Sonoridades da Cultura Contemporânea: o Retorno à Oralidade e o

ALCAR - Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia
4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia
São Borja, RS - 14 e 15 de maio de 2012
Sonoridades da Cultura Contemporânea: o Retorno à Oralidade e o Caso
Audiolivro
Raquel TIMPONI1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ2
Resumo: A partir de um cenário reconfigurado das sonoridades na cultura
contemporânea, o artigo avalia o uso de recursos da voz, sonoplastia e música no
produto audiolivro, como forma de despertar a curiosidade e promover afeto pela
experiência. Num primeiro momento, retoma a história da oralidade para dar
legitimidade ao som, por muito tempo subjugado pela hegemonia da imagem;
posteriormente aborda as teorias que dão legitimidade à paisagem sonora, recursos de
sonoplastia, constatando sua importância simbólica e cultural nas maneiras de se
perceber o mundo. Em seguida, apresenta o objeto audiolivro, pela contextualização de
sua de história e mercado. Por fim, aplicar a teoria em seus níveis de experiência
diferenciados, demandados em um mapeamento realizado.
Palavras-chave: Audiolivro, sonoridades, novas tecnologias, experiência.
1. Introdução
As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação trazem várias discussões
sobre experiências sonoras potencializadas, transformação da indústria da música e
novos rumos da cultura da mídia. Nesse cenário, parecem surgir, como soluções,
estratégias de retorno à oralidade que dêem destaque às experiências, afetividades e
despertem a atenção do público por processos lúdicos e prazerosos de entretenimento.
São inúmeros os debates de incertezas sobre a indústria fonográfica, após os
downloads realizados a cada segundo via p2p, que significam ameaças quanto ao futuro
do CD. Neste contexto, o mercado da música vem sendo obrigado a se reinventar para
sobreviver na era da música digital, seja por formas alternativas de lançamentos de CDs
e DVDs de bandas pelo cinema, como o filme Titãs: a vida até parece uma festa (2008),
em experiências de shows ao vivo de circuitos alternativos (Lapa Jazz Festival) ou
acompanhado pela tecnologia, como o show do U2, realizado e disponibilizado ao vivo
pelo Youtube para o mundo inteiro, ou ainda o CD de lançamento de Domênico
Lancelloti do álbum musical Cine Prive (Coqueiro Verde Records), acompanhado de
um DVD de imagens fotografadas como pinturas, para a letra das músicas da obra. Isso
1
Trabalho apresentado no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia – ALCAR RS.
Doutoranda e bolsista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social ECO/ UFRJ, Mídias e Mediações
Socioculturais. Pesquisadora dos grupos de pesquisa: Comunicação, Entretenimento e Cognição (UERJ) e Livro e
Cultura Letrada (UERJ). Pesquisadora do LECC/UFRJ . Email: [email protected].
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sem falar nas novas possibilidades de condições de escuta, formas alternativas de acesso
à música e produtos sonoros (via celular e computador) e de formação de acervo
pessoal. São exemplos, os playlist das rádios por hipersegmentação (de gêneros) e
folksonomia (selecionados/nomeado pela rádio online ou por ouvintes - bossa nova,
forró, Natal ou eventos, como Rock in Rio), ou de gêneros pela televisão (rádio digital –
seleção continuada de músicas pelo aleatório) e Youtube (com ruídos, gravações de
shows ao vivo feitas pelos fãs). A indústria fílmica também busca novas fórmulas, via
filme 3D, pela qualidade do som diferenciada, ou por cenas extras de caminhos
possíveis de histórias não-lineares e jogos, colocados como opções no DVD (a exemplo
a animação Wall-e (2008), da Pixar que conta com opções de jogos, ou o filme
Adaptação (2002), que possui cinco finais), além da opção de histórias transmidiáticas
comerciais (Jenkins, 2008) e alternativas (como o cinema expandido de As Maletas de
Tulse Luper, (2003) de Peter Greenaway). No mercado editorial ocorre algo semelhante.
Também se acaloram na academia debates de dúvida sobre o futuro do livro3, após o
advento do livro digital e dos arquivos de histórias em áudio (audiolivros) para serem
escutadas em CDs no carro ou em MP3 no deslocamento para o trabalho.
Não se pretende adotar uma postura radical de que o único conhecimento válido
é o do livro impresso. Na verdade, esse pensamento que foi legitimado com o tempo
pelas instâncias de poder para a manutenção da ordem pelas elites, tal como afirma
Pierre Bourdieu, em A Distinção (2011). Para Bourdieu, o gosto e as práticas de cultura
são resultados de um feixe de condições específicas de socialização, presentes na
experiência de vida e no capital cultural incorporado em discursos e falas do cotidiano,
resultado de relações imbricadas alicerçadas nas instituições transmissoras de cultura da
sociedade capitalista.
Isso também não significa que se adote uma postura de substituição do livro
impresso, que persiste, mas sim pensar em ampliar formas de exposição dos conteúdos
coexistentes, num projeto que sirva para despertar a atenção para qualquer maneira de
se obter conhecimento, independente do suporte ou formato.
É importante retomar as pesquisas realizadas pelo Instituto Pró-livro, que mostra
que 34% dos brasileiros não lêem por desinteresse, 54% por falta de tempo e 19% por
3
Para um estudo detalhado sobre o livro digital no Brasil e no mundo, além da necessidade de criação de práticas
mais lúdicas que despertem e criem o hábito da leitura, ver trabalho de conclusão da pesquisa de um ano realizada
junto à Fundação Biblioteca Nacional pela autora desse artigo e disponibilizada no link:
<http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/Raquel_Timponi.pdf> , Acesso em: 28 dez 2011.
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falta de dinheiro4. Sabe-se que o mercado dos best sellers e livros de autoajuda foi
responsável pelo crescimento do hábito de leitura da última geração, como introdutores
do hábito de leitura. Mas, ainda assim observa-se a necessidade de adequação e de
aproximação e de foco de interesse para esse público, que tem por rotina, em tempo
livre, consumir mídia televisiva (77%) e música (53%) (Ibidem). Além disso, a má
formação dos costumes necessários à leitura na base escolar e nas formas didáticas por
obrigação reflete na cultura do brasileiro: ainda nessa pesquisa foram divulgados que os
17% da população lêem muito devagar, 7% não compreendem o que lêem e 11% não
têm paciência para a leitura, ou não têm concentração 7%, o que aponta uma fragilidade
no processo educacional (Cf. AMORIM, 2008, p. 13).
