GORETTE DE FÁTIMA BEZERRA DE ALBUQUERQUE ALTERNATIVAS ALIMENTARES: UMA REVISÃO NA LITERATURA Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no XVI Curso de Pós Graduação latu sensu para Especialização em saúde Pública do Departamento de Saúde Coletiva/ CPqAM/FIOCRUZ/MS, sob a orientação da Professora Idê Gomes Dantas Gurgel Recife-2001 GORETTE DE FÁTIMA BEZERRA DE ALBUQUERQUE ALTERNATIVAS ALIMENTARES: UMA REVISÃO NA LITERATURA Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de especialista no Curso de Pós-Graduação latu sensu para Especialização em Saúde Pública do Departamento de Saúde Coletiva/CPqAM/FIOCRUZ/MS, pela Comissão formada pelos Professores: Orientador: ___________________________________ Prof.ª Ide Gomes Dantas Gurgel – NESC Debatedor: ___________________________________ Maria Do Carmo Xavier do Monte Nen Ministério da Saúde Recife -2001 AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, a Deus pela oportunidade de executar mais uma tarefa que considero de grande importância para a minha vida profissional. À minha família, em especial a meu filho Danilo, pela compreensão que sempre demonstrou nos vários momentos em que foi privado de minha presença. À Direção do NESC Coordenação e Professores do Curso de Especialização, pelo empenho apaixonado no repasse das informações e experiências vividas na Saúde Pública. À Idê, pela dedicação e doação de seu tempo e de sua experiência. Aos funcionários do NESC, em especial Paulo, Dete, Mégine, Romero, Sônia, e Sara, pela disponibilidade no atendimento às nossas necessidades de alunos. Aos colegas do Curso e da Residência, pelo convívio e pela amizade que desfrutamos durante o período do curso. Aos funcionários do Hospital Geral de Areias, em especial à equipe de Nutricionistas, pelo apoio e incentivo. À Clara Takaki pelo incentivo para a realização de trabalhos sob esse tema. A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. RESUMO As alternativas alimentares propõem a utilização de alimentos não convencionais, como suplementação à alimentação usual. Inclui alimentos nutritivos, facilmente acessíveis, e de baixo custo, além de preparados segundo os hábitos alimentares regionais. Como uma revisão bibliográfica acerca do tema de forma descritiva e analítica, este estudo procura identificar os vários autores e seus posicionamentos quanto ao tema, procurando realizar análise crítica das principais idéias apresentadas. Existem diversos pesquisadores que abordam esta questão, mas tendem a apresentar resultados diversos, conforme a metodologia aplicada e as diferenças regionais. A regionalização possibilita o resgate da cultura alimentar, facilita o acesso aos alimentos pelas comunidades e torna difícil a padronização da qualidade e da quantidade dos produtos. Apesar das divergências, os vários autores demonstram o interesse em aprofundar a questão e buscar a otimização da terapia nutricional adequada à desnutrição e a outras doenças carenciais, nas populações sob risco e nas já acometidas por aquelas enfermidades. Alguns órgãos oficiais e não governamentais utilizam e/ou procuram aprofundar a proposta, não houve, no entanto, espaço suficiente para debates, visando à troca de experiências e à tentativa de um mínimo de sistematização das atividades. Dessa forma, torna-se urgente o debate a respeito das alternativas alimentares, com o objetivo de reunir pesquisadores e profissionais que atuam no cotidiano, junto às populações, como o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Esses programas permitem o enfrentamento direto dos problemas nutricionais da população, podendo estimular o uso de alternativas alimentares, para minimizá-los em curto período de tempo, uma vez que além da produção dos alimentos alternativos para o próprio consumo, poderá tornar-se uma fonte de renda familiar. A introdução das alternativas alimentares em projetos voltados para a questão nutricional no país, não se coloca como o único caminho viável, porque a solução de problema tão complexo requer o desenvolvimento de políticas sociais acessíveis à população, e de ações que promovam a saúde e elevem a qualidade de vida de todos os cidadãos. SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO 7 2 - OBJETIVOS 15 3 - MATERIAL E MÉTODOS 16 4 - ALIMENTAÇÃO ALTERNATIVA: UM BREVE HISTÓRICO 17 5 – ALTERNATIVAS ALIMENTARES: ESTUDOS REALIZADOS a) FARELO DE TRIGO 20 b) VEGETAIS FOLHOSOS 24 c) SEMENTES OLEAGINOSAS 27 d) CASCA DE OVO 28 e) MULTIMISTURA OU FARINHA MÚLTIPLA 29 6 - ALTERNATIVAS ALIMENTARES: AUTORES FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS 35 7 – APLICABILIDADE DA PROPOSTA 40 8 – ALTERNATIVAS ALIMENTARES E SAÚDE PÚBLICA 44 9– CONCLUSÃO 48 10 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50 7 1 – INTRODUÇÃO A desnutrição representa um dos graves problemas de saúde pública, em várias partes do planeta. Geralmente se encontra atrelada a níveis sócioeconômicos desfavoráveis. Alguns autores acreditam que o Brasil se encontra em processo de transição epidemiológica, ou seja, que vêm ocorrendo mudanças nos padrões de morbidade, com as doenças carenciais, as chamadas “doenças da fome”, sendo substituídas gradativamente pelas crônico-degenerativas (Silva, 1998), também chamadas “doenças da civilização”. No entanto, parece que essas duas realidades se apresentam superpostas e o Brasil apresenta um perfil epidemiológico misto, uma vez que, ao contrario de outros países, essa mudança não é decorrente de melhorias ou investimentos em infraestrutura, e sim, devida às ações básicas de saúde. Apesar da crescente redução dos coeficientes de mortalidade infantil (mesmo ainda distante do preconizado pela OMS, de dez por mil), esses coeficientes não se encontram associados à melhoria da qualidade de vida da população, uma vez que persistem as parasitoses e outras infecções, como conseqüência da insuficiência ou ausência total de saneamento básico, em várias partes do país. Associa-se a isso a carência de alimentação adequada, seja pela sua escassez (uma vez que temos níveis alarmantes de desemprego, além de baixos salários), seja pela falta de educação alimentar adequada, em termos de quantidade e qualidade. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, esses fatos vão de encontro à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1941, que diz: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde e o bem estar, em especial a alimentação” (UNICEF, 1990). Em 1974, durante a Conferência Mundial de Alimentação das Nações Unidas, todos os Estados presentes proclamam: “ Todos os homens , mulheres e crianças têm o direito inalienável de não padecer de fome e desnutrição, a fim de poderem desenvolver-se plenamente e conservar suas faculdades físicas e mentais” (UNICEF, 1990). 