Volume 1, Número 1, 2015 Almanaque de Medicina Veterinária e Zootecnia – AMVZ v. 1, n. 1 - (jan./jun. 2015) Ourinhos, SP - Brasil - 2015 - semestral 1. Medicina Veterinária - 2. Zootecnia - 3. Saúde Animal - 4. Periódico/Científico Faculdades Integradas de Ourinhos - Curso de Medicina Veterinária Rodovia BR-153, Km 338+420m - Água do Cateto, CEP: 19909-100 Ourinhos - São Paulo Telefone (14) 3302-6400 / E-mail: [email protected] EDITORES Prof. Dr. Caio José Xavier Abimussi Prof. Me. Felipe Gazza Romão EDITORES ASSOCIADOS Prof.ª Dr.ª Beatriz Perez Floriano Prof.ª Dr.ª Cláudia Yumi Matsubara Rodrigues Ferreira Prof. Dr. Edson Suzuki Prof.ª Dr.ª Fernanda Saules Ignácio Prof. Esp. Freddi de Souza Bardela Prof.ª Dr.ª Isabela Bazzo da Costa Prof. Dr. Izidoro Francisco Sarto Prof. Dr. Luiz Daniel de Barros Prof. Dr. Luis Emiliano Cisneros Alvarez Prof.ª Dr.ª Márcia Regina Coalho Prof. Me. Marco Aurélio Torrecillas Sturion Prof. Me. Nazilton dos Reis Filho Prof.ª Dr.ª Raquel de Queiroz Fagundes Prof.ª Me. Renata Bello Rossetti Prof. Me. Tiago Torrecillas Sturion. Alm. Med. Vet. Zoo. 1 ASPECTOS CLÍNICO-PATOLÓGICOS DO MORMO EM EQUINOS - REVISÃO DE LITERATURA CLINICAL-PATHOLOGICAL ASPECTS OF GLANDERS IN EQUINES - REVIEW Lillian Roberta Dittmann* Thaís Oliveira Cardoso* Felipe Gazza Romão† Luiz Daniel de Barros† RESUMO O mormo é uma doença infecto-contagiosa causada pela bactéria Burkholderia mallei e que acomete equídeos, carnívoros, pequenos ruminantes e até os homens, caracterizando-se uma zoonose, de notificação obrigatória. Os animais infectados e portadores assintomáticos são as principais fontes de infecção. A principal porta de entrada é pela via digestiva, podendo ocorrer também pelas vias respiratórias e cutânea. Os equídeos de qualquer idade são susceptíveis, porém, com maior incidência em animal idoso, debilitado e sujeito a situações de estresse. Os sinais clínicos mais frequentes incluem febre, tosse e corrimento nasal. Na forma aguda da doença a morte por septicemia ocorre em poucos dias. A fase crônica da doença é caracterizada por três formas de manifestação clínica: a nasal, a pulmonar e a cutânea. O diagnóstico é realizado pelo teste de fixação de complemento e maleinização. Os animais devem ser eutanasiados, pois o tratamento é proibido devido à possibilidade de animais tratados se tornarem portadores crônicos do agente. Como prevenção e controle, devem ser realizadas quarenta e interdição de fazendas provenientes de animais positivos, limpeza e desinfecção das áreas de foco, e aquisição de animais de áreas livres da doença. O presente trabalho teve como objetivo revisar os principais achados clínico-patológicos do mormo, doença de grande importância na equideocultura. Palavras-chave: equídeos; zoonose; maleinização; Burkholderia mallei ABSTRACT Glanders is an infectious disease caused by the bacterium Burkholderia mallei that affects horses, carnivores, small ruminants and even humans, being considered a notifiable zoonotic disease. Infected animals and carriers are the main sources of infection. The main entrance is through the digestive tract but can also occur through the respiratory tract and skin. Horses of any age are susceptible, however with higher incidence in elderly, impaired and raised in stress conditions. Common clinical signs include fever, cough and runny nose. In the acute phase of the disease, death from septicemia occurs in a few days. Chronic phase is characterized by three types of clinical manifestation: a nasal, lung and skin. Diagnosis is made by complement fixation test and mallein. Animals must be euthanized because the treatment is prohibited due to the possibility of treated animals become chronic carriers of the agent. For prevention and control, should be carried fortyand ban of farms with positive animals, cleaning and disinfection of the focus areas and acquisition of animals from free disease areas. This paper aims to review the main clinicopathological features of glanders, of great importance in equideocultura disease. Keywords: equine; zoonosis; mallein; Burkholderia mallei. * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Dittmann LR, Cardoso TO, Romão FG, Barros, LD. Aspectos clínicopatológicos do mormo em equinos - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 1-5. Alm. Med. Vet. Zoo. 2 INTRODUÇÃO O mormo é uma enfermidade infecto-contagiosa, aguda ou crônica, de caráter zoonótico, causada pela bactéria Burkholderia mallei, que acomete principalmente os equídeos, podendo também acometer o homem, os carnívoros e eventualmente os pequenos ruminantes. É uma das doenças mais antigas dos equídeos, descrita por volta do século III e IV a.C. (1,2). O agente etiológico B. mallei foi identificado em 1882, pelo seu isolamento em órgãos de um equino. O patógeno já foi identificado como Loefflerella mallei, Pfeifferella mallei, Malleomyces mallei, Actinobacillus mallei, Corynebacterium mallei, Mycobacterium mallei, Pseudomonas mallei e Bacillus mallei. O gênero atual, Burkholderia, foi classificado após a realização da homologia do DNA-DNA, lipídios celulares, composição de ácidos graxos e características fenotípicas, como o gene 16S rRNA tipificado em 1992 (3). A doença foi descrita pela primeira vez no Brasil em 1811. Acredita-se que foi importada da Europa pela inserção de animais infectados, provocando epizootias em extensas áreas nacionais, acometendo muares, equinos e humanos, que apresentaram sinais de catarro e cancro nasal (3). O presente trabalho teve como objetivo descrever uma revisão de literatura sobre o mormo, abordando as principais características clínico-patológicas desta enfermidade. REVISÃO DE LITERATURA Etiologia A Burkholderia mallei é um bastonete gram-negativo, não esporulado, imóvel e com 2-5µm de comprimento e 0,5 µm de espessura e podem ser pleomórficas em determinadas condições de meio de cultura. Cresce bem em meios que contenham glicerol ou sangue, não produz hemólise no ágar sangue e as colônias apresentam aspecto mucoide e brilhante. O bacilo do mormo é aeróbio e anaeróbio facultativo, oxidase e catalase positiva e redutor de nitrato (4). A B. mallei é um patógeno intracelular obrigatório bem adaptado ao seu hospedeiro, porém apresenta baixa resistência ambiental. São sensíveis à ação da luz solar, calor e desinfetantes comuns e podem sobreviver em ambientes úmidos por 3 a 5 semanas (5). Epidemiologia Responsável por alta taxa de mortalidade em equídeos, pode ser considerada uma doença re-emergente devido ao aumento do número de surtos da doença nos últimos anos. A doença tem sido descrita em diferentes partes do mundo, porém devido a programa de controle, foi erradica nos Estados Unidos, Europa Ocidental, Canadá e Austrália (6). Animais infectados e portadores assintomáticos são importantes fontes de infecção (4,8,9). A disseminação ocorre principalmente por meio da contaminação de forragem, cochos e bebedouros por secreção oral e nasal (9). Esporadicamente, a forma cutânea da infecção decorre do contato direto com ferimentos ou por utensílios usados na monta dos animais. Lesões pulmonares crônicas, que se rompem nos brônquios e infectam as vias aéreas superiores e secreções orais e nasais, representam a mais importante via de excreção da B. mallei (4,9). A principal via de infecção é a via digestiva, mas também pode ocorrer pelas vias respiratórias e cutânea (1). A disseminação por inalação também pode ocorrer, mas essa forma de infecção é provavelmente rara sob condições naturais (9). Todos os equídeos, de qualquer idade são susceptíveis, porém a doença acomete principalmente em animais idosos, debilitados e submetidos a estresse, em virtude de trabalho excessivo, má alimentação e habitação em ambiente com condições sanitárias inadequadas (2,9). Dittmann LR, Cardoso TO, Romão FG, Barros, LD. Aspectos clínicopatológicos do mormo em equinos - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 1-5. Alm. Med. Vet. Zoo. 3 Felinos, camelos e caprinos também são susceptíveis à infecção e o homem é hospedeiro acidental, sendo, geralmente, uma doença ocupacional. Os equinos e muares são os únicos reservatórios naturais do agente conhecidos até o momento (3). Sinais Clínicos Os sinais clínicos mais frequentes são febre, tosse e corrimento nasal, entretanto o período de incubação pode demorar 3 dias a meses, podendo na fase aguda apresentar edema em região peitoral e vir a óbito em 48 horas (7). Na forma aguda da doença a morte por septicemia ocorre em poucos dias (3), ocorrendo principalmente em asininos, que são mais susceptíveis à esta forma (5). A fase crônica da doença, que pode desenvolver-se após semanas ou meses, é caracterizada por três tipos de manifestações clínicas: a nasal, a pulmonar e a cutânea, porém estas não são distintas e o mesmo animal pode apresentar simultaneamente todas as formas, sendo a forma pulmo-cutânea a mais comum em surtos da doença (3,6). Animais cronicamente infectados são importantes na disseminação da doença (5). A forma nasal se caracteriza por descarga nasal serosa que pode ser unilateral, tornando-se com a evolução do processo, em purulenta fluida de coloração amarelo-escura e purulenta-hemorrágica. Já a forma pulmonar manifesta-se por pneumonia lobar com abscedação cavernosa e desenvolvimento de pleurite fibrinosa. A forma cutânea apresenta-se com formação de abscessos subcutâneos que ulceram e drenam secreção purulenta e adenopatia, que na face do animal pode apresentar linfonodos e vasos linfáticos superficiais aumentados de volume (7). Patogenia O agente penetra pela mucosa intestinal, atinge os linfonodos onde fazem proliferação e se espalham para órggãos de eleição via corrente sanguínea. O agente é encontrado nos pulmões, porém pode ser observado também na pele e mucosa nasal. Nos animais infectados, formam-se lesões primárias na faringe, estendendo-se para o sistema linfático onde causa lesões nodulares. Metástases são encontradas nos pulmões, baço, fígado e pele. No septo nasal podem ocorrer lesões primárias de origem hematógena ou secundária a um foco pulmonar (1,4). Diagnóstico O diagnóstico do mormo consiste na associação dos aspectos clínico-epidemiológicos, anátomo-histopatológicos, isolamento bacteriano, inoculação em animais de laboratório (prova de Strauss), reação imunoalérgica (maleinização) e testes sorológicos, tais como fixação de complemento (FC), teste da hemaglutinação indireta (IHAT), imunoeletroforese (CIET), teste indireto do anticorpo fluorescente (IFAT) e ELISA. A PCR é uma importante ferramenta no diagnóstico, visto que apresenta alta especificidade, diferenciando da infecção por B. pseudomallei (11). Os testes sorológicos podem apresentar resultados inconclusivos por até seis semanas após a realização do teste de maleína (4) e todos esses testes apresentam reação cruzada com B. pseudomallei. Dessa maneira, locais onde a melioidose é endêmica, os testes sorológicos podem resultar em falso-positivo (3). O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) recomenda como testes oficiais para diagnóstico e controle do mormo, apenas a realização dos testes de Fixação do Complemento (FC) e maleinização (1,3). O teste de FC apresenta alta sensibilidade e boa especificidade e deve ser realizado em laboratórios oficial ou credenciado pelo MAPA (9). Baseado pela detecção de anticorpos específicos contra a B. mallei que podem ser observados uma semana após a infecção. Entretanto, estudos demonstraram que o melhor período para realizar o exame é dentro de 4Dittmann LR, Cardoso TO, Romão FG, Barros, LD. Aspectos clínicopatológicos do mormo em equinos - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 1-5. Alm. Med. Vet. Zoo. 4 12 semanas após a infecção (3,4), visto que esse teste identifica os animas que não tem aparência clínica e aqueles infectados na fase crônica (8). O primeiro teste de diagnóstico realizado para detecção de mormo foi o teste de maleína, e até então, este tem sido o melhor teste para diagnóstico a campo e programas de controle e erradicação desde 1890. É limitado em relação à sensibilidade, especificamente em casos avançados da doença. Foram descritas reações cruzadas entre B. mallei e Streptococcus equi, resultando em reações falso-positivas. É inoculado 0,1 mL de maleína por via intradérmica na pálpebra inferior, realizando a leitura após 48 horas. O resultado é considerado positivo quando apresentar edema palpebral com presença ou não de secreção purulenta (3). É necessário realizar o diagnóstico diferencial para doenças como: linfangite epizoótica, linfangite ulcerativa, esporotricose, melioidose e outras causas de pneumonia (9). Tratamento O tratamento é proibido devido à possibilidade de animais tratados se tornarem portadores crônicos do agente, tornando-se assim fonte de infecção para animais sadios. O MAPA recomenda a eutanásia dos animais positivos devido à falta de tratamento adequado e vacina para a prevenção do mormo, sendo a eutanásia realizada por profissionais do serviço de Defesa Sanitária (3). Prevenção e Controle No momento, não existe nenhuma vacina animal ou humana eficiente contra a infecção da B. mallei. Estudos estão sendo realizados para fabricação de uma vacina eficaz para o mormo, uma vez que o tratamento dos animais infectados é proibido (1,4). De acordo com o MAPA (10), a prevenção da doença em seres humanos baseia-se no manejo do ambiente e controle animal que envolve a eliminação de animais com diagnóstico laboratorial positivo, controle rigoroso de trânsito interestadual com prova sorológica de FC negativa (validade de 60 dias), quarentena e interdição da fazenda, limpeza e desinfecção das áreas de foco, incineração e destino apropriado de carcaças de animais infectados (assim como de todos os materiais utilizados nas instalações de propriedades epizoóticas), desinfecção de veículos e equipamentos (cabrestos, arreios e outros), abolição de cochos coletivos, aquisição de animais de áreas livres e com diagnóstico laboratorial negativo, e utilização de equipamentos de proteção individual, como luvas, máscara, óculos e avental, por parte de médicos veterinários, magarefes, tratadores de animais, laboratoristas e pessoas que tem contato com animais suspeitos ou com equipamentos contaminados. A interdição da propriedade somente será suspensa pelo serviço veterinário oficial após a eutanásia dos animais positivos e a realização de dois exames de FC sucessivos de todo plantel, com intervalos de 45 a 90 dias, com resultados negativos no teste de diagnóstico (10). CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir que o mormo é uma doença infecto-contagiosa grave, de caráter zoonótico, onde a prevenção torna-se indispensável, devendo ser realizado o monitoramento dos rebanhos, como a identificação e sacrifício dos animais infectados e a interdição de propriedades com focos comprovados da doença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Leopoldino DCC; Oliveira RG; Zappa V. Mormo em equinos. Rev Cient Eletron Med Vet. 2009;12. 2. Mota RA; Brito MF; Castro FJC; Massa M. Mormo em equídeos nos Estados de Pernambuco e Alagoas. Pesq Vet Bras. 2000;20(4):155-9. Dittmann LR, Cardoso TO, Romão FG, Barros, LD. Aspectos clínicopatológicos do mormo em equinos - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 1-5. Alm. Med. Vet. Zoo. 5 3. Moraes DDA. Prevalência de mormo e anemia infecciosa equina em equídeos de tração do Distrito Federal. Brasília, 2011. 85p. Dissertação [Mestrado em Medicina Veterinária] – Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, 2011. 4. Mota RA. Aspectos etiopatológicos, epidemiológicos e clínicos do mormo. Vet Zoo. 2006;13(2):117–24. 5. Dvorak GD, Spickler A. Glanders. J Am Vet Med Assoc. 2008;233(4):570-7. 6. Khan I, Wieler LH, Melzer F, Elschner MC, Muhammad G, Ali S, et al. Glanders in animals: a review on epidemiology, clinical presentation, diagnosis and countermeasures. Transbound Emerg Dis. 2013;60:204-21. 7. Thomassian A. Enfermidades dos cavalos. 4.ed. São Paulo: Varela, 2005. 8. Falcão MVD, Santana VLA, Vasconcelos CM, Leão e Silva CMS, Souza MMA, Silva LE, et al. Padronização de western lotting para diagnóstico do mormo (Burkholderia mallei) em equídeos. In: Anais do XIII Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão; 2013, Recife. Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco; 2013. 9. Radostits OM, Gay CC, Blood DC, Hinchcliff KW. Clínica Veterinária: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e equinos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 10. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil). Secretaria de Defesa Agropecuária. Departamento de Saúde Animal. Manual de Legislação: programas nacionais de saúde animal do Brasil. Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2009. Artigo recebido dia 22 de setembro de 2014. Artigo publicado dia 20 de fevereiro de 2015. Dittmann LR, Cardoso TO, Romão FG, Barros, LD. Aspectos clínicopatológicos do mormo em equinos - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 1-5. Alm. Med. Vet. Zoo. 6 CONTENÇÃO DE GRANDES FELINOS - REVISÃO DE LITERATURA CONTAINMENT WILD FELIDS - REVIEW Andréa Silvia Yoneda Rasmussen Chaves * Caio José Xavier Abimussi† RESUMO A contenção química dos grandes felídeos é de extrema importância para a manutenção segura desses animais e da equipe técnica que está envolvida nesse procedimento. Sendo rápida, eficiente, fácil de aplicar, vem substituindo a contenção física, se tratando principalmente de sua captura e imobilização. Dentro deste contexto, o objetivo desse estudo foi verificar as técnicas mais adequadas e seguras para a realização dessas contenções, preservando a integridade física dos animais. Muitos felídeos, em algum momento de suas vidas, seja em cativeiro ou em vida livre, precisam ser contidos e anestesiados. Porém, muitas vezes torna-se um episódio perigoso e difícil se comparado ao manejo das espécies domésticas. Palavras-Chave: anestesia dissociativa; fármacos; felídeos ABSTRACT A chemical restraint of large felines is of utmost importance for the safe maintenance of these animals and the technical team that is involved in this procedure Being fast , efficient , easy to apply, has replaced the physical restraint , especially when it comes to his capture and detention. Within this context, the objective of this study was to determine the most suitable and safe way for the realization of these contentions techniques, preserving the physical integrity of the animals. Many felines, at some point in their lives, whether in captivity or in the wild, they need to be restrained and anesthetized. But often it becomes a dangerous and difficult episode compared to the management of domestic species. Keywords: dissociative anesthesia; drugs; felines INTRODUÇÃO Os felídeos selvagens pertencem a um dos grupos de mamíferos mais apreciados pelo homem, seja pela sua beleza majestosa, seja pelo respeito imposto pela imponência dos grandes felinos como os maiores predadores terrestres (1). Adicionalmente, quando os fármacos são administrados por meio de um dardo, é importante que sejam suficientemente potentes e/ou concentrados de modo a serem administrados em pequenos volumes (idealmente < 3 mL), o que diminui o risco de trauma, além de aumentar a precisão do vôo do dardo (2). Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura atualizada sobre a contenção química em grandes felinos. REVISÃO DE LITERATURA Espécies de Felídeos Selvagens Para Wozencreft (3) atualmente a família Felidae está dividida em duas subfamílias (Felinae e Pantherinae) e conta com 14 gêneros e 40 espécies. As 10 espécies neotropicais * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente, Disciplina de Anestesiologia Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 7 são divididas em três linhagens: maracajá, puma e pantera, sendo que destas oito ocorrem naturalmente em território brasileiro (4), e estão descritas na tabela 1. Tabela 1 - Felinos neotropicias habitantes no Brasil (5) Gênero Espécie Panthera Pantheraonça Puma Puma concolor Puma yagouarondi Leopardus Leoparduspardalis Leoparduswiedii Leopardustigrinus Leopardusgeoffroyi Leoparduscolocolo Nome popular Onça-pintada Onça-parda ou suçuarana Gato-mourisco Jaguatirica Gato-maracajá Gato-do-mato-pequeno Gato-do-mato-grande Gato-palheiro Contenção química Nos grandes felinos, deve-se ter muito cuidado no momento da contenção, e a equipe deve ser experiente com a escolha das tarefas de cada membro antes do inicio da operação. Antes das atividades, todos os equipamentos de contenção devem ser previamente inspecionados, verificando se estão em perfeita ordem e desinfetados. Esses devem ter sido estocados em local limpo e de fácil acesso (6). Os equipamentos de contenção nada mais são do que uma extensão da mão humana, os quais de uma forma ou de outra possibilitam que se alcance o animal. A grande maioria dos animais selvagens mantidos em cativeiro, em algum momento de sua vida precisa ser contido e anestesiado. Porém, muitas vezes torna-se um episódio perigoso e difícil se comparado ao manejo das espécies domésticas, tendo em vista que os animais selvagens são mais suscetíveis ao estresse e lesões que as espécies domésticas, particularmente durante a captura, manejo, contenção química e o transporte (3). A contenção por meios químicos pressupõe o emprego de fármacos tranquilizantes, hipnóticos ou anestésicos. Este método é especialmente útil quando se precisa capturar espécies agressivas ou muito estressadas (3). Até a determinação precisa do peso de um animal é muitas vezes impossível antes da imobilização, devendo o médico veterinário conhecer a gama de valores padrão do peso da espécie e sexo do animal a imobilizar (6). Devido a esta incapacidade de realizar uma avaliação pré-anestésica meticulosa, a resposta de cada animal aos fármacos, bem como a sua recuperação, pode decorrer de forma imprevisível ou mesmo resultar em complicações inesperadas (7). Equipamentos para injeções à distância - Zarabatana Segundo Spinosa (8), o emprego da imobilização química remonta a certas tribos da América do Sul que impregnavam suas flechas com curare. Este método tornou-se efetivo, e os derivados do curare foram utilizados por muitos anos. Os relaxantes musculares de ação periférica, também denominados bloqueadores neuromusculares ou ainda de agentes curarizantes, produzem um profundo relaxamento da musculatura, facilitando tanto a anestesia como a cirurgia. As zarabatanas eram utilizadas como instrumento de propulsão, o qual disparava o dardo a certa distância no animal escolhido (9). Essas zarabatanas eram feitas, geralmente, de cana ou palmeira, mediam até 3 metros de comprimento e podiam alcançar até 40 metros de distância nas mãos de um caçador experiente (10). As massas musculares cervical, escapular e femoral, ricas em vasos sanguíneos, são as mais indicadas para a colocação do dardo (2,11) (figuras 1 e 2). Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 8 A zarabatana oferece muitas vantagens, como ausência de estampido, ou seja, menor trauma ao impacto do dardo com o animal, e boa precisão a distâncias de até 10 a 15 metros. Porém, quando se deseja precisão a maiores distâncias, ou quando se trabalha com animais de maior porte, o mais indicado é a utilização de armas (12). Figura 1 - Onça parda pré dardejamento. Fonte: Arquivo pessoal, 2014 Figura 2 - Onça parda após dardejamento. Fonte: Arquivo pessoal, 2014 Treino Comportamental Para Injeções Manuais A utilização do treino, dessensibilização e/ou condicionamento operante para facilitar ou realizar um procedimento com a cooperação de um animal, chamada de “contenção comportamental”, deve ser tida em conta quando do desenvolvimento de um plano de contenção, de forma a reduzir o estresse e dessensibilizar o animal para o procedimento (13). Segundo COE (14), o condicionamento animal é normalmente realizado por meio da administração de recompensas ao animal que apresente uma resposta comportamental desejável. Desta forma, os animais são treinados a desenvolver atitudes voluntárias, como, por exemplo, a apresentação dos membros anteriores para a realização de colheita de sangue, mediante o oferecimento de algo que o animal goste, como, por exemplo, de determinados alimentos. A cooperação voluntária do animal diminui sensações como o medo e a ansiedade, que surgem normalmente na realização destes procedimentos, e contribui para a diminuição do estresse. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 9 Sistemas de Projeção Com Carga e Dardos As armas especiais mais utilizadas no Brasil são importadas e pertencentes às marcas Dan-Inject®, Telinject®, Cap-Chur® e Dist-Inject®. Estes são equipamentos que utilizam CO2, ar comprimido ou pólvora para o lançamento de dardos plásticos e/ou metálicos. Dessa forma, é possível atingir maiores distâncias e injetar maiores volumes (15). Genericamente, estes sistemas projetam dardos de duas formas: através da expansão de gás resultante do disparo de cargas de pólvora ou através da libertação de ar ou CO 2. O primeiro método é o que permite um maior alcance, mas também o menos silencioso. O segundo é relativamente silencioso e preciso, sendo habitualmente usado para projetar dardos de baixo peso a distâncias curtas a médias, como, por exemplo, em animais de zoológico confinados, mas não adestrados. As espingardas podem utilizar ambos os sistemas, enquanto as pistolas estão disponíveis apenas com o segundo (2). Segundo Greene (16) os principais fatores a serem considerados são o tamanho do animal e a distância na qual o fármaco pode ser administrado. Os dardos podem produzir considerável lesão ou morte se não forem usados adequadamente. A energia de impacto é igual à massa do dardo multiplicado pela velocidade ao quadrado. Fármacos tranquilizantes Podem-se utilizar fármacos tranquilizantes associados a outros anestésicos. Uma grande variedade de fármacos pode ser utilizada na contenção de felídeos selvagens, mas é fundamental que cada instituição possua seu protocolo de anestesia para ser utilizado em cada situação. Da mesma forma, os profissionais de cada instituição devem possuir um protocolo de fuga, principalmente para grandes felinos (1). Cetamina e Similares O cloridrato de cetamina é um derivado do cloridrato de fenilciclidina (17). Segundo Swan (18), uma grande vantagem deste fármaco é a sua ampla margem de segurança é geralmente necessária uma dose até dez vezes maior que a dose normal para causar toxicidade. O tempo de indução e a duração da imobilização dependem da dose e da espécie do animal (2). A cetamina é amplamente utilizada para imobilização de animais selvagens, em virtude de sua elevada DL 50 que permite seu uso sem o conhecimento do peso exato do animal, e da boa absorção por IM, o que permite a administração por meio de dardos (19). Entretanto, deve ser usada em associação com outros fármacos, como os benzodiazepínicos, pois pode causar estimulo cardiovascular, catalepsia e recuperação agitada (20). Associação de Cetamina-Medetomidina Segundo Massone (21) o uso desta associação promove mínimos efeitos colaterais, observando-se ótimo moirrelaxamento e arreflexia em altas doses. A medetomidina é um agonista de receptores α-2 adrenérgicos centrais e periféricos, sendo tranquilizante, relaxante muscular de ação central e analgésico. Apresenta rápida absorção e distribuição lipofílica, com pico de concentração entre 10-15 minutos na associação cetamina-medetomidina, as doses desses medicamentos são inferiores aquelas quando empregadas isoladamente. Associação Cetamina-Midazolam O midazolam é utilizado em associação à cetamina visando a promover um adequado miorrelaxamento, reduzindo, assim, a hipertonicidade muscular (5,21). Promove ainda tranquilização, hipnose, além de possuir atividade anticonvulsivante. Por apresentar veículo aquoso, pode ser aplicado pela via intramuscular, apresentando rápida absorção e eliminação e sendo indicado na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg (20). Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 10 Associação Tiletamina-Zolazepam (TZ) Segundo Spinosa (8) a tiletamina é um anestésico dissociativo pertencente ao mesmo grupo da ketamina, associado a um benzodiazepinico, o zolazepam é mais potente que a ketamina, e o zolazepam possui ação anticonvulsivante e miorrelaxante, aliviando as ações cataleptóides da tiletamina. A margem de segurança desta associação é grande, estimando-se a DL50 em 200 mg/mL do Zoletil, por IM. Esta via é mais adequada para animais silvestres. Como esse fármaco vem liofilizado, pode-se preparar uma solução com altas concentrações (500 mg/mL). Xilazina A xilazina é uma agonista de α2 - adrenoreceptores. Adquiriu popularidade como prémedicação anestésica, atuando em ampla gama de espécies domésticas e silvestres. Seu uso em animais silvestres foi reportado por Sagner e Haas (1969), sendo as doses variáveis, conforme a suscetibilidade das diferenças espécies exóticas, podendo ser administrada por via intramuscular ou intravenosa (8). Embora promova relaxamento muscular, sedação, analgesia ou mesmo inconsciência prolongada, os animais silvestres sob ação da xilazina podem reagir a estímulos dolorosos, em particular os grandes felinos, como se constatou em leoas em fase pré-operatória de cesariana. Deve-se por esse motivo, manusear o animal com cuidado, pois movimentos bruscos podem promover reações. Recomenda-se o uso de peia e mordaça no animal sedado, como medidas de segurança para a equipe que trabalha com animais silvestres (8). Opióides Os opioides produzem analgesia e sedação, mas não têm propriedades relaxantes musculares. São previsíveis na sua ação, fornecem uma indução relativamente rápida, e os seus efeitos podem ser revertidos com a administração de antagonistas adequados (2). A indução e a duração de ação dependem do fármaco e da dose (11). A indução ocorre geralmente dentro de dez minutos após a administração e passa tipicamente por várias fases, começando por ligeiras alterações comportamentais, seguidas de ataxia, excitação, hipertonicidade muscular e finalmente, decúbito. A subdosagem pode resultar num período de indução prolongado, o que é indesejável, pois a excitação opioide prolongada resulta inevitavelmente em problemas como hipertermia, taquicardia, acidose, exaustão metabólica, miopatia de captura e morte (22). Carfentanil O citrato de carfentanil é um derivado sintético do fentanil aproximadamente 8000 vezes mais potente que a morfina (23). Produzido e encontrado comercialmente na América do Norte sob a denominação de Widnil®. É um narcótico moderno, mais potente que a etorfina e cujos efeitos farmacológicos são similares ao da morfina. A literatura especializada já apresenta centenas de citações sobre seu emprego em diversas espécies selvagens, geralmente em combinação a tranquilizantes, inclusive na captura de exemplares de vida livre (12). Apesar de poder ser usado isoladamente, é geralmente combinado com um agonista α2-adrenérgico ou tranquilizante (23), de forma a reduzir a excitação durante a indução e a contrariar a rigidez muscular, melhorando, assim, a qualidade da imobilização (2,11). Os principais efeitos adversos das combinações baseadas em carfentanil incluem depressão respiratória, hipoxemia, hipertensão e hipertermia (24,25,26,27,28). Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 11 Etorfina Segundo Pachaly (12) o cloridrato de etorfina é produzido atualmente na África do Sul, em concentração de 2,8 mg/mL, com o nome de Immobilon®, e na Europa, em duas apresentações o Large Animal Immobilon® (1 mL = 2,45 mg de etorfina + 10 mg de acetilpromazina) e, o Small Animal Immobilon® (1mL = 0,07 mg de etorfina + 18 mg de metotrimeprazina). Recentemente deixou de ser fabricada a apresentação mais conhecida da etorfina, denominada M-99®, que era produzida nos EUA. Estes fármacos têm uma margem de segurança muito reduzida em humanos,devem ser manuseados com cuidado extremo para evitar uma exposição acidental, e apenas se estiver prontamente disponível um antagonista apropriado (11,23,29). A exposição humana a estes fármacos pode levar à morte por depressão e parada respiratória (11). Reversão dos Efeitos: Diprenorfina A diprenorfina é um antagonista especifico da etorfina, sendo este agente importante para reverter os efeitos provocados pela etorfina, permitindo que o animal fique em estação após quatro a dez minutos da injeção IV. Caso a diprenorfina não seja administrada, a recuperação do animal é lenta, levando mais de três horas. É comercializada apenas paro uso animal, devido a alucinações descritas no homem. Este antagonista deve ser administrado via IV e a dose para reverter os efeitos da etorfina em animais silvestres corresponde ao dobro da comumente aplicada (8). Anestesia Inalatória Massone (21) relata que em casos de anestesia prolongada, a melhor opção é a utilização da anestesia inalatória. Com o uso desta obtém-se um completo controle das vias aéreas e da profundidade anestésica. A intubação é feita através de visualização direta com o auxilio de laringoscópio, com exceção do leopardo que possui a laringe mais profunda e, desta forma sua intubação pode ser realizada com auxilio de endoscópio rígido. Recomendase em felinos grandes utilizar um abridor de boca para segurança profissional. As sondas endotraqueais utilizadas nos felinos grandes são as mesmas utilizadas em potros (com diâmetro interno de 12 a 18). Os agentes mais utilizados são halotano e o isoflurano. A Captura do Animal Os eventos de captura de animais selvagens devem ser planejados e organizados cuidadosamente, de modo a antecipar e evitar complicações, garantindo a menor mortalidade possível durante e após a captura (2,22). Primeiramente, os aspectos biológicos da espécie devem ser conhecidos bem como seu comportamento, anatomia, fisiologia e suas formas de defesa. E alem disso a compreensão da patofisiologia do estresse é essencial (1,3,31). Desta forma antes da contenção propriamente dita deverá ser identificada qual o comportamento do animal para se reduzir assim o risco de injúrias ao operador, o hábito e o grau de vulnerabilidade ao estresse do animal. E associado a isso tudo o operador necessitará de um pleno domínio do uso das técnicas e equipamentos a serem empregado, além do planejamento criterioso da manobra de contenção, priorizando sua rapidez e eficiência (30,32). Indução O intervalo de tempo entre a administração dos fármacos e o momento em que o animal fica satisfatoriamente imobilizado é chamado tempo de indução (11,33). Idealmente, o animal deve ficar imobilizado dentro de 1-5 minutos, apesar de, na prática, a maioria das combinações anestésicas atuais poderem levar mais tempo a induzir a anestesia (2). Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 12 A anestesia de animais silvestres é considerada um procedimento de risco. O uso de doses excessivas ou uma analgesia inadequada são exemplos de situações que ocorrem por falta de um padrão de referência para a espécie e acabam interferindo na indução e na recuperação anestésica (34). Segundo Atkinson et al. (33) se a colocação de um dardo não for apropriada, deve-se dardejar o animal novamente de imediato, com uma dose completa ou reduzida, de forma a alcançar o decúbito rapidamente e evitar que o animal parcialmente sedado continue a desgastar-se. Se, mesmo após um dardejamento correto, o animal não parecer estar respondendo aos fármacos dentro de um período de tempo razoável, pode ser dardejado novamente, sendo recomendável que decorram cerca de 30 minutos entre injeções consecutivas (11). Monitoração e Recuperação A monitorização dos animais anestesiados é essencial para detectar alterações fisiológicas a tempo de corrigir, garantir uma profundidade anestésica adequada e avaliar a eficácia de tratamentos de suporte. Os princípios e técnicas usados em animais domésticos podem ser aplicados na maioria das espécies encontradas em medicina zoológica (35). A recuperação é um ponto crítico no maneio anestésico de espécies selvagens, especialmente de grande porte, uma vez que, devido a considerações de segurança, é geralmente impossível qualquer intervenção durante esse período (7). As considerações para a recuperação anestésica variam, dependendo da escolha dos fármacos e de cada situação, mas na maioria dos casos é desejável uma técnica anestésica reversível (2). Complicações As complicações relacionadas com a anestesia são comuns e podem estar relacionadas com o uso inapropriado de equipamento, efeitos farmacológicos adversos, suporte cardiovascular e respiratório e preparação do paciente inadequados, fatores inerentes ao paciente (como regurgitação) ou processos patológicos multifatoriais complexos (como miopatia) (36). Estresse O animal em estado apreensivo está sob estressor psicológico de nível médio e, se houver intensificação, pode transformar em ansiedade, medo ou, na sua forma mais aguda, em terror. Frustração outro estresse psicológico, ocorre no animal sob contenção física, pois ele não pode escapar e se defender. Se o animal estiver em fase iminente de exaustão, por doenças ou outro fator, e se for submetido à contenção, poderá ocorrer choque adrenal fatal em função do consumo das últimas reservas corporais estocadas (8). A contenção é o momento de maior estresse na vida de um animal silvestre podendo acarretar reações potencialmente fatais. O óbito decorrente da contenção pode ser dividido em: superagudo (durante a realização da contenção), agudo ou mediato (até uma hora após a contenção) e o tardio (de horas a dias após a contenção) (12,32). A resposta aguda geralmente está representada pela resposta de luta ou fuga, envolvendo como fator principal a descarga de catecolaminas, que dentre outros efeitos é responsável pelo aumento da FC e PA, midríase (dilatação da pupila), broncodilatação, aumento da glicemia e da taxa de metabolismo e ereção dos pelos (12,15). Miopatia de Captura (MC) Segundo Dias (37), quando um animal é capturado, ocorre subitamente a interrupção da atividade muscular esquelética e, dessa forma, o bloqueio de um processo fisiológico conhecido como “bomba muscular”. Esse fenômeno é caracterizado pela ação mecânica da Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 13 contratura muscular sobre o plexo vascular, com consequente expulsão do sangue dos leitos venocapilares. Dessa forma, tanto o calor gerado pela atividade muscular é dissipado, como os subprodutos da glicogenólise, em especial o ácido lático, são retirados do microambiente muscular. A mioglobina é tóxica e pode conduzir a insuficiência renal, ao passo que o potássio e o cálcio sensibilizam o sistema de condução elétrica do coração à adrenalina, podendo resultar em FV e consequente parada PC. O acúmulo de lactato pode ainda destruir as células miocárdicas, comprometendo mais a função cardíaca. A destruição muscular liberta também enzimas intracelulares - AST, LDH e CPK - cujos níveis séricos elevados são um bom indicador da probabilidade de desenvolvimento de MC (11). Trauma Físico Durante a captura, podem ser infligidas no animal lesões físicas como contusões, abrasões, lacerações e fraturas, acidentalmente ou por mau manejo (22). Em contusões devese aplicar imediatamente compressas frias e/ou gelo. A maioria das abrasões pode ser tratada simplesmente com a sua limpeza e a aplicação de pomadas (23). Mortalidade O risco anestésico em animais selvagens é altamente influenciado pelo protocolo de captura aplicado, pelo que a equipe de captura deve ser capaz de minimizar o risco de mortalidade ao usar fármacos imobilizadores e doses com segurança provada, sistemas de administração de fármacos adequados e métodos e técnicas de captura estabelecidos (2). Uma taxa de mortalidade associada à captura maior que 2% não é aceitável (pelo menos em mamíferos de grande porte) e obriga à reavaliação do protocolo de captura. Dados os avanços recentes nas técnicas, ferramentas e fármacos anestésicos, a aplicação de protocolos adequados, bem como a sua constante melhoria e adaptação, permitem reduzir as taxas de mortalidade relacionada com a captura para valores próximos de zero (38). Segurança Humana Existem muitos perigos para a segurança humana inerentes à imobilização de animais selvagens, nunca deve ser realizada por uma única pessoa e a equipe de captura deve ser treinada em ressuscitação cardiopulmonar e primeiros socorros (2,23,29). O carregamento do dardo é um momento de alto risco para exposição aos fármacos, durante o qual deve ser considerado o uso de equipamento de proteção e os antagonistas indicados para tratar a exposição humana devem estar imediatamente disponíveis (2,29). Os dardos já carregados devem ser transportados sob uma cobertura de proteção, de forma a diminuir o risco de exposição acidental. Os fármacos podem entrar na circulação através de uma injeção acidental ou por absorção através da pele ou membranas mucosas (18). CONCLUSÃO Conclui-se que um planejamento correto na captura de animais selvagens e uma monitoração continua anestésica minuciosa é necessária para minimizar e evitar complicações e mortalidades desses animais. A captura de animais selvagens pode ser necessária por uma variedade de razões, tais como: transporte, exames, tratamentos, recaptura de animais ferozes, animais fugitivos dos recintos dentre outros. A contenção causa muita tensão e pode desencadear complicações como o estresse, miopatia de captura, morte, além de perigosa para quem está manejando, sendo necessário conhecer o comportamento de cada espécie e conhecimento prático das ferramentas a serem utilizadas. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 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Zoo. 16 ANESTESIA EM CALOPSITA (Nymphicus Hollandicus) PARA RETIRADA DE CISTO DE INCLUSÃO DE PENA - RELATO DE CASO ANESTHESIA IN COCKATIEL (Nymphicus Hollandicus) REMOVAL OF INCLUSION CYST FEATHER - CASE REPORT Marilia D’Elia Enéas * Caio José Xavier Abimussi† RESUMO Cistos inclusão de pena são comuns em várias espécies, que podem ter como formação de caráter hereditário ou induzido por traumas. Foi atendido no Hospital Veterinário das Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO uma calopsita de aproximadamente um ano, pesando 0,089Kg apresentando uma massa em região peitoral. O animal recebeu como medicação pré-anestésica midazolam por via intra nasal (12,5 mg/kg) associado a morfina (2,5 mg/kg) pela via intramuscular. Antecedendo o ato cirúrgico, foi administrado meloxicam (0,3mg/kg) e enrofloxacina (10mg/kg), ambos por via intra muscular. O animal foi posicionado em decúbito dorsal e a manutenção anestésica foi realizada com isofluorano. O objetivo é relatar a realização de um procedimento anestésico cirúrgico a que foi submetida uma calopsita (Nymphicus Hollandicus). Palavras-chave: sedação; benzodiazepínicos; opióides; aves ABSTRACT Inclusion feather cysts are common in several species, which may have the hereditary form or induced to trauma. Was attended the Veterinary Hospital of Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO one cockatiel about a year, weighing 0,089Kg showing a node in the pectoral region. The animal received as premedication as midazolam intranasal administration (12.5 mg/kg) combined with morphine (2.5 mg/kg) intramuscular. Preceding to the surgery, was administered meloxicam (0.3 mg/kg) and enrofloxacin (10 mg/kg), both by intramuscular injection. The animal was positioned supine and anesthesia was maintained with isoflurane. The objective is to report the execution of a surgical anesthetic procedure they underwent one Cockatiel (Nymphicus Hollandicus). Keywords: sedation; benzodiazepines; opioids; birds INTRODUÇÃO O crescente interesse e conhecimento de espécies silvestres desde os anos 1960 resultaram em uma maior demanda exigindo necessidade de anestesia segura para procedimentos médicos e cirúrgicos mais especializados. Apesar de existir diferenças entre aves e mamíferos, os princípios básicos de anestesiologia são os mesmos (1). A anestesiologia é uma das áreas mais controversas da medicina aviária e, para muitos, representa um desafio devido às particularidades anatômicas, fisiológicas e comportamentais (2), margem inferior de segurança, maior dificuldade no monitoramento e, atualmente, informações limitadas em analgésicos eficazes para estas espécies (3). Durante o exame pré-anestésico, os sinais vitais de base e peso corporal exato (gramas em pequenas aves) devem ser registrados (4). A medicação pré-anestésica não é * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente, Disciplina de Anestesiologia Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia em calopsita (Nymphicus Hollandicus) para retirada de cisto de inclusão de pena – relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1(1): 16-20. Alm. Med. Vet. Zoo. 17 rotineiramente empregada em aves, porque os sedativos ou tranquilizantes irão prolongar a recuperação e podem levar a uma recuperação prolongada (4). Atualmente tem-se demonstrado que o dano tecidual, como em uma cirurgia, pode levar a sensibilização do sistema nervoso central, aumentando o desconforto pós-operatório. A analgesia preemptiva impede que o estímulo nocivo chegue ao sistema nervoso central, quando fornecida num estágio inicial de trauma tecidual, como no pré e trans operatório, havendo redução da inflamação, melhorando potencialmente a recuperação a curto e longo termo (5). Outro benefício é a redução da quantidade de anestésicos requerida, diminuindo os riscos associados à anestesia (6). A anestesia inalatória é eleita ao invés dos anestésicos injetáveis para aves, sendo indicada para procedimentos extensos pela fácil manutenção ou para procedimentos curtos devido à rápida recuperação (7-9). Gases anestésicos e vapores são rapidamente absorvidos na corrente sanguínea de modo a que a indução anestésica e a recuperação sejam igualmente rápidas (10). O ingresso do isofluorano como agente anestésico inalatório foi o evento mais importante para o progresso da anestesia em aves (11). Se o pássaro parece estar em um profundo plano da anestesia, redução adicional no cenário vaporizador é garantido (4). MATERIAL E MÉTODOS Foi atendido no Hospital Veterinário das Faculdades Integradas de Ourinhos- FIO uma calopsita (Nymphicus hollandicus), de aproximadamente um ano de idade, pesando 0,089 Kg, apresentando uma massa em região peitoral com evolução de quatro meses. Como medicação pré-anestésica (MPA) foi administrado midazolam intranasal 12,5mg/kg (12) equivalente a duas gostas por narina e posteriormente morfina 2,5 mg/Kg (diluído em 0,08 mL de NaCl) por via intramuscular. Após 20 minutos, foi realizada a limpeza e remoção das crostas com solução fisiológica 0,9%, H 2O2 e clorexidine sabão. Ato contínuo, realizada a depenagem da região e preparo para o início do ato cirúrgico. Previamente ao ato cirúrgico, foi administrado 0,3 mg/kg de meloxicam 0,02% e 10 mg/kg de enrofloxacina 0,5 %, ambos por via intramuscular (Tabela 1). Para a indução e manutenção do animal durante o procedimento cirúrgico foi administrado isofluorano, empregando o uso de máscara. O animal foi posicionado em decúbito dorsal sobre um colchão térmico, visando evitar perda de temperatura. Como monitorização posicionou-se um doppler vascular na região da cintura escapular. RESULTADOS E DISCUSSÃO As aves podem ser restringidas para que a anestesia possa ser induzida utilizando uma máscara facial ou podendo ser confinados em uma caixa de plástico transparente material, enquanto que os gases anestésicos ou vapores são introduzido na caixa (10). Como foi feito durante o procedimento cirúrgico mantendo o animal na máscara com o anestésico inalatório isofluorano. A morfina é um antagonista puro, que não tem sido muito utilizado na medicina aviária devido ao pouco conhecimento do efeito da droga em aves e pelos resultados controversos de estudos que demonstram pouca analgesia ou até mesmo hiperalgesia, além de incoordenação motora e sedação (13), o que diferente do que foi observado, não causando incoordenação do animal durante a recuperação. Para manter um nível plasmático terapêutico da droga, deve ser administrado na dose mínima de 2mg/kg, sendo a leve sedação o único efeito adverso observado (14). A dose utilizada da morfina por ter sido um pouco mais elevada levou a sedação do animal como um procedimento pré anestésico. A morfina tem como seu principal efeito é a analgesia, pois induz a uma rápida diminuição na síntese de serotonina, o que foi notado (9). Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia em calopsita (Nymphicus Hollandicus) para retirada de cisto de inclusão de pena – relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1(1): 16-20. Alm. Med. Vet. Zoo. 18 O meloxicam tem seu mecanismo de ação antiinflamatória que consiste na inibição exclusiva da enzima COX2 (15). Na dose de 0,5mg/kg não ocorrem efeitos colaterais em psitacídeos, em uso oral ou venoso, sendo a biodisponibilidade alta em ambas as vias (16), porém o efeito analgésico desta droga em aves não foi estabelecido (17). O uso do meloxicam neste animal não foi com o intuito exclusivamente da analgesia, pois a morfina já havia sido realizada como medicação pré anestésica, por isso a diminuição da dose recomendada (16). Tabela 1- Diluição dos fármacos administrados para a ave Fármaco Meloxicam Enrofloxacina Dose Concentração Conteúdo administrado 0,3mg/kg 0,2mg/mL (0,1 mL Meloxicam 0,2% + 0,9 mL NaCl 0,9%) 0,14mL 10mg/kg 5mg/mL (0,1 mL Enrofloxacina 10% + 0,9 mL NaCl 0,9%) 0,18 mL Figura 1 - Animal posicionado em decúbito dorsal sob a administração de isofluorano. Fonte: Arquivo pessoal, 2014. Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia em calopsita (Nymphicus Hollandicus) para retirada de cisto de inclusão de pena – relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1(1): 16-20. Alm. Med. Vet. Zoo. 19 Figura 2 - Animal em recuperação após o término do procedimento anestésico-cirúrgico. Fonte: Arquivo pessoal, 2014. Figura 3 - Animal recuperado da sedação e anestesia. Fonte: Arquivo pessoal, 2014. CONSIDERAÇÕES FINAIS O procedimento cirúrgico para retirada do cisto de inclusão de pena pode representar um método eficaz de tratamento, possibilitando ainda uma melhor qualidade de vida para o animal. A técnica anestésica e os fármacos utilizados neste estudo mostraram-se ser viáveis e seguros, sendo uma alternativa para outros animais da mesma espécie que necessitem passar por um procedimento anestésico cirúrgico. Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia em calopsita (Nymphicus Hollandicus) para retirada de cisto de inclusão de pena – relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1(1): 16-20. Alm. Med. Vet. Zoo. 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal & Wildlife Immobilization and Anesthesia: Blackwell Publishing, 2007. 2. Schmitt PM, Göbel T, Trautvetter E. Evaluation of pulse oximetry as a monitoring method in avian anesthesia. J Avian Med Surg. 1998;12:92-9. 3. Cornick-Seahorn J. The Practical Veterinarian: Veterinary Anesthesia. Butterworthheinemann. 2000. 4. Greene SA. Veterinary Anesthesia and Pain Management Secrets Philadelphia: Elsevier. 2001. 5. Hawkins MG. The use of Analgesics in birds, reptiles, and small exotic mammals. J Exotic Pet Med. 2006;15:177-92. 6. Longley LA. Anesthesia of exotic pets. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2008. 7. Linn KA, Gleed RD. Avian and wildlife anesthesia. In: Short CE. Principles & practice of veterinary anesthesia. Baltimore: Willians & Wilkins; 1987. 322-9 p. 8. Skarda RT, Berdnarski RM, Muir WW, Hubbel JAE. St. Louis: Mosby Handbook of veterinary anesthesia. 2.ed. 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Zoo. 21 ANESTESIA POR TUMESCÊNCIA COM LIDOCAÍNA 0,08% EM CADELA SUBMETIDA À MASTECTOMIA RADICAL UNILATERAL: RELATO DE CASO TUMESCENT LOCAL ANESTHESIA WITH LIDOCAINE 0.08% IN DOG UNDERGOING UNILATERAL MASTECTOMY: CASE REPORT Néfily Alves Esteves*, Marília D’Elia Eneas*, Caio José Xavier Abimussi† RESUMO A anestesia por tumescência é uma técnica utilizada em cirurgias oncológicas envolvendo glândula mamária que necessitam de grandes margens de ressecção. Esta técnica produz analgesia trans e pós-operatório além de reduzir o sangramento cirúrgico. Foi atendido no Hospital Veterinário “Roque Quagliato” uma cadela da raça Teckel, fêmea, oito anos, 11 kg, que foi submetida à mastectomia unilateral. Como medicação pré-anestésica foi administrado acepromazina (0,02 mg/kg) associado a metadona (0,3 mg/kg) pela via intramuscular. A indução anestésica foi realizada com etomidato (1 mg/kg) e midazolam (1 mg/kg) por via intravenosa, seguido pela intubação orotraqueal da paciente e a manutenção anestésica foi mantida com isoflurano diluído com oxigênio, em concentrações suficientes para manter o animal em plano anestésico cirúrgico, instituído por Guedel (Plano II/Estágio III). Para a técnica de tumescência, foi utilizada uma solução composta por 480 mL de solução Ringer Lactato resfriada, acrescidos de 20 mL de lidocaína a 2% sem vasoconstritor e 1 ml de adrenalina (1:1000) resultando em uma solução a 0,08%, em volume 30 mL/kg. No transoperatório foram monitoradas FC, f, temperatura e pressão arterial. O objetivo desse trabalho é relatar a realização de uma anestesia por tumescência a 0,08% em uma cadela submetida à mastectomia unilateral. Palavras-chave: anestesia local; lidocaína; analgesia; diminuição do sangramento ABSTRACT Tumescent local anesthesia is a widely used technique in oncologic surgeries necessitating large resection margins. This technique produces trans and postoperative analgesia, reducing surgical bleeding. A female, 11 kg, eight year old dog of breed Teckle was submitted to a unilateral mastectomy at the Veterinary Hospital “Roque Quagliato”. As preanesthetic agent was given acepromazine (0.02 mg.kg¹) associated with methadone (0.3 mg.kg¹), intramuscularly. The anesthetic induction was performed with etomidate (1 mg.kg¹) and midazolam (1 mg.kg¹) intravenously, followed by orotracheal intubation and anesthesia was maintained with isoflurane diluted with oxygen in concentrations sufficient to keep the animal in surgical anesthesia, established by Guedel (Plan II/Stage III). For the tumescent technique, was used a solution consisting of 480 mL of Ringer Lactate, added by 20 mL of vasoconstrictor free lidocaine at 2% and 1 mL of adrenaline(1:1000) resulting in a 0.08% solution to a volume of 30 mL/kg, kept in a temperature of 8 to 12 ºC. Temperature, FC, f and blood pressure were monitored on the transoperative. The goal of this project is to account for the realization of a tumescent anesthesia at 0.08% in a dog that was submitted to unilateral mastectomy. Keywords: local anesthesia; lidocaine; analgesia; decreased bleeding * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente, Disciplina de Anestesiologia Veterinária. . Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Esteves NA, Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia por tumescência com lidocaína 0,08% em cadela submetida à mastectomia radical unilateral: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 21-25. Alm. Med. Vet. Zoo. 22 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas tem se constatado um crescente aumento na predominância de câncer nos animais de estimação, sendo considerada por alguns autores a maior causa morte na espécie canina (1). As neoplasias mamárias são os tumores mais frequentes de cadelas não castradas ultrapassando uma incidência de malignidade de 50% nessa espécie implicando em altos índices de mortalidade devido a recidivas e metástases em outros órgãos (2,3). A mastectomia é uma cirurgia de eleição para tumores mamários com alta malignidade, na qual envolve a manipulação superficial de estruturas em grandes dimensões desde a região torácica até a inguinal, promovendo uma ferida cirúrgica com grau de dor de moderada a grave. Essa dor é provida pelas suturas de aproximação, que em medicina humana é descrito como síndrome da dor pós mastectomia (1,2,3). A dor compromete a reabilitação desses pacientes, resultando em hiporexia, catabolismo proteico exacerbado, hipersensibilidade central e dor crônica aumentando as complicações no pós-operatório. Com isso a busca por novos métodos de controle de analgesia tem se tornado cada vez mais importante na medicina veterinária (4). Os anestésicos locais são utilizados como constituintes do protocolo anestésico em cirurgias de mastectomia uma vez que promovem a redução da vaporização dos anestésicos voláteis minimizando os riscos advindos dos planos anestésicos profundos (5,6). São descritas também como vantagens da utilização desses fármacos conforto pós-operatório, diminuição do uso opióides e diminuição da incidência da dor crônica (4). Em meio às técnicas de anestesia locorregional podemos destacar a técnica de anestesia por tumescência, que vem se sobressaindo cada vez mais na medicina veterinária por ser um método prático e seguro para esse procedimento. (7,8). Tal técnica consiste na infiltração de grandes quantidades de soluções anestésicas no tecido subcutâneo (6,9,10). Apresentando como vantagens a potencialização bioquímica dos anestésicos, o aumento da disponibilidade do anestésico no local de administração, a eficiência em atingir pele e tecido subcutâneo, a mínima absorção sistêmica do fármaco, redução da toxidade sistêmica, aumento da dose limite, a elevação mecânica das camadas da pele por hidrodivulsão, analgesia pósoperatória (10 a 18 horas), ação antibacteriana e o aumento da pressão hidrostática local consequentemente reduzindo o sangramento tanto no transoperatório quanto no pósoperatório (4,5,6,8,11). Os benefícios dessa técnica se devem as propriedades dos componentes da solução que na maioria das vezes é constituída por um anestésico local, um fármaco com efeito vasoconstritor, uma substância reguladora de pH e ainda uma solução de infusão intravenosa estéril. Ainda que a literatura relate várias formulações dessa solução, não há um consenso quanto à padronização dessa anestesia embora a lidocaína, adrenalina e uma solução estéril intravenosa sejam os componentes mais utilizados na formulação (4,5,11). Contudo essa prática isolada não é exequível, devido a colaboração do paciente que muitas vezes reluta em permanecer em decúbito e imóvel durante a cirurgia (5,8) Os anestésicos locais de maneira geral têm como mecanismo de ação o bloqueio dos impulsos nervosos aferentes, principalmente os que conduzem os estímulos dolorosos. Apresentam perda temporária da sensibilidade, pois bloqueia os canais de cálcio e consequentemente a despolarização da membrana. Dispõe de um rápido efeito e uma meia vida plasmática média, quando combinado com um fármaco vasoconstritor onde seu metabolismo é previsível e sua toxidade mais fácil de reverter correspondendo um melhor prognóstico (4). A lidocaína é o fármaco mais empregado na anestesia por tumescência, a qual é encontrada em soluções a 1% e 2% com ou sem epinefrina, em forma de gel a 2%, aerossol a 10%, em solução a 4 % e em creme a 5%, podendo ser empregada em anestesias tópicas, intravenosas ou infiltrativas. Esta sem vasoconstritor é indicada também como antiarrítmico e Esteves NA, Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia por tumescência com lidocaína 0,08% em cadela submetida à mastectomia radical unilateral: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 21-25. Alm. Med. Vet. Zoo. 23 como analgésico, tanto como anestésicos quanto analgésicos para dor crônica. A dose máxima recomendada para tumescência em caninos é de 12 mg/kg e a dose para desencadear convulsões é de 22±6,7 mg/kg (5). Para a técnica de tumescência a concentração fica a critério do médico veterinário que deverá levar em consideração a superfície e volume da região a ser anestesiada não devendo ultrapassar a dosagem recomendada (4). O objetivo desse trabalho é relatar a realização de uma anestesia por tumescência a 0,08% em uma cadela submetida à mastectomia. MATERIAIS E METODOS Foi atendido no Hospital Veterinário “Roque Quagliato” um canino doméstico da raça Teckel, fêmea, oito anos, 11 kg, com queixa de nódulos em região mamária. Após atendimento pelo serviço de clínica cirúrgica de pequenos animais, foi constatado que se tratava de uma neoplasia mamária e após confirmação por exame citológico, foi indicado o tratamento cirúrgico, com remoção da cadeia mamária acometida. O animal foi encaminhado à internação, permanecendo em jejum alimentar e hídrico (12 horas e 2 horas, respectivamente). No dia do procedimento, o animal foi encaminhado para a sala de preparo anestésico onde foi submetido à avaliação física (FC, f, temperatura retal, avaliação e mucosas e hidratação). O animal recebeu como medicação pré-anestésica (MPA) acepromazina (0,02 mg/kg) associada com metadona (0,3 mg/kg) pela via intramuscular. Decorridos 10 minutos, realizou-se a tricotomia da região a ser abordada cirurgicamente bem como o local para a cateterização e fornecimento de fluidoterapia. Após alocação de um cateter 22G em veia cefálica, o animal foi conduzido ao centro cirúrgico onde se realizou indução com etomidato (1mg/kg) e midazolam (1 mg/kg), por via intravenosa, seguida de intubação e manutenção anestésica com isoflurano em concentrações suficientes para manter o animal em plano anestésico cirúrgico, instituído por Guedel (Plano II/Estágio III). Para a anestesia de tumescência, foi utilizado o mandril do cateter 18, acoplada a uma torneira de três vias, um equipo macrogotas e uma seringa de 20 mL Em seguida realizou-se assepsia da região com álcool onde o mandril foi introduzido no subcutâneo iniciando-se a administração da solução de tumescência num volume fixo de 30 mL/kg. A solução foi composta de 480 ml de solução Ringer lactato, 20 ml de lidocaína a 2% sem vasoconstritor e 1 ml de adrenalina resultando em uma solução a 0,08%, e resfriada a uma temperatura de 8 a 12 ºC. Os parâmetros foram aferidos ao longo do procedimento cirúrgico, em intervalos de cinco minutos. O animal recebeu como medicação trans operatória: cefazolina (30 mg/kg) por via intravenosa e meloxicam (0,15 mg/kg) por via subcutânea. RESULTADOS O ato cirúrgico perdurou durante duas horas onde o animal foi monitorado, através de frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e pressão arterial a qual mantiveramse estáveis confirmando o plano anestésico adequado. A temperatura durante todo o transoperatório foi inferior a temperatura basal, sendo o valor mínimo encontrado de 35,6ºC. A frequência cardíaca manteve-se abaixo dos 10% da frequência cardíaca basal (114 batimentos por minuto) durante todo o ato cirúrgico. Durante o procedimento cirúrgico a frequência respiratória não apresentou nenhuma relevância já que o animal manteve-se na ventilação mecânica. A pressão arterial média teve um aumento durante o ato cirúrgico, devido à técnica de exérese por tração manual, se estabilizando novamente após o término do método. O volume expirado do anestésico halogenado não apresentou variância significante no período do transoperatório. Esteves NA, Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia por tumescência com lidocaína 0,08% em cadela submetida à mastectomia radical unilateral: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 21-25. Alm. Med. Vet. Zoo. 24 Tabela 1 - Paramentos avaliados durante o trans cirúrgico. Parâmetros Basal Inicio Cirurgia Exérese Final Cirurgia FC (bpm) 114 85 102 122 f (mpm) 36 10 16 23 38,2 37,2 36.3 35,6 PAM (mmHg) - 53 68 73 V (%) - 1,3 1.16 1,0 SpO2 (%) - 98 98 98 T (ºC) FC (frequência cardíaca), f (frequência respiratória), T (temperatura), PAM (pressão arterial media), V (vaporização) e SpO2 (saturação de oxihemoglobina) DISCUSSÃO Conforme verificado em estudos anteriores as concentrações da anestesia por tumescência podem apresentar variações de 0,05 a 0,1 % portanto devido a não padronização da composição e uma variância na taxa a ser infundida outras concentrações foram constatadas como 0,3%, 0,16% até 0,32% na qual não ultrapassaram os limites plasmáticos tóxicos de lidocaína (5,4). No estudo apresentado a solução foi composta de um fármaco anestésico local, uma substância vasoconstritora e uma solução reguladora que apresentou uma concentração 0,08% consideradas baixas perante o procedimento no qual é considerado com um grau de dor de moderado a grave. A solução foi administrada por meio de um cateter não sendo, de acordo com Credie et al (2013) e Abimussi et al (2014) (6,10) o mais adequado devido a sua limitação de tamanho para alcançar todo o tecido, necessitando de várias perfurações na pele o que resulta em hematomas. Os autores ainda ressaltam a realização da infiltração utilizando a cânula de Klein por possuir ponta romba e tamanho variado, características essas que reduzem os traumas e hematomas na pele bem como o número de punções. Outra vantagem é a presença vários orifícios na extremidade da cânula o que facilita a difusão da solução para todo o tecido com maior eficiência. A frequência cardíaca apresentou estável, contando que o animal encontrava-se em plano anestésico adequado, não precisando administrar fármacos analgésicos durante todo o procedimento como verificado durante estudos por Correia (4). A frequência respiratória não apresentou nenhuma relevância nesse estudo já que o animal se manteve na ventilação controlada, mas sendo um fator importante a observa pois segundo Hustad & Aitken (2006) (12) uma das complicações na medicina humana gerada pela anestesia de tumescia são as complicações respiratória, como o edema pulmonar pela grande infusão de líquidos. A pressão arterial media apresentou-se aumento devido exérese por tração manual do tecido como verifico também por (8). Os parâmetros monitorados mantiveram-se estáveis, embora tenha ocorrido a queda da temperatura durante o procedimento cirúrgico. Isso pode ser atribuído ao fato de o paciente encontrar-se sob anestesia geral e a solução infiltrada estar resfriada. (8). Essa ocorrência não é verificada em medicina humana, pois as soluções são infundidas a uma temperatura de 38ºC a 40ºC minimizado a perda de temperatura e melhorando o conforto na hora da infiltração já que em muitos casos, os pacientes encontram-se sob mínima sedação (11,12). CONCLUSÃO Esteves NA, Eneas MD, Abimussi CJX. Anestesia por tumescência com lidocaína 0,08% em cadela submetida à mastectomia radical unilateral: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 21-25. Alm. Med. Vet. Zoo. 25 Conclui-se que a utilização da técnica de anestesia por tumescência é efetuada com grande sucesso em mastectomias, entretanto no presente estudo a associação com epidural pode ter infuenciado na eficiencia dessa tecnica como sujere alguns autores nos quais preconizam a assosiação das mesmas para maior excelencia. Verificou-se tambem que a concentração de lidocaina de 0,08% apesar de encontram-se abaixo da dosagem prescrita produziram um efeito desejado na qual o animal mante-se em plano anestesico adequado com valores de vaporização de anestesico baixo e estaveis, e conforto no pos-cirurgico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1-Cirillo JV. Tratamento quimioterápico das neoplasias mamárias em cadelas e gatas. Ver Inst Ciênc Saúde. 