Ensino de vocabulário na aula de Português Língua Estrangeira Resumo: Este artigo pretende reivindicar o ensino-aprendizagem do vocabulário nas aulas de língua estrangeira, concretamente nas aulas de Português Língua Estrangeira (PLE), o qual, durante décadas, foi relegado para um plano secundário. Para isso, far-se-á um percurso pelos diferentes métodos de ensino, destacando o papel que o vocabulário teve nos mesmos, terminando com a apresentação de algumas ideias (eficazes) para o ensino deste nas aulas de PLE. Palavras-chave: vocabulário, ensino-aprendizagem de vocabulário, Português Língua Estrangeira, métodos de ensino. Abstract: This article intends to claim the importance of vocabulary building in second language acquisition, specifically in the teaching of Portuguese as a foreign language (PSL). For decades, this aspect of language learning was neglected as secondary. For this purpose, the article revises different teaching methodologies and highlights the importance of vocabulary learning in each of them. To conclude, the article proposes some effective ways of vocabulary building in the classroom. Key words: vocabulary, language teaching, vocabulary building, vocabulary teaching, Portuguese as a foreign language, teaching methodologies. 1. Introdução No âmbito do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras (LE), o ensino do léxico foi, durante muito tempo, relegado para um segundo plano. Em palavras de Bartol Hernández (2010: 85): “Hasta hace muy poco el léxico ha sido considerado el hermano pobre de la gramática, que era la que concitaba la máxima atención por parte de los docentes”. Neste sentido, professores e alunos não partilham uma visão comum. Para os primeiros, o problema centra-se na gramática; para os segundos, as palavras são muito importantes. Desta forma, os docentes não são partidários de ensinar palavras, enquanto que os alunos sentem a necessidade de aprendê-las (Bartol Hernández, 2010). Folse (2004) refere que a aprendizagem de uma língua envolve numerosos aspetos, como, por exemplo, a pronúncia, a escrita, a sintaxe e a pragmática, sendo o mais importante o estudo do seu vocabulário. E este foi o aspeto mais negligenciado no ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira (Meara, 1980). No entanto, nas últimas décadas, são vários os autores que reivindicam o papel central do vocabulário no processo de aprendizagem de uma língua. E este é também o objetivo deste artigo. Nas linhas que se seguem caracterizar-se-á o papel do vocabulário ao longo dos diferentes métodos de ensino, seguindo-se a apresentação das características necessárias, segundo Appel (1996), a qualquer método para o ensino de vocabulário. Para finalizar, apresentar-se-ão algumas propostas para o ensino do mesmo na sala de aula. 2. O vocabulário ao longo dos métodos1 de ensino 1 O termo método é usado para nos referirmos às correntes metodológicas (Melero Abadía, 2000). 2.1. Do método gramática-tradução ao método audiolingual O primeiro método a ser aplicado ao ensino de línguas modernas foi o método gramáticatradução. Surge a finais do século XVIII na Prússia e segue o modelo usado para o ensino de línguas clássicas, como o latim e o grego (Zimmerman, 1997). Desenvolve-se durante o século XIX e dominou o ensino de línguas até meados do século XX (Melero Abadía, 2000). Para este método, a língua é um sistema de regras, que devem ser ensinadas de forma dedutiva a partir de textos escritos. O ensino da língua baseia-se na aplicação de regras gramaticais e na tradução da língua materna (L1) à língua estrangeira (LE). Os materiais utilizados na sala de aula reduzem-se ao livro de texto e ao dicionário bilingue. Desta forma, dá-se ênfase à leitura e à escrita. As atividades principais dos alunos são exercícios de compreensão escrita, ditados sobre um tema gramatical, tradução e memorização de regras. O vocabulário é visto como um elemento secundário e a sua aprendizagem consiste na memorização de palavras em quantidade suficiente para poder praticar as estruturas sintáticas. Este apresenta-se em listas de palavras, em ditados populares e frases idiomáticas. Na sua aprendizagem, põe-se especial ênfase na correção da gramática. O professor assume um papel de protagonista, cuja função é proporcionar conhecimentos linguísticos e corrigir