8 O SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO ESTADO NUMA VISÃO SOCIALISTA RAFAEL DOMITILO DA COSTA NETO Bacharel em Direito pela Universidade de Salvador – UNIFACS 1. Do Surgimento e Evolução do Estado 1.1 Intróito 1.2 Acepções da palavra Estado 1.3 Surgimento do Estado 1.4 Evolução do Estado 1.5 O Estado numa visão Socialista. 1.1 Intróito O homem primitivo vivia isolado e lutava para superar as dificuldades impostas pela natureza. Não havia nenhum tipo de vínculo afetivo ou econômico que determinasse a sua agregação. Em um momento posterior, pode ser percebido que esses Hominídeos primitivos começaram a viver em grupos e com isso passaram a dominar com mais sucesso as dificuldades e obstáculos impostos pela natureza e aí surge a formação, o cerne da busca do homem pela convivência em grupos, pois, dessa forma, são mais fortes e mais aptos a superar as adversidades do ambiente. Seguindo a evolução, verifica-se a formação das várias formas de sociedades, das mais simples para as mais complexas, todas refletindo um dado momento histórico e atendendo as suas necessidades. A vida em sociedade necessita de regras, ou melhor, normas para que a convivência seja regulada e não vire um caos. Nessa evolução contínua da sociedade humana, observa-se que, em vários momentos da história, foram criados mecanismos por uma força dominante como forma para justificar a coesão social e o bem comum. O surgimento do Estado, uma criação humana, foi parte desse mecanismo de manter a coesão social e facilitar a vida dos seus membros. É nesse contexto que o Estado, como é conhecido hoje, justifica seu poder em conseqüência de um dever de manter a coesão social e o conseqüente bem comum. Para isso é justificada até a força física e a supressão de direitos, mas tudo dentro da legalidade. 9 1.2 Acepções da palavra Estado A palavra estado pode apresentar vários sentidos, mas para facilitar a compreensão do objetivo do presente trabalho, será limitada ao estudo da palavra Estado com a inicial maiúscula, referindo-se a organização do poder sobre um povo e em determinado território. O Estado, uma criação humana, pode ser estudado levando-se em consideração três acepções básicas: filosófica, jurídica e sociológica. Para atender a finalidade desse trabalho, haverá conceituação das três visões do Estado, dentro dessas concepções, de forma objetiva, dando mais ênfase as concepções jurídica e sociológica, pois vão servir de fundamentos no discorrer da monografia. Na acepção filosófica, o Estado, na visão de Hegel, é a “realidade da idéia moral’, a “ substância ética consciente de si mesma”, a “manifestação visível da divindade”1, ou seja, algo que é absoluto e que tem como função harmonizar a contradição família e sociedade. O Estado, analisado na acepção jurídica com uma visão que leva em conta apenas e estritamente o aspecto jurídico, é o resultado da reunião de indivíduos vivendo num determinado espaço geográfico, submetidos a um conjunto de normas do Direito. Nessa acepção, o Estado é uma organização social fundamentada no Direito. Na acepção sociológica, o Estado não passa de uma instituição social em que um grupo de indivíduos mais fortes e que passam a dominar, impõem ao grupo mais fraco, dominados, de forma organizada e legitimada, seu domínio, reprimindo com a força os conflitos decorrentes dessa dominação. O Estado para Marx e Engels é o resultado de um “fenômeno histórico passageiro, resultante da luta de classes na Sociedade, que passou da propriedade coletiva para a apropriação individual dos meios de produção”.2 Nessa visão, percebe-se que o Estado é uma organização que reflete o interesse de uma classe social dominante em um determinado período da história. Segundo Engels, o Estado não é nada mais que a terrível máquina de coerção destinada a exploração econômica e, consequentemente política, de uma classe sobre outra. 1 2 Hegel apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 5 ed. Forense. Marx e Engels, apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 5 ed. Forense. 