Vidro fosco difuso com insuficiência respiratória achados de fibrose e Autores: Mariah Prata*, Lilian Tiemi Kuranishi**, Karin Muller Storrer**, Rimarcs Gomes Ferreira***, Carlos Alberto de Castro Pereira****. *Residente da Disciplina de Pneumologia-UNIFESP ** Pós-graduandas programa de Doenças Intersticiais, Disciplina de Pneumologia- UNIFESP *** Docente Anatomia Patológica-UNIFESP ****Orientador de pós-graduação, programa de Doenças Intersticiais, Disciplina de Pneumologia- UNIFESP Paciente do sexo masculino, 44 anos, natural e procedente de Jequié – BA, ex-comerciante e atual caminhoneiro. Vem encaminhado de outro serviço, com história de dispnéia aos esforços há 2 anos, com piora progressiva, sendo que atualmente apresentava-se aos mínimos esforços. Há 4 meses iniciou com tosse produtiva com secreção clara. Negava emagrecimento ou febre no período. Negava tabagismo ou sintomas para colagenose. Relatava ter morado em casa com mofo por 5 anos, mudando-se há 2 anos. Como comorbidades, referia ser hipertenso controlado em uso de losartana e anlodipino. Queixavase de sintomas de azia e queimação epigástrica freqüente, controlados com uso de omeprazol 20mg/d. Pelo quadro pulmonar, já estava usando prednisona 40mg/d e oxigenioterapia há 8m, sem melhora dos sintomas. Ao exame, encontrava-se em regular estado geral, lúcido, corado, taquipneico. À ausculta cardiopulmonar, evidenciavam-se estertores em velcro nas bases com bulhas cardíacas normofonéticas. PA=140x85mmHg, FC=85bpm, FR=28irpm SpO2=90% com O2 4L/min/ 70%em ar ambiente e ao repouso. Abdome sem visceromegalias, extremidades com baqueteamento digital. A espirometria mostrava: CVF=0,97L (24%) VEF1=0,68L (26%) VEF1/CVF=0,70. Gasometria arterial com O2 4L/min: pH=7,37 PaO2=67,9mmHg PaCO2=49,6mmHg Bic=28mmol/L SatO2=92,4%. Hemograma, função renal e hepática normais. Provas reumatológicas negativas. A tomogafia de tórax de alta resolução tinha um padrão em vidro fosco difuso, associado a infiltrado reticular com bronquiectasias de tração e bronquioloectasias com predomínio em campos superiores e regiões centrais. TOMOGRAFIA DE TÓRAX BIÓPSIA PULMONAR CIRÚRGICA Questões 1. Considerando os dados clínicos e o padrão tomográfico do presente caso, qual a hipótese diagnóstica mais provável? a) Pneumonite de Hipersensibilidade b) Pneumonia Intersticial Não Específica c) Fibrose Pulmonar Idiopática d) DPI secundária à aspiração crônica e) Sarcoidose Fibrosante Neste caso, o paciente apresenta poucos dados clínicos e epidemiológicos que ajudam na definição do diagnóstico. Os dados positivos são: exposição prévia a mofo, que sugere PH, e sintomas dispépticos, porém não comprovados, que sugere DPI associado a aspiração crônica. A TCAR possui um padrão em vidro fosco difuso, com sinais de fibrose pelos achados de infiltrado reticular, bronquiectasias de tração e bronquioloectasias, com predomínio nos campos superiores e em região central. Este padrão em vidro fosco com fibrose pode ser encontrado na PINE com fibrose, na PH crônica, na pneumonia intersticial descamativa, na FIP atípica, na pneumonia intersticial de células gigantes e mais raramente em outras DPIs. Assim, os achados tomográficos, somados à exposição prévia a mofo, sugerem mais o diagnóstico de PH. A PINE está mais associada a colagenoses, e neste caso o paciente não apresentava sintomas e as provas reumatológicas eram negativas. Para sarcoidose e FIP, o padrão tomográfico do caso não é característico destas DPIs. Na aspiração crônica, o comprometimento é mais central e em regiões de língula e lobo médio, campos basais posteriores, distinto do caso. 2. Qual a conduta a ser tomada para definição do diagnóstico? a) Broncoscopia com biópsia transbrônquica e Lavado broncoalveolar b) Pesquisa de antígenos causadores de PH c) Biópsia pulmonar cirúrgica d) Iniciar corticóide em doses altas e) Encaminhar ao transplante pulmonar A biópsia tranbrônquica com lavado broncoalveolar é muito utilizada para definição das pneumopatias intersticiais. Entretanto, nos casos onde o achado radiológico predominante é vidro fosco com fibrose, a positividade é baixa, em torno de 25%, segundo um levantamento de nosso banco de dados com cerca de 1800 pacientes (dados não