Texto de apoio ao curso de especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Identificação do Risco de Morte Súbita Resumo adaptado da referencia A identificação de indivíduos sob morte súbita é um ponto importante na prevenção do evento. Aqui são revistas as principais causas de morte súbita bem como os métodos possíveis empregados para a identificação de pessoas suscetíveis. Não será delineada a totalidade de causas conhecidas de morte súbita porque nem todas são passíveis de estratificação de risco (por exemplo, alterações hidroeletrolíticas). Entre as causas mais importantes serão discutidos os aspectos relativos à doença isquêmica cardíaca, às cardiomiopatias hipertrófica e dilatada, às síndromes eletrogenéticas, às que acometem indivíduos com coração estruturalmente normal, aos distúrbios do sistema excitocondutor e aos tumores cardíacos. A arritmia precursora mais observada é a fibrilação ventricular, embora as bradiarritmias sejam eventualmente responsáveis, e em apenas 5% a 10% dos casos ocorre na ausência de doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca congestiva. Neste relato serão relatadas as principais causas de morte súbita, enfatizando os meios empregados na identificação de pacientes sob risco. As principais doenças possíveis de serem estratificadas estão listadas abaixo: 1. Infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca; 2. Cardiomiopatia hipertrófica; 3. Síndrome de Brugada; 4. Estenose aórtica; 5. Síndrome do QT longo; 6. Síndrome de Wolff-Parkinson-White; 7. Cardiomiopatia dilatada; 8. Displasia arritmogênica do ventrículo direito; 9. Doença do nódulo sinusal e atrioventricular; 10. Origem anômala de artéria coronária; 11. Miocardite; 12. Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica; 13. Prolapso de válvula mitral; 14. Tumores cardíacos; 15. Ponte miocárdica; 16. Coração de atleta; 17. Morte súbita em coração normal; 18. Trauma torácico ("commotio cordis"). INFARTO DO MIOCARDIO Estudo de necropsia sugere que a isquemia miocárdica é a principal causa de morte súbita em pacientes com doença coronariana, visto que 50% dos corações analisados sem infarto agudo ou cicatrizado apresentavam lesões coronarianas ativas (ruptura de placas ou trombose coronária). Estratificação de risco: 1. Fração de ejeção do ventrículo esquerdo — É o fator mais importante relacionado à morte súbita. Uma meta-análise de ensaios como CAMIAT, EMIAT e SWORD, que avaliaram o risco de morte em pacientes que sobreviveram pelo menos 45 dias após infarto agudo do miocárdio, observou que a taxa de mortalidade por arritmia por ano foi foi progressivamente maior ( 3,2%, 7,7% e 9,4%) quanto menor a fração de ejeção (< 40%, <30% e < 20%, respectivamente). 2. Extra-sístoles ventriculares — Avaliações realizadas na era trombolítica sugerem que um número freqüente de extra-sístoles ventriculares (> 10/hora) parece ser um fator de risco independente para morte súbita nos primeiros seis meses após infarto agudo do miocárdio. 3. Taquicardia ventricular não-sustentada — Na era prétrombolítica, era um bom preditor de mortalidade, arrítmica ou não. Posteriormente, com o advento da trombólise, foi demonstrado que a prevalência de taquicardia ventricular não-sustentada era baixa (< 10%) e que sua presença não era preditiva de morte súbita no período de seis meses após infarto agudo do miocárdio. Entretanto, a combinação de taquicardia ventricular não-sustentada com outras variáveis como fração de ejeção e indução de arritmia por estimulação ventricular programada foi efetiva em identificar pacientes no pós-infarto agudo do miocárdio com alto risco de morte súbita arrítmica que posteriormente se beneficiaram do desfibrilador implantável, como demonstrado nos estudos MADIT e MUSTT. Também quando associada a informações adicionais obtidas no Holter de 24 horas, como variabilidade de intervalo RR e elevação do segmento ST, a estratificação do risco de morte fica mais apurada. 