os erros. O aluno, por sua vez, desempenha um papel pouco participativo, limitando-se a executar as instruções dadas pelo professor, a memorizar as regras gramaticais e o vocabulário, a ler e a traduzir. Com o movimento da Reforma, surgem novas propostas para o ensino das línguas e, com elas, críticas ao método vigente. Melero Abadía (2000) diz que um dos principais representantes deste movimento, Wilhelm Viëtor, criticaba que se enseñara una lengua viva con la que se comunicaba la gente, con medios y reglas de una lengua muerta. En su opinión, ninguna lengua moderna debería ser enseñada con este método. [...] criticaba también que se desmenuzara una lengua en componentes aislados sin sentido, en tanto argumentaba que una lengua no se compone de palabras aisladas yuxtapuestas, sino de frases (Melero Abadía, 2000: 40). Este movimento, apesar de não dar origem a um método propriamente dito, apresenta várias propostas metodológicas e é a base para o desenvolvimento de novas formas de ensino, das quais o método direto é o principal representante. O método direto rompe com os moldes anteriores, dando ênfase à língua oral e à presença exclusiva da língua estrangeira na sala de aula, isto é, o ensino da língua realizava-se “diretamente” na língua alvo, rejeitando, assim, a constante dependência da língua materna, tão presente no método anterior. O método direto surge em finais do século XIX, alcançando maior difusão na primeira metade do século XX, tendo substituído o método gramatical e dado origem ao método audiolingual. Este método caracteriza-se pelo predomínio da oralidade (contrastando com o tradicional predomínio dos textos escritos), pelo uso da fonética para conseguir uma boa pronúncia, pelo ensino da gramática de forma indutiva e pelo ensino do vocabulário na própria LE por meio de associações e nunca recorrendo à língua materna do aluno. Desta forma, “la enseñanza se realiza por medio de la conversación en la lengua meta. Aprender la lengua extranjera debe “ocurrir”, como en la lengua materna, esencialmente por el oído, el órgano receptivo de la lengua” (Melero Abadía, 2000: 48). O professor, que devia ser nativo, continua a ser o protagonista da sala de aula. Para além de servir de modelo linguístico, que o aluno deve imitar, o docente deve possuir uma boa formação linguística, ter iniciativa e dinamismo. O aluno ouve e repete aquilo que é dito pelo professor. A língua estrangeira aprende-se pelo recurso a exercícios orais, do tipo perguntaresposta, sendo a pergunta, através da qual as palavras são aprendidas, a ferramenta principal deste método. O único manual a que se recorre na sala de aula é o manual do professor onde se encontra a programação didática. Este contém informação sobre as palavras e as construções que se devem ensinar, assim como indicações sobre a forma de as introduzir e praticar (Melero Abadía, 2000). O método direto, apesar de surgir em reação ao método anterior, não contribuiu com fundamentos concretos sobre as estratégias a utilizar na aprendizagem do léxico. Neste, o vocabulário é selecionado segundo o seu uso em situações reais, sendo o vocabulário concreto explicado através de imagens ou demonstrações e o abstrato através de exercícios de associação de ideias. Melero Abadía (2000) refere que o método direto, para além de contribuir com importantes inovações, trouxe à luz os problemas que existiam no ensino e no processo de aprendizagem e abriu caminho em direção à didática das línguas estrangeiras. No entanto, também este foi alvo de críticas: a aprendizagem de uma LE é muito diferente da aquisição da língua materna; as suas propostas resultam de difícil aplicação a grupos numerosos ou em escolas públicas; a sua estrita exigência em não recorrer à língua materna originava complicadas, longas e vagas explicações que dificultavam a compreensão. Por último, não promove uma aprendizagem sistemática e estruturada da língua, antes pelo contrário. Dadas estas críticas e dada a proeminente necessidade de comunicação em línguas estrangeiras durante a segunda guerra mundial, surge, nos Estados Unidos, no período do pósguerra, o método audiolingual, seguindo-se variantes europeias como o método audiovisual na França. Desta forma, entre 1942 e 1943, a pedido do exército norte-americano, desenvolveramse vários programas