Ágabo Borges Sousa** Resumo: talvez não sejam muito

Propaganda
REFLEXÕES SOBRE A FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE IMMANUEL KANT*
Ágabo Borges Sousa**
Resumo: talvez não sejam muito conhecidos os textos de Kant: “Ideias para uma História Universal do Ponto de Vista Cosmopolita” e “Provável Início da História
Humana”, quando ele discute alguns aspectos para uma filosofia da história.
Estes textos, especialmente, o “Provável Início da História Humana” abrem-nos possibilidade de uma discussão em torno dos conceitos de história provável e história criada. Considerando que “um relato do início do desenvolvimento da liberdade desde sua predisposição original na natureza humana é,
portanto, algo inteiramente diferente do que um relato histórico da evolução
dessa liberdade, um relato que só pode ser baseado em informações históricas”
(KANT, 2012, p. 46), podemos dizer com Kant, que não há como fazer uma Historiografia documental do início da história humana. Para ele, isso seria, fundamentalmente, um exercício que se consente à imaginação. Este começo não
precisa ser fabricado, “mas pode ser derivado da experiência se se assume que
essa experiência não era melhor ou pior em sua origem do que é presentemente
(KANT, 2012, p. 46). Podemos, portanto, tomar um fio condutor conectado à
experiência da razão e seguir um roteiro. Kant escolhe utilizar “um documento
sagrado” e desenvolve sua reflexão a partir de Gênesis, um texto bíblico. Gostaria de refletir até onde este caminhar de Kant nos ajudaria a pensar filosoficamente a parte mais antiga da história humana e como textos mitológicos nos
servem de documentos filosóficos e históricos para uma reflexão do ser humano
em sua gênesis.
Palavras-chave: Kant. Filosofia da História. Bíblia. História Provável. Gênesis.
–––––––––––––––––
* Recebido em: 08.08.2016. Aprovado em: 16.08.2016.
** Mestre e Doutor em Teologia. Professor Adjunto de Filosofia Geral na UEFS. E-mail:
[email protected].
395
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
Q
uando pensamos em Filosofia da História, vem-nos à mente Voltaire (2007) e
sua tentativa de estabelecer uma cronologia da história antiga com seus “primeiros fundamentos da história”; Hegel (2008) - sua visão dialética de história; e a dupla Marx e Engels, com o materialismo histórico (HINKEL MANN,
1986); dificilmente, pensamos em Immanuel Kant. Normalmente este nome
está associado ao Iluminismo, ao Idealismo Alemão, à Filosofia do Conhecimento, à Ética e a Estética, mas não à Filosofia da História. Isto se dá porque
três obras do pensador de Koenigsberg se tornaram clássicas, a saber: Crítica
da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e a Crítica da Faculdade de Julgar; apesar da grande importância de textos como: Prolegômenos a Qualquer
Metafísica Futura que Possa vir a Ser Considerada como Ciência e o Fundamento da Metafísica dos Costumes, entre outros escritos. Contudo, uma Filosofia da História não é ressaltada e alguns textos introdutórios sobre Kant,
sequer citam seus escritos sobre o tema (PECORARO, 2008). Apenas a título
de informação temos: 1755, História Universal da Natureza e Teoria do Céu,
ou Ensaio onde se trata do sistema e da origem mecânica de todo o Universo
segundo os princípios de Newton; 1755, História e Descrição do Terremoto
do ano de 1755; 1784, Ideia de Uma História Universal do Ponto de Vista
Cosmopolita; 1785, Recessão da Obra de Herder: “Ideias sobre a Filosofia da
História da Humanidade; 1786, Conjecturas sobre o Começo da História da
Humanidade; 1794, Fim do Mundo. Além desses textos que tratam diretamente
o problema da história, enquanto tentativa de relato histórico, como a história do terremoto, bem como dos que tratam dos princípios da história, temos,
ainda, os textos relativos à religião e antropologia, que foram desprezados por
uma parte significativa dos estudiosos de Kant.
Por um lado é compreensível o interesse nos pontos que serviram de base para o seu pensamento, bem como os textos que o destacaram como grande pensador. Contudo,
nós ficamos com um olhar equivocado de Kant, sem considerar suas preocupações com a compreensão do relato histórico como interpretação do ser humano,
muito mais do que como registro de fatos e acontecimentos do passado.