4. Marcadores autonômicos — O estudo ATRAMI demonstrou que a diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca e da sensibilidade dos barorreflexos determinada no primeiro mês após infarto agudo do miocárdio foi um fator preditor de mortalidade cardíaca em seguimento de 21 meses. 5. Freqüência cardíaca elevada — O estudo GISSI-2 observou que a freqüência cardíaca elevada na alta hospitalar foi preditora de mortalidade total, sendo súbita em 50%. 6. Turbulência da freqüência cardíaca — Refere-se ao comprimento do ciclo após uma pausa pós-extra-sistólica e sugere que seja uma medida da atividade vagal. Os estudos que demonstravam valor preditivo de mortalidade deste parâmetro são passiveis de crítica, assim a definição do valor prognóstico desse parâmetro requer novos estudos. 7. Estudo eletrofisiológico — Metade de todos os ensaios relatados sobre a utilidade de estudos invasivos na estratificação de risco da fase precoce do infarto do miocárdio concluiu que a inducibilidade da taquicardia ventricular sustentada durante a estimulação ventricular programada seria inútil em predizer mortalidade tardia e eventos arrítmicos. Por outro lado, muitos pacientes no período pós-infarto agudo do miocárdio faleceram subitamente, embora tivessem estudo eletrofisiológico negativo antes da alta hospitalar. 8. Potenciais tardios — Avaliados pela eletrocardiografia de alta resolução, é um preditor independente de arritmia após infarto agudo do miocárdio, sendo mais utilizado como valor preditivo negativo, visto que o valor preditivo positivo é baixo. 9. Intervalo QT — Está associado com aumento do risco de morte súbita no pós-infarto agudo do miocárdio, porém seu valor prognóstico depende de medidas repetidas, tornando-se pouco exeqüível. Quando o complexo QRS apresenta duração > 120 ms o intervalo QT corrigido não é avaliado, pois o aumento da duração do complexo QRS contribui para o prolongamento do intervalo QT. Nessas circunstâncias, o intervalo JT corrigido (JTc), definido como o intervalo QT corrigido menos a duração do complexo QRS, tem sido proposto para se avaliar a repolarização ventricular. O estudo ARIC ( Atherosclerosis Risck in Comunities Study ) concluiu que, em indivíduos com duração normal do QRS, o intervalo QT corrigido e o intervalo JT não eram preditivos de futuros eventos coronarianos em homens, porém eram significantes nas mulheres. Nos indivíduos com QRS largo havia maior valor prognóstico do intervalo JT corrigido comparado com o QT corrigido em homens, mas não em mulheres. 10. Dispersão do QT — Marcador de repolarizações heterogêneas, apresenta prognóstico indeterminado pela baixa reprodutibilidade inter e intra-observador. Avaliações prospectivas têm indicado que mostra pouco valor para estratificar risco de morte súbita. 11. Alternância de onda T — Estudo prospectivo com pequeno número de pacientes pós-infarto agudo do miocárdio demonstrou que a alternância de onda T pode predizer a ocorrência de taquicardia ventricular sustentada ou de fibrilação ventricular, e a avaliação combinada com potenciais tardios apresentou valor preditivo maior. 12. Patência da artéria coronária relacionada ao infarto agudo do miocárdio — Embora a oclusão da artéria coronária esteja relacionada com maior incidência de eventos arrítmicos, apresenta baixo valor preditivo positivo, inferior à fração de ejeção para estratificar risco de morte súbita. O estudo TIMI IIb demonstrou que a cateterização cardíaca de rotina aumentou em três vezes o número de revascularização miocárdica, resultando em mortalidade em um ano e taxa de re-infarto agudo do miocárdio similar ao tratamento conservador. Além disso, metaanálise de ensaios randomizados demonstrou que revascularização com angioplastia coronariana em conjunto com trombólise não baixou a taxa de mortalidade ou re-infarto agudo do miocárdio não-fatal quando comparado com terapia trombolítica em pacientes no pós-infarto agudo do miocárdio. MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA É causada por mutação genética, provocando desarranjo dos miócitos e fibrose, que contribuem para o aparecimento de várias anormalidades funcionais, como isquemia miocárdica, disfunção diastólica e obstrução da via de saída de ventrículo esquerdo, resultando em insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e morte súbita. Estratificação de risco: 1. Sintomas — Síncope indeterminada relacionada com cardiomiopatia hipertrófica é um sintoma de má prognose, em especial quando ocorre em crianças e adolescentes. O risco é ainda maior caso seja recorrente, relacionada a exercícios ou associada a outros fatores de risco. Sintomas como dor torácica e dispnéia não são preditores de risco de morte súbita nos adultos. 