de medidas monetárias
e fiscais capazes de assegurar a demanda propiciada pelo aumento do consumo das camadas mais pobres,
inclusive dos que não estão inseridos no mercado de trabalho. Com esse objetivo, ele desenvolve atividades
que reproduzem a força de trabalho empregada e mantém no circuito da sociedade capitalista os impedidos
de trabalhar, visando a coesão social” (PEREIRA, 2013, p. 66).
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trajetória brasileira. Leal (1997, p.140) refere que “a forma como são tratados os direitos
humanos no país evidencia práticas, discursos e valores que afetam o modo como
desigualdades e diferenças são desenhadas no cenário público, como os interesses se
expressam e os conflitos se realizam”.
A partir disso percebe-se que a forma como o país aborda e incorpora a questão dos
direitos humanos nada mais é do que o reflexo da forma como a sociedade brasileira está
constituída desde seu processo formativo12. Por isso torna-se importante dar legitimidade
aos debates acerca dos direitos humanos, para que nunca se esqueça da razão deles serem
ininterruptamente requisitados e essencialmente indispensáveis.
3 SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS: UMA RELAÇÃO TEÓRICOPRÁTICA E ÉTICO-POLÍTICA
O Serviço Social, enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho e
comprometida com a luta permanente pela efetivação dos direitos historicamente
garantidos é recente na trajetória brasileira. O seu posicionamento enquanto categoria
profissional contrária a qualquer forma de discriminação, opressão e desigualdade data a
partir do amadurecimento teórico-político da categoria, especialmente na década de 1980.
Muito embora tenha surgido no país na década de 30, sua gênese é permeada pelos
processos controversos sinalizados no período de industrialização brasileira. É requisitado,
em um primeiro momento, a atender aos interesses da classe dominante, que no processo
de desenvolvimento brasileiro, era representada pela recente burguesia industrial
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). De acordo com Martinelli (2011) “a origem do
Serviço Social como profissão tem a marca profunda do capitalismo e do conjunto de
variáveis subjacentes- alienação, contradição e antagonismo-, pois foi nesse vasto caudal
que ele foi engendrado e desenvolvido” (MARTINELLI, 2011, p. 156).
É somente em meados da década de 1960 do século XX que a profissão sente a
necessidade de repensar o seu agir profissional. Observa-se a existência de um meio
profissional em franca expansão. No decorrer desses anos, a profissão sofrerá as suas mais
12
Para contribuir acerca do debate sobre o processo de constituição do Brasil enquanto nação consultar
Gilberto Freyre (2003), Celso Furtado (2007) Sérgio Buarque de Holanda (2014) e José Murilo de Carvalho
(2015).
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acentuadas transformações, “modernizando-se” tanto o agente como o próprio teórico,
métodos e técnicas por ele utilizados (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p.358).
A organização política e insatisfação profissional foram marcos decisivos para o
(re)pensar profissional reconhecido como Movimento de Reconceituação do Serviço
Social brasileiro. É importante ressaltar que esse movimento não surgiu de maneira
imediata e sim foi um processo de construção que perpassou diversos momentos e
constituiu-se em diversos espaços da categoria profissional.
É nesse período que se busca o rompimento com o Serviço Social tradicional e se
inicia a construção de um Serviço Social que seja crítico e que vá ao encontro das
necessidades da classe trabalhadora, lutando contra todo e qualquer tipo de opressão das
minorias pelas maiorias. Essa nova articulação reveste-se do caráter em defesa dos Direitos
Humanos que a profissão iria assumir a partir da construção do Projeto Ético-Político
profissional. De acordo com Netto (2005, p.09):
Nesse marco, assistentes sociais inquietos e dispostos à renovação
indagaram-se sobre o papel da profissão em face de expressões
concretamente situadas da “questão social” sobre a adequação dos
procedimentos profissionais tradicionais em face das nossas realidades
regionais e nacionais, sobre a eficácia das ações profissionais, sobre a
pertinência de seus fundamentos pretensamente teóricos e sobre o
relacionamento da profissão com os novos protagonistas que surgiam na
cena político-social.
Vale ressaltar que nesse contexto o Brasil vivenciava um dos momentos mais
obscuros de sua história recente: a ditadura militar. Com todo o cenário caótico que
assolava o solo brasileiro nesse período, onde desaparecimentos, perseguições, crimes e
assassinatos eram rotineiros na vida política abre-se o questionamento: Como pensar a
cidadania em um período da história brasileira em que motivações pessoais levavam ao
assassinato de centenas de pessoas? Como pensar a sociedade em um período que os
sujeitos foram privados de seus direitos mais básicos? Que heranças políticas e sociais
carregam-se ainda hoje desse período? Onde ficam os Direitos Humanos nesse contexto de
autoritarismo e violações?
