Teorias de “poder”

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Teorias do “Poder”... ALVES
Teorias de “poder” na relação entre indivíduos e/ou
instituições no processo de organização social: um
diálogo entre Foucault, Balandier e Bourdieu.
-d.o.i.: 10.13115/2236-1499.2010v1n3p134
Adjair Alves 1
Resumo
Compreender as relações de poder na contemporaneidade
constitui para as ciências sociais uma exigência, num mundo em
que as relações são multifacetadas, se dando nos mais diferentes
níveis da organização social. O que pretendemos fazer no
presente texto é discutir como estas realidades se organizam e se
relacionam seguindo a trajetória teórica de três nomes
significativos das ciências sociais: Foucault, Balandier e
Bourdieu. Analisar como estas realidades se apresenta na
construção teórica destes autores possibilitará uma aproximação,
diga-se, não muito fácil de se estabelecer, com o entendimento da
forma como as relações de poder na contemporaneidade são
efetivadas. Evidentemente que, levando em consideração a
complexidade da questão, o que pretendemos aqui é apenas um
ensaio, digamos; inconcluso, visto que não temos a última
palavra sobre a questão.
Palavras-chave: poder, arqueologia, genealogia, habitus,
dinâmica social.
1
Filósofo e Antropólogo – Mestre e Doutorando do PPGA/UFPE. Professor de
Filosofia e Antropologia da Universidade de Pernambuco – FACETEG
(Faculdade de Ciências, Educação e Tecnologia de Garanhuns).
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Introdução
Os conceitos de cultura, organização e estrutura são
caros, as Ciências Sociais, pela importância que os mesmo
possuem como possibilidade de interpretação e/ou compreensão
das sociedades humanas, objeto de estudo destas ciências. É da
forma como entendemos a relação entre estas instâncias, que
podemos compreender ou formular as teorias de “poder” na
relação entre indivíduos e/ou instituições no processo de
organização social. Na tradição das Ciências Sociais, o poder tem
sido analisado, não apenas como uma instância macro, mas
também nos micro processos. E, é aí que se tem erigido
explicações razoáveis, para se entender como essa instância
social te alcançado patamares de sua reprodução social. Foucault,
Balandier e Bourdieu oferecem três possibilidades de
interpretação do poder que poderão ser útil ao seu entendimento.
1. Michel Foucault, e o papel da arqueologia como
instância desmistificadora dos saberes e instituições.
Três obras são significativas para se compreender o
trajeto metodológico e os objetivos da arqueologia dos saberes
construída por Michel Foucault. São elas: História da loucura,
Nascimento da clinica e, As palavras e as coisas.
Alguns instrumentos demarcam a unidade de
pensamento, tais como: o conceito de saber, o estabelecimento
das descontinuidades, os critérios para datação de períodos e suas
regras de transformação, o projeto de inter-relações conceituais, a
articulação dos saberes com a estrutura social, a crítica da idéia
de progresso em história das ciências. Para nós a forma como
Foucault compreende a “articulação entre saberes e a estrutura
social” é uma peça chave, porque ela assinala para sua
compreensão do poder.
A “arqueologia” busca estabelecer a constituição dos
saberes privilegiando as inter-relações discursivas e suas
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articulações com as instituições. Objetivava responder como os
saberes apareciam e se transformavam. Essa análise dos saberes
tem como finalidade situá-los como peça de relações de poder ou
incluindo-o em um dispositivo político, chamada de genealogia.
Numa perspectiva genealógica – o termo é
nietzschiano – o homem aparece como sujeito e objeto do
conhecimento, mas este se constitui como tal à medida que vai se
articulando como instância de poder. Não é assim qualquer
conhecimento que se articula. O propósito da arqueologia dos
saberes é construir as estruturas deste saber, de como ele vai se
constituindo como tal. Assim em Foucault, não há propriamente
uma “teoria geral do poder”. Ou seja, suas análises não
consideram o poder como uma realidade que possua uma
natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas
características universais (MACHADO. Apud, FOUCAULT,
1979: x). O poder não é uma coisa, mas uma prática social
constituída historicamente. É uma prática múltipla, dispersa e
descontínua, não subordinada a um conceito universal.
O que é uma teoria na perspectiva foucaultiana?
Primeiramente, toda teoria é provisória, acidental, dependente de
um estado de desenvolvimento da pesquisa que aceita seus
limites, seu estado inacabado, sua parcialidade, formulando
conceitos que clarificam os dados. Não é objetivo da arqueologia,
nem da genealogia fundar conceitos, teorias ou sistemas, mas
realizar análises fragmentárias e transformáveis. Para Foucault, o
Estado não é sinônimo de Poder, embora ele se situe, enquanto
instituição, como o centro do poder. O poder é uma instância que
se articula nas micro-relações locais, ele está circunscrito a uma
pequena área. “O que aparece como evidente é a existência de
formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele
articuladas de maneiras variadas, mas indispensáveis inclusive à
sua sustentação e atuação eficaz” (id. p. x).