2. Taquicardia ventricular não-sustentada — É um importante marcador de risco para morte súbita, encontrado em aproximadamente 20% dos adultos, incomum em adolescentes e raro em crianças. Seu valor preditivo negativo é alto, auxiliando, desse modo, na identificação de pacientes de baixo risco. Alguns relatos valorizam a duração, a freqüência e o número de batimentos da taquicardia ventricular não-sustentada em relação à maior incidência de morte súbita, entretanto esse conceito não foi reproduzido em estudo recente. 3. História familiar — Está presente em aproximadamente 10% a 20% dos descendentes, porém menos de 5% apresentam história familiar maligna. 4. Ecocardiografia — As medidas ecocardiográficas não são importantes preditores de morte súbita, embora espessamento acentuado da parede septal (> 30 mm), principalmente em jovens, está associado a maior risco de morte súbita. A presença de gradiente na via de saída do ventrículo esquerdo não parece estar associada a morte súbita, embora poucos trabalhos apresentem medidas bem aumentadas (> 100 mmHg). Mais recentemente, estudo em grande número de pacientes verificou que a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo ao repouso foi um preditor independente de progressão para sintomas graves de insuficiência cardíaca e morte súbita. A presença de regurgitação mitral bem como a de fibrilação atrial paroxística não são marcadores de risco. 5. Taquicardia ventricular sustentada — Assim como a taquicardia ventricular não-sustentada, também é importante fator de risco, embora sua ocorrência seja bastante incomum. 6. Pressão arterial ao exercício — Aproximadamente 25% dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica não conseguem elevar a pressão arterial com valores iguais ou superiores a 20 mmHg ou, menos comumente, apresentam resposta hipotensora ao teste ergométrico. É útil para identificar pacientes jovens (< 40 anos) de alto risco, porém seu valor preditivo positivo é baixo, não podendo ser utilizado isoladamente para se indicar medida profilática. 7. Estimulação elétrica programada — Embora haja estudo sugerindo que a indução de taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular esteja associada a alto risco de eventos cardíacos, a resposta é muito dependente do protocolo utilizado, tornando esse procedimento inviável na cardiomiopatia hipertrófica, visto que a estratificação de risco pode ser realizada com marcadores não-invasivos. 8. Doenças associadas — Pacientes com doença coronariana significativa associada apresentam risco aumentado de morte súbita que excede a taxa de óbitos verificada em coronarianos com função de ventrículo esquerdo normal. 9. Anormalidades genéticas — Alguns defeitos na troponina cardíaca T e certas mutações na cadeia pesada da betamiosina parecem estar associados a maior risco de morte súbita. Entretanto, há necessidade de estudos maiores para conclusões mais concretas. SÍNDROME DE BRUGADA É uma doença caracterizada por alterações eletrocardiográficas tipo bloqueio de ramo direito e elevação do segmento ST nas derivações V1-V3. Transmitida como herança autossômica dominante, provoca alterações nos canais de sódio do coração, semelhante à síndrome do QT longo. A morte súbita é causada por taquicardia ventricular polimórfica, ocorrendo principalmente ao repouso ou sono. Estratificação de risco: 1. História familiar — É considerada fator de risco para morte súbita, embora indivíduos sem história familiar não necessariamente estejam fora do grupo de risco. 2. Sexo e idade — Homens entre a terceira e a quarta décadas estão no grupo de maior risco, embora pacientes idosos ou crianças também têm sido relatados como sujeitos a riscos. 