Assim, um produto que auxilie quem tem dificuldade de entender a leitura, como
o audiolivro, por meio da leitura interpretada como uma radionovela, com jingles,
músicas, recursos de sonoplastia como um todo, pode auxiliar no entendimento da
mensagem e incluir socialmente analfabetos, pessoas que ficaram cegas ao longo da
vida e não conseguiram aprender o braile para a leitura impressa, assim como para os
letrados em um momento de descontração, durante um deslocamento e na prática de
esportes.
E é sobre um dos produtos da indústria editorial que esse trabalho pretende
focar-se, mais especificamente, nas formas de exposição do audiolivro, como um
meio para colaborar na disseminação do conhecimento e na integração social e
promover o interesse pela experiência e afetividade. A falta de hábito de leitura do
brasileiro solicita ações que envolvam os afetos, sentidos, como forma de promover
uma transformação nos hábitos culturais e de incentivo à leitura.
Roberto Borges informa dados sobre a memória auditiva humana: “o índice de
eficiência da transmissão de informações da memória auditiva para o cérebro é de 9%.
E sua combinação com a memória visual é de aproximadamente 85% de eficiência, pois
o processo cognitivo, ativa os dois principais sentidos – audição e visão (2003, p. 46).
Assim, é ideal que um tipo de memória esteja acoplado ao outro. Porém se utilizada
individualmente, apesar do risco de a retenção da informação e/ou conhecimento ser
menor em relação à leitura do texto impresso (que combina imagem pela disposição das
letras), ainda assim é válido como experiência e sensação. Além disso, a possibilidade
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Dados divulgados no resultado da pesquisa de 2007 sobre Retratos da Leitura do Brasileiro.
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de escutar livros nos deslocamentos diários talvez possa servir de estímulo ao
conhecimento das obras completas impressas.
Para isso o caminho será o seguinte: primeiro retomar a história da oralidade
para dar legitimidade ao som que, por muito tempo, foi subjugado, em função da
hegemonia da imagem; posteriormente, retomar as teorias que dão legitimidade à
paisagem sonora, recursos de sonoplastia e ruídos, constatando sua importância
simbólica e cultural nas maneiras de se perceber o mundo. Em seguida, para explicar o
audiolivro, cabe uma contextualização de sua história e mercado, para, por fim, aplicar a
teoria em seus níveis de experiência demandados, em um mapeamento prévio de
diferentes tipos de audiolivros.
Segundo revela a reportagem da Revista Isto é, com o ritmo acelerado dos
grandes centros urbanos e a falta de tempo para a leitura, devido ao trabalho, “virou
moda preencher o MP3 com literatura para ouvir no trânsito e na academia”.5 As
atividades diárias de deslocamento ou de atividades físicas, que seriam um tempo
perdido para atividades intelectuais, podem ser acompanhadas de arquivos em áudio de
livros com obras completas sobre biografias, autoajuda, livros de marketing e negócios.
Ainda nessa reportagem, o presidente da loja de departamentos Riachuelo, Flávio
Rocha, acredita que o audiolivro tenha utilidade em exercícios de corrida na esteira ou
na rua. “É um bom jeito de superar o tempo da tortura. Se você embarca no raciocínio,
passa voando" (Ibidem). Para além de desconectar as pessoas das atividades do dia-adia, vistas como obrigação, como compras no supermercado, o audiolivro pode ser uma
opção em cursos e treinamentos para quem não possui tempo. Andando de trem, metrô
um ambiente de passagem, pessoas acotoveladas, sem espaço e, ainda assim, uma
pessoa pode se envolver e emocionar com uma crônica do cotidiano ou escutar uma
ficção romanceada, com discussões sobre a vida. A aposta desse artigo é que o
envolvimento com o conteúdo e as sensações é promovido pela trilha sonora,
sonoplastia e entonação da voz do leitor.
2. Um retorno à oralidade
Ao se falar de audiolivro, é preciso resgatar a importância da oralidade como
forma de conhecimento na sociedade medieval e no mundo filosófico para além da
5
Segundo reportagem de João Loes e Verônica Mambrini, de 22 de outubro de 2008, Revista Isto é. Disponível em:
<http://www.istoe.com.br/reportagens/2995_LIVRO+NO+IPOD>. Acesso em: 23 dez 2011.
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imagem, assim como caracterizar a função da voz na linguística e a voz no cinema e
abordar os aspectos simbólicos dos efeitos sonoros (sonoplastia, ruídos e trilha), além da
modulação, timbre, pausa, sotaque na voz.
McLuhan, em A Galáxia de Gutenberg (1962), explica na origem da cultura a
oralidade presente no mundo tribalizado, num primeiro nível do estágio da humanidade.
O primeiro momento é marcado pela força da cultura oral ou acústica, em que a
linguagem é instrumento fundamental de comunicação do homem e sobrevivência
social, predomínio da tradição de exposição de ideias em praça pública, como faziam os
filósofos na ágora Grega, a exemplo de Sócrates. Ou seja, não havia registro escrito e o
conhecimento era passado pela oratória. Existiam livros unitários, manuscritos em
reunião de vários autores, como uma coletânea.
Somente no segundo momento, da destribalização, ocorre a passagem da visão
de mundo da oralidade para a cultura impressa, marcada pela invenção da prensa
tipográfica, onde se inicia a hegemonia da imagem, com o destaque à visualidade dos
textos, pinturas, cinema. Se, num primeiro momento, a leitura era proibida pela
inquisição e só o alto clero tinha acesso à informação, com a tipografia, o processo de
reprodução dos textos, não só por meio de manuscritos, amplia o acesso ao
conhecimento; e a forma de leitura silenciosa, não mais em voz alta em praças públicas,
estimula o individualismo e reflexão crítica.
Posteriormente, com o mundo
retribalizado, impera a força da cultura eletrônica do rádio e da TV.