Obviamente não teremos condições, neste espaço, de pensar todos os aspectos do problema da filosofia da história em Kant, por duas razões: 1. Por uma questão de
tempo e espaço, pois uma abordagem do todo da problemática em Kant nos
tomaria muito tempo; 2. Por não me considerar apto para a apresentação de
uma sistematização completa do pensamento de Kant, quanto à sua filosofia da
história. Por isso nos limitaremos a pensar apenas um dos seus escritos, talvez
o menor de todos, mas não, por isso, o menos importante para uma compreensão da proposta kantiana de filosofia da história. Trabalharemos, portanto, o
Provável Início da História Humana.
396
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
PONTO DE PARTIDA
Kant parte do princípio de que é plenamente “admissível interpor especulações no âmbito
do relato histórico a fim de preencher as lacunas oferecidas pelas informações
(KANT, 2012, p. 45).”7 Nesta primeira frase de seu trabalho, Kant já deixa claro
que o historiador tem a liberdade de “especular”, quando as informações dos
fatos deixarem lacunas, considerando, porém, o princípio da “causa remota” e
o “efeito” que vem depois dela, permitindo considerar com certa segurança a
descoberta das “causas intermediárias”, tornado o relato da transição algo inteligível. Obviamente que a razoabilidade para Kant, deve estar fundamentada no
seu princípio da razão. Assim sendo, teríamos uma história provável, mesmo
que não pudéssemos estabelecer a fundamentação documental da afirmação, o
que ele chamará, mais tarde, de história certificada.
Gostaria de abrir um pequeno parêntese, pois há uma diferença entre a narrativa histórica de fundamentação documental e a narrativa histórica de fundamentação
factual, uma vez que não mais temos acesso à “bruta facta” mas, ao testemunho
desta, por meio de “documentos” que podem ter diversas naturezas. O documento pode testemunhar de um fato, mas não o estabelece. O fato, depois de seu
acontecimento, deixa de existir e não pode ser reestabelecido.
A compreensão de história aqui, para Kant, não é o acontecimento em si, a “bruta facta”, mas o relato da “progressão da história das ações humanas”. Este relato,
ao passo que reflete a progressão, interpreta e gera consciência, por isso, ao
lado da história provável, Kant coloca a história fabricada, como acontece
com os romances ou outros relatos de natureza congênere.
A questão é se podemos pensar em uma história das origens, sem uma história fabricada. Para Kant isto só é possível na medida em que este começo “pode ser derivado da experiência se se assume que essa experiência não era melhor ou pior
em sua origem do que é presentemente” (KANT, 2012, p. 46). Esta suposição,
segundo ele, está em pleno acordo com a analogia da natureza. Falar, portanto,
do início do desenvolvimento é diferente de fazer um relato histórico da evolução de algo, pois este relato só pode ser baseado em informações históricas,
o que não é possível, em se tratando do problema das origens.
Fazer um relato das origens é, para Kant, “um exercício que se consente à imaginação, acompanhado da razão, para recreação e saúde da mente” (KANT, 2012,
p. 46). É plenamente compreensivo este posicionamento, considerando que
não é possível reunir nenhum dado documental ou mesmo testemunhal de
nenhum período das origens; por isso, uma “história das origens” não pode
ser um relato considerado e acreditado como real, porque as razões que levam a um relato das origens são completamente diferentes da mera filosofia
da natureza.
397
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
É proposto, pelo filósofo de Koenigsberg, que há uma necessidade de uma compreensão de vários aspectos da natureza humana que precisam ser buscados na
predisposição original desta natureza. Um exemplo disto é o relato do início
do desenvolvimento da liberdade, desde sua origem, e sua predisposição para
tal na natureza humana. Não se trata de buscar informações sobre a evolução
da liberdade, mas compreender sua predisposição original, que foge da possibilidade de colher o material informativo sobre o momento de seu estabelecimento na natureza humana. Contudo, a razão e a experiência da liberdade
nos garantem que, em algum momento, houve uma origem, estabelecendo-se
como experiência que é, em natureza, nem melhor nem pior do que percebemos no tempo presente.
Por isso, Kant entende que o exercício que busca a origem é uma “aventura por puro
prazer”, que ele propõe fazer a partir de um documento sagrado, usando a
imaginação, mas entendendo que há um fio condutor conectado à experiência
da razão. “O leitor pode abrir este documento (Gênesis 2-6) e verificar passo
a passo se o caminho que a filosofia segue com seus conceitos coincide com o
caminho estabelecido pela história” (KANT, 2012, p. 46).
Para Kant não temos como pensar uma história das origens, especialmente a partir de
um olhar filosófico, sem nos munirmos de uma compreensão que une a imaginação e experiência pelo vínculo da razão. Os relatos bíblicos, sobretudo de
Gênesis 2-6, são instrumentos talhados para este exercício.