3. Eletrocardiografia — A elevação do segmento ST no eletrocardiograma é um marcador diagnóstico da doença, não havendo relação entre o grau dessa elevação, a morfologia do ST e a presença ou não de bloqueio de ramo direito com a freqüência de morte súbita. 4. Sintomas — Episódios sincopais ocorrem na maioria dos pacientes que apresentaram parada cardíaca, sugerindo maior risco. 5. Testes farmacológicos — A administração de bloqueadores dos canais de sódio provoca o aparecimento do supradesnivelamento do segmento ST nas formas ocultas da doença. A utilização de derivações V1- V3 mais elevadas parece auxiliar em seu diagnóstico. Alguns autores consideram que os pacientes que tiveram o diagnóstico efetuado com o uso de fármacos antiarrítmicos teriam melhor prognóstico. 6. Estimulação elétrica programada — A importância desse procedimento é ainda debatida, entretanto relato recente demonstra que a inducibilidade da taquicardia ventricular sustentada é um importante marcador prognóstico, sendo mais freqüente nos pacientes sintomáticos. Em indivíduos assintomáticos, o intervalo HV prolongado durante o ritmo sinusal parece estar relacionado com maior risco de desenvolver eventos arrítmicos durante o seguimento. ESTENOSE AÓRTICA Pode ser de origem congênita, reumática ou degenerativa (senil). Em pacientes assintomáticos o risco de morte súbita parece ser baixo. Estratificação de risco: 1. Sintomas e disfunção de ventrículo esquerdo são os principais marcadores de risco para morte súbita. 2. Ecocardiografia — Gradiente sistólico, quantidade de cálcio e hipertrofia ventricular esquerda podem ser utilizados para predizer a rapidez da progressão da estenose para se indicar cirurgia. 3. Eletrocardiografia — A ocorrência de arritmia ventricular complexa, potenciais tardios à eletrocardiografia de alta resolução ou reduzida variabilidade na freqüência cardíaca ainda são fatores discutíveis para se predizer morte súbita. 4. Tratamento cirúrgico — Após a cirurgia, os pacientes ainda podem apresentar morte súbita causada por arritmias cardíacas, bloqueio atrioventricular total, disfunção do ventrículo esquerdo ou da prótese, ou doença coronariana concomitante. Nesse grupo a incidência de morte súbita é de 2% a 4% em seguimento de sete anos, sendo maior nas três primeiras semanas. SÍNDROME DO QT LONGO É uma doença familiar, caracterizada por intervalo QT anormalmente prolongado e alterações morfológicas na onda T ou na onda U ao eletrocardiograma. Indivíduos afetados têm propensão a apresentar síncope arritmogênica decorrente de "torsades de pointes" ou morte súbita. Pode ser congênita ou adquirida, relacionada principalmente com drogas do grupo IA, hipocalemia e bradicardias. Cinco genes que codificam os canais iônicos cardíacos foram identificados, alterando os fluxos iônicos pelos canais de sódio e potássio. Estratificação de risco: 1. Sintomas — Síncope ou parada cardíaca têm alto risco de novos eventos, incluindo morte súbita. 2. Eletrocardiografia — O grau de prolongamento do QT (QTc > 600 ms) tem sido associado a maior risco de morte súbita. A dispersão do intervalo QT no eletrocardiograma de 12 derivações também pode ajudar na estratificação. Diferenças na duração do intervalo QT em geral refletem a presença de entalhes na onda T e estão presentes principalmente nas derivações V1-V4, produzindo prolongamento localizado do intervalo QT. A dispersão excedendo 100 ms, além da perda do encurtamento seguindo administração de betabloqueador, parece estar relacionada com eventos cardíacos. A presença de onda T alternante no eletrocardiograma é um marcador de instabilidade elétrica grave, embora o risco de morte súbita seja indefinido. 3. História familiar — Não há observações conclusivas e, assim, uma história familiar negativa não pode ser encarada como bom preditor de segurança para morte súbita. 