Entretanto, por outro lado, atualmente, mesmo com a digitalização e tecnologias
da comunicação, parece persistir no pensamento a ideia dos valores da cultura da
sociedade tipográfica, numa espécie de hegemonia da imagem e do impresso, seja nas
reflexões acerca do cinema e do audiovisual, ou mesmo dos estudos de som e da relação
entre o textual, enquanto imagem, e o sonoro, tal como constatam pesquisadores das
referidas áreas, como ZUMTHOR (1993) e DOLAR (2006), da literatura, CHION
(1999), da voz no cinema. Numa vertente contrária à tradição histórica, pretende-se,
com o retorno à estratégias da oralidade, encontrar caminhos para o mercado editorial e
fonográfico, com destaque para o produto híbrido audiolivro.
Como hipótese, acredita-se que os audiolivros tenham uma relação de
proximidade com o público, como forma de despertar a atenção e o interesse para a
escuta, inclusive de leigos e pessoas que não possuem o hábito da leitura impressa.
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Ao retornar na história, Paul Zumthor (1993), no texto A letra e a voz, apesar de
analisar as formas de composição da poesia oral na Idade Média, aborda a importância
da oralidade. Discordando da escritura como forma hegemônica hierárquica e
dominante da linguagem, Zumthor quer buscar uma legitimidade para a voz,
considerando a literatura na poesia medieval proclamada, principal nos recitais,
epopéias e trovadores do séc. XII, assim como a teatralidade que contém o corpo e as
sensorialidades. Chartier (1994, p. 98) também concorda que na antiguidade era muito
comum a prática da leitura em voz alta para as outras pessoas ou para si mesmo, devido
a uma convenção cultural que associa fortemente o texto e a voz, a leitura, a declamação
e a escuta. A transmissão da leitura não ocorria somente na oralidade de um texto, mas
nas habilidades da comunicação para os que não sabiam ler ou não podiam mais fazer
uma leitura, nas cidades medievais.
Já num tempo posterior, o erudito é visto como letrado e o popular como
paraliteratura (como ocorre com os best sellers). Assim, quando num veículo tradicional
é utilizada a voz em seu estado puro, sem imagem, a sensação é de estranhamento, tal
como é mostrado no cinema narração, com fotos e locução em off pela obra de Chris
Marker.
Para Zumthor (1993), existem três tipos de oralidade: 1) a sem o contrato de
leitura (de uma sociedade isolada, de analfabetos sem o contato com a representação
gráfica), 2) a oralidade mista (em que há a coexistência da escritura com o grupo social)
e 3) a oralidade segunda (expressões são marcadas pela cultura letrada, escrita e esta
tende a esgotar os valores da voz no uso e imaginário).
Para se analisar o produto audiolivro, também é necessário voltar à questão da
ação da voz, que depende de seu interpretante. Num canto ou recital, a escritura está
escondida; numa leitura pública a presença física do livro freia o movimento dramático
e natural da voz, eliminando o efeito de uma fala na oralidade, por exemplo, enfática
(Ibidem, p. 19). Assim, como já abordado na questão do livro falado, e como
complementa Zumthor, a presença da voz afeta a significância do texto no processo da
audição.
Aqui é interessante observar que, enquanto para Paul Ricouer existe um ato de
leitura pautado no mundo, no texto e na decodificação, para Zumthor existe o ato de
audição, que também representa os signos de uma intenção por trás de uma entonação
de voz, de uma ênfase dada a um trecho (que pode ter a função de sensibilizar, captar a
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atenção do ouvinte e assim manipular, pregar, o que é observado principalmente nos
audiolivros religiosos e de autoajuda). Zumthor realiza uma classificação da função da
voz do estilo vocal, como o que formaliza a maneira de escutar, da mesma maneira que
o gênero de livros ou filmes já pré-determina um olhar ou interpretação guiados
previamente, numa seleção que facilita a interpretação do ouvinte (Cf. ZUMTHOR,
1993, p. 20).
Mladem Dolar (2006), em A voice and nothing more, destrincha mais as
características linguísticas da voz. Acredita que a voz abra significados, devido aos tipos
de sons que emite. Quando se escuta alguém falando, primeiro se observa a forma que a
pessoa fala, suas qualidades, sotaque, para depois se acomodar e prestar atenção no
conteúdo e sentido da mensagem. Assim, da mesma forma, no audiolivro é o mediador
quem torna possível o entendimento para quem não tem hábito de leitura (além de
incluir analfabetos e cegos). Dessa forma, para além da Fonética (maneira que os sons
são produzidos, é mais interessante investigar a fonologia, isto é, os signos linguísticos
e a complexa natureza dos significados das formas de falar: entonação (tom de voz,
melodia particular, pausas, ênfase, modulação, cadência de palavras, inflexão como, por
exemplo, no teatro, o que pode mudar todo o significado da mensagem), sotaque
(sotaque pesado, falar cantando pode distrair e ser obstáculo, barreira de línguas e
regiões), individualidades da voz (timbre – textura natural da voz, ressonância e
melodia, identificam o falante, como o exemplo de humoristas que imitam vozes de
diversos famosos, atores, cantores ou de vozes muito finas, tagarelas, usadas em
desenhos animados, mas que não atraem num diálogo cotidiano e promovem quebra do
discurso), elementos redundantes e variações afetam a interpretação. Desses elementos,
os livros de literatura destacam a entonação dada à mensagem de acordo com o guia da
pontuação. A frase “Este aluno disse o professor é um incompetente”, sem pontuação,
pode ser lida de diversas formas: Este aluno disse: “O professor é um incompetente” ou
“Este aluno”, disse o professor, “é um incompetente” (VANOYE, 1996, p. 42).
Zumthor (1993) chama de fonia essa forma de organizar pensamentos, buscar a
atenção, pelo timbre de voz, sotaque, pausas, entonação. Michel Chion (1999) diz que
se a voz não é acompanhada de imagem, ela transmite um ar de mistério maior e
trabalha com a imaginação do espectador, o que funciona como a sensação do filme O
mágico de Oz, que está sempre atrás das cortinas, com voz imponente, timbre forte,
como se fosse uma figura importante. No momento que sai detrás da cortina, toda a
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expectativa de sua personalidade acaba, o que usualmente ocorre com os radialistas de
vozes aveludadas que impressionam aos ouvintes somente no ar.