8 No entanto, apesar da crescente redução dos índices de desnutrição no Brasil, este fato não tem sido acompanhado da elevação da qualidade de vida. Um aspecto de grande importância é a Política Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil, pois através da sua análise verifica-se que poucos foram os avanços, apesar de suas origens remontarem à década de trinta. Ainda naquela década, ficaram estabelecidas as relações entre alimentação e renda, e a possibilidade prática de ação, isto é, relacionou-se alimentação com salário, e com uma incipiente política salarial (Peliano, 1988). Para Burlandy (2000) o setor saúde tem desenvolvido, ao longo dos anos, várias propostas para o combate à desnutrição, normalmente associados à suplementação alimentar, sendo no entanto, muito criticadas, por não atingirem os objetivos propostos, apesar de todos os esforços, uma vez que “A questão alimentar e nutricional no Brasil vem ocupando a agenda pública, desde a década de 30, no entanto estudos avaliativos indicam que, com exceções, os programas então implementados não alcançaram efetivamente os grupos de mais baixa renda ou apresentaram um baixo desempenho”. Na década de quarenta, Josué de Castro (1980) questiona: “Quais são os fatores ocultos desta verdadeira conspiração de silêncio em torno da fome?(...) não só a fome total, verdadeira inanição, fenômeno em geral, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências sociais excepcionais , mas também, a fome parcial, a chamada fome oculta, na qual, pela falta permanente de determinados elementos nutritivos em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comer todos os dias”. Afirmações essas podem ser transportadas fielmente para a atualidade, ou seja, demonstram questões levantadas e vividas há décadas, e que persistem sem resolução. No início da década de noventa, o UNICEF afirma que “ Atualmente, o problema da maioria dos programas nutricionais não é a falta de intervenções técnicas bem documentadas e cientificamente válidas, 9 mas muito mais sua incapacidade de explorar em profundidade como se podem mobilizar e aproveitar os conhecimentos e recursos locais existentes, em combinação com as intervenções técnicas, como o intuito de criar um ambiente e uma estrutura de apoio que conduzam à melhoria da nutrição” (UNICEF, 1990). O progresso trouxe, entre outras mudanças, a industrialização, que gerou gradativa transição alimentar, com a cultura ligada à agropecuária, de alimentos integrais, naturais, sendo substituída pela de alimentos refinados, em que a praticidade se evidencia devido ao dinamismo da vida, sobretudo nas grandes cidades, sem levar em consideração o valor nutritivo da alimentação ou ainda as conseqüências para a manutenção e/ou recuperação da saúde. A mídia por sua vez, apresenta forte influência na seleção do que “deve” ser consumido, muitas vezes distante da realidade local, levando ao aumento do custo, ao mesmo tempo que provoca carências nutricionais, visto que outros alimentos importantes também vão sendo substituídos. As carências nutricionais muitas vezes são acentuadas sobretudo pela vida nas cidades, decorrentes da poluição e da mudança de hábitos e costumes, que freqüentemente levam à contaminação por metais pesados, presentes em alimentos industrializados, no ar, na água, que agem como quelantes de vitaminas e minerais (Brandão & Tancredi, [19...], ocasionando sintomas cujas causas nem sempre são identificáveis, clinicamente, pelos processos usuais. Outras carências são geradas devido a processos agrícolas ultrapassados e extenuantes, como as queimadas, e o uso de agrotóxicos, uma vez que provocam o empobrecimento do solo, repercutindo negativamente no valor nutritivo dos alimentos. Segundo Ratis e Luz (1999), o uso de agrotóxicos, pode modificar a composição química dos alimentos, quanto ao teor de elementos imprescindíveis, entre outros: aminoácidos essenciais, que têm como fonte apenas os alimentos, ou seja, o ser humano não possui capacidade de produzi-los, sendo fundamentais portanto, para a produção de proteínas, as quais exercem funções primordiais para inúmeros processos do organismo; carotenos - pró –vitamina A – necessária à proteção da pele e da retina. Ainda segundo as autoras, os agrotóxicos também provocam contaminação dos alimentos, do solo repercutindo nas culturas posteriores. Alguns são nefrohepatototóxicos, além de produzirem outros efeitos 10 nocivos ao homem, através da contaminação direta ou através da cadeia alimentar, ao mesmo tempo em que produzem efeito cancerígeno em animais de laboratório, já que se trata literalmente de veneno. Há vários estudos que identificam a presença de agrotóxicos na estrutura dos produtos alimentícios, sejam de origem vegetal ou animal. É importante registrar, como exemplo, o estudo realizado por Lemos e Miranda (1997), que analisou frangos nos quais foram detectados resíduos de pesticidas organoclorados no tecido adiposo daqueles animais. Por outro lado, já é consenso entre os estudiosos que a população mundialmente não se alimenta adequadamente em quantidade e em qualidade. Segundo Montaña, Senff & Dietrich, (1998) “Cerca de 70% da população brasileira não se alimenta o suficiente para viver com saúde e dignidade, e noventa milhões de famílias não ganham o suficiente para aquisição de uma cesta básica de alimentos e prover outras necessidades mínimas, sofrendo, por isso com a imposição de níveis precários de sobrevivência”. No entanto, este quadro poderia ser revertido se a população tivesse acesso adequado aos alimentos , uma vez que a própria UNICEF (1998) afirma que “A garantia de alimentação para a família depende do acesso aos alimentos - acesso financeiro, físico e social- entendido como condição distinta da disponibilidade de alimentos”, o que acarreta um quadro que pode ser caracterizado como “fome oculta” que, segundo Costa & França (1993), é pouco debatida, sendo, no entanto vivenciada pelos contingentes populacionais que dispõem de alimentação abundante e até excessiva em elementos calóricos e estruturais, mas pobre no que diz respeito a micronutrientes. Na década de setenta, a partir da necessidade de melhoria das condições de saúde da população, foram desenvolvidas atividades para melhor aproveitamento dos recursos naturais disponíveis em alimentos e medicamentos. O trabalho pioneiro, teve início em creches de Santarém, no Pará, estendendo-se a todas as regiões do Brasil, com o apoio da Pastoral da Criança, ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tornando-se referência graças ao largo alcance daquela instituição no país. No que se refere à alimentação foram introduzidos 11 alimentos naturais, subprodutos de cereais, sementes, cascas, talos, etc. na alimentação usual, como forma de resgate da cultura alimentar (Brandão & Brandão, 1983). Essa