O poder intervem materialmente, atingindo a
realidade mais concreta dos indivíduos, o seu corpo, se
caracterizando como um micro-poder. A micro-física significa
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um deslocamento do espaço de análise, quanto do nível em que
esta se efetua (p. xii). “Realidade distintas, mecanismos
heterogêneos, esses dois tipos específicos de poder se articulam e
obedecem a um sistema de subordinação que não pode ser
traçado sem que se leve em consideração a situação concreta e o
tipo singular de intervenção” (p. xii). Mas os poderes periféricos
e moleculares não foram confiscados pelo Estado. Não são
necessariamente criados pelo Estado, nem são reduzidos a uma
manifestação do Estado. Eles se exercem em pontos diferentes da
rede social, integrados ou não ao Estado. Os poderes não estão
localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Eles
funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que
nada ou ninguém escapa.
O Poder, a rigor, não existe, o que há são práticas ou
relações de poder. Como onde há poder, há resistências, o que
existe são pontos móveis de resistência, espalhados na estrutura
social e não propriamente lugar de resistência. O Poder não é
constituído como instância apenas repressiva, negativa, mas
também e principalmente como ação produtiva, transformadora.
Assim as Ciências são vistas como frutos de uma relação de
poder. Todo saber é político. É aí que se sustenta a idéia de que
saber é poder.
O que faz com que o poder se mantenha e que seja
aceito é simplesmente que ele não pesa somente
como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma
saber, produz discurso. Deve-se considera-lo como
uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instância negativa
que tem por função reprimir. (FOUCAULT, 1979:
8).
O Poder está relacionado à produção de saberes e por
extensão, à verdade. Mas esta, não é o conjunto das coisas
verdadeiras a ser descobertas ou aceitas, mas o conjunto das
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regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se
atribuem ao verdadeiro, efeitos específicos de poder (p. 13).
Foucault não assinala uma defesa da verdade, mas um
“combate” em torno do estatuto da verdade e do seu papel
político e econômico. A verdade possui um “regime”, um
conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a
repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. Assim
ela está vinculada a sistema de poder. Trata-se então de
desvincular o Poder, da Verdade, das formas de hegemonias
(sociais, econômicas e culturais), no interior das quais ela
funciona, e não de tornar as pessoas conscientes. A questão não é
a consciência, a ideologia, a alienação, mas a própria verdade.
Daí a necessidade de se construir a genealogia da
verdade. A genealogia é histórica, marca a singularidade dos
acontecimentos, espreita-os lá onde menos se esperava e naquilo
que é tido como não possuindo história. Ela exige a minúcia do
saber, paciência, um grande número de materiais acumulados. Ela
deve construir seus “monumentos ciclópicos”.
Para Foucault, o saber do intelectual constitui um
sistema de poder. “A idéia de que eles são agentes da
‘consciência’ e do ‘discurso’, que ‘barra’, ‘proíbe’ e invalida o
discurso e o saber das massas.” Aí está a necessidade de se fazer
o que Deleuze chama de ‘revezamento’, que é ouvir o que os
pesquisandos têm a dizer sobre eles. No estudo dos asilos
psiquiátricos Foucault sentiu necessidade de ouvir os reclusos
falarem de si próprios.
É isto que Deleuze chamou de revezamento (p.70).
Para Foucault, a teoria não é mais a expressão de uma prática. O
papel do teórico é lutar contra a tirania das representações
impostas pelo sistema de poder, o regime de verdade (p. 71).
Segundo Deleuze (In. FOUCAULT, 1979: 71) “uma teoria é
como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... é preciso que sirva, é preciso que funcione.” A
teoria é um instrumento de combate.
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2. Pierre Bourdieu, o conceito de “habitus” e a
reprodução das estruturas sociais.
Um conceito valioso para se entender a teoria
bourdieusiana do poder é o conceito de “hábitus”. Para Bourdieu,
as práticas sociais, assim como as representações, são geradas por
um sistema de disposições duráveis construídas em acordo com o
meio social dos sujeitos e são predispostas a funcionar como suas
estruturas estruturantes (BOURDIEU, 1983: 60 - 81).
Segundo Bourdieu, a estrutura das práticas sociais
não é um processo que se faz mecanicamente, de fora para
dentro, de acordo com as condições objetivas presentes em
determinado espaço ou situação social. Não seria, por outro lado,
um processo conduzido de forma autônoma, consciente e
deliberado pelos sujeitos individuais.
É preciso abandonar todas as teorias que tornam
explicita ou implicitamente a prática como uma
reação mecânica, diretamente determinada pelas
condições antecedente redutível ao funcionamento
mecânico de esquemas preestabelecidos, ‘modelos’,
‘normas’ ou ‘papéis’, que deveríamos, aliás, supor
que são em número infinito, como o são as
configurações fortuitas dos estímulos capazes de
desencadeá-los. 2
As práticas sociais apresentam propriedades típicas
de posição social de quem às produz, porque a própria
subjetividade dos indivíduos, sua forma de perceber e apreciar o
mundo, suas preferências, seus gostos, suas aspirações, estariam
previamente estruturadas em relações ao momento da ação. Mas
esta subjetividade é estruturada internamente pelas experiências
vivenciadas pelos sujeitos em função de sua posição nas
2
Id. p.64.