Já Dolar (2006) não realiza a distinção entre a voz narrada e o som (ruído,
sonoplastia), ao dizer que “diversas vozes nos bombardeiam (pessoas, música, voz
interna do pensamento, barulhos da natureza, ruídos, máquinas, sinais tecnológicos,
apitos), o que ocasiona uma falha na atenção (pois muitos estímulos que exigem
simultaneamente do mesmo sentido são requisitados). Assim, quando num audiolivro
são colocados vários sons concorrentes com as vozes, não é possível compreender com
clareza e sempre há margens para significados e interpretações diversos, pois cada um
irá focar-se no que chama mais a atenção, de acordo com sua concentração num som ou
então nas vivências do que já está acostumado (um exemplo claro é o de um homem da
cidade que reconhece com rapidez o ruído de uma moeda caindo no chão, entretanto
precisa se concentrar para escutar o barulho de um passarinho no meio dos ruídos de
carros e meios de transporte urbano). Para se abordar a questão de referenciais sonoros
atuando na percepção da mensagem é preciso retornar em teorias sobre o som.
3. Teoria: Para a legitimidade do som em percepção do mundo
Cabe retomar alguns autores que abordam a questão da música e das
sonoridades, no sentido de dar legitimidade às formas de perceber o mundo, de
envolvimento emocional e afetivo. Jacques Atalli, em Ruídos, diz que
a música, mais do que um objeto de estudo, é um meio de perceber o
mundo. Uma forma de conhecimento [...] Reflete a fabricação da
sociedade, é a banda audível das vibrações e signos que se fazem na
sociedade. Instrumento de conhecimento, incita a decifrar uma forma
sonora de saber.6 (1995, p.12).
Essa postura de legitimidade da oralidade e do som, música, desvinculada das
formas imagéticas que é a aposta desse artigo. Outro ponto que merece destaque é a
questão da rivalidade entre a música e o ruído. Pretende-se tomar uma postura contrária
ao que realizou a história das indústrias fonográfica, cinematográfica, da radiodifusão,
como a tentativa de eliminar os ruídos da música, dando uma conotação negativa para o
6
Tradução livre para: “La música es más que un objeto de estúdio: es um médio de percibir el mundo. Un
útil de conocimiento” […] Refleja la fabricación de la sociedad. Es la banda audible de las vibraciones y
los signos que hacen a la sociedad. Instrumento de conocimiento, incita a decifrar una forma sonora del
saber”.
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termo, o que é explorado por Murray Schafer, em a Afinação do Mundo (1997), e
revisto por Obici, em Condições de Escuta (2008).
Se Schafer é a favor de um “projeto acústico interdisciplinar” na busca pela
“paisagem sonora ideal”, também vê o ruído como algo prejudicial e que deve ser
combatido para gerar uma paisagem sonora limpa, cristalina. Schafer (1997) entende ser
paisagem sonora: “qualquer campo de estudo acústico: composição musical, programa
de rádio, ambientes acústicos”; o que difere da paisagem visual, que é dada,
demonstrada, mesmo que a entendamos como “recortada” ou “congelada”, já que
partem de possibilidades de percepções diferentes. A paisagem sonora é fluida, sujeita a
interpretações, às condições de escuta (sociais, culturais, cognitivas, etc.). Compõem a
paisagem sonora três formas de som: 1) os sons fundamentais (sons da natureza, criados
pela geografia e clima – água, vento, planícies, pássaros, insetos e animais, que
enriquecem a vida e afetam o comportamento e o estilo de vida de uma sociedade); 2)
os sinais sonoros (sons destacados, ouvidos conscientemente pelo recurso de avisos
acústicos (sinos, apitos, buzinas sirenes, também podem ser organizados em situações
elaboradas e mensagens de complexidade em diversos casos para a interpretação); e 3)
marca sonora (som da comunidade, especificamente significativo para uma cultura de
um povo de determinado local) (SCHAFER, 1997, p. 26-27). Assim, os diversos
aspectos que compõem a paisagem sonora podem interferir na interpretação da
mensagem e serem essenciais para o entendimento de um contexto, como recursos
sonoros que falam por si só.
Já Atalli (1995) e Obici (2008) buscam nos conceitos de ruído e território
sonoro, respectivamente, 1)formas de controle político pela marcação simbólica do
sonoro e 2) o envolvimento pelos componentes do meio e de expressão. Para Atalli, a
música necessita do ruído como forma de uma espécie de símbolo cultural sonoro já
incorporado.
Escutar música é escutar todos os ruídos e dar-se conta de que sua
apropriação e controle são reflexos de poder, essencialmente político
[...] códigos que analisam, marcam, restringem, atribuem causa,
reprimem e canalizam os sons primitivos da linguagem, do corpo, de
sua utilidade, dos objetos, das relações com os outros e consigo mesmo
(ATALLI, 1995, p. 15)7.
7
Tradução livre para: “Escuchar la música, es escuchar todos los ruidos y darse cuenta de que su
apropiación y su control es reflejo de poder, esencialmente político. […] Los códigos analizan, marcan,
restringen, encauzan, reprimen canalizan los sonidos primitivos del lenguaje, del cuerpo, de los útiles, de
los objetos, de las relaciones con los otros y con uno mismo”.
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Portanto, os ruídos e sonoplastia, assim como recursos de trilha sonora e músicas
de referenciais já consolidados numa cultura (como as música e trilhas de filmes de
aventura – Indiana Jones – e investigação – Pantera cor de rosa – sinos e música
clássica para mensagens eruditas ou religiosas em obras televisivas, radiofônicas ou
mesmo do audiolivro (no caso o foco de interesse desse trabalho) são essenciais para
contextualizar uma situação de uma trama e história, recursos sonoros entre os quais o
ruído é um dos elementos, além da paisagem sonora. O conjunto de símbolos sonoros,
quando unido ao texto falado, atua como um instrumento que auxilia a percepção e
atenção do ouvinte bem como a interpretação das mensagens.