e métodos para o ensino-aprendizagem de línguas, que muito contribuíram para a nova tendência metodológica. Os chamados “Army Methods” eram cursos intensivos orientados para a compreensão auditiva e expressão oral e tinham como objetivo formar intérpretes militares. Neste método, a prioridade é dada à audição de estruturas sintáticas presentes em diálogos, estando a sua prática relegada à repetição de exercícios orais (drills). O objetivo de aprendizagem é a fixação do sistema da língua mediante hábitos linguísticos, onde as palavras devem ser memorizadas aquando da apresentação das estruturas sintáticas descontextualizadas. Ou seja, o conhecimento do vocabulário é visto como o resultado da construção de bons hábitos linguísticos, não contemplando as necessidades do aluno: “It was assumed that good language habits, and exposure to the language itself, would eventually lead to an increased vocabulary” (Coady, 1995: 4). As principais críticas recebidas são realizadas por alguns dos seguidores do próprio método, os quais comprovavam que os conteúdos aprendidos na aula eram de difícil aplicação em situações concretas de comunicação real. Desde o método tradicional, passando pelo método direto até ao método audiolingual, o papel do vocabulário2 pode ser resumido nos seguintes pontos: O ensino do vocabulário gira em torno dos conteúdos gramaticais: Gramática-tradução - apresentação de grande quantidade de vocabulário literário selecionado em função das regras gramaticais; - construção e memorização de listas de palavras acompanhadas pela sua tradução na L1; - o vocabulário trabalha-se em atividades que giram em torno a questões gramaticais (exemplo: diferenças entre “ser” e “estar”, formação de palavras, etc.) ou em traduções diretas e inversas; Preocupação em relacionar significados com as palavras da língua meta: Método direto Método audiolingual 2 - seleção de vocabulário segundo o uso em situações da vida quotidiana; - não se recorre à tradução; - o vocabulário concreto é explicado através de imagens ou demonstrações; - o vocabulário abstrato é explicado através de exercícios de associação de ideias; - o vocabulário aprende-se por repetição e imitação. . Predomínio das competências orais através de bons hábitos de uso da língua: - seleção de vocabulário segundo a frequência de uso; - a aprendizagem de uma L2 inicia-se com um vocabulário reduzido até que se dominam os padrões estruturais; - o vocabulário é apresentado e praticado através de esquemas estruturais graduados segundo a complexidade gramatical. As palavras Cf. Sánchez (1997), Melero Abadía (2000), Cervero e Pichardo (2000) e Morante Vallejo (2005). contextualizam-se em frases, as quais são acompanhadas de apoios auditivos ou visuais, prática de exercícios de carácter mecânico com controlo total da resposta (drills); - considera-se que uma demasiada preocupação com o vocabulário provoca a sensação de que aprender uma língua consiste na simples acumulação de palavras. 2.2. A abordagem3 comunicativa e a abordagem natural4 Como se pode comprovar, em nenhum dos métodos anteriores se pode falar de um papel de destaque dado ao vocabulário. Em palavras de Cervero e Pichardo (2000: 21), “[...] hasta la llegada del enfoque comunicativo no se puede hablar en sentido estricto de actividades específicas de vocabulario, sino más bien de la utilización del mismo para la realización de ejercicios de traducción directa o inversa, en unos casos, o para la adquisición de las reglas del sistema de la lengua, en otros”. Também em palavras de Summers (1988: 111), “There have been changing trends – from grammar-translation to direct method to the communicative approach – but none of these has emphasized the importance of the learner`s lexical competence over structural/grammatical competence”. Com a chegada da abordagem comunicativa, o ensino da língua passa a dar maior importância às funções comunicativas do que às estruturas, sendo que a aprendizagem das palavras ou unidades lexicais ocorre de forma inconsciente através da prática de atividades. No entanto, é com a abordagem natural de Krashen e Terrell (1983), a qual defende que a exposição a um input compreensível origina aprendizagem (i+1), que o vocabulário conquista um lugar privilegiado no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Desta