proposta passou a ser chamada de “Alimentação Alternativa”. Diversos estudos sobre essa temática têm sido desenvolvidos, em várias partes do país, sem que, no entanto, se tenha chegado a um consenso a respeito do assunto. O Ministério da Saúde tem empregado alguns esforços para a divulgação e a pesquisa acerca dos chamados alimentos alternativos, sendo no entanto, necessário buscar a veracidade dos fatos, uma vez que as alternativas em alimentação são utilizadas em várias comunidades sem que haja estudos conclusivos ou mesmo um padrão estabelecido (Brasil, 1996). Alguns desses estudos demonstram que a proposta de alternativas alimentares é viável na recuperação do estado nutricional de crianças de 06 meses a 05 anos de idade (Silva, 1992). Outros acrescentam que o teor de sais minerais administrados em dieta para ratos foi complementado pela multimistura (Jong, 1998). Contrariando a opinião favorável ao uso de alternativas alimentares, alguns autores não conseguiram confirmar essas afirmações, através de estudos laboratoriais realizados com ratos (Bion, 1997). Ao mesmo tempo em que outros demonstram a ineficácia do seu uso na população, por não contribuírem para o tratamento da desnutrição (Boaventura, 1998). Alguns pesquisadores ainda alertam para determinadas questões como a biodisponibilidade dos nutrientes (Cozzolino, 1997). Da mesma forma há a preocupação quanto aos aspectos toxicológicos, ou mesmo quanto às substâncias antinutricionais presentes naqueles alimentos (Pereira et al, 1998; Câmara, 1996). Alimentação Alternativa é o termo utilizado para distinguir incrementos à alimentação usual, tornando-a mais nutritiva. Trata-se de alimentos regionais, de fácil acesso, de baixo custo e de alto valor nutritivo, através do acréscimo e/ou aproveitamento de talos e cascas de vegetais e frutas, raízes, sementes, subprodutos de cereais já utilizados, como um todo ou em partes, pela população, na atualidade e/ou em outras épocas, em várias partes do país, alguns, porém, em outras partes do mundo ( Beausset, 1992). 12 O princípio da Alimentação Alternativa vem sendo disseminado no Brasil há cerca de duas décadas, pela Nutróloga Clara Takaki Brandão, a qual afirma que “a qualidade é dada pela variedade” (Brandão & Brandão, 1997), ou seja a mistura de vários alimentos elevam o valor nutritivo do produto final . Ações isoladas são realizadas na rede formal de atenção, como é o caso de alguns Municípios, que incluem a proposta nas políticas de saúde e/ou educação, a exemplo da Prefeitura Municipal de Palhano, que já em 1994 instituiu essas práticas (Palhano, 1994) sem que houvesse, no entanto, sistematização, nem padronização das ações. Sabe-se que a ocorrência de várias patologias associadas a carências nutricionais, que provocam elevação de custos hospitalares, e/ou tratamentos ambulatoriais, poderia ser evitada, através da alimentação adequada. Para atender a essas necessidades, a indústria de alimentos produz complementos nutricionais, que, no entanto, não produzem grandes efeitos, quanto ao aspecto nutricional, além da dificuldade de acesso aos mesmos, por serem de alto custo (Costa & França, 1993). Para esses autores, o processo de desenvolvimento dos países tem trazido algumas desvantagens para a população, pois segundo eles, alimentos com longa tradição nas culturas locais passam a ser depreciados, mesmo que contenham excelentes propriedades nutritivas ou mesmo sejam de baixo custo, ao passo que a demanda é continuamente redirecionada para o consumo de produtos pobres em valor nutritivo. Não há, no entanto, soluções simples, aplicáveis a problemas complexos e estruturais, como a fome, porque, segundo o UNICEF (1998), mesmo a produção de alimentos não é suficiente, pois não garante melhorias na nutrição. Um fato significativo, que tem provocado debates, é a cultura do desperdício. De acordo com Costa & França (1993), esse problema é agravado, quando 25% da produção agrícola se perde durante os processos de armazenamento, transporte e distribuição. Por outro lado, a cultura do desperdício continua no cotidiano das famílias, sobretudo devido às técnicas inadequadas de preparo dos alimentos, ao mesmo tempo em que partes importantes daqueles produtos são desprezadas. 13 O tema Alternativas Alimentares, propõe um resgate da cultura alimentar, através da utilização de alimentos locais, com a busca do aproveitamento de todas as partes possíveis do referido alimento, gerando um menor custo da alimentação, ao mesmo tempo em que complementa necessidades, sobretudo de micronutrientes (Beausset, 1992), que contribuem para a redução da desnutrição e outras carências nutricionais. Para Ribas ( 1998), “mudanças profundas e soluções definitivas para a fome e outros problemas alimentares precisam de tempo, mas não podemos esperar pelas grandes mudanças”. Esta autora aponta que a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em Brasília, em 1994, definiu o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional como: “Garantir a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana”. Na comunidade científica há várias divergências a respeito do tema Alternativas Alimentares, porém sente-se a necessidade de maior embasamento teórico-prático a respeito do assunto. Observa-se pouca ênfase a esse conteúdo, quanto a trabalhos de pesquisa realizados, ao mesmo tempo em que tem provocado inúmeros debates em todo o país, em diversas ocasiões, seja no meio acadêmico, seja na prática dos profissionais. É preciso lembrar que o assunto é de conhecimento de parte da população, que utiliza esses recursos, independentemente de orientação adequada, por vezes expondo-se a riscos, uma vez que há omissão e carências de informações entre os próprios profissionais de saúde a respeito do assunto. A partir dessa realidade tornam-se necessários estudos que dêem respostas plausíveis, uma vez que leva a necessidade de maior fundamentação para o posicionamento acerca do assunto, pois proteger a população é imprescindível, ao mesmo tempo em que se deve ter a vigilância para não negar a essa mesma população, o direito à alimentação que possa contribuir para minimizar suas carências nutricionais. 14 Diante dessas afirmações, torna-se necessária e urgente uma revisão na literatura acerca do tema Alternativas Alimentares, para que seja colocada à disposição dos profissionais das várias áreas relacionadas ao assunto, e, em especial, dos que atuam no campo da saúde pública. Dessa forma permitirá melhor esclarecimento, a partir dos trabalhos já realizados, proporcionando maior amadurecimento a respeito do assunto, ao mesmo tempo em que poderá dar maior contribuição para a atenção básica às populações, mais especificamente através dos Programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, visto que estes possibilitam o contato aproximado com a realidade da população. 