Vidro fosco difuso em artrite reumatóide Danielle Cristine Campos Bedin¹ Maria Raquel Soares² Rimarcs Gomes Ferreira³ Carlos AC Pereira4 1- Residente de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 2- Médica Pneumologista pós-graduanda da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 3- Médico Patologista da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 4- Coordenador programa de doenças pulmonares intersticiais-UNIFESP Relato de caso Paciente de 63 anos, sexo masculino, branco, natural e procedente de São Paulo, ensino fundamental incompleto, aposentado (cobrador de ônibus), casado, católico. Em 2009 iniciou quadro de tosse com pouca secreção hialina acompanhado de dispnéia aos grandes esforços (subir ladeiras e escadas – MRC 2) e sibilos com 3 meses de duração. Negava sintomas sistêmicos ou perda ponderal. Exposição a um canário há três anos e exposição a mofo. Antecedentes pessoais: - Diagnóstico de artrite reumatóide há 18 anos. - HAS, Dislipidemia e DM tipo 2. - Ex-tabagista: 25 maços-ano até há 16 anos. Medicações em uso: Metotrexate 25 mg/ semana há 2 anos, Leflunomida 20mg/dia há 2 anos, Enalapril 20mg/dia; Hidroclorotiazida 25mg/dia, Sinvastatina 20mg/dia, Metformina 850mg 2x dia e Glibenclamida 5mg/dia. Exame físico Bom estado geral, corado, hidratado, anictérico, afebril Peso: 79,5kg, estatura: 1,69m, IMC: 27,8 kg/m² FC: 90bpm, PA:150x90mmHg f: 18rpm, SpO2 92% a.a. A.C.V.: ritmo cardíaco regular em dois tempos sem sopros, bulhas normofonéticas A.R.: estertores finos em bases Abdome: sem alterações Extremidades: hipocratismoto digital Teste do degrau: FC: 105 bpm, f: 24 rpm, SpO2 88% a.a. Radiografia de tórax PA e perfil Gasometria arterial e pH pH 7,45; PaCO2 =37,3 mmHg; PaO2= 70,6 mmHg; HCO3= 25,6 mmol/L; BE=2,5 mmol/L; SaO2 94,1 % Prova de função pulmonar Valores espirométricos dentro da normalidade com redução moderada da DCO. Tomografia computadorizada de tórax Tomografia de Tórax: Padrão em vidro fosco bilateral, assimétrico, com predomínio à esquerda. 1. Qual das condições abaixo é a menos provável em portador de artrite reumatoide com os achados tomográficos mostrados: A) B) C) D) E) Pneumonia intersticial não específica Pneumonia intersticial usual Pneumonia em organização Pneumonia intersticial linfoide Pneumonia descamativa Diversas pneumonias intersticiais podem ser observadas na artrite reumatoide. Como ocorre nas pneumonias intersticiais idiopáticas, os achados na TCAR podem sugerir a patologia subjacente. As pneumonias intersticiais mais comuns na AR são a pneumonia intersticial usual (PIU), a pneumonia intersticial não específica (PINE) e a pneumonia em organização (ou BOOP). Exceto a PIU, as outras duas podem também decorrer do uso dos diversos fármacos utilizados no tratamento da AR. Os achados clássicos da PIU incluem infiltrado reticular de predomínio basal associado a faveolamento. Na PINE observam-se opacidades bilaterais em vidro fosco de predomínio em lobos inferiores, classicamente poupando a região subpleural, eventuais áreas de consolidação associadas, opacidades lineares irregulares e bronquiectasias de tração, porém sem a presença e faveolamento. O aspecto típico da pneumonia em organização inclui opacidades em vidro fosco e consolidações com distribuição periférica e peribrônquica. A pneumonia intersticial linfoide também pode ser observada na AR. Caracteriza-se por opacidades em vido fosco associadas a cistos de parede fina. Outros achados indicativos de hiperplasia linfoide/bronquiolite folicular, tais como nódulos centrolobulares, espessamento de septos interlobulares e do feixe broncovascular são habitualmente associados. A pneumonia descamativa tem sido observada em portadores de AR. Provavelmente esta associação decorre do tabagismo, reconhecido fator de risco para o desenvolvimento de AR e nestes, de doença intersticial pulmonar. Entretanto, o paciente abandonou o tabagismo há 16 anos, tornando esta possibilidade muito improvável. Entretanto, nem sempre a correlação entre os achados tomográficos e os achados de biópsia são claros na AR. Além disso, fibrose de difícil classificação pode ser observada na AR, incluindo mistura de padrões, como achados