forma, “cuanto más vocabulario, habrá mejor comprensión, y con mejor comprensión, habrá más adquisición” (Krashen e Terrell, 1983: 55 cit. por Gómez Molina, 2004: 501). Na abordagem comunicativa, conhecer a língua significa dominar o vocabulário e a gramática. No que se refere ao vocabulário, a sua seleção realiza-se em função da frequência, da rentabilidade, utilidade, necessidade, interesse e adequação. Este é organizado por áreas temáticas e campos nocio-funcionais relativos a âmbitos do quotidiano e a sua apresentação faz-se através de amostras de língua devidamente contextualizadas e de suportes visuais e auditivos. Desta forma, o ensino do vocabulário desenvolve-se de maneira natural em contexto real de comunicação. Esta abordagem defende o desenvolvimento de estratégias para interpretar e usar a língua à semelhança dos nativos, sendo a fluidez mais importante do que a precisão. 3 O termo abordagem tem como base uma reflexão teórica sobre a língua e/ou sobre a aprendizagem, e, em comparação com o termo método, permite mais liberdade para a interpretação e variação individual (Melero Abadía, 2000). 4 Cf. Zimmerman (1997) e Morante Vallejo (2005). A abordagem natural (The Natural Approach), de Krashen e Terrell (1983), defende que o vocabulário assume uma grande importância no processo de aquisição de uma língua, podendose potenciar o desenvolvimento lexical através da instrução. Defende ainda que quanto maior for a consciência das semelhanças e diferenças entre L1 e L2, mais fácil será encontrar estratégias de aprendizagem e produção, sendo o ensino das mesmas de grande importância. 2.3. Características das recentes abordagens Vários autores que se dedicam a este campo de investigação são testemunha das progressivas mudanças ocorridas em relação ao léxico. Appel (1996), no seu artigo “The lexicon in second language acquisition”, dedica o último ponto ao desenvolvimento lexical na sala de aula. Neste sentido, refere que a partir dos anos 70 duas questões passaram a ser centrais no ensino do vocabulário: 1ª O que significa aprender uma palavra na língua estrangeira? Já não se trata apenas de aprender o equivalente de tradução na L1, também é necessário aprender associações, relações entre outras palavras, diferentes significados, etc. 2ª Através de que tipo de abordagem didática todos os aspetos lexicais podem ser aprendidos? Appel (1996: 397-399) refere que a maioria das recentes abordagens apresenta, pelo menos, as cinco características que se seguem, as quais são a base para uma forma mais eficaz de ensinar vocabulário: 1ª A competência recetiva deve anteceder a competência produtiva Normalmente, associa-se que no estádio inicial de aprendizagem de uma L2 existe um período de silêncio durante o qual a competência recetiva é construída. Depois deste período emerge a competência produtiva. No entanto, isto acontece com a aquisição de qualquer elemento da L2, mesmo nos estádios mais avançados, o que implica que o processo de aprendizagem seja cíclico. Depois de cada “período silencioso” surge o “período produtivo”, no qual o aluno está apto para usar a L2. Por exemplo, no estádio 1, o significado de rosto é aprendido, no estádio seguinte, o aprendente é capaz de produzir adequadamente a palavra rosto e aprende a palavra queixo recetivamente. No estádio 3, queixo é usado (competência produtiva) e outra palavra é adquirida recetivamente e assim sucessivamente. 2ª A aprendizagem de palavras requer um esforço consciente e cognitivo por parte do aluno. Nos primeiros métodos de ensino, a aprendizagem de vocabulário centrava-se essencialmente na memorização de palavras, ou seja, os alunos deviam aprender equivalências de pares de palavras na L1 e na L2. Atualmente, o propósito do ensino da L2 deve centrar-se no desenvolvimento de um conjunto de ações, as quais podem ser de dois tipos: a) ações para relacionar uma palavra a outras e aos significados das palavras, de forma a fortalecer as redes semânticas; b) ações para inferir o significado de uma palavra através do contexto5; estas devem ajudar na memorização da palavra, no conhecimento da categoria a que pertencem, as suas possíveis colocações, etc. 3ª As novas palavras devem ser apresentadas em contextos relevantes e significativos. Este princípio pode ser relacionado, em traços gerais, com a hipótese do input de Krashen. Quando este princípio é aplicado, é possível que os alunos deduzam o significado das palavras pelo seu contexto. Quando as palavras são apresentadas em contextos significativos em relação com outras palavras, também as relações entre essas palavras são (implicitamente) aprendidas. 