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estruturas sociais. Estas constituem uma espécie de “matriz de
percepções e apreciações”, habitus, cuja função é orientar as
ações dos sujeitos nas situações a serem vivenciadas. O hábitus é
formado por um sistema de disposições gerais que precisariam
ser adaptadas pelo sujeito a cada conjuntura específica de ação.
Esta dimensão flexível do hábitus, realçado por Bourdieu, impede
que este venha ter uma espécie de recaída no objetivismo, ou no
determinismo objetivista. Sendo assim, fruto da incorporação da
estrutura e posição, sociais de origem, no interior do próprio
sujeito, esta estrutura, uma vez incorporada e posta em ação,
tornando-se estruturadora das novas ações e representações dos
sujeitos, em situações que diferem, em alguma medida, das
situações nas quais o hábitus foi formado.
O conceito de hábitus desempenha o papel de elo
articulador entre três dimensões fundamentais de análise: a
estruturas das posições objetivas, a subjetividade dos indivíduos e
as situações concretas de ação. E ainda, a posição que cada
sujeito ocupa na estrutura das relações objetivas propicia um
conjunto de vivências típicas que se consolidaria na forma de
hábitus adequada a sua posição social. o sujeito agirá na
sociedade em função deste hábitus, como um membro típico de
um grupo social ocupando a posição que lhe compete na estrutura
social, colaborando para reproduzir as propriedades do seu grupo
social de origem e as estruturas na qual foi formado.
É deste modo que a estrutura de poder e a dominação
econômica e, sobretudo, simbólica é reproduzida sem que o
indivíduo tenha consciência. As marcas de sua posição social, os
símbolos que a distinguem e que a situam nas hierarquias das
posições sociais, as estratégias de ação e de reprodução que lhes
são típicas, as crenças, os gostos, as preferências que a
caracterizam, em resumo, as propriedades correspondentes a uma
posição social específica são incorporadas pelos sujeitos
tornando-se parte da sua própria natureza.
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... só podemos, portanto, explicar essas práticas se
colocarmos em relação a estrutura objetiva que
define as condições sociais de produção do hábitus
(que engendrou essa prática) com as condições do
exercício desse habitus, isto é, com a conjuntura
que, salvo transformação radical, representa um
estado particular dessa estrutura. Se o hábitus pode
funcionar enquanto operador que efetua
praticamente a ação de colocar em relação esses
dois sistemas de relação na e pela produção da
prática, é porque ele é história feita natureza, isto é,
negada enquanto tal porque realizada numa
segunda natureza.
A subjetividade dos indivíduos, na perspectiva
bourdieusiana, é algo socialmente estruturada, isto é, se configura
em consonância com sua posição na estrutura social. por sua vez,
o objetivismo é também superado visto que as estruturas sociais
não produzem comportamento mecanicamente, dado que o
sujeito incorpora um conjunto de disposições que o orientaria a
agir nas mais diversas situações sociais.
‘... Em cada um de nós, em proporções variáveis, há
o homem de ontem; é o mesmo homem de ontem
que, pela força das coisas, está predominante em
nós, posto que o presente não é senão pouca coisa
comparado a esse longo passado no curso do qual
nos formamos e de onde resultamos. Somente que,
esse homem do passado, nós não o sentimos, porque
ele está arraigado em nós; ele forma a parte
inconsciente de nós mesmos. Em conseqüência,
somos levados a não tê-lo em conta, tampouco as
suas exigências legítimas. Ao contrário, as
aquisições mais recentes da civilização, temos delas
um vivo sentimento porque, sendo recentes, não
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tiveram ainda
inconsciente.’ 3
tempo
de
se
organizar
no
A análise da realidade social em Bourdieu está
relacionada ao papel atribuído por ele à dimensão simbólica ou
cultural na produção ou reprodução da vida social. neste ponto é
preciso verificar como no pensamento bourdieusiano, três sóciofilosofias, são “conciliadas”.
A primeira, está associada a Durkheim e a noção de
sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, como
elementos que organizam o conhecimento ou percepção que os
indivíduos têm da realidade. A segunda, se refere ao
estruturalismo defendido por Lèvi-Strauss, para o qual os
sistemas simbólicos são estruturas estruturadas, isto é, realidades
organizadas em função de uma estrutura subjacente que o
cientista social deve identificar. E a terceira, tradição,
representada pelo marxismo, que compreende os sistemas
simbólicos, como instrumentos de dominação ideológica, cuja
função é a legitimação do poder da classe dominante socialmente.
A síntese bourdieusiana busca articular estas três
tradições sustentando a idéia de que os sistemas simbólicos são
estruturas estruturantes, porque são primeiramente estruturadas.
Ou seja, a organização lógica, interna, das produções simbólicas,
as capacita a organizar a percepção dos indivíduos, propiciando a
comunicação entre eles. E é por esta razão que elas (as produções
simbólicas) estruturam as ações dos atores sociais na direção da
reprodução das estruturas de poder e dominação social, isto é, as
diferenciações e hierarquias presentes na sociedade. Mas esta
característica das produções simbólicas, não reduz seu papel a um
mero instrumento de manipulação e dominação política
(ideologia). A síntese bourdieusiana salienta as funções de
“comunicação e de conhecimento” dessas produções. Os sistemas
simbólicos são sistemas de percepção, pensamento e
3
DURKHEIM, E. L’évolution pédagogique en France. Apud. BOURDIEU.