associados de bronquiolite. No presente caso o padrão fundamental é de vidro fosco difuso sem achados de fibrose associada, o que favorece o diagnóstico de pneumonia em organização (BOOP). Resposta correta: B 2. O metotrexate (MTX) pode resultar em lesão pulmonar. Assinale a alternativa incorreta: a) Em pacientes em uso de MTX infecção por P jirovecii sempre deve ser excluída. b) O acometimento pulmonar pela AR aumenta o risco de lesão pulmonar pelo MTX. c) O uso associado de outros agentes modificadores da doença reduz o risco de lesão pelo MTX d) O diagnóstico de lesão pulmonar pelo MTX é reforçado pelo achado de pneumonite granulomatosa e) Biópsia pulmonar é indicada em casos de ausência de melhora clínica após suspensão de metotrexate ou doença progressiva ou grave Entre 0,9-6,9% dos pacientes com artrite reumatóide que usam MTX podem desenvolver lesão pulmonar decorrente da droga. A lesão pulmonar induzida pelo MTX ocorre após semanas a meses do uso da medicação. A lesão pulmonar pode ocorrer por três mecanismos: - Inflamação/fibrose: lesão do alvéolo ou por proliferação de células inflamatórias. As formas mais comuns são pneumonite granulomatosa e bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP). - Infecciosa: MTX compromete a resposta imune e aumenta o risco de infecções oportunistas, sendo a mais comum a infecção por Pneumocystis jirovecii. - Linfoproliferativa: há relatos na literatura de desenvolvimento de doença linfoproliferativa como linfoma não-Hodgkin. Outras formas de acometimento pulmonar são mostradas na Tabela. Imokawa e col observaram após revisão de 49 biópsias de casos publicados as principais alterações histopatológicas: inflamação intersticial (71,4%); fibrose intersticial (59,2%); hiperplasia de pneumócitos tipo II (38,8%). Outros achados foram células gigantes, macrófagos intra-alveolares gigantes e aumento de eosinófilos. O achado de granulomas (34,7% dos casos) na ausência de infecções granulomatosas, é o padrão mais sugestivo da lesão pulmonar pelo metotrexate. Os fatores de risco para lesão pulmonar são: diabetes mellitus, hipoalbuminemia, idade maior que 60 anos, envolvimento pulmonar pela artrite reumatoide e uso prévio de agentes modificadores da doença. As manifestações clínicas são dispnéia progressiva, tosse não produtiva, febre, e estertores à ausculta pulmonar. A prova de função pulmonar mostra padrão restritivo com diminuição da difusão de monóxido de carbono. Eosinofilia periférica pode ser encontrada em até 41% dos casos Broncoscopia pode ser útil pelo lavado bronco alveolar que apesar de não ser específico, mostra predomínio de linfócitos. A biópsia transbrônquica é indicada quando apesar das medidas tomadas não há melhora clínica e radiológica ou se a doença tem progressão rápida e grave. .Suspender o MTX é a principal conduta frente a suspeita de lesão pulmonar induzida pela medicação e melhora clínica e radiológica definem o diagnóstico. O uso de glicocorticóide é reservado para pacientes que mesmo após suspensão mantém sintomas. O corticóide sistêmico de escolha é prednisona 1mg/kg/dia e o desmame é iniciado após melhora clínica. Resposta: C O paciente foi submetido à broncoscopia que revelou - Sinais de traqueobronquite difusa - LBA: negativo para bactérias e fungos - Anatomopatológico: Biópsia transbrônquica de Lobo médio: 1. Inflamação crônica inespecífica de parede de vias aéreas 2. Metaplasia escamosa sem atipias Biópsia de carina: 1. Inflamação crônica inespecífica 2. Metaplasia escamosa sem atipias Hipótese Diagnóstica: Feita hipótese diagnóstica de BOOP secundária ao MTX ou à leflunomida, sendo as drogas suspensas e iniciada prednisona 20mg/dia. Evolução: Paciente evoluiu com melhora clínica e estabilização radiológica. Um mês após a equipe de reumatologia reintroduziu leflunomida por piora dos sintomas articulares e por considerar que o MTX resulta em maior incidência de lesão pulmonar quando comparado à leflunomida. Tomografia computadorizada de tórax comparativa - Antes suspensão MTX - Após suspensão MTX Após um ano de evolução o paciente apresentou piora das dores articulares (mãos e joelhos) e aumento de marcadores inflamatórios e foi introduzida Sulfassalazina 