4. Defeitos genéticos — Os genes relacionados com a síndrome do QT longo apresentam expressões clínicas diferentes. Síndrome do QT longo-3 (SQTL3) parece ser a variante mais maligna, respondendo mal aos betabloqueadores. SQTL1 e SQTL2 têm maior incidência de síncopes, mas o risco de morte súbita é menor e a proteção pelos betabloqueadores, particularmente SQTL1, é muito maior. 5. Estimulação elétrica programada — A maioria dos pacientes com síndrome do QT longo não apresenta taquiarritmias à indução elétrica, não sendo utilizada como marcador de risco. 6. Fármacos — É vasta a lista de substâncias, vasoativas ou não, que constituem causa de SQTL, principalmente antiarrítmicos do grupo IA, além de anti-histamínicos, antibióticos macrolídeos, antipsicóticos, antifúngicos, etc. 7. Alterações metabólicas — Mais comumente a hipocalemia ou a hipercalcemia em níveis importantes são fatores relacionados a maior probabilidade de aumento do intervalo QT. 8. Bradicardias — Juntamente com hipocalemia e fármacos são causas freqüentes dos eventos arrítmicos da SQTL. SÍNDROME DE WOLFF-PARKINSON-WHITE Caracterizada na forma manifesta por um intervalo PR curto, onda "delta" e alargamento do complexo QRS, tem prevalência de 0,1% a 0,3%. Morte súbita pode ocorrer durante fibrilação atrial com resposta ventricular muito alta por condução pela via acessória. Estudo recente indica que a incidência de morte súbita nesta entidade é de 0,15%/ano. Estratificação de risco: 1. Sintomas — Com freqüência, pacientes recuperados de morte súbita apresentam história de taquicardia sintomática. A maioria dos assintomáticos tem boa prognose, embora morte súbita possa ser a primeira manifestação dessa anomalia. A presença de síncope tem mostrado valor preditivo baixo. 2. Estudo eletrofisiológico — A duração do intervalo RR pré-excitado < 250 ms durante a fibrilação atrial é interpretada como marcador de risco sensível, mas o valor preditivo positivo é baixo. Entretanto, quando o intervalo é > 250 ms o valor preditivo negativo é maior que 95%. Apenas 20% dos pacientes assintomáticos manifestam resposta ventricular rápida durante a fibrilação atrial. 3. Presença de múltiplas vias acessórias e localização póstero-septal ao estudo eletrofisiológico também são marcadores de risco. 4. A perda de pré-excitação com drogas (procainamida ou ajmalina) é utilizada para identificar pacientes de baixo risco. 5. Eletrocardiografia, Holter e teste ergométrico — Podem demonstrar pré-excitação intermitente ou perda da pré-excitação durante o exercício, indicando baixo risco de morte súbita. MIOCARDIOPATIA DILATADA É uma doença do músculo cardíaco caracterizada por dilatação do ventrículo esquerdo e piora da função sistólica. As principais causas incluem as de origem isquêmica, idiopática e, em nosso meio, chagásica. A arritmia ventricular maligna é a forma mais comum de morte súbita, embora bradiarritmias, embolização pulmonar ou sistêmica e arritmias ventriculares possam ser responsáveis por até 50% das paradas cardíacas. Estratificação de risco: 1. Síncope — Na insuficiência cardíaca avançada (classe funcional III e IV da New York Heart Association — NYHA) é associada a significante aumento de morte súbita em um ano, independentemente de sua etiologia. 2. Fração de ejeção — Seu rebaixamento reflete gravidade da doença, sendo um importante preditor de morte súbita, embora com fração de ejeção < 20% o valor preditivo é considerado baixo, pois a morte pode ocorrer sob outras formas. 3. Arritmias ventriculares — A presença de taquicardia ventricular não-sustentada na gravação do Holter de 24 horas é observada em 70% dos indivíduos sintomáticos, porém com baixa especificidade para morte súbita. Extra-sístoles ventriculares associadas a fração de ejeção < 40% parece ser um importante preditor de morte súbita. Taquicardia ventricular sustentada apresenta prognose controversa, porém sua presença, mesmo quando a função ventricular é relativamente preservada, parece ser um marcador de morte súbita. 