Pierre. Op. Cit. p. 66.
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comunicação, e não uma ilusão idealista “totalidades autosuficientes e autogeradas, passiveis de uma análise pura e
puramente interna.” (BOURDIEU, 1999:13). Para Bourdieu, as
produções simbólicas caracterizam-se por sua relação com os
“interesses de classes ou das frações de classe que elas
exprimem”, mas também, aos “interesses específicos daqueles
que as produzem e à lógica específica do campo de produção.”
(Idem).
Bourdieu, portanto, situa-se entre as perspectivas
conspiratórias, que concebem as produções simbólicas como
artefatos intencionalmente criados com vistas à dominação
ideológica, e as perspectivas idealistas, que negam ou
desconhecem o papel das construções simbólicas na manutenção
e legitimação das estruturas de dominação. A perspectiva
bourdieusiana sinaliza para a compreensão de que as produções
simbólicas participam da reprodução das estruturas de dominação
social, porém, fazem-no de uma forma indireta e à primeira vista,
irreconhecível.
Os sistemas simbólicos, segundo Bourdieu, podem
ser “produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto
do grupo ou, ao contrário, produzido por um corpo de
especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e
circulação relativamente autônomo”. (id. p.12.)
A noção de campo, diz respeito aos espaços de
posições sociais nos quais são produzidos, consumidos e
classificados, determinados bens sociais. (BOURDIEU, 1983:
89). Na medida em que a divisão social do trabalho vai se
complexificando, certos domínios de atividade se tornam
relativamente autônomos. No interior desses setores ou campos
da realidade social, os indivíduos envolvidos passam, então, a
lutar pelo controle da produção e, sobretudo, pelo direito de
legitimamente classificarem e hierarquizarem os bens produzidos.
Cada campo de produção simbólica, segundo
Bourdieu, constitui palco de disputa, entre dominantes e
pretendentes, relativas aos critérios de classificação e
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hierarquização dos bens simbólicos produzidos e, indiretamente,
das pessoas e instituições que a produzem. Esta luta estende-se
aos critérios de classificação cultural. Assim se considera, os
padrões superiores e/ou inferiores da cultura, distingue-se entre
alta e baixa cultura, entre religiosidade e superstições,
conhecimento científico e crenças populares, entre língua culta e
fala popular.
Os indivíduos e instituições que representam as
formas dominantes da cultura buscam manter sua posição
privilegiada, apresentando seus bens culturais como superiores
aos demais. É o que Bourdieu chama de “violência simbólica”.
Aos dominados sobra a alternativa de reconhecer o status da
dominação ou reagir. Esta posição é, no entanto, um ponto crítico
no pensamento bourdieusiano, que se mostra cético em virtude de
que as crenças, valores e tradições de cultura popular não
constituem um sistema simbólico autônomo coerente, capaz de
contrapor a cultura dominante, de forma efetiva.
O arbitrário cultural prevaleceria em virtude de que
os indivíduos não perceberiam que os bens culturais tidos como
superiores ocupam esta posição por terem sido impostos
historicamente pelos grupos dominantes. Esta percepção,
“natural” da dominação ocorre entre dominados e dominantes,
em função da forma como se estrutura a dominação.
O capital cultural constitui-se do poder que o
indivíduo adquire ao tomar posse da produção e apreciação ou
consumo de bens culturais socialmente dominante. Assim se diz
que o individuo que dominar um padrão de formação escolar
dominante, adquire um capital cultural dominante.
A hierarquia entre bens simbólicos seria, segundo
Bourdieu, uma base importante para a hierarquização dos
indivíduos e grupos sociais. assim os indivíduos capazes de
produzir, reconhecer, apreciar e consumir bens culturais tidos
como superiores teriam maiores facilidades para alcançar ou se
manter nas posições mais altas da estrutura social. as hierarquias
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acabam por reforçar a estrutura de dominação social na medida
em que restringe a mobilidade social dos indivíduos.
A legitimação das estruturas de dominação social
atribuído aos sistemas simbólicos tem papel fundamental no
processo de reprodução, que se dá de forma eufemizada e
dissimulada, das hierarquias e diferenças entre as classes e
frações de classe. Para Bourdieu, os indivíduos tenderiam à
naturalização do padrão hierárquico da cultura por reconhecê-la
como superior, não percebendo a relação de dominação de classe.
É um processo de transfiguração das hierarquias sociais em
hierarquias simbólicas que permite a legitimação ou justificação
das diferenças e hierarquias sociais.
Há uma correspondência, segundo Bourdieu, entre
formas culturais e classes sociais que não são percebidas pelos
agentes sociais, que tenderiam a ver como hierarquias culturais, o
que são, de fato, relações de dominações. (Na fala de Black-out
sobre a “ostentação da periferia” está presente tanto a
percepção desta relação de dominação cultural estabelecida
através do sistema simbólico, como a dissimulação do jovem que
reproduz a estrutura por não perceber esta relação de
dominação. Assim o jovem da periferia quer ter, possuir o mesmo
status, e vai buscar no crime esta possibilidade.)