10 “O poder político jamais foi, nem será, uma entidade de direito, e sim, de fato.”3 “Todo o poder do Estado está fundamentado na força”4, a violência não é o único meio que o Estado encontrou para fazer valer sua vontade, mas é o mais exclusivo e de forma legitimada. 1.3 Surgimento do Estado A história da humanidade não se inicia com a escrita, mas com o surgimento da agricultura, que propiciou a passagem de uma vida nômade para a ocupação de uma área em caráter permanente. O cerne do surgimento do Estado remonta a antigüidade, não o Estado como é conhecido atualmente, mas o Estado como resultado da reunião de indivíduos com a finalidade de se organizar para melhor superar as dificuldades de sobrevivência frente às adversidades da natureza. Essa reunião, que ocorreu de forma natural, logo foi crescendo, tornando-se mais complexa, sendo, então, necessário para manutenção da ordem e a coesão do grupo, o surgimento de uma figura central, dotada de qualidades que garantissem a sobrevivência do grupo e inspirassem segurança; assim surge o chefe, ou outra figura que representasse um indivíduo pertencente ao grupo que por suas características superiores como força, habilidades com armas e coragem, passou a ser o responsável pela manutenção dessa comunidade, utilizando-se da força para exercer o poder sobre os demais componentes. 1.4 Evolução do Estado O Estado, hordienamente, é a organização formada pela união de três elementos básicos: o povo, o território e o poder. Essa organização, que nos seus primórdios, teve início com apenas um dos elementos do conceito atual de Estado, o povo, formado pelos indivíduos que viviam no grupo, foi tornando-se mais complexa a partir do momento em que esses indivíduos começaram a cultivar e dominar algumas técnicas agrícolas de produção, propiciando, assim, um aumento da produtividade e a conservação do solo. Essa evolução das técnicas de ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico Brasileiro Acquaviva / Marcus Cláudio Acquaviva – ed. Ver. Atual. E ampl. – São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira, 1998. 3 9ª 11 produção foi um marco no processo de transição da vida nômade para a fixação do homem em um determinado espaço geográfico, possibilitando o surgimento do território, o segundo elemento do conceito atual de Estado. A fixação do homem em uma determinada região, teve papel fundamental na criação de condições para o surgimento das primeiras leis. Essas leis não eram escritas e tinham como fundamento o respeito às normas de caracter basicamente moral, criadas e passadas de geração para geração através dos mais velhos da comunidade. É nesse contexto que pode ser dito que o Estado surge de forma natural, como conseqüência da reunião de indivíduos que viviam de forma errante e vivendo do que era adquirido da natureza, num modo de produção primitivo, que não conhecia a propriedade privada, pois tudo que era adquirido pertencia a todos. Num segundo momento, com a evolução do domínio das técnicas agrícolas e um maior controle da produção, foram surgindo as condições favoráveis que possibilitaram a ocupação de um determinado espaço geográfico e, sendo assim, o homem passou da condição de nômade para se tornar sedentário, criando meios para o surgimento do processo de divisão e apropriação das terras, quando o cultivo foi sendo descentralizado, com isso propiciando a formação de um excedente que no início foi sendo trocado com indivíduos do mesmo grupo e mais tarde com indivíduos de outras áreas Era o período do escambo. Com o surgimento da moeda, o excedente passou a ser vendido. Quando o homem começou a perceber que poderia trocar e vender o que produziu a mais, passou a implementar as técnicas de produção, de forma cada vez mais eficientes, para possibilitar a geração do excedente para ser trocado. A partir daí verifica-se o início do processo de apropriação dos meios de produção. Essa organização em sociedade, que era rudimentar em seus primórdios, mas essencial a sobrevivência do grupo, logo passou a conhecer os problemas surgidos dessa agregação e aqueles que eram os mais fortes, que exerciam a liderança do grupo, criaram mecanismos para controlar e reprimir os problemas que colocassem em risco a existência da comunidade. Foi assim que surgiram as primeiras leis de forma mais elaborada, pois regras sempre existiram, independente do grau de evolução de uma sociedade, como forma de manter o 4 Max Weber, apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 5 ed. Forense. 