4ª É necessário repetir as novas palavras antes que estas sejam adquiridas. Isto significa que as palavras não podem aparecer apenas uma ou duas vezes durante um curso de L2 ou ao longo de um manual didático de uma L2. Na realidade, o princípio da repetição é recorrente nos métodos de ensino; a novidade entre os métodos tradicionais e as novas abordagens reside na repetição das palavras tanto a nível da competência lexical recetiva como produtiva, sendo importante que cada vez que a palavra se repita se usem diferentes estratégias didáticas. Por exemplo, a primeira vez que a palavra queixo aparece num texto, os alunos devem deduzir o seu significado pelo contexto (conhecimento recetivo). A segunda vez pode aparecer numa lista de palavras relacionadas com alimentos na qual uma das palavras é incorreta (neste caso queixo), devendo o aluno sublinhar a palavra intrusa (conhecimento recetivo). A terceira atividade pode, por exemplo, consistir na substituição de palavras sobre as partes da cabeça (conhecimento produtivo). 5ª Devem ensinar-se não só palavras, mas também expressões idiomáticas, combinações sintagmáticas, expressões lexicalizadas. O conhecimento destas sequências de palavras é de grande importância para o domínio lexical dos alunos, uma vez que, regra geral, a sua frequência na língua oral é elevada. Estas cinco características representam um antes e um depois nos métodos didáticos, especificamente no que se refere ao ensino do vocabulário. Apesar desta mudança, e pela sucessão dos vários métodos, verifica-se que o método ideal não existe. Em palavras de Mohd Hayas (2006: 361), “Aprender léxico es una actividad que no acaba nunca. Los métodos proporcionados muchas veces no son idóneos para nuestros estudiantes. Es decir, no existe ningún método que sirva para todas las situaciones de enseñanza/aprendizaje de L2 o LE”. 5 Sobre inferência lexical como estratégia cognitiva, consultar o trabalho de Suau Jiménez (2000). Desta forma, a sucessão dos mesmos deve ser vista como um processo renovador e de ampliação e não de substituição total. Assim, o docente pode combinar atividades de diferentes métodos, sempre e quando estas sejam adequadas às necessidades e interesses dos alunos. Também é interessante observar que a mudança registada em relação ao papel do léxico no ensino de línguas estrangeiras foi acompanhada por uma mudança de protagonismo em relação aos intervenientes (professor e aluno) neste processo. Isto é, se no método gramática-tradução o professor desempenhava o papel de protagonista, cuja função era proporcionar conhecimentos linguísticos e corrigir insistentemente os erros produzidos pelos alunos, com a abordagem comunicativa, o aluno passa a ser o centro do ensino-aprendizagem. Desta forma, os cursos, os programas, os manuais constroem-se em função das suas necessidades, objetivos e interesses. O vocabulário, cuja aprendizagem é entendida como essencial, deve fazer parte da programação didática de uma LE. 3. Ideias (eficazes) para o ensino de vocabulário Com o objetivo de reivindicar a presença do ensino do vocabulário nas aulas de LE, concretamente nas aulas de Português Língua Estrangeira, apresentamos uma seleção de algumas ideias para o ensino do mesmo. Esta seleção baseia-se no artigo de Laufer, Meara e Nation6 e em vários estudos da área. Ensinar vocabulário em contexto O ensino-aprendizagem de vocabulário através do contexto é uma das técnicas mais citadas em trabalhos desta área de investigação (Suau Jiménez, 2000; Nation e Mera, 2002; Nation, 2003). Esta técnica promove a inferência lexical através de textos escritos e/ou orais. Uma boa forma de usar esta técnica é através da leitura e audição (competências recetivas). Clarke e Nation (1980) comprovam que, aplicando a técnica de aprendizagem das palavras em contexto através de quatro passos específicos, os alunos são capazes de aprender novas palavras (inferência de significado) através da leitura dos textos. Esses passos consistem no seguinte procedimento: primeiro o aluno deve observar a própria palavra, normalmente no contexto de uma frase. O segundo passo consiste em dar atenção ao contexto gramatical, normalmente numa frase. O terceiro passo consiste em analisar o contexto mais amplo da palavra, normalmente após observar várias frases; o quarto e último passo consiste em adivinhar a palavra e verificar se esse significado é correto. 