Já Giuliano Obici (2008) apresenta o conceito de “território sonoro”, a partir do
conceito de “território” de Deleuze e Guatarri (1980), revendo as questões do público e
do privado. Para Deleuze e Guatarri, territorializar significa delimitar lugar seguro,
“como a casa que nos protege do caos” (é o conhecido, o privado que mantém relação
com o eu). Desterritorializar é sair de um espaço delimitado, romper barreiras da
identidade, do domínio e da casa, para o público. Mas para Obici, “só faz sentido
analisar um território em sua relação com vias de desterritorialização” (2008, p. 73),
entre o público e o privado, como ocorre nas relações de escuta do MP3, formato para
escuta do audiolivro. O território não é uma classificação ou está preso a uma forma. É
sim um ato que afeta os meios e os ritmos condensados na percepção-ação é formado
pela descodificação, isto é, pela transformação do código, produção da diferença. E
para Obici, fazem parte do território sonoro em mudança as “qualidades expressivas,
componentes dimensionais e marcas especializadas”. Ou seja, quanto mais se realiza o
uso de componentes de expressividade dos meios, maior a percepção do receptor e o
interesse. Portanto, os produtos de audiolivros que utilizam recursos de sonoplastia
tendem a chamar mais atenção e despertar mais emoções e afetividades.
Interessa saber o que a Indústria Cultural, e do entretenimento em geral, vem
fazendo a partir dos usos da música e sonoplastias, em termos de “símbolos sonoros
culturais”, para atingir o público, gerar afetos e agregar valor de experiência aos seus
produtos. Pode-se falar de um retorno à oralidade? Mesmo em elementos de uma cultura
letrada, porém revestida de entretenimento?
A aposta é que a roupagem da oralidade e do entretenimento pelo lúdico
desperte a atenção de pessoas que não possuem o hábito de leitura para o conteúdo e
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entendimento de mensagens, e, seja para qual público for, facilita seu exercício em
atividades corriqueiras e simultâneas. Assim, acredita-se que as experiências sonoras de
hoje estejam potencializadas pelas NTICs em produtos mais prazerosos, que promovem
afeto e inclusão.
Um exemplo da música como promoção de afeto foi o uso diferenciado que o
grupo Pato Fu deu aos brinquedos de criança dos anos 1980, ao mesclar em seu álbum
Música de Brinquedo, sons, ruídos, músicas de ninar, vozes de crianças com suas letras.
Inclusive, essa experiência foi incorporada ao show, quando os brinquedos reais são
levados ao palco e, com isso, promovem a remissão de uma época pela memória e
geram afetividade para com o público pelo interesse e promover sua aproximação.
4. O contexto dos audiolivros: história e mercado
Desde o final da Primeira Guerra Mundial, soldados que ficavam cegos nas
batalhas já faziam uso de fitas de áudio para substituírem a leitura. Entretanto, as vendas
de audiolivros, no formato atual, se popularizaram a partir dos anos 80, nos Estados
Unidos, com a intensificação do processo de globalização e da correria da vida nas
grandes cidades, e hoje já é um produto tradicional no mercado tradicional norteamericano. A Audible.com (www.audible.com)8 é a maior distribuidora norteamericana de audiolivros no mundo e possui mais de 80 mil títulos disponibilizados.
Quanto ao pagamento, os valores não são muito altos: paga-se um valor fixo mensal (de
US$20 dólares, que permite ao usuário baixar dois títulos por mês)9.
No Brasil, os discos de vinil, contendo histórias infantis narradas, tornaram-se
populares na década de 70, em hábitos de se escutar uma história a cada noite. Hoje os
audiolivros infantis persistem como o mercado mais consolidado, em versões musicadas
ou formato de contadores de história, com entonação na leitura e interpretação dos
textos, pois já houve tempo suficiente para testar a melhor fórmula de chamar a atenção
de crianças para um aprendizado lúdico, sem obrigações.
Porém, no início, como os títulos eram escassos para livros de adultos, algumas
pessoas utilizavam programas para a conversão de arquivos de texto em voz, o que
8
Em 2008, foi comprada pela Amazon.com por US$300 milhões, com o objetivo de ampliar o acesso ao Kindle,
leitor de livros digitais da empresa (já que é possível a escuta de audiobooks também pelo aparelho leitor digital), o
que significa uma aposta do aumento do número de downloads pagos (que em 2006 representava 14% do mercado).
9
Segundo informações do site Marketing Projetos. Disponível em: <http://lmmarketingprojetos.com.br/
site/index.php?option=com_content&task=view&id=146&Itemid=9> Acesso em: 09 jan 2012.
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resultava numa voz mecanizada, algo que se assemelhava aos mesmos problemas dos
softwares de bibliotecas que disponibilizam arquivos em áudio para deficientes visuais
(além da leitura branca, geralmente realizada para cegos, isto é, realizada sem
interpretação, entonação e pausas, não dando atenção ao timbre da voz, fora os recursos
de sonoplastia e trilha sonora que não são utilizados).
Mas, para os demais públicos, com a vida corrida das cidades, o hábito de
escutar histórias foi se perdendo ao longo do tempo. Já com a proliferação dos tocadores
de MP3, como o iPod, iPad, smartphones, videogames de mão e leitores digitais,
algumas editoras nacionais decidiram investir no mercado potencial dos audiobooks, já
tradicionais nos EUA.
Hoje, no país, entretanto, o número de títulos vem crescendo, começou com
editoras especializadas em livros de auto-ajuda, religiosos e para concurso e despontam
também no mercado de best sellers, com publicações e vendas em sites, como na editora
Audiolivro (www.audiolivro.net), Universidade Falada (www.universidadefalada.com.
br), Livro Falante (www.livrofalante.com.br), Nossa Cultura (www.nossacultura. com.
br) ou a Plugme, da editora Ediouro, lançada na Bienal do Livro em São Paulo
(www.plugme.com.br).