Como resultado dessa realidade, o Brasil incorpora em sua Constituição aprovada
em 1988 a categoria dos Direitos Humanos em sua legislação. “Na Constituição de 1988
refletem-se assim os princípios e ideais dos opositores da ditadura e incorporam-se os
direitos humanos não só como garantias individuais, mas como princípios básicos do
ordenamento constitucional e jurídico brasileiro” (SABOIA, 2009, p. 59).
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A categoria profissional dos Assistentes Sociais, nesse período, passava por uma
série de reformulações importantes no seu âmago. Dentre elas, destaca-se: a aprovação do
currículo de 1982, o código de ética de 1986, a expansão da pós-graduação na área do
Serviço Social e, fundamentalmente, o germe do Projeto Ético-Político profissional e a
aproximação mais substantiva do marxismo enquanto teoria social crítica hegemônica na
profissão.
Closs (2015) ao fazer uma análise mais abrangente dos fundamentos do Serviço
Social brasileiro aliado intrinsecamente às modificações históricas e correntes da sociedade
brasileira ao longo das décadas no século XX vai demonstrar que, substancialmente,
mesmo que tenha relativamente poucos anos de inserção no Brasil, o Serviço Social
abarcou, igualmente à luz das transformações societárias, muitas modificações ao longo de
seu processo histórico.
O Projeto Ético-político do Serviço Social, enquanto um dos aspectos marcantes e
mais importantes desse período, fortemente discutido na segunda metade da década de
1990, trata a direção social e política da profissão com vistas a outro modelo de sociedade
que comporte a equidade, justiça social e outros valores essenciais sob o ponto de vista do
protagonismo dos sujeitos. De acordo com Netto (2009),
[...] Consequentemente, este projeto se vincula a um projeto societário
que propõe a construção de uma nova ordem social, sem
exploração/dominação de classe, etnia e gênero. A partir dessas opções
que o fundamentam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos
humanos e o repúdio do arbítrio e dos preconceitos, contemplando
positivamente o pluralismo, tanto na sociedade como no exercício
profissional (NETTO, 2009, p. 155, grifos do autor).
O Projeto Ético-Político (PEP) sintetiza o direcionamento da ação profissional a
partir da década de 1990 e está intimamente ligado aos rumos que a categoria profissional
começa a seguir. Ele é um dos avanços que o Serviço Social alcançou por meio dos
debates e discussões acerca da profissão e sua observância consiste em um dos maiores
desafios para os profissionais do Serviço Social, pois é pautado nele que o assistente social
deve direcionar o seu exercício profissional. Traz a cena contemporânea, acima de tudo, a
incoerência entre os valores definidos pelo modelo de sociedade vigente e o projeto
societário que a categoria profissional almeja. Para, além disso, elucida a aproximação
efetiva entre o Serviço Social e os Direitos Humanos, onde a categoria profissional se
coloca na defesa intransigente com objetivo a lhes dar materialidade.
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O Código de Ética de 1993 também representa um avanço significativo para a
categoria profissional, uma vez que, supera os limites e incompreensões trazidos no
Código de 1986, bem como, aponta para a manutenção das conquistas e dos avanços do
referido código. A categoria dos Direitos Humanos nesse Código ganha atenção especial,
de forma que sua defesa é concebida enquanto um dos onze princípios fundamentais
abordados no código. Como segundo princípio fundamental apresenta a “Defesa
intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo” (CFESS, 1993).
Outro marco importante dessa década para o Serviço Social refere-se às Diretrizes
Curriculares da ABEPSS, aprovadas em novembro de 199613. Estas representam não
somente um avanço no que diz respeito aos aspectos necessários e fundamentais para o
processo de formação profissional em Serviço Social como também é um ganho no sentido
da articulação entre os diferentes conjuntos componentes da categoria profissional do
Serviço Social14. Este documento torna-se marco de um momento de amadurecimento
político da categoria profissional, de forma que, estas diretrizes demonstram o esforço e
compromisso com o processo formativo com qualidade no Serviço Social brasileiro.
Esse recorte é essencial para que seja compreendido o horizonte almejado pela
categoria profissional e, mais do que isso, seja introjetado o compromisso da categoria dos
assistentes sociais acerca da defesa dos direitos humanos e da recusa por quaisquer
possibilidades de suas violações. Contudo, não é menos importante reconhecer que esse
processo está acarretado de limitações e contradições, como abordado anteriormente nesse
trabalho.
Barroco (2013) traz algumas contradições no campo dos Direitos Humanos que
necessitam ser apresentadas, pois essas discussões traduzem a categoria dos Direitos
Humanos inseridas no atual modelo de produção. A partir da visão da autora os Direitos
13
Cabe ressaltar, no entanto, que o Ministério da Educação aprovou pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) em 2001 uma resolução que esvaziou em grande proporção às Diretrizes aprovadas em 1996 pela
ABEPSS. Acerca disso, muitos cursos de Serviço Social que surgiram posteriormente à essa aprovação foram
constituídos com inúmeras lacunas nas grades curriculares atendendo, em sua maioria, às exigências de
mercado (BOSCHETTI, 2004).