12 estatus quo da organização. Essas leis foram criadas lentamente e com base nos conhecimentos e experiências dos mais velhos do grupo. Mas, logo se percebeu que as mudanças e as situações novas passaram a aparecer numa velocidade cada vez maior, não sendo administrada pelas formas convencionais, surgindo assim a necessidade de se criar um conselho para deliberar sobre a vida da comunidade. É nesse contexto, que aqueles que exerciam a liderança do grupo passaram a criar leis que os beneficiariam e manteriam o estatus quo vigente com a legitimação do uso da força como forma justificada de manter a coesão social em nome do bem comum do grupo. Nesse momento, pode ser percebido que já se tem o Estado como é conhecido hoje, uma organização baseada na união de três elementos básicos: os indivíduos, que formam o povo, o espaço geográfico delimitado, que representa o território, e o poder exercido por uma minoria sobre uma maioria de forma legitimado, que é o poder organizado. Nessa perspectiva é que o Estado surge como conseqüência do poder exercido por um determinado grupo de pessoas ou, como pregam os marxistas, uma determinada classe social que detém os meios de produção e que se utilizam do poder emanado do Estado de forma legitimada para exercer a dominação e sufocar qualquer revolta que atente contra a mudança na forma de produção vigente em determinada época, utilizando-se do direito como forma de criar leis para manter e justificar a ordem social. Através da organização institucional Estado, essa classe dominante passou a exercer o controle da sociedade e manutenção das condições favoráveis à ordem econômica em vigor, através das leis, com o uso da repressão e da violência, de maneira exclusiva e legítima, em nome da manutenção da ordem. É nessa atmosfera que evolui o direito penal, produto do processo da civilização das relações dos indivíduos em uma sociedade. Moniz de Aragão (1952:31) comenta que: É certo que na infância da humanidade não existem código de Leis; há, porém, hábitos e costumes que vão se formando lentamente e cujo respeito se impõem aos membros da coletividade como um dever que não pode ser impunemente violado. A ofensa aos usos já consagrados da maioria é reputada um mal contra o qual a comunidade reage por instinto de conservação e de defesa.5 5 ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As Três Escolas Penais, 5ª ed., Livraria Freitas Bastos, 1952. 13 Fazendo uma análise da evolução das formas de solucionar os conflitos surgidos entre os indivíduos no seu processo de agregação, pode se dizer que a maneira mais rudimentar de solucionar as lides foi a chamada vingança privada, contenção da violência pela violência, exercida pelo ofendido ou sua família contra o agressor ou sua família, sendo caracterizada pela supremacia do mais forte ou da família mais numerosa. Não havendo nenhuma garantia que o ofendido tivesse seu direito satisfeito, imperava a lei do mais forte. Com o processo de organização dos indivíduos em grupos e com uma figura central que exerce um poder sobre os membros do grupo, os jus puniendi transfere-se da esfera do ofendido ou de sua família para o responsável pelo controle do grupo organizado, que pode ser chamado de chefe, onde a pena imposta por esse que exercer o poder central é mais moderada e proporcional ao mal causado (matou, irá morrer), é a conhecida pena de talião: olho por olho, dente por dente, sangue por sangue. As relações sociais evoluíram e o Direito, como fruto dessas mudanças, não podendo ficar para trás, faz surgir o instituto da composição, compositio, uma forma bem mais humana de resolver os conflitos e que tem como característica principal, ao invés da aplicação do castigo idêntico ao ofensor, a possibilidade de promover a compensação da vítima ou sua família pelo danos ou prejuízos provocados. Esse tipo de solução de lide foi logo superado