Apesar de a maioria dos livros em áudio estar disponível em sites para compra,
esses mesmos sites possuem setores de audiolivros gratuitos, além de disponibilizados
em outros endereços, como também até mesmo postados no canal Youtube, com a capa
do livro, só para escutar o áudio. Assim, downloads10 gratuitos ainda são os mais
acessados, por sites como www.ebookgratis.com, UTorrent, Scribd, 4shared, entre
outros formatos de compartilhamento de informação p2p, o que permite a inclusão de
pessoas que não tenham condições de pagar por um livro impresso mais caro (devido ao
preço da impressão, funcionários, aluguel da loja, o que acaba por contribuir para um
valor mais elevado dos livros impressos vendidos em lojas tradicionais). Para além do
problema dos downloads ilegais em sites e programas de compartilhamento, é válido
retomar o mercado de audiolivros de editoras que investem na forma de acesso ao
conhecimento de maneira mais lúdica.
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Sobre essa questão, há que se considerar que o acúmulo de músicas, de livros digitais ou mesmo de audiolivros
como uma coleção em uma biblioteca pessoal, não necessariamente significa que todos os títulos ou arquivos serão
escutados - uma crítica de Atalli, ao dizer que nos compartilhamentos há uma passagem do valor de uso para o valor
troca. Quando a informação não é nem repassada, só acumulada, talvez não esteja aí nem mesmo um valor troca e
sim simbólico.
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Cabe uma contextualização do produto audiolivro como um todo, que ganha
adeptos como forma alternativa de leitura de maneira lúdica. O audiolivro é um livro
para escutar a qualquer hora, em qualquer lugar, disponibilizado em diversos suportes.
No audiolivro, a narração é o que o dispara; a oralidade é a marca principal, mas
embasada num texto prévio. Existem várias formas de apresentação de um audiolivro
que podem ser: interpretado, com sonoplastia, trilha sonora, atores famosos, numa
mistura entre radionovela e dramatização teatral ou somente realizar a leitura formal na
transposição do texto do impresso, com as mesmas marcações, porém na leitura sonora.
Se, para alguns ouvintes, as obras literárias bem interpretadas podem ser
enriquecidas pela interpretação dos narradores e pelos efeitos sonoros e as músicas,
tornando a atividade de escutar histórias e aprender muito mais prazerosas, para outros a
entonação, pausas no texto podem guiar o espectador/ouvinte a interpretações limitadas,
o que poderia deixar em aberto ao leitor se no formato impresso. Todavia, há autores,
como Patrícia Jesus (2008), que acreditam na classificação de livro falado, como o livro
que não é interpretado, não traduz sentimentos e não pode ter efeitos sonoros e
artísticos, pois procura ser uma versão aproximada do livro em tinta, na chamada
“leitura branca”, não tendenciosa e, para não correr o risco de a interferência induzir o
ouvinte. Entretanto, ainda obedece às regras da boa impostação de voz e pontuação, pois
parte do princípio de que quem deve construir o sentido do que está sendo lido é o leitor
o profissional que utiliza a voz para mediar o acesso ao texto impresso a pessoas
visualmente limitadas.
O audiolivro não tem por objetivo substituir o hábito de leitura convencional,
mas sua popularização, além de proporcionar a inclusão social de deficientes visuais
que não sabem ler braile, e de analfabetos da leitura escrita, funciona como uma
alternativa para quem gosta de ler, mas não tem tempo ou para quem trabalha com
leitura visual o dia inteiro e necessita relaxar no tempo de lazer. Os audiolivros assim,
além de fonte de cultura, servem de companhia nos meios de transporte, nos momentos
de lazer e de viagens. Além da facilidade de mobilidade, os preços são, em média, mais
acessíveis que os dos livros impressos (R$ 9,90 em média o valor de CDs e os
downloads variam).
Atualmente existem audiotecas em bibliotecas públicas e outras instituições
especializadas para um público deficiente visual. Entretanto, grande parte da população
não sabe ler braile ou não possui o hábito de escutar livros, principalmente quando
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gravados por um programa de voz robotizada, o que não causa proximidade do público
para a leitura prazerosa, e sim uma sensação de afastamento.
5. Aplicação da teoria da sonoridade no objeto Audiolivro
Após o percurso teórico dos elementos fundamentais da voz, é importante
realizar um mapeamento dos tipos de obra de livros narrados disponíveis na rede, que
além da voz, contam com elementos de sonoplastia, ruídos do ambiente para dar
veracidade e trilha sonora. O objetivo é avaliar se a teoria de Obici, dos territórios
sonoros e componentes do meio e expressão, pode ser aplicada no objeto audiolivro e se
isso afeta a experiência e o envolvimento nos processo de escuta.
Como componentes de meio do audiolivro, estão presentes: elementos da
oralidade, sonoplastia, trilha sonora, estilo da narração (gênero), além de técnicas de
sonoplastia do rádio, de recursos do cinema, e marcas do texto impresso que vão atuar
como uma espécie de desterritorialização, em aspectos híbridos do produto audiolivro.
Como componentes de expressão encontram-se: entonação, clareza, ritmo, ênfase,
timbre da voz, interpretação, estilo da fala. Acredita-se que, no novo processo de escuta,
os componentes do meio, assim como os de expressão, alteram os níveis de
envolvimento do leitor/ouvinte. Notam-se diferentes tipos de leitura que são realizados
pela indústria editorial sonora: 1) Leitura técnica ou de conteúdos específicos – como a
leitura branca para cego (narrador formal ou letra robotizada) – sem uso de recursos
como: interpretação, explicação ou sonoplastia; 2) Leitura de literatura (leitura de
narrador superior e manutenção de elementos formais do texto escrito, como os guias de
fala do texto impresso e de interpretação “– disse o fulano”, “comentou em alto e bom
tom”); 3) Leitura de best sellers (com leitura de atores brasileiros, interpretação do texto
e alguns com música clássica ao fundo, mas ainda com erros em ênfase na fala); 4)
Leitura de literatura infantil (musicais, interpretação por diversas vozes, uso de música,
trilha sonora, sonoplastia, entonação da voz, clareza, pausa, ênfase, timbre de vozes
diferenciadas).
