MÉTODOS E TIPOS DOGMÁTICOS DE INTERPRETAÇÃO - XVIII I - Métodos hermenêuticos: - Os métodos de interpretação, constituem regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientações para os problemas de decidibilidade dos conflitos. Estes problemas são de ordem sintática, semântica e pragmática: 1. Interpretação gramatical, lógica e sistemática (sintática): os problemas sintáticos referem-se às questões das palavras nas sentenças, assim temos: a) interpretação gramatical: quando se enfrenta uma questão léxica, a doutrina costuma falar em interpretação gramatical, pois se parte do pressuposto de que a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para obter-se o correto significados da norma. É certo, também, que as exigências gramaticais da língua, por si só não resolvem essas dúvidas. Exemplo: se uma norma é clausula de um contrato, recomenda-se que se veja a intenção dos contratantes e não a letra da prescrição, ou seja, que se observe a própria conduta dos contratantes, ao modo como estavam executando o pactuado. No fundo, pois, a chamada interpretação gramatical tem na análise léxica apenas um instrumento para demonstrar o problema e não para resolvê-lo, servindo como ponto de partida para a hermenêutica, a exigir regras de decidibilidade; b) interpretação lógica: constitui um instrumento técnico, colocado à disposição da identificação de inconsistências. Parte do pressuposto de que a expressão normativa com as demais do contexto é importante para a obtenção do significado correto. Podemos citar como exemplo de inconsistência quando num mesmo diploma legal utiliza-se o mesmo termo em normas distintas com conseqüências diferentes. Como na interpretação gramatical, a interpretação lógica permite demonstrar a questão, mas não resolvê-la; c) interpretação sistemática: parte do pressuposto da unidade do sistema jurídico do ordenamento. Guarda correspondência à organização hierárquica das fontes. A primeira recomendação, neste caso, é de que em tese, qualquer princípio isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo. Ex.: sobre a questão de se saber se uma lei pode, sem limitações, criar restrições à atividade comercial e industrial de empresas estrangeiras, leva ao interprete a buscar, no todo do ordenamento, uma noção padrão de empresa nacional e seu fundamento nas normas constitucionais; 1 2. Interpretação histórica, sociológica e evolutiva - semântica: os problemas semânticos referem-se ao significado das palavras individuais ou de sentenças prescritivas. A hermenêutica pressupõe que tais significados são função da conexão fática ou existencial em consideração ao conjunto cultural, político e econômico. A atividade de expor os problemas semânticos e conectá-los com as expressões normativas constitui objetivo dos métodos sociológicos e históricos. Leva-se em conta a chamada occasio legis, ou seja, o conjunto de circunstâncias que marcaram a gênese da norma (mulher honesta); 3. Interpretação teleológica (finalidade) e axiológica (valor) - pragmática: as questões pragmáticas de interpretação reportam-se freqüentemente à carga emocional dos símbolos. Assim quando a lei pune a “concorrência desleal” ou o “abuso de direito” para além da ambigüidade de tais termos (por existir mais de um sentido), percebe-se a presença de valorizações que precisam ser controladas pelo interprete. O pressuposto dos métodos teleológicos (finalidades) é que sempre é possível atribuir um propósito às normas. Ex.: art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, contem uma exigência teleológica: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. A interpretação teleológica e axiológica ativa a participação do interprete na configuração do sentido. II - Tipos de interpretação: 1. Interpretação especificadora: parte do pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra do seu enunciado. Neste caso a hermenêutica vê-se dominada por um princípio de economia de pensamento, assim para elucidar o conteúdo da norma não é necessário ir ao fim de suas possibilidades significativa, e sim até o ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis. Um dos exemplos citados pelo autor é o do art. 930 CC que determina qual são as conseqüências dos danos causados para evitar um perigo, quando esse perigo ocorrer por “culpa de terceiro”. Por ser ambígua a palavra culpa (negligencia, imprudência), todas as conotações são possíveis, embora, num caso concreto, o aplicador da lei tenha de identificar uma delas, o interprete dirá que o sentido de culpa, neste caso, embora abrangente, é claro. A teoria dogmática dirá que, na interpretação especificadora, a letra da lei está em harmonia com a mens legis ou o espírito da lei, cabendo ao interprete somente constatar a coincidência; 2. Interpretação restritiva: ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal, valendo-se o interprete de considerações teleológicas (finalidade) e axiológicas (valor) para fundar o raciocínio. Supõe-se assim que a mera interpretação especificadora (o sentido da norma cabe na letra do seu enunciado) não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los. Ex.: 2 recomenda-se que toda a norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais, reconhecidas constitucionalmente, deva ser interpretada restritivamente. Assim se a lei impõe limitação, esta deve conter, em seu espírito (mens legis), o objetivo de assegurar o bem-estar geral sem nunca ferir o direito fundamental que a constituição garante; 3. Interpretação extensiva: trata-se de um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra. Assim se a mensagem normativa contém conotações limitadas, o trabalho do interprete será o de torná-las vagas e