15 2 – OBJETIVOS a) Objetivo Geral Realizar revisão bibliográfica acerca do tema Alternativas Alimentares, apontando os principais autores e as posições favoráveis e contrárias à questão. b) Objetivos Específicos - Identificar as propostas dos vários autores. - Apresentar os autores favoráveis e seus principais argumentos. - Apresentar os autores contrários e seus principais argumentos. - Contrapor as concepções dos autores e identificá-los. 16 3 – MATERIAL E MÉTODOS Este estudo é uma revisão bibliográfica acerca do tema alternativas alimentares, de forma descritiva e analítica. Por se tratar de um assunto bastante discutido e polêmico, este trabalho procurará identificar os vários autores e seus posicionamentos quanto ao tema, ao mesmo tempo em que será realizada análise crítica das principais idéias apresentadas. Será dada maior ênfase aos trabalhos que se referem aos alimentos não convencionais isoladamente: farelo de trigo, pó de folha de macaxeira, pó de casca de ovo e sementes oleaginosas de jerimum, gergelim e girassol, ou à própria multimistura desses alimentos, uma vez que são os mais acessíveis e mais comumente utilizados na área metropolitana da Cidade do Recife. 17 4- ALIMENTAÇÃO ALTERNATIVA: UM BREVE HISTÓRICO Na década de setenta, a partir da necessidade da melhoria das condições de saúde da população, foram iniciadas em Santarém, no Pará, atividades para aproveitamento dos recursos naturais disponíveis em alimentos e medicamentos. Este trabalho foi desenvolvido inicialmente através do Projeto Casulo (Brandão & Brandão, 1985) da então Legião Brasileira de Assistência (LBA), sob a coordenação de uma Pediatra, a Dra. Clara Takaki Brandão, que introduziu o farelo de trigo e de arroz na suplementação alimentar. Esses farelos foram utilizados, a partir do ano de 1979, após análise química, que comparou os valores nutritivos entre o arroz integral e o arroz polido, análise essa, realizada pelo então Instituto de Nutrição da UFPE, hoje Departamento de Nutrição, através da colaboração do Dr. Nelson Chaves. Esse estudo sugeriu o uso dos farelos, uma vez que o consumo dos grãos integrais seria de custo inacessível à população. Foram criadas várias formas de utilização daqueles suplementos, e sua inclusão na alimentação das crianças do projeto casulo, as quais, após seu uso, apresentavam resposta satisfatória em relação aos resultados no tratamento de enfermidades gastrointestinais e dermatológicas, bem como, melhor crescimento e desenvolvimento. O Projeto Casulo se estendia a seis bairros daquela cidade. Para inclusão, neste programa, as crianças eram submetidas ao diagnóstico do estado nutricional, a exames bioquímicos (dosagem de hemoglobina), e parasitológico de fezes. Paralelamente, foi realizado na mesma comunidade, um inquérito alimentar, com a finalidade de resgatar hábitos alimentares benéficos, em relação à utilização, manipulação e ingestão dos alimentos. Foram realizados também estudos sobre produtos, sub-produtos, regionais ou não, porém de baixo custo, principalmente fontes de vitamina A, vitamina C, cálcio e niacina, disponíveis. Para inclusão na dieta, foram incentivados o uso de raízes e tubérculos, de alimentos integrais e naturais, acrescidos de farelos de trigo e farelo de arroz, ao mesmo tempo em que desestimulava o uso de farináceos industrializados; a substituição de açúcar branco por mel; o uso de óleo de gergelim, de pequi e azeite de dendê; o consumo de sucos naturais, substituindo os artificiais; o uso de folhosos, etc. Houve estímulo ao cultivo de hortas caseiras, e escolares, 18 para melhoria da renda familiar e da merenda escolar, respectivamente (Brandão & Brandão, 1983); como fonte de proteínas foi incentivado o uso de vísceras e de farinha de peixe, esta última, consumida pelos indígenas, assim como o consumo de folhas de macaxeira desidratadas, transformadas em pó, utilizadas em pratos típicos daquele Estado (Brandão & Brandão, 1985). Ainda tomando como base a cultura popular, foi incentivado o uso de pó de casca de ovo, além do consumo de sementes, como as de jerimum, melão, melancia, gergelim e de girassol. Ainda naquela década houve a criação da Sociedade de Estudos e Aproveitamento dos Recursos da Amazônia (SEARA), por iniciativa de um grupo de voluntários, empenhado na recuperação dos desnutridos e da educação familiar (Brandão, 1985). No ano de 1994, a Universidade Estadual do Ceará (UECE) promoveu o Simpósio Alimentação Alternativa: Aspectos Nutricionais e Sociais, que durante três dias debateu o assunto com profissionais e pessoas ligadas à atividade comunitária, de várias partes do país. Experiências diversificadas foram apresentadas, desde as mais simples, até as que envolvem intersetorialidade ou mesmo transetorialidade. Nesse evento percebeu-se a necessidade de maiores pesquisas, uma vez que ficava claro naquele forum o interesse acerca do assunto, sem no entanto resultados científicos que comprovassem afirmações do cotidiano. Entre as várias sugestões, a necessidade da pesquisa através das Universidades, foi um ponto alto nas discussões. Autores como Montaña,Nitzke& Jong [199...] afirmam que ” A grande vantagem desta chamada Alimentação Alternativa referese à disponibilidade regional de seus ingredientes, a não interferência nos hábitos alimentares da população, baixo custo e possibilidade de preparação caseira ou artesanal, que ficam desta forma, disponíveis a uma maior parcela da população”. Alguns estudos se referem ao termo farinha múltipla, ou multimistura, este último mais utilizado. Trata-se da mistura proporcional de pós e farinhas, referidos como forma de adição às preparações de alimentos. As Alternativas Alimentares promovem o resgate da cultura popular, com o incentivo ao uso de produtos disponíveis em cada região, ao de alimentos 19 tradicionalmente utilizados, mesmo em outras épocas. Consiste no uso de raízes e tubérculos; farináceos como fubá, farinha de mandioca, farinha de trigo, em substituição a farinhas industrializadas, de menor valor nutritivo, porém de alto custo; folhas frescas verde-escuras (couve, bredo, quiabo, jerimum, beldroega, taioba,etc), pó de folhas verde-escuras (macaxeira, mandioca, batata doce), de subprodutos de cereais (farelo de trigo, farelo de arroz), pó de casca de ovo, farinha ou caldo de sementes (gergelim, girassol, melão, melancia) . A nutróloga Clara Takaki Brandão vem utilizando o termo Alimentação Alternativa há muitos anos, acompanhada da Pastoral da Criança. No entanto, a equipe de Nutricionistas do Hospital Geral de Areias, através de debates, alguns extra muros, conclui que o termo alimentação alternativa produz interpretação equivocada, ou seja, gera a idéia de troca da alimentação cotidiana por algo novo, o que provoca muitas polêmicas a respeito do assunto, ao passo que a mudança para o termo Alternativas Alimentares contemplaria de forma mais adequada a proposta de enriquecimento da alimentação usual. Por outro lado, durante o Simpósio ”Alimentação Alternativa: Aspectos Nutricionais e Sociais, promovido pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, entre outras discussões, percebeu-se a necessidade de mudança do termo, de forma que a proposta nº 3.8 do relatório final diz: “ Que a terminologia “alimentação alternativa” seja substituída por COMPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR NÃO CONVENCIONAL, uma vez que a maioria dos princípios empregados são na realidade preceitos já consagrados pela nutrição convencional “ (Simpósio ..., 1994). 