4. Estudo eletrofisiológico — Sob estimulação ventricular programada, a indução de taquicardia ventricular sustentada não é usual, com baixo valor preditivo negativo. Recentemente, trabalho relacionando variáveis eletrofisiológicas com eventos cardiovasculares, incluindo morte súbita, em pacientes chagásicos crônicos verificou relação estatisticamente significante somente com o intervalo HV > 70 ms. 5. Dispersão do QT — Trabalho recente valoriza a dispersão do QT como um dos preditores mais importantes na estratificação de risco de pacientes chagásicos crônicos. 6. Eletrocardiograma de alta resolução, variabilidade da freqüência cardíaca e onda T alternante não parecem ter grande importância na identificação de pacientes sob risco de morte súbita. DISPLASIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO É uma doença caracterizada por substituição fibrogordurosa global ou regional do miocárdio, com ou sem envolvimento do ventrículo esquerdo, preservando parcialmente o septo interventricular. Sua prevalência é variável (1:1.000-1:10.000), podendo manifestar-se de forma sutil, e confinada a regiões do ventrículo direito não avaliadas de rotina no exame "postmortem", o que pode torná-la uma das maiores causas de morte súbita em pessoas com menos de 35 anos. Ao eletrocardiograma, apresenta ondas T invertidas e alargamento do complexo QRS, com ondas epsílon nas derivações precordiais direitas. A apresentação mais comum ocorre sob a forma de arritmias ventriculares, em geral taquicardia ventricular sustentada monomórfica com bloqueio de ramo esquerdo, embora síncope e parada cardíaca possam ser a apresentação inicial. Estratificação de risco: 1. Síncope — Grandes estudos não conseguiram demonstrar uma relação com aumento da mortalidade. 2. Idade — Há opiniões divergentes se o aparecimento dos sintomas em idade inferior a 20 anos teria maior risco. 3. Eletrocardiografia de alta resolução — A presença de potenciais tardios parece correlacionarse positivamente com a gravidade da doença e a ocorrência de taquicardia ventricular sustentada e fibrilação ventricular, quando está presente disfunção do ventrículo direito. Entretanto, novos estudos serão necessários para predizer o desenvolvimento de arritmias ventriculares. 4. Ecocardiografia — Morte súbita é mais freqüente em pacientes com dilatação difusa do ventrículo direito e naqueles com envolvimento do ventrículo esquerdo, pois a disfunção deste parece ser um marcador de risco para fibrilação ventricular e morte súbita. 5. Estimulação elétrica programada — A indução de taquicardia ventricular sustentada varia de 57% a 94% em pacientes com taquicardia ventricular sustentada monomórfica, porém é baixa em pacientes que apresentaram fibrilação ventricular ou envolvimento do ventrículo esquerdo. Quando a indução ocorre na presença de disfunção de ventrículo direito, o valor preditivo para morte súbita é maior. 6. Holter de 24 horas, teste ergométrico e dispersão do QT não apresentam valor para identificar pacientes com risco de morte súbita bem como o tipo de arritmia ventricular. ALTERAÇÕES DO SISTEMA EXCITOCONDUTOR CARDÍACO Disfunção do nódulo sinusal a. História — Episódios sincopais indicam gravidade da doença, mas não são preditores de morte súbita. b. Holter de 24 horas — Tem pouco valor como marcador de risco para morte súbita, visto que as pausas encontradas não têm sido correlacionadas com a prognose. Bloqueios de ramo a. Doenças associadas — A presença de coronariopatia, insuficiência cardíaca ou idade avançada aumenta o risco de morte súbita por desenvolvimento de bloqueio atrioventricular total. Aqueles com cardiomiopatia chagásica crônica e bloqueio completo de ramo direito parecem apresentar maior incidência de morte súbita que os não-chagásicos com o mesmo tipo de bloqueio. b. Síncope — Apresenta maior probabilidade de morte súbita, que pouco reduz com o implante de marcapasso, possivelmente pelo fato de a morte súbita resultar de taquiarritmias. c. Estudo eletrofisiológico — Alguns investigadores observaram que o intervalo HV > 100 ms identifica um grupo de pacientes de alto risco, nos quais o implante de marcapasso seria fundamental. Em pacientes chagásicos, o intervalo HV > 70 ms relacionou-se significantemente com eventos cardiovasculares, incluindo morte súbita. Bloqueio atrioventricular a. Eletrocardiografia — Auxilia na