com o surgimento e aumento das desigualdades sociais entre os indivíduos na sociedade, tornando impossível o cumprimento por parte dos mais desprovidos de bens. Na Idade Média, conhecida como período das trevas, o poder deixou de ser exercido por uma figura central e passou a ser exercido pelos senhores feudais, como resultado da desestruturação do Império Romano pela invasão dos Bárbaros e a conseqüente desestruturação das bases de produção, que era eminentemente escravista, e da organização social como um todo. Assim sendo, o poder passou a ser exercido de forma descentralizada e como meio de sufocar as revoltas, impondo o poder pela força e o terror, é que surge as penas de tortura, os suplícios, processos secretos, tudo em nome da justiça, que mais tarde passa a ser exercido pelo próprio poder público nos Estados Nacionais, em nome de um Soberano, que tem o poder de vida e morte sobre os súditos. 14 A teoria contratualista de Rousseau considera o direito de punir do Estado como uma cessão, por parte da sociedade, do direito de defesa pessoal cabível ao indivíduo quando vivendo no estado natural. 1.5 O Estado numa Visão Socialista É com o Estado Moderno, após a centralização do poder e a formação dos Estados Nacionais, com o controle da atuação estatal na busca do controle social no campo da justiça, é que se encontra uma maior humanidade na aplicação das penas. Contudo, pode ser percebido que toda a legislação penal é fruto da elaboração legislativa de um Estado e com base nas ideologias dominantes à época, como forma de manter os instrumentos de controle social. À medida que as revoltas vão aumentando e o estatus quo passa a ser questionado, mudanças vão surgindo nos instrumentos utilizados pelo Estado para manter a ordem social vigente e a sociedade coesa. Essa ação estatal é justificada em nome da sociedade que precisa ser protegida das minorias que querem questionar o poder constituído e para isso é autorizado o uso da violência como situação de exceção, mas como última reação do poder constituído para manter a ordem vigente. Dessa forma, pode ser dito que as leis são feitas para garantir a coesão social e a manutenção da ordem vigente em um Estado e para determinada época. Por isso, as transformações sociais, econômicas e políticas justificam a necessidades de mudanças nos ordenamentos jurídicos que precisam acompanhar as mudanças sociais, sob pena de perder sua legitimidade e não atender aos anseios da nova ordem. Como disse Cesare Beccaria (1999) “Mas, como as leis e os costumes de um povo estão sempre atrasados de vários séculos em relação às luzes atuais, conservamos ainda a barbárie e as idéias ferozes dos caçadores do norte, nossos selvagens antepassados”.6 Com essa reflexão, percebe-se que sempre existiu e sempre existirá um atraso entre as mudanças surgidas numa sociedade e as regras de condutas elaboraras para sua normatização. Por isso, é preciso ter sempre em mente que o direito e as leis, como seus instrumento, precisam 6 BECCARIA, César Bonesana. "Dos delitos e das Penas. (Tradução de Terrieri Guimarães). São Paulo: Hemus. 1971. 15 acompanhar as mudanças constantes e cada vez mais rápidas numa sociedade, sob pena de se tornar um atraso, fonte de conflitos e instrumento legitimado de injustiças. Toda vez que uma ordem vigente ou um poder constituído sofrer violenta mudança em suas bases ideológicas, faz-se necessárias alterações em seus instrumentos de legitimação desse poder. BIBLIOGRAFIA ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico Brasileiro Acquaviva / Marcus Cláudio Acquaviva – 9ª ed. Ver. Atual. E ampl. – São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira, 1998. ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As Três Escolas Penais, 5ª ed., Livraria Freitas Bastos, 1952. ASSIS, Jorge Cesar de. Direito Militar – Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativis. Curitiba: Juruá, 2001. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. BECCARIA, César Bonesana. "Dos delitos e das Penas. (Tradução de Terrieri Guimarães). São Paulo: Hemus. 1971. BOBBIO, Norberto. 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