Como primeiro nível de envolvimento, o setor de audiolivros que ganha
visibilidade é o do ramo de Literatura, Best Sellers, Filosofia, Mitologia, Astrologia,
Direito e aulas gravadas em material para concurso e vestibular. Esse tipo de audiolivro
se aproxima mais da leitura branca, sem interpretações, pois o intuito do público é
outro, é o foco no conteúdo da mensagem, muitas vezes denso e, muitas vezes, o
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objetivo é gravá-lo na memória. Apesar da possibilidade dos Best Sellers serem
interpretados, muitos deles possuem uma leitura branca ou com pouca entonação, presos
às marcas do texto impresso, como no exemplo do audiolivro Marley & Eu
(http://www.youtube.com/watch?v=Au2Wdrokp-A&NR=1), sem fundo musical, só
com leitura em transposição de uma mídia (livro) para outra ou ainda uma interpretação
forçada, mal realizada.
Já como nível sequencial, de uma leitura formal, estão as obras religiosas,
audiolivros místicos e de autoajuda, que possuem seções separadas nos sites, devido a
seu público expressivo. Normalmente as obras possuem uma leitura de um narrador
superior, com um timbre grave de voz, para dar legitimidade e autoridade à mensagem,
e um fundo de música instrumental ou clássica. O exemplo clássico é o da voz de Cid
Moreira na leitura da Bíblia, já citado, que, nesse caso, possui uma introdução em
contextualização do novo testamento, interpretada com entonações, ruídos, e com
informações extras (http://www.youtube.com/watch?v=xDnyzZzHyd4). A mesma
interpretação do jornalista no programa Altas Horas, com sua imagem aparecendo, ao
falar de Deus, já não transmite a mesma autoridade, pois a imagem quebra a
superioridade da voz (ver http://www.youtube.com/watch?v=AsXR7Jf24iM& feature
=related). Apesar desse exemplo bem trabalhado, a maioria dos audiolivros desse setor
mantem recursos do texto impresso formal, o que perde o sentido em um audiolivro
interpretado, a não ser que se opte por fazer uma leitura literal, para não interferir na
interpretação do texto. O audiolivro do Livro dos Espíritos, de Alan Kardec, também é
interpretado por um homem (narrador de TV, com voz empostada) e uma mulher de
voz explicativa, calma, mas um pouco robótica, o que gera também um estranhamento
na recepção (http://www.youtube.com/watch?v=P3qwsADcwV0& feature=related).
Em um terceiro nível estão os audiolivros com leituras realizadas por pessoas do
meio artístico, nomes e vozes conhecidas, como, por exemplo, Ana Maria Braga com
Piadas de Ana Maria Braga e Louro José, José Wilker em E quando Nietzsche Chorou
ou
Paulo
Autran
e
Tom
Jobim
em
O Pequeno
(http://www.youtube.com/watch?v=w_zShPpfQzQ)
conta
Príncipe.
com
Esse último
imagens
não
só
ilustradas do livro passadas pela plataforma, como complementares na narrativa
expostas pela plataforma do Youtube (nesse caso não é só um meio de expor o áudio
sem complemento de imagem no veículo, como é usual de se realizar com audiolivros).
Nesse produto é importante dizer que é aberto um espaço para artistas, dubladores,
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efeitos de sonoplastia, roteiros, ruídos, sons de longe e perto para a composição do
ambiente.
E, por fim, observa-se no mercado de audiolivros que as obras infantis são as
que envolvem mais o público e maior investimento, pois possuem um público
específico e já contam com a presença marcante dos musicais, cantigas de roda e
contadores de história impregnados na cultura do brasileiro como formação da criança.
Assim, livros musicais são opções primeiras, em sua maioria interpretada por
contadores de histórias, musicais, com ruído, ambiente, dramatização, entonação na fala
(alguns livros desde os anos 1980 possuíam fitas cassetes com a história narrada para
crianças e hoje possuem CDs que acompanham). Talvez pelo fato de ser um público
ainda não alfabetizado ou que ainda passa pelo processo de aprendizagem, para que seja
um estímulo à criação do hábito da leitura há a opção de livros falados como atrativo
para a atividade lúdica. Porém, com o mercado de audiolivros em expansão, observamse muitas produções expostas em sites que, todavia não se preocupam com a
interpretação, entonação dos personagens. Um exemplo é o audiolivro de Alice no país
das Maravilhas, lançado após o último remake da história feita para o cinema
(http://www.youtube.com/watch?v=EU-KKrpZlZ4). A leitura do texto tem fundo
sonoro e interpretação, mas mantém as marcações do texto impresso e há a colocação de
ênfase em frases que soam estranhas para o ouvinte.
Esses exemplos diferenciados parecem apontar em nível crescente um
envolvimento e interesse maior do público com o conteúdo. A pirâmide representa o
público, portanto a base é mais larga, pois quanto mais recursos de expressão e do meio
são utilizados, em gêneros de livros e nos momentos adequados, maior envolvimento do
público, conforme esclarece a fig. 1 abaixo. Isso porque os recursos despertam as
sensações e emoções pela experiência, correlações que o ouvinte faz dos símbolos
sonoros e paisagem sonora com sua cultura, conquistando as pessoas sem hábito de
leitura, o analfabeto, o deficiente visual, assim como pode também ser escutado pelas
pessoas que possuem hábito da leitura impressa, por ser outro produto.
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Fig 1. Níveis de envolvimento do público pelo uso de “recursos
do meio e de expressão”, em aplicação dos termos de Obici (2008).
Dessa forma, reitera-se nessas diferentes características dos audiolivros o
hibridismo dos gêneros e a explosão dos meios, num conceito de leitura e textualidade
que também envolve o áudio, nesse caso não como pano de fundo, mas como o
elemento fundamental.
Assim, nesse cenário o que parece despertar o interesse pelo áudio são os
audiolivro que melhor utilizam recursos sonoros e de entonação, timbre de voz,
dependendo do gênero e da funcionalidade do arquivo (por exemplo, com a função de
estudo para concurso, a usabilidade do fundo musical ou entonação de contador de
história perde o sentido).
Para aplicar esse mapeamento feito, em um primeiro momento, e a teoria da
pirâmide do envolvimento, o grupo de pesquisas sobre o Audiolivro, da Fundação da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, publicou um artigo em 200911, de um
estudo qualiquantitativo realizado a respeito das preferências em aspectos dos
audiolivros pelo tipo de voz (masculina ou feminina), velocidade, fundo musical e
timbre de voz. O objetivo era verificar se esses recursos interferem e quais recursos são
essenciais na escolha e boa aceitação de um audiolivro.