2008;26(3):325-7 2- Silva JRS. Mastectomia em cadelas-variações da técnica segundo a drenagem linfática da cadeia mamaria: revisão de literatura [monografia]. Rio de janeiro: Universidade Castelo Branco; 2006. 3-Queiroz RA, Almeida EL, Santos MR, Cavalcanti LES. Mastectomia parcial ou radical como tratamento de neoplasias mamárias em cadelas e gatas atendidas no hospital veterinário. In: XIII Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão; 2013, Recife. Recife – UFRPER; 2013. 4- Correia A. Anestesia local tumescente em cadelas submetidas à mastectomia [monografia]. 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Zoo. 26 ASPECTOS CLÍNICO-PATOLÓGICOS DA DEMODICIOSE CANINA E O USO DO TRATAMENTO DE DORAMECTINA ATRAVÉS DA EXTRAPOLAÇÃO ALOMÉTRICA INTERESPECÍFICA CLINICAL PATHOLOGICAL ASPECTS OF CANINE DEMODICOSIS AND THE DORAMECTIN TREATMENT OF THE USE THROUGH EXTRAPOLATION INTERSPECIFIC ALLOMETRIC Camila Zanon Gonçalves * Freddi Bardela de Souza† RESUMO A demociose canina é uma das dermatopatias mais comumente encontradas nas clínicas veterinárias, sendo que a forma generalizada é a manifestação mais grave dessa doença nos cães, principalmente nos jovens, devido a uma imunodeficiência hereditária que leva a proliferação excessiva do ácaro Demodex. Com o insucesso no tratamento através do amitraz, sendo que este se estabeleceu como padrão terapêutico por mais de 20 anos, e por suas consecutivas recidivas e efeitos colaterais, que uma nova classe terapêutica vem ganhando espaço, a doramectina, uma avermectina do grupo das lactonas macrocíclicas. A doramectina é extremamente eficiente no tratamento da demodiciose, quando empregada semanalmente por via subcutânea, em doses calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica, sem apresentar quaisquer efeitos colaterais. Palavras-chave: cão; Demodex; doramectina; extrapolação alométrica ABSTRACT Canine demodectic mange, or canine demodiciosis, is one of the most commonly found skin diseases in veterinary practice, and the general shape is the most severe manifestation of this disease in dogs, especially in the young due to an inherited immunodeficiency disease leads to excessive proliferation Demodex canis mite. After the failure of treatment with amitraz that had been established as a therapeutic standard for over 20 years, and in consecutive relapses and side effects, new therapeutic class has been increasing, the Doramectin, an avermectin of Macrocyclic lactones family. Doramectin is extremely efficient in treating demodiciose, when used weekly subcutaneously at doses calculated by interspecific allometric extrapolation, without showing any side effects. Keywords: dog; Demodex; doramectin; allometric scaling INTRODUÇÃO A demodiciose canina consiste em uma dermatopatia primária inflamatória, não contagiosa, causada pela excessiva proliferação do Demodex canis, que é um ácaro comensal da microbiota cutânea canina (1). Também podem ser mencionadas outras novas espécies de ácaros, não tão frequentes, como Demodex cornei e Demodex injai (2). A doença é classificada como localizada (DCL) ou generalizada (DCG), E dependendo das primeiras manifestações clínicas, pode ser classificada como juvenil ou adulto (3). O diagnóstico é feito a partir dos sinais dermatológicos e por exame microscópico para pesquisa do ácaro no material colhido do exame parasitológico cutâneo (4). * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: † Docente, Disciplina de Patologia Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 27 Devido ao insucesso no tratamento da demodiciose com o uso de amitraz (5), atualmente, a terapia com doramectina, uma avermectina, vem sendo preconizada devido ao seu perfil farmacocinético prolongado e sua alta potência contra nematódeos e artrópodes (6). Nos cães, seu uso é através de doses por extrapolação alométrica interespecífica (7). As doses são calculadas com base na massa corporal do paciente, e expressas de maneira unidimensional, como quantidade por unidade de massa (mg/Kg). Dessa maneira, a quantidade total do fármaco aumenta de maneira linear à elevação do peso corporal do animal (8). Sendo assim, prognóstico é bom, em mais de 95% dos casos apresentam cura e sem recidivas, como também é o único método eficaz para as raças Collie, já que esta apresenta sensibilidade a outras classes de fármacos, como a ivermectina (9). O objetivo deste trabalho é descrever sobre os aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento com doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. REVISÃO DE LITERATURA Etiologia O Demodex canis é um parasito obrigatório da pele de cães e morre facilmente fora desta, pela dissecação (10). O parasito habita o interior dos folículos pilosos, e ocasionalmente as glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas apócrinas (11), e se alimenta de secreção sebácea, de escamas e de células vivas (12). O Demodex injai possui opistossoma mais longo, enquanto o Demodex cornei possui um corpo mais curto que os demais (13). As fêmeas fecundadas depositam seus ovos no folículo piloso. Ao eclodirem, as larvas deslocam-se para a superfície, alimentam-se e mudam para protoninfa, e depois para deutoninfa. As larvas e as ninfas se movimentam pelo fluxo sebáceo para a entrada do folículo, onde alcançam o estágio adulto e repetem o ciclo, que é completado em até 35 dias (16). Epidemiologia A demodiciose canina é mais comum em regiões tropicais e subtropicais, onde tende a seguir um curso mais agressivo e ocorre em igual freqüência em cães de pêlos longos e pêlos curtos (17). As raças mais comum de serem vistas nas clínicas veterinárias são o Boxer, Buldog Inglês, Collie, Dálmata, Dachshund, Lhasa Apso, Pug, Rottweiller, Shar-Pei Chinês, Pit Bull Terrier e Shi Tzu (18). A demodiciose não é contagiosa para o homem. Acomete animais tanto na fase jovem com aproximadamente dezoito meses, como na fase adulta com idade geralmente superior a quatro anos (19). Existem alguns fatores predisponentes para a manifestação da demodiciose como estresse, desnutrição, traumatismo, estro, parto, lactação, ou até mesmo doenças imunossupressoras, como diabetes mellitus, doenças hepáticas, neoplasia, hipotireoidismo e hiperadrenocorticismo (14). A administração de drogas imunossupressoras também pode predispor à doença (20). Patogenia e Transmissão Supõe-se que certas cadelas transportem um fator geneticamente transmitido que resulta em imunodeficiência em seus filhotes, tornando-os mais suscetíveis á invasão por ácaros (22). Além disso, supõe-se que o próprio Demodex canis cause uma imunodeficiência mediada por células que suprime a resposta normal de células T (14). Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 28 A transmissão ocorre da cadela para os neonatos lactantes por contato direto nos dois ou três primeiros dias de vida neonatal, uma vez que o Demodex canis é residente normal da pele canina. Os ácaros são observados primeiramente na face dos filhotes, e quando atingem 16 horas de vida são evidenciados nos folículos pilosos (17). Quando os filhotes nascem por cesária, recebem a alimentação sem ser pela mãe infectada, eles não albergam os ácaros, assim como nos filhotes natimortos o que demonstram que a transmissão in útero não ocorre (12). Sintomatologia Clínica A demodiciose pode ser reconhecida em dois tipos: a localizada, ou escamosa e a generalizada, ou pustular (16). Também há relato da pododemodiciose (6). Os sinais clínicos da demodiciose causada pelo Demodex. injai são semelhantes àqueles ocasionados pelo Demodex canis, como alopecia, descamação, eritema, hiperpigmentação e prurido variável (23). Demodiciose Canina Localizada A demodiciose canina localizada (DCL), ou demodiciose escamosa, é a forma mais comum da doença e acomete cães jovens de menos de um ano, (geralmente entre os 3 a 6 meses de idade) (24), e se caracteriza pela presença de menos de seis lesões cutâneas circulares, alopécicas, escamosas e mais ou menos inflamadas, sendo na maioria das vezes autolimitante (22). As lesões são mais frequentemente observadas na face, na região periocular, nos lábios, nas comissuras labiais, no queixo e condutos auditivos externos (otodemodiciose) (19). Estas regiões são mais frequentemente acometidas em razão da sua densidade elevada de glândulas sebáceas, de umidade mantida pela lágrima e pela saliva trazida pelas lambeduras e, também, por serem zonas de maior contato com a mãe no momento do aleitamento (24). As lesões são caracterizadas por graus variados de eritema, descamação, alopecia e hiperpigmentação com comedões, com ou sem prurido. As áreas afetadas tornam-se “quentes ao toque”, ásperas e espessadas, podendo apresentar-se recobertas por escamas prateadas (12). Demodiciose Canina Generalizada A demodiciose canina generalizada (DCG) acomete mais os jovens, entre 3 a 18 meses de idade. No cão adulto, às vezes é observada em animais que tiveram ocorrência branda da sarna quando jovens, mas sem diagnóstico ou sem resolução da doença (6). As lesões são frequentemente dolorosas e com mais de cinco áreas de alopecia focal, especialmente na cabeça, nas pernas e no tronco (25), mas podem afetar toda a região corpórea, com envolvimento dos espaços interdigitais de duas ou mais patas (pododemodiciose) (19). A alopecia generalizada difusa é a única anormalidade cutânea no curso inicial da afecção. Em pouco tempo podem ser observadas eritema, descamação, formação de crostas e tamponamento folicular que resultam na forma escamosa da DCG. Alguns cães, em especial os adultos, exibem manchas multifocais de hiperpigmentação (13). As lesões de pele ocasionadas pelo D. canis em sua forma generalizada permitem que a flora bacteriana normal da pele se torne patogênica. A piodermite gerada por essa proliferação é ocasionada principalmente pelo Staphylcoccus intermedius, uma bactéria grampositiva que está envolvida em aproximadamente 90% dos casos (16-22). As infecções oportunistas podem levar ao quadro de demodiciose pustular caracterizada pela presença de pápulas, pústulas e foliculite, com secreção sanguinopurulenta, além de edema e comprometimento geral do paciente. Podem ocorrer piodermite profunda com formação de crostas, ulceração e exsudação das lesões (19). Prurido, que não é uma Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 29 característica comum na demodiciose, pode estar presente, em decorrência de uma reação de hipersensibilidade e infecções secundárias. O animal pode apresentar odor desagradável e uma ampla descaracterização da pele (17). Pododemodiciose Esta forma da doença ocorre nas extremidades dos membros do animal, sem que ocorram lesões generalizadas. Podem-se observar lesões digitais e interdigitais, susceptíveis às piodermites secundárias. Em alguns cães, a pododemodiciose pode cronificar, tornando-se extremamente resistente à terapia (12). As lesões caracterizam-se por prurido interdigital, dor, eritema, alopecia, hiperpigmentação, liquenificação, descamação, edema, crostas, pústulas, bolhas e comedões (19). Diagnóstico Devemos suspeitar de demodiciose canina se houver uma história de demodiciose familiar. Temos sempre que questionar os proprietários uma série de eventos ou situações poderiam descompensar a capacidade do animal de controlar a proliferação de ácaros (3). Deve-se realizar um exame físico completo para identificar fatores ou doenças predisponentes (16). São utilizados os testes laboratoriais para triar quanto às doenças predisponentes, especialmente quando se encontra presente a demodiciose generalizada canina. Perfil bioquímico sérico, urinálise e hemograma completo, constituem os testes de triagem básicos (26). Se juntarmos a anamnese, o exame físico e os testes laboratoriais de triagem e os mesmos indicarem uma disfunção endócrina ou disfunção interna possível, devese então realizar testes mais específicos, como por exemplo, testes para o diagnóstico do hiperadrenocorticismo (27). Geralmente a técnica de primeira escolha para o diagnóstico de demodiciose é o exame parasitológico de raspado cutâneo o qual apresenta fácil execução, baixo custo e alta sensibilidade (3). Os raspados de pele devem ser profundos e realizados na direção do crescimento dos pelos, realizando em diferentes regiões do corpo, especialmente em áreas de transição de pele saudável e a lesão, e com presença de comedões (15). Deve-se pinçar a pele para tentarmos expor os ácaros para fora dos folículos pilosos, e realizar o raspado com uma lâmina de bisturi cirúrgico, bem profundo, até que ocorra sangramento capilar (27). O material coletado deverá ser colocado em uma lâmina e observado ao microscópio no aumento de 40X e 100X (16). De acordo com Mueller (15), o diagnóstico é feito quando se observa grande número de ácaros adultos ou pelo achado de uma relação aumentada de ovos, larvas ou ninfas em relação aos adultos. Mas como é difícil achar um ácaro no raspado de um animal, quando visualizado em pequena quantidade, não devemos descartar a hipótese do animal estar com a doença; portanto o melhor seria realizar vários raspados antes de se excluir o diagnóstico. Em áreas delicadas como região periocular, podemos optar pela técnica da impressão em fita adesiva, que é realizada através do beliscamento da pele lesionada para externação dos ácaros do folículo piloso e posterior decalque da face adesiva da fita sobre a área pressionada (19). O exame histopatológico é indicado em casos onde há suspeita de demodiciose, e os raspados cutâneos rotineiros deram negativos (12). Isto é, particularmente comum em pacientes com lesões crônicas ou cicatrizes, como as da pododemodiciose. Cães da raça Shar Pei também são relatados por serem difíceis de realizar raspado cutâneo devido a suas dobradiças na pele e assim requererem exame histopatológico (6). A biópsia cutânea relata graus variáveis de perifoliculite, foliculite e furunculose. Os folículos afetados estão repletos Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 30 de ácaros, restos queratinosos em número variável de alguns tipos de células inflamatórias. É comum aparecer infecção secundária bacteriana (27). O diagnóstico diferencial para DCG é feito principalmente para foliculite e a furunculose causadas por outros agentes que não sejam o Demodex spp. Ainda quando há esfoliação é importante diferenciar de seborréia (25). Já a DCL deve ser diferenciada de dermatofitoses ou trauma localizado (28). Em cães adultos, as doenças de base devem ser investigada especialmente as que levam a quadros de imunossupressão, com ênfase aos casos de hiperadrenocorticismo (3). Tratamento A demodiciose canina localizada e a generalizada devem ser consideradas como duas entidades patológicas distintas, exigindo avaliação clínica e tratamento diferentes (6). As possibilidades de cura são maiores quando controladas as causas primárias da imunossupressão em animais adultos (16), sendo que o insucesso terapêutico se deve, basicamente, à tríade composta por localização profunda dos ácaros, imunocomprometimento e piodermites secundárias (10). Os tratamentos mais usados atualmente são o amitraz e as lactonas macrocíclicas (15). O amitraz é um acaricida/inseticida da família da formamidina, e foi o primeiro produto licenciado para tratamento de demodiciose canina generalizada, constituindo um passo significativo na terapia, e permanecendo por mais de 20 anos como padrão terapêutico (20). A eficácia do tratamento com amitraz apresenta grande variação, em estudos com acompanhamento de 12 meses, ocorreu recidiva diagnosticada por raspagens cutâneas em 29 de 254 cães (11%) (15). Os efeitos adversos observados no tratamento com amitraz foram depressão, sonolência, ataxia, polifagia/polidipsia, êmese/diarreia, além de eritema generalizado, descamação e odor desagradável (26). Ao longo de duas décadas de uso do amitraz no tratamento da demodiciose foi possível observar