Quando os dominados aplicam àquilo que os
domina esquemas que são produto da dominação
ou, em outros termos, seus pensamentos e suas
percepções estão estruturados em conformidade
com as estruturas mesmas da relação da dominação
que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são
inevitavelmente, atos de reconhecimento, de
submissão. Porém, por mais exata que seja a
correspondência entre as realidades, ou os
processos de mundo natural, e os princípios de
visão e de divisão que lhes são aplicados, há sempre
lugar para uma luta cognitiva a propósito do
sentido das coisas do mundo... A indeterminação
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parcial de certos objetos autoriza, de fato,
interpretações antagônicas, oferecendo aos
dominados uma possibilidade de resistência contra
o efeito de imposição simbólica. (BOURDIEU.
2005:22)
Os atores sociais ao se verem inferiorizados pela
dominação simbólica, sustentada pela estrutura social que a
perpetua, estruturam reações à violência do sistema e seus
agentes, isto é, àqueles que dão sustentação à dominação. Estas
reações são, muitas vezes reproduções das ações do sistema
canalizadas em práticas delituosas contra o próprio sistema e seus
agentes. Práticas que nem sempre são racionalizadas, isto é, elas
não dependem do controle da consciência para serem superadas.
O capital simbólico advindo desta relação de poder,
concentra-se em favor das forças de dominação, que o reproduz,
de modo a perpetuá-lo em seu poder. As relações de exploração e
exclusão por que passam são ratificadas e ampliadas de tal modo,
pelo sistema mítico-ritual, a ponto de torná-lo o princípio de
divisão de todo o universo não sendo mais, para citar
BOURDIEU, (2005:55), que a dessimetria fundamental, a do
sujeito e do objeto, do agente e do instrumento, instaurada na
relação que estes jovens têm com o sistema, a sociedade em
geral, no terreno das trocas simbólicas, das relações de produção
e reprodução do capital simbólico, cujo dispositivo central é o
mercado da violência, que está na base de toda ordem social.
Segundo BOURDIEU (2003:17, 8), a experiência
apreende o mundo social e suas arbitrárias divisões como
naturais, evidentes, e adquire, assim todo reconhecimento de
legitimação. É por não perceber os mecanismos profundos, tais
como os que fundamentam a concordância entre as estruturas
cognitivas e as estruturas sociais, e como tal, a experiência dóxica
do mundo social, que os efeitos simbólicos de legitimação são
imputados a fatores que decorrem da ordem da representação
mais ou menos consciente e intencional “ideologia”, “discurso”,
etc.
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Libertar-se desse julgo de dominação, não é apenas
uma questão de consciência, uma vez que este depende, em
muito, das estruturas objetivas da realidade. Portanto, reproduzir
a estrutura torna-se quase um imperativo a estes jovens
(BOURDIEU, 2003: 52, 3). A consciência não é um dado
meramente descrito pó um ‘viés’ intelectualista e escolástico, que
nos leva a imaginar que a libertação ou transformação se dê por
um “efeito automático” de uma tomada de consciência. É preciso
considerar as estruturas do campo. “As disposições ‘hábitus’ são
inseparáveis das estruturas que as produzem e as reproduzem e,
em particular, de toda a estrutura das atividades técnico-rituais,
que encontra seu fundamento último na estrutura de bens
simbólicos” (id. 55).
O capital simbólico ao (re)produzir os agentes
(re)produz as categorias que organizam o mundo social.
(re)produz o jogo e seus lances, (re)produz as condições de
acesso à reprodução social. “As disposições (hábitus) são
inseparáveis das estruturas que as produzem e as reproduzem,
tanto nos dominadores como nos dominados, e em particular de
toda a estrutura das atividades técnico-rituais, que encontra seu
fundamento último na estrutura do mercado de bens simbólicos.”
(p.55).
Tanto dominados como dominadores contribuem
para reproduzir a estrutura de dominação. Ambos são
“prisioneiros, sem se aperceberem, vítimas da representação
dominante.” (p. 63) “A estrutura impõe suas pressões aos dois
termos da relação de dominação, portanto aos próprios
dominantes, que podem disto se beneficiar, por serem, como diz
Marx ‘dominados por sua dominação’.” (p. 85). A dominação não
é, no entanto, algo que exige no mínimo que se justifique ou se
defenda, ou algo de que é preciso se defender ou se justificar. (P.
106).
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3. Georges Balandier e a naturalização das relações de
poder.
Em seu livro, “Antro-pológicas”, BALANDIER
(1976: 12) estabelecendo uma crítica quanto à forma como as
Ciências Sociais construíram seus objetos de estudos, ou o
conhecimento sobre eles. Afirma que, estas ciências, oscilam
entre; “limitar o empreendimento científico à esfera das técnicas
sociais, à atividade dos ‘engenheiros sociais’ que operam sob
comando a fim de remediar os malogros e os desarranjos da
sociedade.” E, à prática de um ‘esoterismo’, afastando-se da
“ordem das realidades, substituindo-a por uma construção
lógica, um edifício complexo de categorias, princípios, noções e
conceitos ao qual só se pode ter acesso pela iniciação.”