Para evitar que o conteúdo de diferentes histórias e gêneros influenciasse as
respostas, ao invés de se prenderem aos recursos, foi criado um áudio e gravado um
material com uso de diferentes recursos sonoros do mesmo texto (uma leitura de um
conto por inteiro), para que, ao participante escutar a história, não comprometesse seu
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Artigo publicado em <www.fespsp.org.br/sic/papers/FaBCI/SIC_Angela_Reis.pdf> Acesso em: 07 jan
de 2012.
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desempenho no questionário, por falta de contexto, além de diminuir as variações de
resposta devido a produtos de gêneros diferentes. Assim, foram criadas cinco versões:
lenta, rápida, sem fundo musical, com fundo musical contínuo e com entradas de fundo
musical na história, com o objetivo de analisar se o fundo musical de um audiolivro
pode causar conforto ou desconforto no momento em que está sendo ouvido, bem como
descobrir qual a proporção de assimilação de conteúdo do audiolivro em relação ao
livro impresso, devido à velocidade da voz, pausas, entonação e timbre de voz
masculina e feminina na narração.
Foram aplicados quinhentos questionários, porém num público de estudantes de
Biblioteconomia da FESPSP, público esse que pressupõe que tenha um hábito de leitor
mais consolidado. Na aplicação do questionário, 70% dos entrevistados, que afirmaram
não ler, justificaram que gostariam de ler, mas não têm tempo para essa atividade. E
grande parte destes desconhecem os audiolivros: 68 % afirmam isso, sendo que 60%
têm curiosidade em conhecer um audiolivro (cabe ponderar que a pesquisa foi realizada
em 2009 e hoje o audiolivro está melhor divulgado no país, devido à ampliação das
formas de suporte para leitura e do maior número de títulos em áudio disponíveis na
rede).
No grupo que conhece o audiolivro, observou-se que 31% tiveram conhecimento
deles por meio da Internet, e o acesso a eles, 29% afirmam ser através de downloads
gratuitos. Seguidos de 24% os que tomam emprestados e 21% os que compram o
audiolivro, algo que o mapeamento do mercado, realizado acima, já apontava.
Na análise da questão “o que você costuma fazer no transporte em seu dia a dia
para preencher o tempo da viagem?”, também se comprova a existência de um grupo
potencial de futuros ouvintes de audiolivros nos meios de transporte. “Somando os tipos
de escuta de dois grupos – 38% que ouvem música e 15% que ouvem estações de rádio
– totalizam 53%. Incluindo o grupo dos 31% que lêem livros durante o transporte, 84%
o número de pessoas que exercem atividades que podem ser relacionadas aos
audiolivros (nesse caso, reitera-se a importância do público em que os questionários
foram aplicados, um público especializado na área, o que compromete a variação dos
grupos de pessoas de atividades diferenciadas para a leitura, seja ela por escuta ou
impressa).
Em pergunta sobre falta de tempo, o desejo dos que responderam poder ter
acesso a leitura também contribui para o potencial do audiolivro. Por fim, também foi
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observado na pesquisa que as pessoas acreditam no potencial dos audiolivros na
assimilação do conteúdo dos livros (em enquete realizada no blog do grupo de
pesquisas, 23% que acreditam que assimilação é a mesma entre os livros e os
audiolivros, para 28% a assimilação dos audiolivros é melhor, e 47% acreditam que os
livros são o melhor meio de assimilação do conteúdo).
6. Conclusão
O mapeamento realizado e a pirâmide invertida do envolvimento e da expressão
parecem fazer sentido, uma vez que foram comprovados pelos índices de pesquisa já
realizados em 2009. Entretanto, o audiolivro hoje é um veículo em crescimento no
Brasil que precisa ser melhor trabalhado em suas potencialidades. Porém, para o
público, inclusive letrado, parece ser um veículo de informação e conhecimento para
momentos de transporte no dia a dia e solução para a falta de tempo, já que sua
execução permite ser realizada em momentos de não muita concentração e de atividades
multitarefas.
Não se pode comparar a assimilação de um livro denso, lido em uma sala
isolada, com a do audiolivro, realizada em atividades corriqueiras do cotidiano. Talvez
por isso, o investimento das editoras de audiolivros tenha sido no nicho dos livros de
Best Sellers, autoajuda, humor e, no máximo, no gênero literatura/ romances, os quais
são livros mais adaptáveis às multitarefas e não necessariamente exigem que o público
adulto concentre 100% de sua atenção naquela atividade, pois ela está dividida em
inúmeros estímulos simultâneos.
Dessa maneira, foi comprovado que a interpretação na leitura, entonação da voz,
timbre adequado ao estilo narrativo, assim como recursos de sonoplastia e trilha sonora,
bem utilizados, podem servir de auxílio para esse tipo de experiência, representando
maior envolvimento do ouvinte no conteúdo e entendimento da mensagem. Apesar de o
uso dos recursos estar ainda em crescimento no mercado e, muitas das vezes, mal
utilizado (entonação e pausas colocadas no lugar errado, fundo musical sem o
comprometimento com a história narrada, narrações num tom monologal, o que não
desperta o interesse do ouvinte), talvez o caminho adequado para uma interpretação
possa ser dado pelas mídias sonoras, absorvidas pelo imaginário do público e de maior
domínio técnico sobre suas potencialidades.
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Vale lembrar que o audiolivro é uma experiência híbrida de mídias antigas e
novos potenciais, não comparável ao livro impresso. O livro impresso funciona como
outra mídia já consolidada e que não se extinguirá, coexistirá com outras formas de
exposição do conteúdo, seja em formato digital ou falado.
Portanto, acredita-se que o audiolivro é uma mídia potencial que atua na
estratégia de reposicionamento do mercado sonoro e ao mesmo tempo do mercado
editorial, além de esbarrar em questões da indústria fonográfica, como direitos autorais
para as músicas referências de filmes em gêneros de aventura, investigação, por
exemplo, assim como o rádio e as radionovelas utilizam, como vinheta, jingles ou textos
musicados, atuando também como símbolos culturais para a interpretação da mensagem
ou para que o texto ganhe um caráter cômico.
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