14
Este processo de mobilização contou com o apoio decisivo da Entidade Nacional representativa dos
profissionais de Serviço Social, através do CFESS - Conselho Federal de Serviço Social, bem como, dos
estudantes, através da ENESSO - Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social. Entre 1994 e 1996
foram realizadas aproximadamente 200 (duzentas) oficinas locais nas 67 Unidades Acadêmicas filiadas à
ABESS, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais (ABEPSS, 1996, p. 02-03).
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Humanos se afirmam a partir da universalidade. Essa afirmação conclui que, na sociedade
capitalista, os Direitos Humanos enredam-se em limites estruturais para sua efetivação,
tendo em vista que, essa sociedade se produz e reproduz a partir da manutenção da
sociedade classes, composta por interesses antagônicos e em constante disputa. Nesse
sentido os direitos humanos têm limites reais, uma vez que, são gestados a partir de valores
políticos, econômicos e sociais que são condizentes com o modelo de produção que os
regem (BARROCO, 2013).
Barroco (2013) sinaliza que os Direitos Humanos também são um campo de
disputas e, que apesar dos avanços ao longo do desenvolvimento histórico, ainda abarcam
o caráter conflituoso que resulta de interesses antagônicos protagonizados pela classe
dominante e pelas classes populares. Esse recorte se faz necessário para sinalizar a
existência da noção contraditória no campo dos Direitos Humanos, uma vez que, estes são
formulados por organizações compostas por nações distintas com interesses particulares.
As contribuições de Barroco (2013) são fundamentais para fundamentar o solo
histórico a que se assentam os Direitos Humanos. A autora chama a atenção para o fato de
que esses mesmos direitos também são utilizados enquanto uma forma de cooptação das
lutas dos trabalhadores, em razão da existência de interesses distintos, por meio de um
Estado que está distante da neutralidade.
Quanto aos atores que compõem a categoria profissional do Serviço Social também
torna-se importante ir além do discurso formal e esvaziado de conteúdo político
substantivamente necessário para a defesa dos Direitos Humanos. Tendo em vista que
“dificilmente se evidencia como, por meio do trabalho profissional, se pode contribuir para
buscar concretizar os direitos humanos [...] ou seja, como ter competência profissional para
contribuir,
verdadeiramente,
para
efetivar
e
ampliar
esses
direitos”
(FORTI;
MARCONSIN, FORTI, 2013, p. 29).
Acerca das alternativas para aprimorar a busca pela efetivação e valorização dos
Direitos Humanos, no que diz respeito, especificamente, ao Serviço Social é o que será
discorrido no próximo item desse trabalho que, para, além disso, aponta as lacunas e
possíveis caminhos para que seja possível o avanço.
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4 CONCLUSÃO
O capitalismo enquanto modo de produção calcado a partir de valores individuais
vem, por meio de seu caráter excludente na divisão de classes, distinguindo os sujeitos por
meio do lugar em que ocupam no processo de sua produção e reprodução. Para isso
tornam-se cada vez mais necessários direitos que possam garantir que todos os sujeitos
tenham substancialmente condições para se desenvolverem integralmente enquanto tais.
Os Direitos Humanos, dessa forma, são engendrados e materializados a partir
dessas relações estabelecidas no sistema capitalista. É oriundo desse processo o caráter
contraditório que assumem, uma vez que, são articulados e legislados no seio da sociedade
capitalista. No entanto, representam significativo avanço sob o ponto de vista das garantias
fundamentais por meio de sua abrangência a todos os seres humanos, sem distinção e
independentemente do lugar que ocupam nessa sociedade.
Esses Direitos Humanos tem intrínseca relação com o Serviço Social, cabendo a
essa profissão sua defesa intransigente e incessante. O Serviço Social, por meio do seu
Projeto Ético-político tomou a posição de enfrentamento a toda e qualquer forma de
opressão ou autoritarismo, reconhecendo nos sujeitos os protagonistas de sua intervenção
profissional, na defesa pela provisão de seus direitos legalmente conquistados.
Considerando que, o momento atual, caracteriza-se em um momento de lutas pela
garantia de direitos previstos em documentos e na Constituição Federal, é necessário
resgatar discussões que visem fortalecer a temática Direitos Humanos, da mesma forma
que legitimem essas conquistas oriundas de tantas lutas que são os Direitos do ser humano.
Para, além disso, devido ao atual contexto de fragilização dos direitos já garantidos
é importante que o Serviço Social, enquanto categoria profissional, possa estar ainda mais
articulada politicamente para, aliada às demais categorias profissionais e aos movimentos
sociais, lutar com consistência na recusa a qualquer retrocesso.
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