Atender solicitações de poderes e ‘contrapoderes’,
que se acomodam mal aos seus resultados quando não reforçam,
necessariamente, sua posição e suas opções. “essa solicitação,
nas sociedades em que as Ciências Humanas estão estabelecidas,
pode traduzir-se em termos de ‘mercado’ o que, inevitavelmente,
implica em competição, imposição de rótulos de Escolas e
nalguma concessão aos consumidores do saber e, portanto, às
‘modas’.”
Este pesquisador vai afirmar que, voluntária ou
involuntariamente, os cientistas sociais tornam-se produtores de
sentidos, fabricam as visões do mundo atual. Assim acabam por
propor uma “imagem transformada do homem e da sociedade”,
não designando mais o homem no singular, porém, no plural,
para dar conta de sua diversidade. Este tipo de ciência, além de
fixar, alarga as fronteiras entre natureza e cultura. “Torna-se
cada vez mais difícil negligenciar o que concerne à natureza do
homem e ao fato de sua presença na natureza e, portanto,
satisfazer-se com uma Sociologia e Antropologia d’alguma forma
a-naturadas. A atualidade coage a essa revisão.” É então a isto
que se propõe este pesquisador; estabelecer a redução das
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fronteiras entre Natureza e Cultura, que segundo ele está presente
nas Ciências Sociais.
Para Balandier, as sociedades ‘expressam-se’ não
apenas “através de suas produções simbólicas e ideais (sua
cultura) e de suas produções materiais (sua tecno-economia),
mas, também através da maneira pela qual condicionam a
reprodução dos homens.” Esta seria uma primeira ruptura a ser
feita. A segunda seria desfazer a oposição posta entre sociedades
consideradas fora da história e as outras (as nossas). “Não existe
sociedade que não se revele problemática em algum grau. “É por
seus problemas, pela ameaça que torna improvável sua simples
reprodução, que as sociedades mostram sua ‘verdadeira
realidade’.” A Sociologia e a Antropologia têm cedido a um
sócio-centrismo. Assim os conhecimentos produzidos pela
Antropologia podem então tornar a Sociologia mais ‘operatória’
no estudo de nossa própria sociedade. Balandier vai procurar
mostrar isto em dois capítulos da obra citada.
Dois aspectos são considerados fundamentais na obra
de Balandier: a questão da ‘unidade’ da sociedade e a da
‘continuidade’ ou da reprodução das formas sociais e culturais.
Este pesquisador vai considerar em sua obra três rupturas
principais que delimitam as sociedades, designadas como
‘classes’, e que coexistem no seio de toda formação social: as
fronteiras traçadas segundo os sexos, a idade e o sistema
dominante de desigualdade. “Dessa maneira, consideram-se
também, o jogo dos poderes desiguais e o sistema de poder que
se impõe como instrumento da coesão global.”
Há, deste modo uma evocação à necessidade de
estabelecer um maior embricamento entre cultura e natureza, que
é defendido por Balandier. “Não se pode mais encontrar
satisfação numa Sociologia e numa Antropologia de certo modo
a-naturais.” Segundo ele, este embricamento “obriga a que se
leve em conta a natureza do homem e a presença do homem na
natureza. A fronteira erigida entre natureza e cultura está,
atualmente, arruinada.” (Id. p 82).
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O que nos parece a estas considerações propostas por
Balandier, é que ele quer fundamentar uma teoria natural da
dinâmica social. A se guiar pelos argumentos que se sucedem no
transcorrer do texto citado, podemos perceber como este
pesquisador se encaminha na idéia de que os antagonismos
sociais de classes, as estruturas de poder possuem sua base, em
última instância, numa estrutura natural. Balandier parece evocar
uma imagem universal de Homem explicitando uma dualidade
sexual possuída de rivalidades, que se apresenta naturalizadas, e
nesta estrutura parece está fundamentado os antagonismos que
justificam, segundo ele, as relações entre estrutura, poder e
cultura. Aí, a dominação social, encontra seu fundamento, sendo
ele, primeiramente, sexual, geracional mas, também de classe.
Segundo Balandier (Id. p. 21), as narrativas
mitológicas
atribuem
lugar
privilegiado
à
relação
homens/mulheres. Esta, por sua vez, se apresenta em três
momentos: nas narrativas da criação, como relação primordial
(ligação de engendramento); nos modelos simbólicos
sexualizados como explicação da ordem do mundo, a constituição
da pessoa e da civilização; e no reconhecimento do caráter
problemático de toda formação social.
Em todos os relatos míticos apresentados em seu
texto, ressalta-se a bipolarização sexual, sempre conflituosa e
antagônica. Esse dualismo é apresentado como constituindo um
modo de explicação da realidade, um modelo que rege toda forma
de convívio, uma relação sempre marcada por ambivalência:
“ordem” e “desordem”.