1g 12/12h pela equipe de Reumatologia. Iniciou também piora da dispnéia (aos moderados esforços – caminhadas curtas MRC 3) e piora da tosse seca, apresentando queda da saturação periférica de O 2 92% em repouso para 83% após teste do degrau por 3 minutos. Solicitado então nova Tomografia computadorizada de tórax e broncoscopia devido progressão da doença. Tomografia computadorizada de tórax comparativa - Após suspensão de MTX - Início dos novos sintomas Broncoscopia - Moderado grau de redundância da porção membranácea da traquéia, observada apenas à expiração. Dificuldade expiratória, com tendência a colabamento dos brônquios tanto à direita, quanto à esquerda. Realizada biópsia transbrônquica de LID (ver abaixo). Anatomopatológico Anatomopatológico: inflamação crônica inespecífica moderada de parede de vias aéreas com focos de organização em região intersticial Por piora do quadro clínico e radiológico, e anatomopatológico evidenciando pneumonia em organização, foi feito nova hipótese diagnóstica, de BOOP secundária a leflunomida, sendo esta suspensa e aumentada a prednisona para 40mg/dia. Tomografia computadorizada de tórax comparativa - Antes do tratamento– leflunomida - Após suspensão definitiva da DIAGNÓSTICO • BOOP secundária a Leflunomida Paciente evoluiu com melhora clínica e radiológica significativa. Iniciou então redução da prednisona. 3. São fatores de risco para lesão intersticial pulmonar secundária a leflunomida todos os abaixo, EXCETO: a) Tabagismo b) Doença pulmonar intersticial pré-existente c) Uso de metotrexate d) Obesidade e) Uso de dose de ataque de leflunomida Leflunomida (LEF) é uma droga modificadora de doença, que possui ação imunomoduladora (efeito antiinflamatório e atividade antiproliferativa) usada no tratamento da artrite reumatóide, sendo de segunda escolha para tratamento. A incidência de lesão pulmonar pela LEF é baixa, sendo 1,2% no Japão e 0,08% no Ocidente. O espectro de toxicidade pulmonar do LEF é descrito na literatura como similar ao do MTX. Suissa e col mostraram que pacientes com artrite reumatóide que usaram LEF tinham o dobro de chance de desenvolver doença pulmonar intersticial (DPI) comparado aos pacientes que nunca usaram essa medicação. É importante ressaltar que nesse estudo os pacientes que desenvolveram a lesão pulmonar tinham diagnóstico anterior de DPI ou uso prévio de MTX. Behrens e col evidenciaram que a pneumopatia por LEF se desenvolve em pacientes que usaram essa medicação por período menor que 20 semanas. Os fatores de risco principais observados foram a pré - existência de doença intersticial pulmonar e terapia combinada com MTX. São também fatores de risco tabagismo, baixo IMC e utilização de dose de ataque da LEF. Chikura e col mostraram que 31 pacientes com lesão pulmonar por LEF tiveram exposição prévia a MTX. Tomografia computadorizada de alta resolução de tórax com lesões em vidro fosco e fibrose pulmonar são preditores de maior gravidade. Sato e col também demostraram que doença pulmonar intersticial prévia, hipoxemia, imagem em vidro fosco em TCAR e hipoalbuminemia são fatores de pior prognóstico para lesão pulmonar induzido pela medicação. Os principais sintomas são dispnéia progressiva e tosse seca. Para diagnóstico de DPI por LEF, assim como por MTX, deve ser excluído causa infecciosa e outras etiologias possíveis. O diagnostico principal é radiológico através de TCAR. As principais lesões pulmonares por LEF são pneumonite granulomatosa e bronquiolite obliterante com pneumonia em organização. Diante de lesão tomográfica sugestiva a medicação deve ser suspensa. A prova de função pulmonar mostra padrão restritivo com diminuição da difusão de monóxido de carbono. Broncoscopia com LBA e biópsia pulmonar é reservada para casos que há piora clínica e radiológica apesar da suspensão da medicação, com o intuito de definir outro diagnóstico. O principal tratamento é suspender o LEF. Em casos muito sintomáticos ou com hipoxemia pode-se associar glicocorticóide sistêmico (prednisona 1mg/kg/dia) por 1 a 3 meses com posterior desmame após melhora. Resposta D Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 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