6 Neste artigo, cada autor propõe dez ideias para o ensino de vocabulário. Da totalidade das propostas, selecionámos aquelas que, na nossa opinião, mais se adaptam ao contexto de PLE. Cf. Laufer, Batia, Paul Meara e Paul Nation, “Ten best ideas for teaching vocabulary”, in The Language Teacher. 29. 7 (2005): 3-10. <http://www.victoria.ac.nz/lals/about/staff/publications/paul-nation/2005Ten-best-ideas.pdf.> [08. 01. 2014] Nation (2003) propõe que o professor leia textos ou histórias em voz alta com o objetivo de apresentar o vocabulário de determinada área temática. O autor refere que a aprendizagem de vocabulário a partir de input recebido pode ser reforçada se se prestar atenção às palavras desconhecidas, se se examinarem as novas unidades, ou se o professor promover uma explicação rápida sobre as novas palavras, enquanto os alunos ouvem a história. Meara7 incentiva o ensino de vocabulário em contexto através, por exemplo, da leitura dos títulos dos jornais. Isto é, se num título aparecer alguma palavra desconhecida, a leitura da notícia dar-nos-á pistas sobre o significado e uso da mesma palavra. A nosso ver, a aplicação desta técnica através de input escrito tem um duplo benefício, pois o aprendente, para além de inferir o significado das palavras, acede à sua forma gráfica. No entanto, será sempre importante adequar o material usado (tanto oral como escrito) ao nível dos conhecimentos dos alunos. Ensinar vocabulário através de um programa lexical Para Laufer8, é fundamental que o professor crie o seu próprio programa lexical, com base nos seus materiais de ensino, nas listas de frequência e nas próprias necessidades dos alunos. A autora recomenda que se verifique cada palavra no programa lexical sempre que os alunos se exponham a ela. O ideal seria proporcionar entre seis e dez exposições9 até que a palavra seja adquirida. Nestas exposições devem incluir-se não só a apresentação de palavras ou unidades lexicais, mas também a de combinações sintagmáticas10 e a de expressões idiomáticas. Estas, na opinião da autora, constituem uma dificuldade inclusive entre os alunos de níveis avançados, pelo facto de, na sua maioria, diferirem da L1. Cervero e Pichardo (2000) referem que, dada a sua frequência e importância, tanto umas como outras devem ser introduzidas na aquisição de vocabulário. Por um lado, as expressões idiomáticas devem ser tratadas como unidades individuais de significado; por outro, a apresentação das possibilidades combinatórias das palavras é fundamental na aprendizagem e ensino do vocabulário. Ensinar vocabulário prestando atenção às “synforms” Laufer11 chama a atenção para o ensino-aprendizagem das chamadas formas lexicais semelhantes (synforms), mas com significados diferentes. Trata-se de pares de palavras, ou grupos de palavras, que apresentam grandes semelhanças a nível fonético, gráfico ou morfológico. Pelas 7 Laufer, Batia, op. cit., p. 4. Laufer, Batia, op. cit., p. 3. 9 Sobre número de exposições, consultar Nation (1982, 2001), Gómez Molina (1997) e MacCarten (2007). 10 “Cuando dos términos aparecen frecuentemente juntos y uno de ellos determina semánticamente al otro, se dice que forman una combinación sintagmática. (...) A diferencia de las frases hechas, su significado es la suma del significado de sus componentes. Algunas de ellas son abiertas, es decir, uno de los componentes admite varias determinaciones (“vino blanco, dulce, espumoso”, etc.), mientras que otras están limitadas en sus posibilidades combinatorias (el sol “sale”, la lluvia “cae”) (Cervero e Pichardo, 2000: 45). 11 Laufer, Batia, op. cit., p. 4. 