DESENVOLVIMENTO E ARGUMENTAÇÃO
A leitura que Kant faz das narrativas de Gênesis 2-6 começa com a observação de que
o texto estabelece “causas naturais precedentes”, como ponto de partida, que
é a existência humana. Ele considera necessário começar com o ser humano
adulto, completamente desenvolvido; por isso, tudo começa com um casal,
a fim de que a espécie se propague; isso também garante a origem comum
de todos os seres humanos. Este casal é colocado em um lugar seguro, em
um jardim, com suas habilidades devidamente aperfeiçoadas, “no uso de suas
competências naturalmente dadas” (KANT, 2012, p. 47). Desta maneira, Kant
entende preencher a lacuna entre o ser humano, em sua completa brutalidade,
e ser humano aperfeiçoado, nos moldes que conhecemos hoje. “O primeiro ser
humano foi, assim, capaz de ficar de pé e andar. Foi capaz de falar (Gênesis
2:20) e se comunicar, ou seja, expressar-se através da utilização de conceitos
coerentes (v. 23) e, consequentemente, de pensar” (KANT, 2012, p. 47-8).
Kant entende a “voz de Deus” como sendo o instinto que orienta o ser humano inexperiente, que é comum a todos os animais. Esta voz interna do instinto permitiu-lhe estabelecer a diferença e encontrar coisas boas ou más para a nutrição.
398
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
“Enquanto o ser humano inexperiente obedecia a este chamado da natureza,
tudo estava bem com ele” (KANT, 2012, p. 49). É a razão que interrompe este
processo de harmonia, na medida em que desperta, por meio da comparação,
o que lhe é apresentado. Desta forma, instala-se um segundo estágio da razão.
“Mas é uma peculiaridade da razão que, ajudada pela imaginação, pode inventar desejos não só sem uma vontade correspondente e natural, mas até mesmo
contrária a ela (KANT, 2012, p. 49). Este poder da razão é capaz gerar uma
série de inclinações desnecessárias, estabelecendo uma nova realidade no próprio ser humano. Enquanto o instinto de nutrição preserva o indivíduo, o instinto sexual preserva a espécie, tornando-se, assim, extremamente importante.
Desta forma, o ser humano vence o tédio da satisfação meramente animal e
passa à dependência das ideias, possibilitando a recusa.
Depois do primeiro experimento da livre escolha, que estabelece uma nova dimensão
dos desejos inventados, envolvendo o instinto de nutrição, ampliando-se para
o do sexo, a razão se mistura com as necessidades imediatas; ela antecipa a
consciência do futuro. Assim, o ser humano estabelece uma nova marca distintiva de sua capacidade de ser, pois consegue vislumbrar e preparar-se para fins
distantes, baseados em seu destino. Essa capacidade de antecipação consciente do futuro se torna, também, uma fonte de angústia e preocupação por causa
da incerteza que ela gera.
Kant percebe nas narrativas das origens no Gênesis um quarto e último estágio do desenvolvimento da razão humana, que é o fato de elevá-lo acima dos animais,
colocando-o como a finalidade da natureza, sem ter concorrente neste sentido.
Os animais passam a ser vistos “como meios à disposição de sua vontade e
como ferramentas para atingir quaisquer fins escolhidos” (KANT, 2012, p. 52).
Este ser humano racional, que reivindica ser um fim, não está mais imerso na natureza,
não é mais um fim para outros, mas para si; ele encontra sua plenitude da razão
como liberto do seio na natureza, perdendo sua condição segura e inofensiva
da infantilidade, para uma liberdade honrosa e perigosa.
Esta história primeva do ser humano nos mostra como ele saiu do estado de brutalidade, sendo uma criatura meramente animal, na compreensão de Kant, para uma
condição de racionalidade, na liberdade que se manifesta na sua atual identidade de ser humano. A isso, Kant chama de “progresso rumo à perfeição”.
Mesmo que, para o indivíduo, esta transição tenha representado perdas, Kant
entende que o progresso é o caminhar do pior para o melhor. Assim, para a
espécie humana, esta transição foi efetivamente um progresso.
Neste ponto Kant destaca o estabelecimento do princípio da moral. Pois, antes do
despertar da razão não havia comando nem proibição; por conseguinte, nenhuma transgressão. Mas a razão tirou o ser humano do estado de inocência,
sendo o lado moral o primeiro a sair deste estado, que foi chamado de queda.
399
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
Suas consequências, contudo, envolvem o lado físico, a completude do ser
humano.
“A história da natureza começa, portanto, com o bem, pois é obra de Deus. A história
da liberdade começa com o mal, pois é obra do ser humano” (KANT, 2012, p.