O dado geral e básico, segundo Balandier, é que o
sistema simbólico, ao afirmar este antagonismo sexualizado
ratifica as relações sociais como relações de incertezas, uma vez
que a relação homem/mulher é reproduzida na relação
exogâmica, visto que na rede de trocas matrimoniais a mulher é
dada a membro de um grupo rival. Aí encontra-se a origem do
sistema social, nas relações que a sexualidade estabelece como
portadora de tenções e oposições, segundo aquele pesquisador.
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Teorias do “Poder”... ALVES
Ao expor os modelos que exprimem as possíveis ligações dos
sexos, as narrativas míticas, segundo Balandier, revelam também,
as possibilidades que orientam as interpretações e as realizações
da unidade social.
Os modelos são: (1) fusão, representada pela figura
do andrógino; (2) de complementaridade por origem comum,
representado no casal de gêmeos de sexos opostos; e (3) de
aliança das diferenças, representado pelo casal mítico unindo
‘homem e mulher’. O primeiro anula a diferença, o segundo
afiram a unidade inicial, e o terceiro designa a unidade como
criação e ordem vulnerável. Este último é efetivamente o que
rege a sociedade deixando a nostalgia dos modelos anteriores,
menos problemáticos, utópicos ou ideais. Este é o modelo pelo
qual Balandier busca justificar as relações de poder, cultura e
estrutura.
Conclusão.
Como pode ser visto, não é uma tarefa fácil
estabelecer um diálogo entre estes três teóricos, sobretudo pelo
antagonismo evidente em suas análises. Tomando o Balandier
como ponto de partida, poderíamos dizer que sua tentativa de
“romper” com as fronteiras, que segundo ele, foram fixadas pelas
pesquisas sociais, entre cultura e natureza, é uma perspectiva que
nos parece, a primeira vista, fatalista; uma vez que não oferece
alternativas à superação dos antagonismos das relações de poder
presentes na estrutura social.
Parecendo assim, uma visão equivocada na medida
em que sob o invólucro da crítica, procura desconstruir aquelas
posições que busca nas construções simbólicas e na cultura a
chave para o entendimento das sociedades. Afirma Balandier, que
estas realidades não diz tudo de uma sociedade, ao mesmo tempo,
reivindica o “mito”, uma construção simbólica, como fundamento
para a visão “naturalista” que pretende fundar, não deixando claro
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Teorias do “Poder”... ALVES
o seu reconhecimento dos mitos como uma construção simbólica,
possuidora de base histórica e que, até certo ponto pode-se
afirmar, sem correr o risco de “forçar a barra”, com um
fundamento concreto, na medida em que os mitos procuram
explicar um fato social concreto. Não diria que os mitos sejam
ideologias, talvez abstrações com base concreta. Uma construção
simbólica, portanto cultural, não destituído de uma
“historicidade”, esta subjetivada. Os antagonismos sexualizados
presentes nos relatos mitológicos, não seriam, deste modo,
naturais. Mas culturais, portanto histórico e social.
Em sua elaboração teórica, Balandier, ao tratar da
estratificação social, apresenta uma contestação às teorias que
tentam uma concepção unitarista e universalista das classes. A
teoria do conflito, por exemplo, cujo pano de fundo é a revolução
industrial, mas foi apreendida como uma teoria unitária da
estratificação.
Toda interpretação unitária, no estado atual do
saber sociológico, corre o risco de conferir ampla
validade a uma elaboração de aplicação restrita.
Foi o que aconteceu desde o momento em que se
admitiu o uso universal da noção de classe, quando
essa noção procede essencialmente de uma
interrogação da sociedade industrial e de suas
recentes transformações. Nesse terreno, a atitude
relativista – portanto, pluralista – permanece a
única capaz de ser cientificamente fundamentada
(Balandier, Op. Cit. p. 131).
Neste ponto, nossos autores não parecem estar tão
distantes, embora diferenciem-se em alguns pontos. Bourdieu,
por exemplo, ao defender a necessidade e legitimidade de se
introduzir no léxico da sociologia as noções de espaço social e de
campo de poder, vai dizer que isto se justifica pela necessidade de
se romper com a tendência de se pensar o mundo social de
maneira substancialista. “A noção de espaço contém, em si, o
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princípio de uma apreensão relacional do mundo social. ela
afirma, de fato, que toda a ‘realidade’ que designa reside na
exterioridade mútua dos elementos que a compões.”
(BOURDIEU. 1996: 48).
A substancialização das categorias sociológicas,
como as ‘classes sociais’ supõem uma postura teórica onde se
descarta a relativização do saber construído. Para Bourdieu, não é
papel das ciências sociais, por exemplo, criar classes sociais.
O problema da classificação, que toda a
ciência enfrenta, só se coloca de modo tão
dramático para as ciências do mundo social
porque se trata de um problema político que, na
prática, surge na lógica da luta política todas
as vezes que se quer construir grupos reais, por
meio da mobilização, cujo paradigma é a
ambição marxista de construir pó proletariado
como força histórica.” (Id. p. 49).
Segundo Bourdieu, a existência das classes sociais
pode ser negada sem, contudo, se negar o elemento essencial do
discurso que é “a diferenciação social”, que pode gerar
antagonismos individuais e, às vezes, enfrentamentos coletivos
entre os agentes situados em posições diferentes no espaço social.