ambíguas, em face da imprecisão do da terminologia adotada pelo legislador. Diferentemente da interpretação restritiva que se impõe como a mais conveniente, na extensiva isso não ocorre, porque neste caso a interpretação é mais ostensiva e radical. A doutrina entende que a interpretação da norma deve ser fiel, o mais possível, ao que está estabelecido na mensagem normativa, e com a extensiva isto não ocorre, assim costuma-se impor limitações ao uso deste tipo de interpretação. O contrário sucede com a restritiva, caso em que a doutrina, às vezes impõe o seu uso. Assim, por exemplo, nas normas penais, o princípio de que não há crime sem lei previa, obriga o intérprete a evitar as interpretações extensivas. Em conseqüência, para que esta seja admitida, o interprete deve demonstrar que a extensão do sentido está contida no espírito da lei. A doutrina aponta a distinção entre a interpretação extensiva e a interpretação por analogia quando diz que: a) a interpretação extensiva se limita a incluir no conteúdo da norma um sentido que já estava lá e que apenas não havia sido explicitado pelo legislador; b) na interpretação por analogia toma de uma norma e aplica a mesma num caso para o qual não havia preceito nenhum, pressupondo uma semelhança entre os casos; Exemplo: se a norma pune o lenocínio (explorar, provocar ou facilitar a prostituição), o interprete dirá que sob esta rubrica deste símbolo está também a exploração de motéis em que se tolera a presença de casais, dos quais não se indaga se são ou não casados ou se lá estão apenas por motivos libidinosos. A interpretação, segundo o autor, é extensiva e admissível, embora o resultado seja discutível e, na atualidade, não se tenda a fazer aquela extensão, salvo nos casos ostensivos. Se, porém, a norma é omissa quanto ao ato de alguém oferecer seu apartamento a um amigo afim de que o mesmo utilize para lá passar algumas horas com uma mulher, não se pode imputar-lhe o lenocínio, pois, não há a tipicidade do delito, os seja, a exploração de negócio, e se assim for feito, estar-se-á, por via interpretativa, criando uma norma; A doutrina tende a dizer que os preceitos incriminadores são insusceptíveis de analogia e interpretação extensiva; já as normas que estabelecem penas não admitem analogia, mas admitem a interpretação extensiva. O Código de Processo Penal, em seu art. 3º admite a “interpretação extensiva e aplicação da analogia”, por sua vez o art. 111, do CTN exclui as mesmas em certas modalidades de legislação. 3 Podemos situar as diferenças entre um e o outro tipo de interpretação, dizendo que na interpretação extensiva, partimos de uma norma e a estendemos a casos não compreendidos implicitamente em sua letra ou explicitamente em seu espírito, já na analogia, o caso é omisso, tanto na letra, quanto no espírito de qualquer norma do ordenamento; III - Interpretação e integração do direito: - Um ponto levantado pelo autor é o da possibilidade de, por via hermenêutica, suprirem-se as lacunas do ordenamento e o da utilização dos instrumentos técnicos colocados à disposição do interprete para efetuar o preenchimento da lacuna, considerados pelo mesmo como modos de integração. Distingue estes instrumentos, pelos critérios abaixo indicados, reconhecendo que existem ordenamentos que expressamente determinam os meios, como o art. 4º/LICC: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” e mesmo o art. 8º/CLT que determina que na falta de disposições legais ou contratuais, que se recorra “à eqüidade e outros princípios e normas gerais do direito”. São estes os instrumento indicados: 1. quase-lógicos: são os que exigem alguma forma de procedimento analítico: como é o caso da analogia e da própria interpretação extensiva; 2. instrumentos institucionais: buscam apoio na concepção da instituição, como é o caso dos costumes; dos princípios gerais do direito; da eqüidade: a) os costumes ocupam os vazios do ordenamento legal e não do ordenamento global. Constitui um meio de integração praeter legem (completa a lei); b) princípios gerais do direito: exemplos: ninguém pode invocar a sua própria malícia; o direito é esforço constante de dar a cada um o que é seu; quem exercita o próprio direito não prejudica ninguém; c) eqüidade: tem-se aqui o sentimento do justo, em harmonia com as circunstâncias e adequadas ao caso. Assim o juízo de eqüidade, na ausência de norma positiva, é o recurso a uma espécie de instituição das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional; IV – Limites à integração: - Através dos meios de integração se exercita o poder de violência simbólica pela hermenêutica, donde submete-se os mesmos a um controle. O direito positivo tem uma tendência em estreitar, em nome dos valores da certeza e da segurança, o campo de atuação do interprete; 4 - Neutraliza-se a diversidade social de opiniões, pela imposição bem-sucedida de consenso, e isto é evidente no costume, menos nos princípios gerais do direito e menos ainda na eqüidade; - O primeiro princípio de controle é que nenhum meio integrador gera, por si, um efeito generalizante. Mesmo no caso do costume, a aplicação praeter legem só se generaliza se forma um costume jurisprudencial. Quem elimina a lacuna é o legislador, o interprete a preenche, mas ela continua a existir; - Outros elementos de controle existem, como por exemplo, as normas penais que estabelecem e definem os tipos delituosos, as penas e seus efeitos, excluem a analogia. O principio de controle é o da tipicidade cerrada, em oposição à tipicidade aberta; ________________________________________ FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito, 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 282-300 5