54). Neste sentido, o ser humano se torna uma espécie moral. Instala-se, para
Kant, nesta história primeva, o conflito inevitável da cultura com a natureza
humana. Este conflito seria responsável pelos vícios e aflições que pesam sobre a vida humana. Há uma mudança de período, no qual o ser humano sai de
uma época de paz e comodidade, onde surgiu, para uma época de trabalho e
discórdia.
Kant entende que se estabelece uma nova lacuna na história do desenvolvimento humano; por isso, ele já é colocado em posse de animais domesticados e de plantas que ele mesmo cultivou. O exercício da atividade pecuária e agrícola nos
indica os diversos estágios pelo qual passou o ser humano para chegar à sua
condição atual. O conflito da sociedade pastoril e agrária vem representado no
conflito fraterno, sendo a separação destas atividades um terceiro estágio em
direção à arte da socialidade e segurança civil, mostrando os modelos de vivência no exercício da liberdade, no qual se estabelece desigualdades, tanto nas
formas de vida, campesinos e citadinos, como, também, nas estruturas sociais.
Kant fecha sua reflexão sobre o “Provável Início da História Humana” destacando três
insatisfações que marcaram a natureza do ser humano.
• “Trata-se da insatisfação com a providência que governa o curso do mundo
como um todo, quando ele considera os males que tanto afligem a raça humana com tanta frequência e - ao que parece - sem esperança de algo melhor”
(KANT, 2012, p. 60-1).
• “A segunda insatisfação dos homens diz respeito à ordem da Natureza com
relação à brevidade da vida” (KANT, 2012, p. 62).
A terceira inquietação seria o desejo vazio, já que o desejado nunca será obtido. Trata-se
da “imagem sombria daquele tempo louvado pelos poetas como a Idade de Ouro.”
Não há mais como retornar à era da simplicidade da inocência, antes da razão.
Esta é a forma que Kant usa na tentativa de escrever, através da filosofia, a parte mais
antiga da história humana.
OLHAR CRÍTICO
Kant já havia percebido em 1786 que a historiografia não respondia aos anseios
do ser humano em se compreender como ser histórico, fazendo uma distinção entre o acontecimento e seu relato. Pois história, para Kant, não
está limitada à narrativa de acontecimentos, mesmo porque haveria muitas lacunas a serem preenchidas pelo historiador. Muito mais que apenas
400
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
apresentar a sucessão de acontecimentos, o historiador deveria explicar o
“porquê” das coisas. Hayden White observa que “a maioria das sequências
históricas podem ser contadas de inúmeras maneiras diferentes, de modo
a fornecer interpretações diferentes daqueles eventos e dotá-los de sentidos diferentes” (WHITE, p. 101). Há uma ideia de que a história seria
um modelo de expressão linguística, no qual o historiador apresenta certo
conjunto de acontecimentos exteriores à sua mente. Kant abre um espaço
de compreensão no qual o acontecimento fora do historiador e sua criação
não são completamente distintos; por esta razão ela se torna algo possível
e desejável. A história, para Kant, deixa de ser um mero relato, o que em si
mesmo é praticamente impossível, para ser interpretação das «coisas que
são», possibilitando entender a experiência humana.
Se o historiador, na elaboração de seu relato histórico, escolhe eventos relacionando-os
e dando destaque a uma causa, em função do efeito de seu interesse, pode a
mesma sucessão de fatos ter uma enorme diversidade de interpretações pelos
destaques dados. Muito mais livre seria uma história que propusesse discutir
as origens, cuja informação principal é a experiência atual. Neste sentido, as
histórias são muito mais que os eventos; elas são, também, o conjunto de relações possíveis, que estes figuram nas demonstrações de seus relatos.
White, citando Lévi-Straus, destaca que o historiador, por mais meritória que seja sua
tentativa de dar vida a um momento histórico, deveria admitir que jamais escapa completamente da natureza do mito (WHITE, p. 107). A pergunta que se
estabelece, a partir desta afirmação, é se há algum demérito em buscar uma explicação efetiva da condição humana em uma “história documental” que reflita
a compreensão do ser humano de si mesmo, que não nos remete para acontecimentos que não estejam ligados ao espaço, no conceito kantiano do mesmo.
Para Kant, o espaço é a condição da manifestação das coisas no nosso espírito, pois
toda experiência exterior pressupõe o espaço. Neste sentido, o espaço para
Kant é a priori, pois a condição da possibilidade dos fenômenos é a sua representação; em outras palavras, sem a representação do espaço não há sequer a
possibilidade dos fenômenos.