20 5- ALTERNATIVAS ALIMENTARES - ESTUDOS REALIZADOS a) FARELO DE TRIGO De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 1994), “O trigo é um cereal rico em fibras, proteínas, gordura, vitaminas do complexo B, vit .E, folato, cálcio, ferro e zinco. Contudo estes nutrientes concentram-se, principalmente no gérmem e farelo. O endosperma é composto basicamente por amido e proteínas, sendo que o valor nutricional das farinhas é diretamente dependente de sua taxa de extração, ou seja, a porcentagem do grão original presente na farinha. Assim farinhas integrais têm taxas de extração de 100% enquanto farinhas especiais, quase só endosperma, chegam a 65%” No entanto, apesar de todas as vantagens nutricionais do farelo de trigo, é colocada em dúvida a disponibilidade dos seus nutrientes”. Fernandes, Pires e Guerra (1992), ao analisarem efeitos de diferentes temperaturas e embalagens sobre a estabilidade do farelo de trigo, perceberam efeito benéfico em relação à torrefação a 95 º C, sobre o número inicial de unidades formadoras de colônias de bolores e leveduras. No entanto, houve efeito adverso, quanto à acidez e formação de peróxidos, superiores ao.permitido pela Legislação . Segundo os autores, essa alteração aconteceu antes do armazenamento O Ministério da Saúde (Brasil,1994) também atenta para o aspecto sanitário, uma vez, que por ser o farelo se trigo um sub-produto da indústria de moagem do trigo, é comumente utilizado para ração animal. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal realizou análise microbiológica, microscópica e físico-química em amostras de farelo de trigo e de arroz, coletados pelos fiscais do Departamento de Fiscalização de Saúde do Distrito Federal. A maior parte das amostras (87,6%) se apresenta de acordo com a legislação sanitária vigente. O tempo ideal de torrefação utilizando fogão comum com a chama no mínimo, foi de 25 minutos, enquanto os valores físico-químicos não apresentaram grandes diferenças, após esse tempo de torrefação (Brasília, 1992). 21 Entre os subprodutos de cereais, em Pernambuco é utilizado o farelo de trigo, por ser de fácil acesso, sobretudo na Região Metropolitana da Cidade do Recife, uma vez que fica próximo a dois moinhos de trigo, e não possui moinho de arroz. Darrigol (1978) afirma que os farelos de cereais são eficazes em várias afecções do trato digestivo, sendo mais empregados no combate à constipação intestinal, porque aumentam de forma significativa o bolo fecal, devido à propriedade de embeber água em vinte vezes o seu volume inicial. Essas afirmações são comprovadas, por Galvão (1998), que afirma “ O farelo de trigo vem sendo utilizado, a nível mundial, por adultos e crianças com Constipação Intestinal crônica (CIC), desde o início da década de 1970 e, consequentemente, já está consagrado pelo uso (...). Trabalho recente demonstrou que a suplementação da dieta habitual de crianças com farelo de trigo, não só não alterou diversos parâmetros bioquímicos pesquisados, como inclusive, aumentou os níveis circulantes de ferritina. Também lactantes de 7 a 17 semanas com fórmulas lácteas acrescidas de cereais com variados teores de fibra alimentar (soja, trigo refinado, trigo integral), não apresentaram alterações significativas nos diversos aspectos estudados (biodisponibilidade de zinco, cálcio, ferro, antropometria, absorção de energia e de proteínas)”. Segundo Moura (1998), o ácido fítico (IP6) ou inositol fosfato é um composto natural formado durante a maturação de sementes e grãos de cereais e leguminosas, tornando-se a principal forma de armazenamento de fósforo nesses alimentos, ao mesmo tempo em que forma complexos com minerais como ferro, zinco, tornando-os indisponíveis em dietas e rações animais à base desses vegetais. Por sua vez, a fitase realiza hidrólise do IP6 e de seus sais, no trato gastrointestinal humano, local onde pode ocorrer hidrólise dos fitatos de 44 a 63%. Afirma aquela autora ” Essa hidrólise é realizada a partir de três fontes: fitases das plantas da dieta, fitases da flora bacteriana intestinal e as fitases da mucosa intestinal. Esta última parece não ter papel significativo em humanos, enquanto que a naturalmente presente nos grãos e farelos parecem ser um importante fator para a hidrólise “ (Moura,1998). 22 Segundo a mesma autora, alguns trabalhos em ratos e em humanos e in vitro, indicam a desforilação progressiva do fitato, reduzindo assim a sua capacidade antinutricional. Alimentos processados, especialmente por fermentação, também pela associação ao levedo, como por exemplo o pão, contêm quantidades consideráveis de moléculas de inositois fosfatos com reduzida quantidade de sais de fosfatos. “Alguns estudos in vitro sugerem que o inositol fosfato com poucos números de grupos fosfato (o tri até o pentafosfato) podem induzir uma menor inibição da absorção de ferro, e que a redução completa do fitato por impregnação, germinação e fermentação, induz a um marcante incremento na biodisponibilidade de ferro” (Moura, 1998). Alguns autores apontam a necessidade do tratamento térmico adequado, que de acordo com Moura (1998), se utilizado a altas temperaturas, em tempo prolongado, pode degradar o IP 6 até IP 3 (Forma hidrolisada do Inositolfosfato, originalmente IP6). Para a mesma autora quanto menor for o número de radicais fosfato, menor será a sua ação inibidora na absorção de minerais. O apropriado tratamento com calor melhora a retenção de ferro, o que pode ser devido ao aumento na degradação do ácido fítico. O cozimento de grãos pré-embebidos em água por quatro horas reduz o ácido fítico em 24,59%, a fritura dos grãos pré-embebidos e cozidos reduz em 37,5%, enquanto na torrefação a redução é de 36% (Moura, 1998 ). Alguns questionamentos são levantados em relação à biodisponibilidade dos nutrientes encontrados no farelo de trigo. Porém, segundo Moura (1998), quanto à biodisponibilidade de ferro, estudos demonstram que a Vit. A dobra a absorção daquele mineral, aumentando 0,8 vezes para o trigo e 1,4 vezes