indícios de resistência parasitária, sendo que provavelmente a seleção de ácaros resistentes decorreu do uso incorreto da aplicação do produto (20). Assim, como consequência da resistência e dos inconvenientes da utilização do amitraz, moléculas com ação sistêmica passaram a ser testadas, destacando-se as lactonas macrocíclicas (LM), como a doramectina (15). Os primeiros estudos sugeriam que as LM atuavam somente na modulação da neurotransmissão mediada pelo ácido gama-aminobutírico (GABA), mas atualmente sabe-se que as LM se ligam seletivamente aos canais de cálcio mediados por glutamato, pelos quais têm grande afinidade, potencializando-os ou ativando-os diretamente, resultando em aumento da permeabilidade celular aos íons cloro e causando bloqueio neuromuscular, que resulta em paralisia e morte do parasito (6, 15, 22). A doramectina é uma avermectina que passou a ser usada com sucesso tratamento da demodiciose a partir de 1999 (9). O medicamento também já foi empregado de forma preliminar no tratamento de sarna sarcóptica canina e sarna notoédrica felina (6). No Brasil, o produto comercial chama-se Dectomax®, e a doramectina é produzida a partir da fermentação por uma nova cepa de Streptomyces avermitilis, sendo escolhida para produção industrial, em função de seu perfil farmacocinético prolongado e sua alta potência contra nematódeos e artrópodes (27). Em um estudo feito por PACHALY et al., (9), onde 18 cães portadores da demodiciose, empregando o uso da doramectina durante seis a doze semanas, com doses semanais calculadas por meio da extrapolação alométrica interespecífica, obteve-se resultado de quase 95% de cura, e 15 destes animais acompanhados em um período de 12 meses após término do tratamento, não apresentaram nenhuma recidiva. Assim a doramectina apresenta Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 31 uma eficiência comparável à da milbemicina oxima e superior à ivermectina. Outro estudo com 15 cães portadores da doença, tratados durante cinco a quinze semanas, durante a primeira e décima terceira semana de tratamento já obteve o raspado negativo, não evidenciando o ácaro. Com isso, os resultados mostraram que todos os animais apresentaram cura (100%), e sem recidivas, logo após 12 meses do fim do tratamento (6). No que diz respeito ao emprego da doramectina em raças que têm notória hipersensibilidade à ivermectina, existe um relato de administração experimental da doramectina em um Collie adulto (29), utilizando doses calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica. Naquele caso, o fármaco foi administrado semanalmente durante cinco semanas, sendo as doses ajustadas também semanalmente, uma vez que houve expressivo ganho de peso à medida que o paciente recuperava, observando-se ausência de efeitos colaterais e excelente recuperação (29). Segundo Silva (6), a partir da dose de doramectina de 0,02 mg/kg, recomendada para um bovino doméstico com peso de 500 kg, foram feitos cálculos de extrapolação alométrica interespecífica. Tendo em vista a concentração 10 mg/mL do produto comercial Dectomax®, tais cálculos geraram tabelas referentes às doses em mL para administrar em cães domésticos pesando entre 1,0 e 89,5 kg (tabela 1 e 2). Sendo em via subcutânea e o intervalo de administração semanal (sete dias). As doses devem ser reajustadas semanalmente, de acordo com a variação de peso apresentada pelos pacientes. Tabela 1 - Doses de doramectina a 1%, em mL, a administrar semanalmente, por via subcutânea, para tratamento de demodicose, cães pesando de 1,0 a 10,1 kg (5) Peso (kg) 1,00 1,10 1,20 1,30 1,40 1,50 1,60 1,70 1,80 1,90 2,00 2,10 2,20 2,30 2,40 2,50 2,60 2,70 2,80 2,90 3,00 3,10 3,20 Dose (mL) 0,095 0,102 0,108 0,115 0,122 0,128 0,135 0,141 0,147 0,153 0,159 0,165 0,171 0,177 0,182 0,188 0,194 0,199 0,205 0,210 0,216 0,221 0,226 Peso (kg) 3,30 3,40 3,50 3,60 3,70 3,80 3,90 4,00 4,10 4,20 4,30 4,40 4,50 4,60 4,70 4,80 4,90 5,00 5,10 5,20 5,30 5,40 5,50 Dose (mL) 0,232 0,237 0,242 0,247 0,252 0,257 0,262 0,267 0,272 0,277 0,282 0,287 0,292 0,297 0,302 0,307 0,311 0,316 0,321 0,326 0,330 0,335 0,340 Peso (Kg) 5,60 5,70 5,80 5,90 6,00 6,10 6,20 6,30 6,40 6,50 6,60 6,70 6,80 6,90 7,00 7,10 7,20 7,30 7,40 7,50 7,60 7,70 7,80 Dose (mL) 0,344 0,349 0,353 0,358 0,363 0,367 0,372 0,376 0,381 0,385 0,389 0,394 0,398 0,403 0,407 0,411 0,416 0,420 0,424 0,429 0,433 0,437 0,441 Peso (Kg) 7,90 8,00 8,10 8,20 8,30 8,40 8,50 8,60 8,70 8,80 8,90 9,00 9,10 9,20 9,30 9,40 9,50 9,60 9,70 9,80 9,90 10,00 10,10 Dose (mL) 0,446 0,450 0,454 0,458 0,462 0,467 0,471 0,475 0,479 0,483 0,487 0,491 0,496 0,500 0,504 0,508 0,512 0,516 0,520 0,524 0,528 0,532 0,536 Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 32 Tabela 2 - Doses de doramectina a 1%, em mL, a administrar semanalmente, por via subcutânea, para tratamento de demodicose, cães pesando de 10,0 a 89,5 kg (5) Peso (kg) 10,00 10,50 11,00 11,50 12,00 12,50 13,00 13,50 14,00 14,50 15,00 15,50 16,00 16,50 17,00 17,50 18,00 18,50 19,00 19,50 20,00 20,50 21,00 21,50 22,00 22,50 23,00 23,50 24,00 24,50 25,00 25,50 26,00 26,50 27,00 27,50 28,00 28,50 29,00 29,50 Dose (mL) 0,532 0,552 0,571 0,591 0,610 0,629 0,647 0,666 0,684 0,703 0,721 0,739 0,757 0,774 0,792 0,809 0,826 0,844 0,861 0,878 0,894 0,911 0,928 0,944 0,961 0,977 0,993 1,009 1,025 1,041 1,057 1,073 1,089 1,105 1,120 1,136 1,151 1,167 1,182 1,197 Peso (kg) 30,00 30,50 31,00 31,50 32,00 32,50 33,00 33,50 34,00 34,50 35,00 35,50 36,00 36,50 37,00 37,50 38,00 38,50 39,00 39,50 40,00 40,50 41,00 41,50 42,00 42,50 43,00 43,50 44,00 44,50 45,00 45,50 46,00 46,50 47,00 47,50 48,00 48,50 49,00 49,50 Dose (mL) 1,212 1,227 1,242 1,257 1,272 1,287 1,302 1,317 1,332 1,346 1,361 1,375 1,390 1,404 1,419 1,433 1,447 1,462 1,476 1,490 1,504 1,518 1,532 1,546 1,560 1,574 1,588 1,602 1,616 1,629 1,643 1,647 1,670 1,684 1,698 1,711 1,725 1,738 1,752 1,765 Peso (Kg) 50,00 50,50 51,00 51,50 52,00 52,50 53,00 53,50 54,00 54,50 55,00 55,50 56,00 56,50 57,00 57,50 58,00 58,50 59,00 59,50 60,00 60,50 61,00 61,50 62,00 62,50 63,00 63,50 64,00 64,50 65,00 65,50 66,00 66,50 67,00 67,50 68,00 68,50 69,00 69,50 Dose (mL) 1,778 1,792 1,805 1,818 1,831 1,845 1,858 1,871 1,884 1,897 1,910 1,923 1,936 1,949 1,962 1,975 1,988 2,001 2,013 2,026 2,039 2,052 2,064 2,077 2,090 2,102 2,115 2,127 2,140 2,152 2,165 2,177 2,190 2,202 2,215 2,227 2,240 2,252 2,264 2,276 Peso (Kg) Dose (ml) 70,00 70,50 71,00 71,50 72,00 72,50 73,00 73,50 74,00 74,50 75,00 75,50 76,00 76,50 77,00 77,50 78,00 78,50 79,00 79,50 80,00 80,50 81,00 81,50 82,00 82,50 83,00 83,50 84,00 84,50 85,00 85,50 86,00 86,50 87,00 87,50 88,00 88,50 89,00 89,50 2,289 2,301 2,313 2,325 2,338 2,350 2,362 2,374 2,386 2,398 2,410 2,422 2,434 2,446 2,458 2,470 2,482 2,494 2,506 2,518 2,530 2,542 2,554 2,565 2,577 2,589 2,501 2,512 2,524 2,536 2,548 2,659 2,671 2,682 2,694 2,706 2,717 2,729 2,740 2,752 Além do tratamento acaricida, recomenda-se para uma maior eficácia do tratamento, tratar casos de piodermite secundárias com xampus antissépticos locais, como xampu de peróxido de benzoíla a 3%, clorexidine e permanganato de potássio a 3% em casos de pododemodiciose (3). A cefalexina tem sido o antibiótico de eleição, na dose de 20 a 30 mg/kg duas vezes ao dia, por no mínimo duas a três semanas, e em caso de prurido, o uso de anti-histamínicos pode ser recomendado (14). Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 33 O controle de cura com a realização do exame parasitológico cutâneo é de suma importância no sucesso terapêutico, pois a melhora clínica não pode ser considerada como parâmetro se um cão está totalmente curado, e as recidivas podem ser mais graves, caso o proprietário decida desistir do tratamento (15). Extrapolação Alométrica Interespecífica . Alometria (alo = diferente, metria = medida), é o estudo da maneira pela qual uma variável dependente (taxa metabólica), varia em relação a uma variável independente (massa corporal) (30). Ou seja, é a comparação matemática entre animais de tamanhos/massas diferentes, colocando-os dentro de um mesmo padrão numérico (7). O propósito do método alométrico é a extrapolação das doses de drogas entre animais de forma e/ou tamanhos díspares, possibilitando o uso de dados farmacológicos obtidos em um animal modelo (animal para o qual o fármaco foi desenvolvido), para a farmacoterapia em um “animal alvo” (paciente em estudo) (8). Convencionalmente, as doses de drogas são calculadas com base na massa corporal do paciente, e expressas de maneira unidimensional, como quantidade por unidade de massa (mg/Kg) (7). Quando existem grandes diferenças na massa e nas taxas metabólicas, como acontece quando se comparam animais com dezenas ou centenas de kg de diferença, como cães e bovinos, por exemplo, as doses empregadas podem variar tremendamente (30). O método de extrapolação alométrica corrige essa distorção, empregando um sistema energético (tridimensional ou volumétrico), que permite calcular e expressar doses como quantidade por energia consumida pelo animal em situação de metabolismo basal, em mg/Kcal (6). Então, a comparação alométrica permite que se calculem dosagens e freqüências de administração de drogas para indivíduos diferentes daqueles para os quais já se realizaram estudos farmacocinéticos, com base em suas necessidades energéticas (30). Prognóstico e Controle O prognóstico depende da genética, da resposta imunológica e das doenças subjacentes, sendo que a forma localizada, na maioria dos casos apresenta resolução espontânea, em um período que dura de seis a oito semanas, como também pode evoluir para a forma generalizada (18). Com o uso da doramectina o prognóstico é bom, em mais de 95% dos casos apresentam cura e sem recidivas, como também é o único método eficaz para a raça Collie, já que esta apresenta sensibilidade a outras classes de fármacos, como a ivermectina (9). Para prevenir a demodiciose, deve-se evitar o uso de drogas imunossupressoras, retirar os machos e as fêmeas portadores da doença da reprodução, e nas fêmeas deve ser realizada a ovário salpingo histerectomia (OSH), uma vez que estas poderão ter recidivas quando estiverem em estro, devido a supressão do sistema imunológico (19). CONSIDERAÇÕES FINAIS A demodiciose canina acomete principalmente cães de raças puras, devido a uma predisposição genética que estaria relacionada a um defeito primário na imunidade mediada por células T, podendo ser tanto localizada como generalizada, sendo esta a forma mais grave. Devido ao insucesso no tratamento com o amitraz, atualmente o uso da doramectina no tratamento da demodiciose com doses calculadas por extrapolação alométrica, permite-se um percentual de quase 95% de cura, sem recidivas, e sem apresentar efeitos colaterais, sendo este o único método eficaz para a raça Collie, já que esta apresenta hipersensibilidade a outras drogas. Assim o clínico pode oferecer boas perspectivas de êxito na recuperação de animais acometidos por esta dermatose. Gonçalvez CZ, Souza FB. Aspectos clínico-patológicos da demodiciose canina e o uso do tratamento de doramectina através da extrapolação alométrica interespecífica. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 26-35. Alm. Med. Vet. Zoo. 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Pena SB. Frequência de Dermatopatias Infecciosas, Parasitárias e Neoplásicas em Cães na Região de Garça, São Paulo, Brasil [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista; 2007. 2. 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Dentre as afecções do musculo cardíaco, a de maior prevalência é a cardiomiopatia hipertrófica (CMH). A CMH é caracterizada por alterações fisiopatológicas e estruturais no coração que implicam em um déficit no relaxamento ventricular e em uma hipertrofia concêntrica da parede ventricular, resultando em disfunção diastólica, que por sua vez acarreta na alteração de pressão de enchimento ventricular, atuando finalmente para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva. Por ser assintomática na maior parte da vida, geralmente passa desapercebido pelo proprietário, até que o animal comece a apresentar sinais de apatia, anorexia, prostração, emagrecimento, dispneia, intolerância ao exercício e síncope, já em um estágio mais avançado da cardiomiopatia. O diagnóstico é difícil, pois as alterações hematológicas, bioquímicas séricas, radiográficas e eletrocardiográficas muitas vezes não se mostram eficientes. Por esta característica, o uso de ferramentas diagnósticas mais específicas, como a ecocardiografia, se faz fundamental para o diagnóstico precoce da doença e posteriormente para classificação do grau de alterações estruturais. O prognóstico é de reservado a ruim, tendo em vista que a maior parte dos animais já chega em um estágio avançado da doença. O tratamento visa garantir a qualidade de vida dos animais e prolongar a sobrevida. O presente trabalho relata o caso de um felino da raça Persa, fêmea, de cinco anos de idade, que deu entrada no Hospital Veterinário “Roque Quagliato”, das Faculdades Integradas de Ourinhos, apresentando dispneia e taquicardia, posteriormente diagnosticado com CMH. Palavras-chave: cardiopatia; felino; hipertrofia concêntrica; hipertensão arterial; tromboembolismo ABSTRACT Diseases involving the myocardium account for the group of heart disorders of utmost importance in feline species. Among the diseases of the heart muscle, the most prevalent is hypertrophic cardiomyopathy (HCM). Hypertrophic cardiomyopathy is characterized by structural and pathophysiological changes in the heart which causes a deficit in the ventricular relaxation, and a concentric hypertrophy of the ventricular wall, resulting in diastolic dysfunction, which in turn leads to ventricular filling pressure change, acting to finally development of congestive heart failure. Because it is asymptomatic in most of life, usually goes unnoticed by the owner, until the animal begins to show signs of apathy, anorexia, prostration, weight loss, dyspnea, exercise intolerance and syncope, already at a more advanced stage of cardiomyopathy. Diagnosis is difficult because the hematological, serum biochemical, radiographic and electrocardiographic studies often do not show signs. For this characteristic, the use of more specific diagnostic tools, echocardiography, is essential for the early diagnosis of the disease and later for classifying the degree of structural changes. The * Aluno do Programa de Aperfeiçoamento em Clínica Médica de Pequenos Animais. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente, Disciplina de Clínica Médica de Pequenos Animais. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 37 prognosis is poor, considering that most of the animals is presents an advanced stage of the disease. The treatment aims to ensure quality of life for animals and prolong survival. This paper reports one case of a feline, Persian breed, female , five years old , at the Veterinary Hospital "Roque Quagliato" of the Faculdades integradas de Ourinhos , presenting dyspnea and tachycardia , diagnosed with HCM Keywords: heart disease; feline; hypertrophy concentric; arterial hypertension; thromboembolism INTRODUÇÃO As afecções do musculo cardíaco, ou cardiomiopatias, são as principais doenças cardíacas em felinos, e podem basicamente ser caracterizadas por anormalidades estruturais e funcionais do miocárdio (1,2). A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é a disfunção cardíaca de maior prevalência entre os felinos, respondendo por dois terços de todas as doenças cardíacas(3,4). É definida pelo aumento da massa cardíaca, sem dilatação ventricular, associada à hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, podendo atingir diferentes proporções da parede interventricular e/ou da parede livre do ventrículo esquerdo, com consequente redução do tamanho da câmara ventricular esquerda (3,5). Esse conjunto de modificações estruturais, em uma apresentação mais severa da doença, pode vir associada a sinais de dilatação do átrio esquerdo, por hipertrofia ventricular direita e por sobrecarga atrial direita (5). Embora haja um fundo hereditário para a doença, já relatado nas raças Maine Coon e Ragdoll, transmitida por genes autossômicos dominantes que codificam proteínas sarcoméricas, ainda são largamente classificadas como idiopáticas (6,7,8). Desta forma podemos classificar a CMH em primária ou idiopática, ou em secundária, por alterações decorrentes de anormalidades sistêmicas, como a hipertensão arterial sistêmica, metabólicas, como hipertireoidismo, ou mesmo nutricionais (3,4). Há uma incidência maior de CMH em machos, assim como em humanos, com a idade média de acometimento por volta de quatro a sete anos (9,10). O prognóstico é de reservado a ruim, levando em conta que geralmente os animais passam grande parte da vida assintomáticos, e somente com o aparecimento dos primeiros sinais da doença, na sua maioria inespecíficos, como apatia, anorexia, náusea, êmese, e em casos mais graves, dispneia, intolerância ao exercício, síncope, é que os proprietários buscam o atendimento médico (5,9). O diagnóstico se faz difícil nos estágios iniciais da doença, pois as alterações hematológicas, bioquímica séricas, radiográficas, e eletrocardiográficas podem ser inespecíficas, ou apenas sugerirem o comprometimento cardiovascular (10). É fundamental o uso da ecocardiografia para o diagnóstico e classificação da CMH, evidenciando a importância do exame como o de eleição nas desordens cardíacas (1). O tratamento visa conter a hipertensão, tentar reduzir o remodelamento ventricular, diminuir o risco de tromboembolismo, e combater os sinais da insuficiência cardíaca congestiva, visando o aumento ou manutenção da qualidade de vida e a sobrevida do animal (3,9). O presente trabalho tem como objetivo relatar o caso de um felino da raça Persa, fêmea, de cinco anos de idade, que deu entrada no HV-FIO com sinais de dispneia e taquicardia, posteriormente diagnosticado com CMH. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Incidência A CMH é a doença cardíaca mais comum dentre todas as idades. Alguns autores referem maior incidência em felinos entre quatro e sete anos, outros em torno da média de quatro a sete anos; entretanto, já foi relatada em filhotes de cinco meses de idade (5,10,11). Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 38 Os gatos machos respondem pela maior proporção em relação às fêmeas, sendo os gatos domésticos de pelo curto os mais acometidos, principalmente das raças Maine Coon, Ragdoll, Persa, e American e British Shorthair (6,7,8,10). Etiologia A etiologia da CMH primária ainda permanece não completamente elucidada, e é de grande importância, pois é a forma mais comum dentre as cardiomiopatias nos felinos (12). Nos últimos anos, vários trabalhos reconheceram a existência de um padrão hereditário da doença, caracterizado por um padrão autossômico dominante, associado principalmente, mas não exclusivamente a determinadas raças de pelo curto (7,10). A forma secundária da CMH está associada principalmente ao hipertireoidismo, hipertensão arterial sistémica, acromegalia ou infiltrações inflamatórias e tumorais (5,13,14). Cardiomiopatia Hipertrófica Primária ou Idiopática A etiologia da CMH primária em felinos ainda não é totalmente conhecida (3,12,14). Em seres humanos já é sabido do padrão hereditário da doença, sendo classificada como cardiomiopatia hipertrófica familiar, possuindo um caráter autossômico dominante, tendo como base mutações no conjunto de genes responsáveis pela sintetização de proteínas do sarcômero, que estão envolvidas no processo de contração e relaxamento muscular (15). Esse padrão autossômico dominante ocorre de maneira parecida em gatos Maine Coon, Ragdoll, Persa e British e American Shorthair (1,7,10). Em humanos, já são identificadas mais de 240 mutações em genes que codificam proteínas sarcoméricas. A hipótese é que a mutação em um ou mais desses genes também seria responsável pela CMH em felinos (2,6,15). Em gatos da raça Maine Coon já foi identificada uma mutação no gene MyBPC3, que altera a conformação da proteína C de ligação à miosina, resultando em disfunção na atividade dos sarcômeros (2,7). Em animais da raça Ragdoll, foi identificada uma mutação também no gene MyBPC3, identificada como R820W, que também altera a conformação da proteína C de ligação à miosina nesta raça (6). Embora haja evidência do fundo hereditário da doença, os trabalhos ainda são recentes para sugerir se a doença está relacionada à homozigose ou heterozigose da mutação, pois alguns animais portadores da mutação no gene não desenvolvem fenotipicamente a doença (2,5,8). Todavia, as descobertas do padrão hereditário da doença se fazem fundamentais para o aprimoramento na detecção precoce da doença, principalmente no plantel de reprodutores, para o rastreamento dos indivíduos que podem perpetuar as mutações (15,16) Cardiomiopatia Hipertrófica Secundária A CMH pode ocorrer secundariamente a uma série de doenças sistêmicas, principalmente ao hipertireoidismo, à hipertensão arterial sistêmica, e infiltrações inflamatórias ou tumorais (13,14). No hipertireoidismo, o aumento nos níveis do hormônio tiroxina (T4) vai levar a um estado hipermetabólico, que induz ao aumento de uma isoforma da proteína miosina; por consequência, há um aumento na interação entre a actina e miosina, levando à maior contratilidade do miocárdio (13,16,17). Os níveis excessivos de T4 também aumentam a atividade na bomba Ca2+ ATPase do reticulo sarcoplasmático e dos canais de cálcio (12). O hipertireoidismo atua ainda aumentando o número e a sensibilidade dos receptores βadrenérgicos, levando a uma maior sensibilidade às catecolaminas, e desta forma levando à taquicardia. O hipertireoidismo atinge diretamente a função cardiovascular, seja pelo seu efeito simpático a nível do musculo cardíaco, seja pelo excesso nos níveis do T4 e suas ações sobre o miocárdio (17). Na hipertensão arterial sistêmica, as alterações estruturais no átrio e ventrículo esquerdo correspondem à resposta adaptativa ao aumento da pressão de pós-carga, levando ao Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 39 estresse da parede ventricular esquerda, que promove aumento na isquemia do miocárdio juntamente com o aparecimento de fibrose, consequentemente diminuindo a complacência do musculo cardíaco, e instalação de insuficiência cardíaca em casos sem controle (9,18). Fisiopatologia A CMH consiste no espessamento do miocárdio, podendo atingir o septo interventricular, a parede livre do ventrículo esquerdo, além dos músculos papilares4. A hipertrofia concêntrica leva à baixa complacência ventricular, ou seja, diminuição da capacidade de distensão e ao desenvolvimento de alterações no relaxamento do miocárdio5. Como consequênciada alteração no padrão de enchimento ventricular esquerdo, devido à maior rigidez e menor distensibilidade ventricular, maior pressão diastólica é necessária19. O relaxamento miocárdico pode se tornar mais prolongado e incompleto, principalmente se houve isquemia miocárdica, pois o relaxamento também é dependente de energia e oxigênio (14). O desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva esquerda pode ter inicio com a progressão da disfunção diastólica (20). Atualmente acredita-se que a disfunção diastólica é a principal alteração deletéria na CMH (21). Pressões de enchimento do ventrículo esquerdo progressivamente maiores levam ao aumento nas pressões do átrio esquerdo e venosa pulmonar. Como resultado, pode haver dilatação progressiva do átrio esquerdo, bem como congestão e edema pulmonar (22). O átrio aumenta de tamanho, mas o volume ventricular esquerdo pode permanecer normal ou diminuir progressivamente (21,22). Se o volume diminui, o resultado é contribuir para a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático, ocorrendo elevação da pressão arterial e da frequência cardíaca, aumentando o risco de arritmias (9,16,23). As deformidades estruturais do ventrículo esquerdo e/ou dos músculos papilares ou o movimento sistólico anormal da válvula mitral levam ao fechamento anormal da mesma (24). A regurgitação mitral é o resultado final, elevando ainda mais o volume e a pressão atrial esquerda (19,20). O aumento na frequência cardíaca interfere ainda mais no enchimento ventricular esquerdo, agravando o quadro de isquemia miocárdica e levando à piora da congestão venosa por encurtamento do período de enchimento diastólico (20,24). A contratilidade, ou função sistólica, geralmente se encontra normal nos animais afetados; porém a isquemia e o infarto de regiões do miocárdio levam progressivamente à disfunção sistólica nos casos mais severos (4,8,21). A isquemia e regiões de infarto aumentam as áreas de fibrose, que reduzem ainda mais a capacidade de distensão do ventrículo esquerdo, piorando o quadro de disfunção diastólica (7,10,20). Diversos fatores contribuem para o desenvolvimento da isquemia miocárdica nos gatos com CMH (18), como estreitamento das artérias coronárias intramurais, aumento na pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, redução na pressão de perfusão das artérias coronárias e densidade capilar miocárdica insuficiente para o grau de hipertrofia (16,20,25). O aumento da frequência cardíaca contribui para a isquemia pelo aumento das necessidades de oxigênio miocárdico, enquanto reduz o tempo diastólico de perfusão coronariana (8,10). O aumento da pressão atrial esquerda leva a congestão venosa e edema pulmonar, e alguns animais podem apresentar efusão pleural, com característica de transudato modificado na maior parte dos casos, ou de aspecto quiloso (18). O aumento das pressões das veias e capilares pulmonares, e consequente vasoconstrição pulmonar, leva ao aumento da pressão arterial pulmonar, e posteriormente insuficiência cardíaca congestiva direita secundária. Nestes animais, podem haver sinais de derrame pleural (14). O risco de tromboembolismo é alto nos animais portadores de CMH, principalmente no interior do átrio esquerdo dilatado ou em outras áreas do coração, e o possível deslocamento destes trombos pode levar ao quadro de tromboembolismo arterial sistêmico. A Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 40 provável causa é o aumento da pressão e tamanho atrial esquerdo e a estase sanguínea secundária, o que aumenta o risco para a formação dos trombos (20). Sinais Clínicos e Diagnóstico As principais alterações clínicas apresentadas pelos animais incluem alterações do sistema respiratório inferior, por conta do edema pulmonar, como taquipneia, dispneia e cansaço fácil; muitas vezes a tosse pode ser confundida com êmese (5,16). Geralmente, as manifestações agudas incluem tromboembolismo arterial sistêmico, episódios de síncope e, em alguns casos, morte súbita (18,24). Em alguns animais, os únicos sinais clínicos podem ser letargia, prostração e anorexia (12). O estresse é fator importante que pode desencadear ou exacerbar os sinais clínicos (26). Procedimentos cirúrgicos, anestesias e doenças sistêmicas podem levar ao aparecimento de insuficiência cardíaca congestiva em gatos com CMH compensada (21). A doença na forma assintomática pode vir a ser descoberta com a detecção sopro ou ritmo de galope durante auscultação de rotina (9,10). Sopros sistólicos compatíveis com regurgitação de mitral ou obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo são achados comuns durante o exame físico (4,19). Alguns animais podem não apresentar sopro audível, mesmo aqueles com hipertrofia ventricular severa (24). O sinal de arritmia cardíaca é relativamente comum (5). O pulso femoral pode se apresentar forte, a não ser que ocorra tromboembolismo aórtico distal (28). Os sons pulmonares incluem crepitações, mas podem estar abafados devido à presença de efusão pleural; porém, nem sempre gatos com edema apresentam alterações dos sons pulmonares (4,16). Ainda existe a possibilidade do exame físico não apresentar nenhuma alteração em animais assintomáticos (10). As alterações radiográficas nos casos avançados de CMH incluem a dilatação atrial esquerda e aumento ventricular esquerdo de grau variável. Nem sempre o sinal de coração dos namorados (Valentine Shape) é encontrado. A imagem se deve ao aumento atrial bilateral, mas é um achado comum na CMH (9). Efusão pericárdica pode estar presente de leve à moderada, acentuando radiograficamente a silhueta cardíaca (19,20). Nos casos de CMH leve, o contorno cardíaco pode se apresentar sem alterações e, em contrapartida, animais assintomáticos podem apresentar alterações na conformação cardíaca (16). Nos pacientes que apresentam edema pulmonar, podem ser encontrados padrões de infiltração intersticiais ou alveolares. Efusão pleural pode ser um achado em alguns casos mais severos (21). Anormalidades no eletrocardiograma são comuns, mas não conferem valor diagnóstico alto; junto a outros exames diagnósticos podem fornecer parâmetro de suspeita (9). As alterações incluem anormalidades nos critérios para aumento do átrio e ventrículo esquerdo, taquiarritmias ventriculares e, ou supraventriculares, e padrão de bloqueio fascicular anterior esquerdo. Ocasionalmente, podem ser encontrados sinais de atraso na condução atrioventricular e bloqueio atrioventricular completo (3). A ecocardiografia é o método de eleição para o diagnóstico da CMH, bem como diferencial para outras cardiopatias (12). Os modos M e bidimensional vão fornecer a extensão da hipertrofia e sua distribuição ao longo da parede ventricular esquerda, do septo interventricular e dos músculos papilares (19). A modalidade Doppler demonstra as anormalidades diastólicas e sistólicas, e a presença de regurgitação mitral e dos casos de padrão obstrutivo (1,2,8). Os testes hematológicos e de bioquímica sérica frequentemente não contribuem para o diagnóstico, mas podem levar a suspeita do comprometimento cardíaco, como por exemplo na disfunção renal secundária, e consequente elevação dos níveis de ureia e creatinina (16,25). Na medicina humana, uma série de biomarcadores atualmente de lesão e função miocárdica cardíaca já estão disponíveis, e aos poucos estão entrando na rotina da medicina veterinária (29). Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 41 Os peptídeos natriuréticos estão sendo utilizados como importantes marcadores diagnósticos e prognósticos de cardiopatias e insuficiência cardíaca (12,30). São hormônios produzidos pelo coração em resposta a agressão do miocárdio e ao aumento da pressão diastólica (29,30). Entre os de maior relevância estão o PNA e o PCN, sendo o último de maior importância na CMH, pois é produzido especificadamente nos ventrículos, principalmente no quadro de disfunção diastólica (30,31). As troponinas cardíacas estão envolvidas no processo de contração do miocárdio, e possuem três tipos: a troponina-C (TnC), troponina-I (TnI) e a troponina-T (TnT). Porém, somente a TnC e a TnI possuem isoformas cardíacas especificas ao miocárdio (29).Desta forma, tem grande valor como biomarcadores de lesão do miocárdio, mas ainda é muito cedo e há poucos trabalhos relatando o uso na Medicina Veterinária, especificamente na CMH (32). Tratamento O tratamento da cardiomiopatia hipertrófica visa facilitar o enchimento ventricular, diminuir os sinais de congestão, controlar arritmias, minimizar a isquemia do miocárdio e prevenir a formação de trombos9. O enchimento ventricular é favorecido ao se reduzir a frequência cardíaca e ao promover o melhor relaxamento do musculo cardíaco; portanto, é de fundamental importância diminuir o risco de situações estressantes e o nível de atividade dos animais apresentando CMH (12). A utilização de fármacos para favorecer a função diastólica é essencial, dentre os quais podemos citar o uso de bloqueadores de canal de cálcio e betabloqueadores. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) são benéficos nos gatos com insuficiência cardíaca congestiva (21). Deve-se lançar mão da terapia diurética nos gatos com edema pulmonar grave, de maneira sistemática até a melhora do quadro, e nos casos de edema pulmonar de leve a moderado, em doses ajustadas ao menor nível efetivo (22,33). A furosemida é a droga de eleição, mas pode vir associada à espironolactona (9,12). OS IECA tem efeitos benéficos por atuar na inibição do sistema renina-angiotensinaaldosterona (23). A inibição da enzima conversora de angiotensina pode reduzir a dilatação atrial, a espessura do septo interventricular e da parede livre do ventrículo esquerdo (34). O enalapril e o benazepril são os agentes utilizados mais frequentemente (25). Os bloqueadores dos canais de cálcio, nomeadamente o diltiazem, parecem ter um efeito benéfico por atuar diminuindo o inotropismo e cronotropismo de forma modesta, o que promove o menor consumo de oxigênio, diminuindo a isquemia miocárdica, além de atuar como vasodilatador coronariano e, consequentemente, proporcionar um efeito positivo no relaxamento do miocárdio (9,21). Os bloqueadores beta-adrenérgicos possuem a capacidade de reduzir a frequência cardíaca e a obstrução sistólica da via de saída do ventrículo esquerdo, melhorando a fração de ejeção e diminuindo o consumo de oxigênio, reduzindo a isquemia do miocárdio, assim como as arritmias decorrentes da taquicardia (4,10). O atenolol é utilizado mais comumente por ser um beta-bloqueador seletivo16. O propranolol deve ser usado com cautela nos animais com insuficiência cardíaca congestiva, pois não é seletivo, e sua atividade nos receptores β2 levam à bronconstrição4. O carvedilol também é um β-bloqueador não seletivo que bloqueia competitivamente os receptores β1, β2 e α1 (21). Para prevenção do tromboembolismo a droga de eleição é a aspirina em baixas doses pelo seu efeito anticoagulante (25). Prognóstico É difícil determinar o prognóstico nos animais acometidos por CRM, em razão de diversos fatores influenciarem na sobrevida dos animais, como a velocidade de progressão da Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 42 doença, a severidade das alterações estruturais, a ocorrência de eventos tromboembólicos e/ou arritmias, e a resposta ao tratamento (10). Gatos com a forma assintomática da doença com presença de hipertrofia discreta a moderada do ventrículo esquerdo e dilação atrial podem viver bem por vários anos (14). Os animais com severa dilação atrial e hipertrofia mais grave aparentemente apresentam maior risco de desenvolverem insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo, e maior risco de morte súbita (19,24). O tamanho atrial esquerdo e a idade (especialmente animais mais velhos), aparentam ter uma menor sobrevida (3,4,9). O tempo médio de vida dos animais com presença de insuficiência cardíaca congestiva é de um a dois anos (10,19). Animais com fibrilação atrial ou insuficiência cardíaca direita secundária tem pior prognóstico (9,14). O tromboembolismo junto ao quadro de insuficiência cardíaca congestiva tem sobrevida de dois a seis meses, apesar de alguns animais viverem por um período maior se responderem bem à terapia (35). A recidiva do tromboembolismo é comum (36). RELATO DE CASO Foi atendido no Hospital Veterinário “Roque Quagliato” (HV-FIO), nas Faculdades Integradas de Ourinhos um felino da raça Persa, fêmea, cinco anos de idade, com histórico de episódio de taquipneia e taquicardia há dois dias. O proprietário relatou que após o ocorrido o animal voltou ao seu comportamento normal, relatando normofagia, normodipsia, normoquesia e normúria, e negando êmese, diarreia, tosse ou espirros. Ao exame físico, o animal apresentava-se normopneico, mas com a frequência cardíaca em 220 batimentos por minuto (bpm). Durante a ausculta pulmonar foi possível identificar o som de estertores, e na ausculta cardíaca sopro sistólico. Foi requerido exame radiográfico do tórax, ECG, hemograma completo, bioquímica sérica (albumina, alanina aminotransferase, fosfatase alcalina, gamaglutamiltransferase, ureia, creatinina e proteínas séricas totais). Foi procedida a mensuração da pressão sistólica (170 mmHg). O exame radiográfico (Figura 1) constatou a presença de sinais de edema pulmonar (A) e dilatação do átrio esquerdo (B). Não houve alterações no exame hematológico e na bioquímica sérica. O eletrocardiograma revelou taquicardia sinusal, com ritmo sinusal normal com presença de marca-passo migratório e desvio de eixo à esquerda. Figura 1 - Imagem do exame radiográfico de tórax, realizado no HV-FIO Fonte: Serviço de Radiologia Veterinária, HV “Roque Quagliato”, 2014 Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 43 O paciente encontrava-se sem sinais de CMH descompensada no atendimento ambulatorial, mas dada a hipertensão e o edema pulmonar, foi prescrito inicialmente terapia diurética à base de furosemida na dose de 2 mg/kg/BID por via oral, em associação com carvedilol, fármaco da classe dos β-bloqueadores, na dose de 6,25 mg/animal/SID até a realização do exame de ecocardiografia. Foi recomendada a restrição de situações estressantes e exercícios ao animal e nutrição adequada a animais cardiopatas. O exame ecocardiográfico confirmou a suspeita de CMH. A análise quantitativa no modo M e B encontrou sinais de aumento na relação átrio esquerdo/aorta (1,82cm), aumento na parede livre do ventrículo esquerdo (0,82cm) e diminuição discreta no diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (1,05cm). Na análise qualitativa no modo M e B, havia a presença de movimento anterior sistólico na valva atrioventricular esquerda e hipertrofia do ventrículo esquerdo. Já no modo Doppler foi possível identificar o fluxo sistólico no interior do átrio esquerdo, ou seja, a presença de insuficiência da valva atrioventricular esquerda de grau discreto. Com base nos achados ecodopplercardiográficos foi possível o diagnóstico de CMH de grau moderado a grave. Após a realização de todos os exames, foi dado início à administração de carvedilol na dose de 12,5 mg/animal/SID. A terapia visando combater o tromboembolismo foi à base de aspirina, na dose de 10mg/kg/a cada 72 horas. DISCUSSÃO Apesar da etiologia da CMH ainda ser desconhecida, os gatos da raça Persa possuem, aparentemente, uma predisposição ao desenvolvimento desta doença, o que sugere a influência genética nesta raça (6,7,10). Apesar de já existirem marcadores moleculares para os genes envolvidos no desenvolvimento da doença, em algumas raças, como Maine Coon e Ragdoll, os trabalhos ainda são recentes e demandam maiores estudos, pois ainda há um percentual de animais positivos para as mutações que não apresentam fenotipicamente a doença (6,8). Dada à grande variedade de sinais clínicos, animais de raças predispostas devem sempre passar por uma avaliação cuidadosa do sistema cardiovascular (5,12). O paciente encontra-se dentro da faixa de idade média para o início da doença, que é em média aos quatro anos de idade, embora animais de qualquer idade podem ser acometidos (10,11). Os animais podem passar grande parte da vida assintomáticos, quando é comum o início súbito dos sinais clínicos, de maior incidência, como taquicardia, taquipneia e prostração (1,16). Aproximadamente 15% dos animais aparentemente saudáveis são diagnosticados como portadores da doença em exames de ecocardiografia (10). A proprietária negou que o animal havia mudado de comportamento antes dos fatos, ou se alguma vez notou esses sinais de comprometimento cardíaco, como cansaço fácil ou sincope. O difícil reconhecimento de alteração na atitude ou padrão de vida do animal pelo proprietário é relatado (5). No início, os efeitos positivos dos sistemas de compensação são para manter a pressão arterial e o débito cardíaco em níveis fisiológicos (12,20,24). Com o início da doença miocárdica, há diminuição do volume de ejeção, e consequentemente queda no debito cardíaco (9). Com menos sangue sendo enviado pela aorta, a pressão arterial sistêmica tende diminuir. Os barorreceptores aórticos e carotídeos e as arteríolas aferentes renais percebem que o nível da pressão arterial não está normal e ativam o sistema nervoso autônomo simpático como um dos mecanismos compensatórios (5). Esses efeitos hipertensivos cronotrópico e inotrópico positivos do sistema simpático inicialmente auxiliam a manutenção do débito cardíaco (37). Posteriormente estes efeitos levam à sobrecarga de pressão e volume no ventrículo esquerdo, induzindo a remodelação miocárdica, que contribui para a isquemia do miocárdio e fibrose (23). O tecido conjuntivo diminui a complacência ventricular e novamente há sobrecarga de pressão do ventrículo Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 44 esquerdo (19). Com a sobrecarga de pressão e volume no ventrículo, é necessária maior força de contração, levando à hipertrofia concêntrica (14). Assim tem início a disfunção diastólica e dada a necessidade de maior pressão para enchimento ventricular, há sobrecarga atrial, levando a dilação do átrio esquerdo (21). O débito cardíaco continuando baixo, mesmo com a ativação simpática, faz com que o volume de sangue que chega aos órgãos diminua, levando a ativação do sistema renina-angiotensinaaldosterona (23). Muitas vezes o único achado em animais sem sinais clínicos da doença é o sopro sistólico, que tanto pode ser da regurgitação mitral quanto da estenose subaórtica (12,19). Após o início agudo dos sinais clínicos, dois dias atrás, relatado pela proprietária no momento da anamnese, e que já não estavam presentes, a única alteração durante o exame clínico foi a presença de sopro sistólico em todos os focos de auscultação cardíaca. O baixo valor diagnóstico dos exames hematológicos e bioquímicos tem sido relatado e o paciente apresentava todos os parâmetros testados dentro da normalidade (16). O exame radiográfico é pouco sensível na fase inicial da doença, pois geralmente não existem alterações na silhueta cardíaca neste estágio (9). Nos estágios mais avançados, é comum encontrar cardiomegalia com maior proeminência do átrio e ventrículo esquerdo (38). Outros achados comuns incluem edema pulmonar e derrame pleural (39). Apesar do baixo valor diagnóstico na CMH, o exame radiográfico constitui um meio confiável para monitorização da progressão das alterações morfológicas, e para controle da dose dos diuréticos nos casos de ICC (40). O uso da vertebral heart scale (VHS) tem sido proposto como parâmetro para cardiomegalia, onde o eixo maior do coração deve ter o tamanho de até sete vértebras torácicas e o eixo menor de quatro vértebras (41,42). O edema tem por vezes um padrão pulmonar alveolar do tipo generalizado e irregular (39). O exame radiográfico do paciente demonstrou a presença de edema pulmonar de padrão alveolar intersticial, e cardiomegalia com dilatação mais proeminente do lado esquerdo do coração. Até 70% dos gatos com CMH podem apresentar alguma alteração no exame eletrocardiográfico; tais alterações incluem arritmias ventriculares e supraventriculares, aumento da amplitude da onda R e/ou aumento na duração do intervalo QRS, devido ao aumento do ventrículo esquerdo (3). Outro achado comum é o desvio esquerdo do eixo cardíaco (12). A única alteração significava no caso deste paciente foi em relação ao desvio do eixo à esquerda. Os achados radiográficos e eletrocardiográficos não foram suficientes para determinar o diagnóstico, mas auxiliaram na suspeita de CMH. O ecocardiograma é a ferramenta de escolha para o diagnóstico das doenças do miocárdio em gatos, através deste exame é possível identificar alterações estruturais e disfunções do músculo cardíaco (43). É um meio eficaz e não invasivo de avaliar o animal “in vivo” e é considerada na cardiomiopatia hipertrófica felina como exame de ouro para diagnóstico e prognóstico da doença (44). No exame ecocardiográfico de rotina, é possível avaliar com os diferentes modos de imagem, alterações tanto anatômicas quanto funcionais do miocárdio. As alterações anatômicas no processo fisiopatológico da CMH envolvem hipertrofia ventricular esquerda, podendo atingir o ventrículo de forma simétrica ou assimétrica, incluindo a parede livre do ventrículo esquerdo, o septo interventricular, e/ou músculos papilares (44,45). A forma simétrica vem sendo relatada como sendo mais comum, quanto a distribuição da hipertrofia 14,20,43). A hipertrofia do animal relatado atingiu de forma simétrica a parede livre do VE e o septo interventricular, o que confere com a literatura pesquisada. O aumento atrial também é relatado como uma alteração estrutural comum nos casos de cardiomiopatia hipertrófica, devido ao maior gradiente de pressão de enchimento ventricular exigido na disfunção diastólica (20,7). No paciente em questão, o tamanho atrial estava dentro dos parâmetros ecocardiográficos normais, mesmo com a imagem radiográfica Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 45 indicando um aumento desta estrutura. Já a relação entre o tamanho atrial esquerdo e a aorta estava acima dos valores ecocardiográficos normais de referência; a relação AE/Ao vem sendo relatada de normal a aumentada em animais com CMH (38,45). O aumento atrial é uma situação que predispõe à formação de trombos intracardíacos, principalmente dentro do átrio, o que pode levar a uma possível embolização sistêmica (36,46,47). Uma complicação comum nos casos de cardiomiopatia hipertrófica, que acomete cerca de 50% dos animais são acometidos, é a obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo (5,24). A hipertrofia do septo interventricular e/ou dos músculos papilares pode obstruir a vida de saída para aorta (48). Outra causa que pode levar a um processo de estenose subaórtica é o movimento anterior sistólico da válvula mitral (MASVM), e vários mecanismos e fatores são predisponentes para o MASVM, como a hipertrofia do miocárdio, alterações estruturais da válvula mitral, estreitamento subaórtico, dilatação dos folhetos anterior e posterior e das cordas tendíneas, deslocamento dos músculos papilares e o aumento da velocidade do fluxo sanguíneo do VE (19,24,48). O paciente deste relato possui insuficiência da válvula mitral acompanhado do movimento anterior sistólico, condição que dificulta a ejeção do sangue do ventrículo esquerdo para a aorta, duas condições que são agravantes uma para outra. O tratamento da cardiomiopatia hipertrófica felina visa facilitar o enchimento ventricular, diminuir os sinais congestivos, controlar as arritmias, minimizar a isquemia do miocárdio e prevenir a formação de trombos (4,9,12,21). Os inibidores da enzima conversora de angiotensina têm efeitos benéficos por atuar bloqueando no sistema renina-angiotensina-aldosterona, promovendo vasodilatação, e podendo atuar indiretamente na redução da dilatação atrial (34). Porém, são contraindicados nos casos de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, pois a vasodilatação pode causar taquicardia compensatória, piorando o quadro obstrutivo e de regurgitação mitral (49). Os bloqueadores do canal de cálcio têm um efeito benéfico pois atuam reduzindo o inotropismo e o cronotropismo, porem de forma modesta, mas ainda assim tem efeito de promover o menor consumo de oxigênio, reduzindo a isquemia do miocárdio (9,21). Os bloqueadores β-adrenérgicos têm sido relatados por vários autores como sendo a droga de escolha nos casos de CMH felina (10). Atuam bloqueando os efeitos do sistema nervoso simpático, e seus benefícios resultam do melhoramento da função diastólica, atuando indiretamente reduzindo o gradiente de pressão de enchimento ventricular, através da diminuição da FC (4). Conseguem melhorar a fração de ejeção, a perfusão do miocárdio, consumindo menos oxigênio e assim diminuindo a isquemia do miocárdio (50). Como reduz a taquicardia, tem efeito benéfico em pacientes portadores de arritmias (21). Também se mostram eficientes na redução ou resolução da obstrução dinâmica da via de saída do VE (51). O tratamento prescrito foi a base de carvedilol na dose de 12,5mg/animal uma vez ao dia . O ácido acetilsalicílico tem sido a droga de eleição para prevenção da formação de trombos, e foi prescrita na dose de 10mg/kg/a cada 72 horas (25). Levando em consideração a idade do animal, a hipertrofia assimétrica, presença de regurgitação mitral e de um grau de obstrução da vida de saída do ventrículo esquerdo, o prognóstico do animal é de reservado a ruim. Após 150 dias do inicio da terapia, o animal não apresentou recidiva ou outros sinais clínicos de CMH, dentro do esperado pela literatura. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir com a realização do presente relato de caso, a importância da cardiomiopatia hipertrófica felina como a doença cardíaca de maior incidência nesta espécie. Ainda existem muitos desafios para elucidar de maneira clara a etiologia da doença. O diagnóstico complexo desta afecção se da por conta de existir como doença primária do Zamboni VAG, Romão FG. Cardiomiopatia hipertrófica felina: relato de caso. Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 36-48. Alm. Med. Vet. Zoo. 46 miocárdio ou secundária a uma serie de doenças sistêmicas. Foi possível constatar a importância da aplicação dos métodos de diagnósticos como eletrocardiografia e radiografia para a suspeita inicial da doença, mas essencialmente a ecocardiografia se mostra fundamental como exame de ouro no diagnóstico e prognóstico da doença. No que tange a terapêutica, hoje é possível com base nos estudos farmacológicos na área da veterinária, prolongar o tempo de vida destes animais e permitir uma boa qualidade de vida. O prognóstico continua a ser de reservado a ruim, dado o caráter crônico e progressivo da doença. A descoberta de mutações em alguns genes envolvidos com estruturas e proteínas miocárdicas, só reforçam que o futuro se passa no diagnóstico precoce, essencialmente na biologia molecular e no controle periódico através da ecocardiografia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Meurs KM, Sanchez X, David RM, Bowles NE, Towbin J, Reiser PJ, Kittleson MD. 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