detecção do bloqueios atrioventriculares de 2º grau, os quais freqüentemente progridem para 3º grau, causando pausas prolongadas ou gerando arritmias graves. Nos casos de bloqueio atrioventricular congênito, a observação de freqüência cardíaca abaixo de 50 bpm e a presença de intervalo QT prolongado, em especial se associado com cardiopatia estrutural, são importantes marcadores de risco para morte súbita. ORIGEM ANÔMALA DE ARTÉRIAS CORONÁRIAS É uma anomalia rara e a mais comumente observada é com a artéria circunflexa, saindo do seio coronário direito. Essa anomalia não se correlaciona com morte súbita; porém, quando a coronária esquerda se origina da coronária direita, do tronco da artéria pulmonar ou do seio não-coronariano de Valsalva, o risco é aumentado, em especial quando a artéria passa entre a raiz da aorta e a artéria pulmonar. A origem anômala da coronária direita saindo do seio esquerdo de Valsalva parece também associado com morte súbita. Essas anomalias ocorrem principalmente em jovens do sexo masculino, com síncope ou dor precordial aos esforços, acompanhado de alterações inexplicadas no complexo QRS e no ST-T. Estratificação de risco: Não há forma atual objetiva e confiável para isso. MIOCARDITE É causa importante de morte súbita arrítmica, mormente em pacientes jovens. Apesar da presença de infiltrado inflamatório em alta porcentagem de casos de morte súbita, é difícil provar que a miocardite foi a responsável. Até o momento não há possibilidade de se fazer recomendações para se prevenir ou estratificar risco de morte súbita, embora a presença de distúrbios da condução intraventricular e atrioventricular e a presença de arritmias ventriculares sejam sugestivas de maior risco. TAQUICARDIA VENTRICULAR POLIMÓRFICA CATECOLAMINÉRGICA É caracterizada por taquicardia ventricular sustentada polimórfica induzida por estímulo adrenérgico na ausência de cardiopatia estrutural com episódios de síncope, tendo geralmente forte história de antecedentes familiares. A taquicardia ventricular sustentada polimórfica ao eletrocardiograma é típica, demonstrando um modelo bidirecional, podendo ser induzida pelo teste ergométrico ou durante infusão de isoproterenol, elevando-se a freqüência cardíaca acima de 120 bpm. Estratificação de risco: Existem poucas informações, mas fibrilação ventricular documentada ou síncope em crianças com história familiar de morte súbita se revestem de importância. A estimulação elétrica programada geralmente não induz arritmia. PROLAPSO VALVAR MITRAL O estudo de Framingham com casos não-selecionados de ambulatório obteve prevalência de apenas 1,3% em 3.491 pacientes. Suas anormalidades anatômicas incluem alargamento e espessamento do folheto mitral, rotura das cordoalhas e tecido conectivo, levando à protrusão de um ou mais folhetos através do plano valvar mitral. Morte súbita, embora rara, tem sido relatada. Estratificação de risco: 1. Taquicardia ventricular sustentada ou parada cardíaca — São evidências de gravidade da anomalia. 2. Estimulação elétrica programada — Indução de taquicardia ventricular sustentada não parece ser útil, a não ser quando associada a pacientes jovens, com história familiar de morte súbita ou parada cardíaca prévia e redundância da valva mitral. 3. Ecocardiografia — Folhetos redundantes é o achado ecocardiográfico mais importante associado com morte súbita e a gravidade da regurgitação mitral não tem relação definida com morte súbita. 4. Eletrocardiografia de alta resolução e dispersão do QT — Podem ser úteis na identificação de eventos arrítmicos, não havendo fortes evidências de suas relações com morte súbita. TUMORES CARDÍACOS Embora raros, podem provocar morte súbita, entre eles os mixomas, os trombos e o rabdomiossarcoma. Os mixomas, neoformações benignas quanto a sua celularidade, localizamse com maior freqüência nos átrios, são pedunculados e, por isso, podem levar à obstrução do fluxo sanguíneo através das valvas atrioventriculares, provocando síncope e morte súbita. O mais comum é situar-se no átrio esquerdo, cujo quadro semiológico com freqüência simula estenose