para o milho; o B caroteno (pró Vit. A) pode aumentar de 1,8 vezes para o trigo e 3 vezes para o arroz a absorção de ferro, o que sugere que ambos os compostos impediram o efeito inibitório do fitato na absorção de ferro. Já o ácido ascórbico (Vit.C) representa o mais potente intensificador de absorção do ferro, formando complexos prontamente absorvíveis no Intestino delgado. Estudo realizado demonstrou que apesar de 25mg de fitato reduzirem a absorção de ferro em 70%, este efeito foi 23 inteiramente eliminado pela administração simultânea de 100 mg de ácido ascórbico (Moura, 1998). De acordo com Moura ( 1998) acredita-se que a disponibilidade de zinco, pelos animais é favorecida pela proteína dietética. O leite parece, como fonte de proteína, ser promotor da liberação do zinco do seu complexo de fitato e também fornece o zinco intrínseco em outra forma altamente disponível. Alguns estudos realizados em populações apresentam resultados adversos. Na cidade de Salvador foi estudada uma população de 72 crianças de 12 a 84 meses, atendidas em creche do subúrbio Ferroviário, com precárias condições. Foram adicionados 10 g de farelo de trigo/dia, tostado e peneirado, às preparações padrões da creche. No grupo controle e de intervenção houve perda de peso ao curso do estudo, ou não ganharam o suficiente para acompanhar o crescimento e idade, uma vez que a dieta oferecida era desequilibrada, com exceção da proteína. Desta forma, se conclui que o farelo de trigo não mostrou impacto sobre o estado nutricional destas crianças. A suplementação pura e simples da dieta com o farelo de trigo mostrou-se incapaz de efetivar esta adequação (Assis, 1992). Naquela mesma localidade, Prado et al [19...] desenvolvem um estudo de seguimento durante seis meses com crianças de doze a setenta meses de idade. São acrescentados dez gramas de farelo de trigo na alimentação diária das crianças, enquanto o grupo controle recebe dieta padrão da creche, sem o suplemento. Conclui-se que o farelo de trigo não alterou significativamente o comportamento da anemia naquelas crianças. No entanto, em um trabalho realizado por Gondim e Arruda (1993) durante treze meses, foi pesquisada uma população de cinqüenta crianças freqüentadoras de uma creche do Bairro do Mucuripe, em Fortaleza. Foram divididas em dois grupos, um grupo de vinte e quatro crianças receberam dieta normal da creche, e outro grupo de vinte e seis crianças tiveram o farelo de trigo acrescido às suas dietas. Foram realizadas avaliação do estado nutricional, além da análise de hematócrito, hemoglobina, hemácias e intercorrências patológicas. As análises bioquímicas realizadas demonstraram diferenças significativas entre os grupos, confirmando, segundo os autores, o papel interventor e modificador do uso do farelo de trigo, oferecendo influência positiva nos resultados dos exames bioquímicos citados, no grupo que utilizou o farelo de trigo. Ainda, de acordo com os resultados, 24 houve melhoria no estado nutricional das crianças que fizeram uso daquele suplemento. Por outro lado, observou-se redução significativa de intercorrências patológicas, em relação ao outro grupo, reduzindo inclusive o uso de alguns medicamentos (sobretudo antibióticos), que retardam o seu ganho ponderoestatural. b) VEGETAIS FOLHOSOS Uma alimentação equilibrada prescinde de elementos vegetais, inclusive os folhosos como fonte de vitaminas e minerais. A alimentação alternativa inclui o aumento do consumo de vitaminas (principalmente A), e minerais (sobretudo o ferro), tendo como fontes as folhas verde - escuras. Nessa proposta são recomendadas as folhas cultivadas: folhas de mandioca (Manihot utilissima pohl), batata doce (Ipomoea batatas lam.), cenoura, beterraba, couve-flor, abóbora, brócolis) e nativas (serralha, beldroega, caruru, vinagreira) (Brasil,1994). Outros folhosos são utilizados como as folhas de macaxeira (Manihot esculenta), as folhas de quiabo (Hibiscus esculentus l.). Algumas dessas folhas tiveram analisados seus elementos histológicos por Jorge, et al (1996). Apesar de à primeira vista ser uma proposta diferente, segundo Beausset (1992), ”a idéia de utilizar mais folhas verdes, e uma alimentação o mais variada possível é de nutricionistas latino-americanas já há vários anos”. A utilização de folhosos na alimentação deve fazer parte do hábito alimentar.. Para o Ministério da Saúde (Brasil, 1994), “a maioria dessas folhas são ou foram no passado, parte de hábitos alimentares da população, em diferentes regiões do país.” Ainda para aquele Ministério, em vista do reduzido consumo, as folhas nativas necessitam de estudos quanto à composição química, presença de substâncias tóxicas, fatores antinutricionais e carcinogênicos. Ao mesmo tempo, quanto às folhas cultivadas, devem ser estudados também o uso abusivo de agrotóxicos. Por outro lado, a mandioca é um alimento básico para o consumo humano, largamente utilizado, sobretudo no Nordeste do Brasil, porém a parte aérea da planta, as folhas, normalmente não tem o mesmo aproveitamento, principalmente 25 naquela região, por ser popularmente conhecida como tóxica. No Estado do Pará, entretanto, ela é utilizada na confecção de pratos típicos regionais. “O maior aproveitamento como fonte alimentar está voltado para a raiz, porém as folhas de mandioca constituem potencialmente um bom aporte protéico, mas seu consumo está fortemente limitado devido à presença de algumas substâncias tóxicas e/ou fatores antinutritivos” (Câmara,1996) Oguido (1989) ao observar a absorção do cálcio de alguns alimentos, comprovou a absorção daquele mineral na folha de couve, em 65%, através de processo passivo. Penteado Minazzi & Almeida (1986) realizaram análise dos teores de carotenódes com atividade vitamínica A, de dezesseis hortaliças, em períodos de seca e de chuva, consumidas no Norte do Brasil. Os estudos se basearam em cromatografia e espectrofotometria. Dos folhosos analisados a folha de macaxeira e a de quiabo apresentaram os maiores teores. Salgado em 1986, conclui que a folha de mandioca possui elevado teor de proteína, sendo mais rica naquele nutriente, quando comparada à própria raiz de mandioca. De acordo com Câmara (1996), a folha de mandioca possui alto teor de linamarina, um glicosídeo cianogênico, que pode liberar ácido cianídrico neste tecido vegetal, por ação enzimática, constituindo assim um forte agente tóxico. Este glicosídeo é especialmente prejudicial às pessoas que consomem dietas pobre em aminoácidos sulfurosos e vit. B12. O Ministério da Saúde evidencia “Todas as formas de preparo tradicionais, incluindo a desidratação, causam a diminuição do ácido cianídrico a níveis compatíveis com o consumo humano”, porém alerta que “é imperioso que se desenvolvam mais estudos específicos sobre o assunto, no Brasil, e se