8 suas características e pela dificuldade que representam para os alunos, que facilmente as confundem, a autora recomenda que não se apresentem ao mesmo tempo; antes devem ser trabalhadas individualmente até que o aluno as conheça e identifique o seu significado. Alguns exemplos para o português são: férias/ feira/ feriado; lençol/ lenço; manhã/ amanhã. Ensinar vocabulário através do contraste entre L1 e a LE Partindo da evidência de que a aprendizagem de uma LE começa com a projeção do léxico da L1 na L2, assumimos que o fenómeno da transferência está presente neste processo e é uma das causas principais dos erros lexicais. Ao ensinar vocabulário através de uma perspetiva contrastiva, pretende-se pôr em evidência as semelhanças e diferenças presentes entre a L1 e a LE com o objetivo de reduzir os erros de interferência a nível da forma e significado. No caso de línguas próximas, como por exemplo, o ensino do português a falantes de espanhol, o fenómeno da transferência vê-se reforçado. Torna-se necessário selecionar e apresentar os conteúdos lexicais segundo uma perspetiva contrastiva, determinando as diferenças e semelhanças do ponto de vista formal e semântico. Ensinar vocabulário através do uso de materiais autênticos Atualmente, os materiais autênticos assumem um papel primordial no ensino de línguas estrangeiras, pois o seu uso permite que o aluno conheça e esteja em contacto com o uso real da língua meta. Meara12 recomenda a visualização de filmes em versão original. O autor sugere que o filme seja visto várias vezes (três ou quatro) acompanhado das respetivas legendas, seguido de uma última visualização, sem legendas. Nesta última passagem, o aluno será capaz de entender praticamente a totalidade do mesmo. O mesmo autor também recomenda a audição de canções para a aprendizagem de vocabulário. Está comprovado que o que se aprende com a interação de outros sentidos é mais facilmente retido na memória de longo prazo. Ensinar vocabulário através do recurso à tradução, glossários e dicionários Como refere Folse (2004), defender o uso da tradução não significa voltar ao método tradicional. O recurso à tradução na aula de LE põe em evidência o uso de uma estratégia que, espontaneamente, é usada pelos alunos. Laufer13 defende o uso desta estratégia de forma sensata e adequada, referindo ainda que as investigações comprovam que as traduções dadas pelo professor ou encontradas num bom dicionário bilíngue são benéficas para a compreensão leitora e a aprendizagem de palavras. Neste sentido, também Cervero e Pichardo (2000) referem que os glossários são válidos como ferramentas de trabalho na aprendizagem de vocabulário sempre que ofereçam ao aprendente informação complementar: gramatical, semântica, pragmática, etc. 12 13 Laufer, Batia, op. cit., p. 5. Laufer, Batia, op. cit., p. 4. Quanto ao uso do dicionário, consideramos que é um dos recursos mais rentáveis para a aprendizagem de vocabulário, mas pouco usada entre os alunos. Para o trabalho com o dicionário, recomendamos a consulta de Nation (2001: 281-282), o qual propõe atividades de compreensão, produção e aprendizagem para o uso do mesmo14. Para as atividades de compreensão, sugere que os alunos procurem palavras desconhecidas, as quais são registadas enquanto ouvem, leem ou traduzem alguma informação e que depois confirmem os significados dessas palavras através da consulta de dicionários. Estas estratégias podem funcionar como atividades complementares à leitura de textos e livros na LE. Tanto Nation como Meara15 incentivam a criação de um programa intensivo de prática da leitura. Ensinar vocabulário através da revisão Pelas investigações realizadas no campo da psicolinguística, sabe-se que de toda a informação que o ser humano retém, 80% da mesma perde-se num breve período de tempo - 24 horas – e, consequentemente, quanto mais tempo passe sem que essa informação seja utilizada, maior será a perda da mesma (Gairns e Redman 1992, Cervero e Pichardo Castro, 2000, Nation, 2001). Neste sentido, é necessário rever e reciclar o vocabulário aprendido na sala de aula. McCarten (2007: 21) afirma que: “Learning vocabulary is largely about remembering, and students generally need to see, say, and write newly learned words many times before they can be said to have learned them”. Vários autores defendem que a revisão do vocabulário deve ser espaçada no tempo. As investigações comprovam que os alunos devem praticar as palavras em pequenas quantidades distribuídas ao longo de um período de tempo em vez de o fazerem de uma só vez numa única aula (Coady, 1995). Nation (2001) também defende a aprendizagem