publicados). Além disso, o paciente não apresenta condições clínicas favoráveis para o exame, evidenciado pela acentuada hipoxemia e taquipnéia, com alto risco de necessidade de intubação orotraqueal. Por outro lado, sabemos que a biópsia pulmonar cirúrgica também possui riscos, inerentes ao próprio procedimento, bem como ao paciente. Fatores de risco associados a complicações são: CVF < 50% do predito, VEF1 < 1L, PaO2< 50-55mmHg, hipercapnia, uso prolongado de oxigenioterapia. No presente caso todas essas características estavam presentes. O uso de corticosteróides em doses altas poderia trazer algum benefício ao paciente, com alguma melhora clínica e funcional. Entretanto, o paciente já fazia uso de prednisona 40mg/dia por 8 meses, sem resposta clínica. Quanto ao transplante pulmonar, certamente haveria indicação, entretanto, as condições sócio-econômicas eram totalmente desfavoráveis. Por fim, considerando que temos um paciente jovem, com uma doença progressiva, é importante a definição do diagnóstico para iniciar um tratamento o quanto antes e estabelecer um prognóstico. Comparando-se os riscos e a positividade entre as biópsias transbrônquica e cirúrgica, foi optado pela biópsia cirúrgica. Felizmente o procedimento transcorreu sem intercorrências e o paciente teve uma boa evolução no pós operatório. 3. Considerando os achados histológicos, qual seria o diagnóstico provável? a) Pneumonite de hipersensibilidade b) Pneumonia intersticial não específica c) Pneumonia descamativa d) Pneumonia de células gigantes e) Pneumonia em organização Os achados histológicos foram de comprometimento difuso e heterogêneo, com presença de processo inflamatório às custas de linfócitos, descamação intra-alveolar, presença de células gigantes multinucleadas. Estes achados são característicos de pneumonia de células gigantes. Esta entidade é encontrada na peumopatia por metal duro. O primeiro relato desta doença foi feita por Liebow, em 1968, quando descreveu uma pneumopatia intersticial em trabalhadores de fábricas metalúrgicas que eram expostos a tungstênio. Mais tarde, outros autores observaram a mesma DPI em lapidadores de diamantes, que eram expostos a cobalto. Estes dois metais são os mais frequentemente associados a PICG e já foram publicados estudos onde foram identificados estas substâncias no interior dos macrófagos e células multinucledas, por microscopia eletrônica de varredura. Outros achados histológicos possíveis na PICG são: áreas de bronquiolite obliterante, certa broncocentricidade das lesões e faveolamento com extensa fibrose nas fases mais avançadas. Uma nova revisão detalhada da história ocupacional não revelou causa aparente, no Brasil a mais freqüente sendo o trabalho com afiação de ferramentas. Temos ainda observado casos expostos à fabricação de tintas, onde o cobalto (azul) é utilizado. 4. Com o diagnóstico definido, qual seria a proposta terapêutica para o caso? a) Manter corticóide e oxigenioterapia b) Manter apenas oxigenioterapia c) Iniciar imunossupressor associado ao corticóide d) Encaminhar ao transplante pulmonar e) Iniciar imunobiológicos O tratamento da PICG não está bem definido, segundo a literatura. De maneira semelhante ao que ocorre na pneumonia de hipersensibilidade, existem casos que melhoram apenas com afastamento da exposição ao metal duro. Outros casos necessitam de imunossupressores, como corticóide e ciclofosfamida. Entretanto, são apenas alguns relatos de caso que mostraram boa evolução com o tratamento imunossupressor. Quanto ao transplante pulmonar, alguns casos já foram relatados com boa evolução, entretanto, também há relatos de recidiva da doença após o transplante, denotando um possível mecanismo de auto-imunidade. Quanto aos imunobiológicos, não há estudos com estes medicamentos na PICG. O paciente está em tratamento com pulsoterapia de metilprednisolona semanal e ciclofosfamida mensal. Será reavaliado após três meses de tratamento. Bibliografia 1. Webb, RW, Muller, NL, Naidich, DP. High-resolution CT of the lung. 2009. 2. Balmes JR. Hard metal interstitial lung disease: high-resolution computed tomography appearance. J Thorac Imaging. 2002 Oct;17(4):314-8. 3. 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