oriente a população para o processamento correto da folha de mandioca (Brasil, 1994). Através de estudos realizados pelo Instituto Tecnológico de Análise de Alimentos - ITAL (1995), o ácido cianídrico, encontrado na folha de macaxeira, é da ordem de 0,087mg/100g., quando a dose média fatal para o homem é de 5 a 6 26 mg/100g, porém a Legislação Brasileira não cita níveis residuais de ácido cianídrico em vegetal. Pechnik, Guimarães e Panek, (1968), ao realizar estudo em ratos utilizando folhas de mandioca associadas à farinha de mandioca, conclui que os animais não apresentaram ganho de peso, o que o autor atribui a grande quantidade de fibra encontrada nas folhas, associando também ao reduzido valor biológico de uma dieta vegetal. Para outros autores, como Montaña, Cardoso e Freimuller (1998), ao pesquisarem os teores de umidade e de ácido cianídrico e as condições microbiológicas, em tempo de vida útil preconizado para o armazenamento das folhas de mandioca, não há diferenças significativas nos teores de ácido cianídrico e de umidade entre amostras analisadas, tanto à temperatura ambiente, como sob refrigeração. Bokanga [19.. ] realizou estudos acerca da folha de mandioca (Manihot esculenta), a qual é consumida em diversos países da África. Segundo esse autor, a folha de mandioca possui potencial cianogênico superior de 5 a 20 vezes a sua raiz. No entanto durante o processamento as folhas são capazes de perder rapidamente o veneno denominado linamarina, o qual é degradado pela enzima linamarase, localizada na própria folha. De acordo com esse autor, “esta quebra não ocorre na planta viva, porque a enzima e os glicosídeos cianogênicos são armazenados em compartimentos separados e, portanto, não entram em contato entre si”. Desta forma, o rompimento mecânico dos tecidos das folhas permite o contato da enzima com o seu substrato. O ácido cianídrico (HCN) é um gás com ponto de ebulição de 25,7ºC, à temperatura ambiente, logo no processo de secagem ocorre sua volatilização, complementado pela temperatura de cocção. Para aquele autor “o amassamento da folhas frescas por si só reduz o potencial cianogênico em até 63 a 73%, ao passo que o processo de desidratação eliminou cerca de 30%. Após o cozimento, os níveis de cianogênicos foram reduzidos em menos de 1% do inicial” ( Bokanga, [19.. ]. Ainda Mota , 1994 (apud Moura), afirma que “desta forma, o método de processamento antes da secagem, representa mais segurança para o seu uso na alimentação humana (...), a folha fresca triturada no liquidificador (antes da 27 secagem) reduziu em até 90% o teor de ácido cianídrico na farinha de folha, quando comparada coma a folha triturada após secagem”. A partir de análises realizadas, Fortunato, 1992 (apud Moura), conclui que a desidratação (folhas inteiras, durante 8 dias à sombra), é suficiente para eliminação do ácido cianídrico existente nas folhas de mandioca, ao mesmo tempo que apresenta um resultado microbiológico dentro dos padrões permitidos pela legislação. c) SEMENTES OLEAGINOSAS O jerimum (Cucurbita moschata), é consumido pela população, sobretudo em Estados do Nordeste. No entanto, suas sementes normalmente não são aproveitadas. As sementes de jerimum foram utilizadas tradicionalmente, nas Regiões onde o consumo daquele alimento é observado. São ricas em óleos e proteínas (Câmara, 1996). Salgado & Takashima (1992), analisam a composição química e biológica da farinha e isolado protéico de semente de abóbora (jerimum), onde encontram valores protéicos significativos, porém com valor biológico comprometido pelo aminoácido limitante, lisina. Concluem também ser aquele alimento boa fonte de calorias. Por sua vez as sementes de gergelim já tiveram seu lugar na alimentação, atualmente mais consumida em dietas ditas naturalistas ou em pães. Para Salgado & Gonçalves (1988), “A proteína de gergelim é de qualidade razoável, rica em aminoácidos sulfurados, e embora deficiente em lisina, poderá ser aproveitada em misturas protéicas”. Em relação à semente de girassol (Heliantthus annus) Bion et al (1977) realiza experimentos, nos quais os resultados indicam que o alto teor de proteína (52,06%) e coeficiente de digestibilidade (95) tornam viável o uso da farinha de girassol em fórmulas alimentares, ao mesmo tempo em que atenta que seu baixo Coeficiente de Eficiência Proteica (CEF) não o recomenda como substituição ao leite. 28 Esta observação é importante, pois evidencia que não é possível substituir um alimento de origem animal por outro de origem vegetal, sem que haja prejuízos no balanceamento dos aminoácidos, para a formação das proteínas. Vale salientar que apenas os alimentos de origem animal apresentam proteínas completas, uma vez que apresentam aminoácidos essenciais, enquanto os de origem vegetal necessitam da associação com outros alimentos, uma vez que apresentam aminoácidos limitantes, que reduzem a possibilidade de formação das proteínas, ou seja possui reduzido valor biológico. Ainda por serem de origem vegetal, apresentam limites quanto à sua biodisponibilidade de micronutrientes, uma vez que esses formam complexos insolúveis, com substâncias antinutricionais. Um outro aspecto importante se refere às altas temperaturas a que são submetidas as sementes, para a produção das farinhas. Uma vez que são oleaginosas têm aceleradas as reações de rancificação (Froes, 1988), sendo um dos importantes fatores cancerígenos. Por outro lado, a alta temperatura gera a formação de radicais livres, os quais em excesso podem desequilibrar reações químicas no organismo humano, o que levaria redução da utilização da vitamina E como antioxidante. Esses estudos demonstram a necessidade de repensar os processos de utilização das sementes, podendo ser utilizadas em temperatura de ebulição da água (100 º C), em diversas preparações de alimentos, sem no entanto perder os valores nutritivos pelas reações já descritas. d) CASCA DE OVO De acordo com Câmara (1996), “a casca de ovo tem sido tradicionalmente consumida em várias partes do país (...) a casca de ovo se encontra na forma de carbonato de cálcio, e contém aproximadamente dois gramas de cálcio (...) sua composição é quase inteiramente feita por cálcio mineral”. Santos (2000) comenta sobre os questionamentos acerca da absorção do cálcio do pó da casca de ovo. No entanto afirma que a distribuição relativa de cálcio é alterada pelo pH, “onde a fração ionizada aumenta em acidose e diminui em alcalose. 