Já sua compreensão de tempo, lhe possibilita falar de uma história das origens, pois
todas as intuições são fundamentadas no tempo; sendo assim, ele é uma representação necessária. Os fenômenos podem desaparecer, mas o tempo não. Ele
fundamenta a experiência. Assim, para Kant, o tempo é uma forma pura da intuição sensível; não se trata de um conceito discursivo. A infinitude do tempo
significa que toda sua magnitude, toda sua grandeza, é una, ou seja, única, não
havendo um tempo presente distinto de um tempo passado ou de um tempo
futuro (KANT, 1980).
Com isso Kant subsidia uma possível leitura da história das origens, onde a experiência
401
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
e a razão se aliam para reconstruir o desenvolvimento do ser humano, dando
sentido à sua condição atual, a aquilo que estabelece sua própria natureza.
A sabedoria histórica da humanidade que preservou os textos sagrados, que deram
sentido à compreensão do ser humano ocidental, torna-se importante para que
compreendamos o nosso percurso na caminhada do que nos tornamos e na maneira de percebermos o mundo. Toda cultura estabelece sua forma de perceber
suas origens, na tentativa de explicar porque que as coisas são como são. Neste sentido, uma narrativa mítica tem a liberdade de olhar dentro de si o tempo,
no sentido kantiano, mesmo que o espaço lhe seja ausente, onde o fenômeno
não se manifestou. Não há nenhum demérito nisso, mas um exercício saudável
de olhar a vida dentro de si mesmo, para tentar, pelo crivo da razão, perceber
suas experiências mais profundas, que determinam nossa natureza enquanto
seres humanos, enquanto seres sociais que caminham para um fim da história,
sendo este fim finalidade e fechamento.
A filosofia ocidental não pode prescindir de um olhar para as Escrituras Sagradas, que
chamamos de Bíblia, se quisermos entender a nós mesmos; porque percebemos o mundo como o fazemos, porque nos percebemos desta ou daquela maneira. Toda a filosofia ocidental vem carregada da força conceitual e visão de
mundo das Escrituras Sagradas. Muito mais que textos de história do passado,
são o reflexo de nossas experiências como seres humanos que se atualizam e
nos ajudam a nos vermos como somos neste nosso tempo.
As narrativas de Ge. 2-6 não são história fabricada, tão pouco uma história puramente
factual, mas uma história provável, como advoga Kant; na qual podemos nos
ver no reflexo de seus relatos, percebendo que nossa experiência hoje não é
melhor nem pior que as experiências dos tempos remotos, que estabeleceram
a consciência do ser humano ocidental.
REFLECTIONS ON THE IMMANUEL KANT’S HISTORY PHILOSOPHY
Abstract: Some Texts of Kant are not so well known. For exemple: “Ideas for a Universal History of Viewpoint Cosmopolitan” and “Probable Early Human
History” when he discusses some aspects of a philosophy of history. These
texts, especially the “Probable Early Human History” open the possibility of
a discussion about some concepts like probable history and created history.
Whereas “an account of the early development of freedom since its original
predisposition in human nature is therefore something entirely different than
a historical account of the evolution of this freedom, an account that can only
be based on historical information,” we can say, with Kant, there is no way
to make a documentary historiography of the beginning of human history. For
Kant, this would be fundamentally an exercise that allows the imagination.
402
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
This need not be manufactured beginning, “but can be derived from experience it is assumed that this experiment was not better or worse than its origin
is present.” We can therefore take a lead wire connected to the experience of
reason and follow a script. Kant chooses to use “a sacred document” and
develops its reflection from Genesis, a biblical text. I would like to reflect
how far this hike Kant help us think philosophically the oldest part of human
history and how mythological texts serve as the philosophical and historical
documents to a reflection of the human being in its genesis.
Keywords: Kant. Philosophy of the History. Bible. Probable History. Genesis.
Referências
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. Tradução de Maria Rodrigues e Hans
Harden. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2008.
HINKELMANN, Edeltraut et alii (Org.). Dialektisher um historischer Materialismus: Lehrbuch für das maxistisch-leninistische Grundlagenstudium. Berlin: Dietz Verlag, 1986.
KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores)
KANT, Immanuel. Filosofia da História. Tradução de Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:
Ícone, 2012.
PECORARO, Rossano (Org.) Os Filósofos: Clássicos da Filosofia. (Vol. II) De Kant a Poper.
Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2008.
VOLTAIRE. Filosofia da História. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
WHITE, Hayden. “Tópicos do Discurso: ensaio sobre a Crítica da Cultura”. In. Ensaios de
Cultura, n. 6. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.
403
, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 395-404, jul./dez. 2016.
Download