mitral. Os trombos valvares ("ball thrombus") costumam assestar-se em aparelhos valvares doentes, principalmente na estenose mitral, e sua progressão leva à obstrução valvar com síncope e morte súbita. Os rabdomiossarcomas, mais raros ainda, podem provocar morte súbita por desarranjo celular miocárdico e indução de arritmias ventriculares malignas. Estratificação de risco: Inexiste esse tipo de abordagem, já que simplesmente a documentação de sua presença indica possibilidade de morte súbita, e o tratamento cirúrgico é imperioso, exceto aqueles sésseis ou muito aderentes à parede endocárdica, mais difíceis de obstruir as valvas atrioventriculares. PONTE MIOCÁRDICA É um feixe miocárdico encobrindo a artéria coronária epicárdica em distância variável, e na maioria dos casos sobre a artéria descendente anterior, ocorrendo em 30% dos casos de portadores de cardiomiopatia hipertrófica. Embora geralmente seja benigna, pode causar isquemia e infarto do miocárdio, arritmias ventriculares malignas, bloqueio atrioventricular e morte súbita. Estratificação de risco: 1. História de taquicardia ventricular sustentada ou parada cardíaca — São considerados fortes preditores de morte súbita. 2. Teste ergométrico, ecocardiografia de estresse com dobutamina, cintilografia miocárdica de perfusão e ultra-som intracoronário — São as estratégias mais importantes para se avaliar a hemodinâmica da ponte miocárdica, o que ajudaria a dimensionar o grau de isquemia miocárdica e possivelmente indução de morte súbita. CORAÇÃO DE ATLETA As causas de morte súbita em atletas variam com a idade. Naqueles acima de 35 anos, a causa mais importante é a aterosclerose coronariana, freqüentemente grave e difusa em indivíduos com fatores de risco. Nos atletas mais jovens, as doenças cardíacas congênitas predominam, sendo a mais freqüente a cardiomiopatia hipertrófica, respondendo por até um terço dos eventos fatais, seguido pela anomalia de artérias coronárias, em geral a descendente anterior saindo do seio coronário direito de Valsalva. Eventualmente a doença aterosclerótica coronariana apresenta-se em jovens, ocorrendo morte súbita por rotura de placas. Estratificação de risco: Em geral a história pessoal e familiar e o exame físico são importantes, mas não conseguem identificar grande número de indivíduos propensos à morte súbita, que seriam descobertos por meio de exames como a eletrocardiografia. MORTE SÚBITA EM INDIVÍDUOS COM CORAÇÃO NORMAL Aqueles enquadrados nesse grupo apresentam fibrilação ventricular na ausência de doença cardíaca estrutural, de alterações eletrocardiográficas, de anormalidades eletrolíticas, de condições arritmogênicas hereditárias ou de outras causas reconhecidas como desencadeantes. A fibrilação ventricular idiopática pode ocorrer em até 8% das mortes súbitas. Estratificação de risco: Não há preditor para identificar grupo de risco, embora cinco anos após a parada cardíaca, 30% apresentam recorrência. Estimulação elétrica programada induz taquicardia ventricular sustentada polimórfica ou fibrilação ventricular em somente 50% dos casos, tendo valores preditivos positivo e negativo baixos. Mapeamento da superfície corporal com 62 derivações e avaliação da inervação simpática não têm apresentado informações conclusivas. TRAUMA TORÁCICO ("commotio cordis") Trauma torácico discreto na ausência de cardiopatia estrutural pode provocar parada cardíaca. As pessoas acometidas, em sua maioria, são jovens, menores de 16 anos, sendo raro após os 21 anos. A sobrevida imediata após "commotio cordis" é baixa, próxima a 15%, mesmo com ressuscitação cardiopulmonar e desfibrilação. Não há trabalhos realizando estratificação de risco nesse grupo de indivíduos, embora possam situar-se jovens com idade próxima a 13 anos, com parede torácica estreita, sofrendo impacto de baixa a moderada energia sobre a área cardíaca. Referência: 1) JOÃO PIMENTA, NEY VALENTE - IDENTIFICAÇÃO DOS PACIENTES SOB RISCO DE MORTE SÚBITA - Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 14 — No 2 — Março/Abril de 2004 Página aberta em 26/12/2004 www.manuaisdecardiologia.med.br 2004