As Ciências Sociais ao construir “espaços sociais”
devem, em cada caso, “construir e descobrir o princípio de
diferenciação que permite reengendrar teoricamente o espaço
social empiricamente observado.” Bourdieu chama a atenção
para o fato de que o “princípio da diferenciação” não possui
características genéricas ou universais. “Nada permite supor que
esse princípio de diferenciação seja o mesmo em todas as épocas
e em todos os lugares.” Segundo Bourdieu, com exceção das
sociedades menos diferenciadas, todas as sociedades se
apresentam como espaços sociais, isto é, “estrutura de
diferenças”, que não podemos compreender verdadeiramente a
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não ser construindo o princípio gerador que funda essas
diferenças na objetividade. Princípio que é o da “estrutura da
distribuição das formas de poder ou dos tipos de capitais
eficientes no universo sociais considerado – e que variam,
portanto, de acordo com os lugares e os momentos.”
Para Bourdieu, essa estrutura não é imutável e ainda,
a topologia que descreve um estado de posições
sociais permite fundar uma análise dinâmica de
conservação e da transformação da estrutura da
distribuição das propriedades ativas e, assim, do
espaço social global como um campo, isto é, ao
mesmo tempo, como um campo de forças, cuja
necessidade se impõe aos agentes que nele se
encontram envolvidos, e como um campo de lutas,
no interior do qual os agentes se enfrentam, com
meios e fins diferenciados conforme sua posição na
estrutura do campo de forças, construindo assim
para a conservação ou a transformação de sua
estrutura. (Id. p. 50).
A noção de “campo de poder” é criada por Bourdieu
para dar conta de efeitos estruturais, isto é, certas propriedades
práticas, assim como representações, como a dupla ambivalência
em relação ao “povo” e ao “burguês” encontrado, segundo este
autor, entre escritores e artistas com posições diferentes no
campo.
O “campo de poder” é o espaço de relações de forças
entre diferentes tipos de capitais para poderem dominar o campo
correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor
relativo dos diferentes tipos de capitais é posto em questão. O
campo de poder, por sua vez, não pode ser confundido, como
afirma Bourdieu, com campo político.
Segundo ele, a dominação não é o efeito direto e
simples da ação exercida por um conjunto de agentes “a classe
dominante” investida de poderes de coerção, mas o efeito indireto
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de um conjunto complexo de ações que se engendram na rede
cruzada de limitações que cada um dos dominantes, dominados
assim pela estrutura do campo através do qual se exerce a
dominação, sofre de parte de todos os outros.
Sem, contudo rotularmos, Foucault, parece-nos
querer fugir a tradição estruturalista buscando na arqueologia e na
genealogia dos conceitos a desmistificação dos saberes e das
instituições como referências dos saberes, que no dizer de
Deleuze, constitui o muro que todo saber provindo das massas
necessitam romper. Para Foucault (1990: 71), os intelectuais
descobriram que as massas não necessitam deles para saber;
elas sabem perfeitamente, claramente, muito
melhor do que eles; e elas dizem muito bem.
Mas existe um sistema de poder que barra,
proíbe, invalida esse discurso e esse saber.
Poder que não se encontra somente nas
instâncias superiores da censura, mas que
penetra muito profundamente, muito sutilmente
em toda a trama da sociedade.
A cultura assim como o poder, parece
dês(referenciados) e fragmentados. Eles acontecem ou são
gerados nas micro-relações. O poder não é uma instância
localizada nos domínios do Estado. Não está centrado aí. Estas
realidades, o saber e o poder, se afirmam como acordo tácito nas
relações sociais.
Sobre o papel da teoria, Foucault afirma ser ela “um
instrumento de combate”. Uma espécie de discurso, ou contradiscurso, expresso contra o poder, por aqueles que são chamados
delinqüentes, não sendo uma teoria da delinqüência. O discurso
nesta abordagem se constitui um espaço de inversão de valores,
contra toda teoria. É a possibilidade de saída aos oprimidos pela
racionalidade técnica.
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Referências Bibliográficas.
BALANDIER, Georges. (1976) Antropo-lógicas. Tradução de
Oswaldo Elias Xidieh. São Paulo: Cultrix, Editora da
Universidade de São Paulo.
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In. ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo:
Ática. (coleção: Grandes Cientistas Sociais).
________________ . (1996) Razões práticas: sobre a teoria da
ação. 3. ed. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas; São Paulo:
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________________. (1999) A economia das trocas simbólicas.
5. ed. Introdução e organização e seleção de Sérgio Miceli. São
Paulo: Editora Perspectiva. (coleção Estudos).
________________ . (2003) A dominação masculina. 3. ed.
Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand
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FOUCAULT, Michel.(1989) História da loucura. 2. ed.
Tradução de José Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Editora
Perspectiva. (coleção Estudos).
__________________. (1992) As palavras e as coisas. 6.ed.
Tradução de Selma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes.
(coleção Ensino Superior).
________________. (1979) Microfísica do Poder. 9. ed.
Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Edições Graal.
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