espaçada de vocabulário ao longo de um período de tempo, de forma a que o aluno esteja em contacto com essas unidades ao longo de vários dias, facilitando os mecanismos de retenção da informação na memória de longo prazo: “This spaced repetition results in learning that will be remembered for a long period of time. The repetitions should be spaced at increasingly larger intervals” (Nation, 2001: 76). Quanto ao tipo de exercícios a utilizar, há uma infinidade de possibilidades, desde a aplicação de mapas mentais, sopa de letras, palavras cruzadas, o uso de cartões com a palavra na L1 e a sua tradução, ou pedindo aos alunos que escrevam todas as palavras de que se lembram sobre um tema estudado durante um determinado período de tempo (1 minuto). 14 15 Ensinar vocabulário através da realização de exercícios de produção Para o uso do dicionário e ensino de vocabulário, consultar Alvar Ezquerra (2003). Laufer, Batia, op. cit., pp. 4 e 6. As competências de produção, quer sejam escritas ou orais, constituem a comprovação de que o input recebido foi compreendido e assimilado. Meara16 defende que a escrita é uma boa maneira de consolidar o conhecimento sobre as palavras. Permite comprovar as hipóteses sobre como se escreve ou soletra uma palavra e reforça as conexões entre as palavras que se usam no mesmo contexto. O autor ainda refere que este tipo de atividades não pressupõe um estado de ansiedade e pressão de tempo, pois permite aceder e ensaiar vocabulário que mais tarde se poderá usar no discurso oral. Neste sentido, Nation17 recomenda que os professores desenhem cuidadosamente atividades de escrita e expressão oral, pois são excelentes oportunidades para aprender vocabulário. Outra característica que se associa a estas competências de produção relaciona-se com a fluidez da execução de cada atividade. Nation e Meara (2002) e Nation (2003) propõem a técnica dos quatro minutos (4/3/2) para o desenvolvimento da fluidez da expressão oral dos alunos. A técnica consiste na realização de repetidas leituras de um texto de forma a conseguir a maior fluidez possível; o aluno deverá ler a mesma passagem do texto durante 4, 3 e 2 minutos. É necessário muito treino para conseguir o seu melhor tempo de leitura. Segundo os autores, a fluidez consiste em fazer o melhor uso daquilo que já é conhecido. Desta forma, para a realização desta técnica é necessário que o material lexical a utilizar seja familiar ao aluno e que as palavras sejam por ele conhecidas. Ensinar vocabulário através do ensino de estratégias de aprendizagem Limitar a aquisição de vocabulário às horas de aulas é limitar o desenvolvimento da competência lexical dos alunos. Desta forma, é necessário o ensino de estratégias com o objetivo de favorecer a autonomia e compromisso do aluno neste processo: “When class time is limited, encourage learners to keep individual vocabulary notebooks or computer files as a strategy for increasing vocabulary size” (Laufer et al., 2005: 3). Capacitar os alunos com estratégias18 de aprendizagem permite promover a autonomia dos mesmos na aprendizagem do vocabulário. Conclui-se que o ensino de vocabulário nas aulas de LE deve fazer parte de um programa lexical estruturado, variado e significativo. O ensino do mesmo deve responder aos interesses e necessidades dos alunos. 4. Bibliografia 16 Laufer, Batia, op. cit., p. 4. Laufer, Batia, op. cit., p. 6. 18 Para exemplos de estratégias de aprendizagem, consultar Fernández López (2004) e Cervero e Pichardo (2000). 17 Alvar Ezquerra, Manuel. La enseñanza del léxico y el uso del diccionario, Madrid: Cuadernos de Didáctica del Español/LE, Arco/Libros, 2003. Appel, René. “The lexicon in second language acquisition” Investigating Second Language Acquisition. Peter Jorden e Joseni Lalleman (ed.). New York: Mouton de Gruyter, 1996. 381- 403. Bartol Hernández, José A. “Disponibilidad léxica y selección del vocabulario.” De moneda nunca usada. Estudios filológicos dedicados a José M. Enguita Utrilla. R.Castañer Martín e V. Lagüéns Gracia (Eds.), Zaragoza: Institución “Fernando el Católico”, 2010. 85-107. Cervero, M. Jesús e Pichardo Castro, Francisca. Aprender y enseñar vocabulario, Programación de Autoformación y Perfeccionamiento del Profesorado, Madrid: Edelsa, 2000. 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