29 A partir de trabalhos realizados por De Angelis (apud Moura, 1998), ”comprovou-se que o cálcio nestas condições, apresenta uma ótima absorção intestinal. A casca de ovo serve, portanto, como fonte alternativa de cálcio”. Em experimentos com ratos afirma ainda a autora: “No final da experiência ficou constatado que os ratinhos que comeram o pó da casca de ovo cresceram mais do que os ratos que comiam somente arroz com feijão. Além disso, o estudo mostra que o cálcio da casca de ovo é absorvido pelo organismo até mais rapidamente do que o cálcio contido no leite” (De Angelis apud Moura, 1998). De acordo com Moura (1998) “ o cálcio da casca de ovo demonstrou efeitos hemoestimulatórios e hipoalergênicos(...) ofereceu influência favorável ao metabolismo lipídico, protéico e mineral. Há sugestão da possibilidade de ser usada inclusive frente a uma descalcificação”. Ainda para esta autora uma dieta contendo fitato não somente reduz a biodisponibilidade de fósforo, mas também de cálcio. Porém, com suficiente suprimento de Vit.D, isto pode ser compensado pela regulação hormonal da homeostase de cálcio. A adição de lactose à dieta aumenta a digestibilidade aparente de cálcio. Oguido (1989), ao realizar estudos em ratos, observando a absorção do cálcio proveniente de alguns alimentos, incluindo o pó da casca de ovo, refere que a absorção ocorre através dos processos ativo e passivo. Nesse experimento a absorção do cálcio do pó da casca de ovo foi de 65%, no entanto houve decréscimo da absorção, ao ser utilizado com a dieta, em percentuais semelhantes ao do leite. Provavelmente essa observação se deu pela presença de fibra, ácido fítico ou ácido oxálico encontrado nos vegetais, que estão contidos em grandes quantidades na dieta. e) MULTIMISTURA OU FARINHA MÚLTIPLA A Multimistura ou, por alguns denominada, farinha múltipla, constitui a mistura de pós e farinhas de produtos não convencionais, como farelo de trigo, farelo de 30 arroz, pó de folha de macaxeira/ mandioca, pó de casca de ovo, farinha de sementes oleaginosas, como jerimum, girassol, gergelim, entre outras. Em algumas regiões, são também acrescentados fubá de milho e/ou farinha de trigo, leite em pó. Por essa razão, cada região particulariza sua própria farinha, de acordo com os alimentos disponíveis, e portanto não se observa padronização do produto. Farfan (1998), chama atenção para o aspecto ético, dimensão cultural e aceitação dos ditos alimentos alternativos, ao mesmo tempo que aponta a inexistência de estudos científicos sobre a eficácia e segurança das multimisturas, aspecto esse partilhado com Bittencourt (1998), que ao mesmo tempo reconhece a dificuldade na precisão do efeito isolado de cada fator envolvido na recuperação do estado nutricional. No entanto, alguns pesquisadores têm realizado estudos, como os do ITAL (1995), ao avaliar a composição química e nutricional de uma farinha composta de 33% de farelo de trigo,33% de fubá de milho, 32% de farinha de trigo, 1% de pó de folha de mandioca seca e 1% de pó de casca de ovo, afirma que apresenta teores de proteínas e carboidratos semelhantes aos das farinhas de trigo, porém com elevado teor de fibra alimentar total, podendo ser desejável como fonte de fibra, em algumas circunstâncias. Encontrando ao mesmo tempo, o mesmo estudo “um bom balanceamento entre proteínas e calorias (NDPCal% 7,37%) necessário à utilização biológica das primeiras, porém com índice de utilização biológico em 50%, em vista de se tratar de produtos de origem vegetal, os quais apresentam proteínas incompletas” (ITAL, 1995) Alguns autores questionam, porém, que se as análises dos produtos apresentam teores de proteínas e calorias semelhantes a outras farinhas já comumente utilizadas, não há razão para ser propagado o seu uso, e que por outro lado a multimistura não se apresenta de acordo com os padrões exigidos pela legislação sanitária em vigor no país (Azeredo, 2000). De acordo com Azeredo et al (2000) ”... as pesquisas apontam também para a total ineficiência de sua utilização adicionada à alimentação habitual com o intuito de combater a desnutrição, doenças carenciais e aumentar a produção de leite materno. 31 A autora conclui que ”a multimistura não é alternativa alimentar para a população carente...”. No entanto, no produto analisado pelo ITAL (1995), foram encontrados cálcio, fósforo, magnésio e zinco, além de ferro, apresentando-se como boa fonte desses minerais. Quanto ao teor vitamínico, a farinha é muito rica em niacina, boa fonte das vitaminas A, B 1, B 6, sendo, no entanto pobre em vitamina E, e vitamina B 2. Arruda (1999) realizou estudo com ratos desnutridos em duas etapas, nas quais foram observados os efeitos terapêuticos, enquanto que na segunda foi avaliada a biodisponibilidade dos sais minerais, cálcio, ferro e zinco utilizando a multimistura nas proporções: 30% de farelo de trigo,30% de farinha de trigo, 30% de fubá de milho, 3% de pó de folha de mandioca, 4% de pó de semente de jerimum, e 3% de pó de casca de ovo, adicionados a nove dietas em proporções diferentes, comparadas ao grupo controle. Quanto aos efeitos terapêuticos, a autora afirma que os resultados deste modelo evidenciaram que a adição de pelo menos 2% de Multimistura na dieta, proporcionou a recuperação do pêlo, ganho de peso e deposição de cálcio no fêmur, cinco vezes maior que os ratos do grupo controle. A deposição adicional de cálcio no fêmur indica a biodisponibilidade deste elemento proveniente da casca de ovo. Os ratos tratados com 100% do produto, apresentaram, entretanto, ganho de peso semelhante ao encontrado no grupo controle. Esses resultados evidenciaram a eficiência desta farinha apenas como suplemento alimentar. Cerca de 90% do fitato ingerido pelos ratos tratados com até 5% de Mistura foi absorvido, evidenciando o metabolismo da molécula de fitato no organismo do rato (Arruda, 1999) Na etapa seguinte, ou seja a avaliação da biodisponibilidade, foi possível observar que 5% de Multimistura adicionada à dieta recupera a anemia e auxilia na recuperação de cerca de 15% do ganho de peso normal do rato e que a adição de sódio, cloro, flúor e iodo, duplica a eficiência alimentar da dieta suplementada com 25% da mesma. A adição de cálcio, ferro e zinco, embora tenha reduzido as razões molares entre o fitato e estes sais, na dieta com 25% da farinha, não proporcionou ganho de peso adicional nos ratos. Esses resultados sugerem que a biodisponibilidade desses minerais não seria o fator limitante da dieta no desenvolvimento dos animais (Arruda, 1999). 32 Para aquela autora, o teor de fitato (PA) na dieta não interferiu na absorção ou excreção dos minerais. Embora as razões molares Fitato;Cálcio (PA:Ca), observadas nas diferentes dietas tenham variado em até 60 vezes, não houve diferença significativa na deposição de Ca nos fêmures dos animais tratados com Multimistura ou dieta padrão. Os ratos do grupo dieta com baixo teor de fitato e dieta com adição de sódio, cloro, flúor e iodo, apresentaram ganho de peso e hemogramas semelhantes, embora o teor de fitato da primeira dieta tenha sido cinco vezes inferior. Por fim, embora a dieta padrão tenha apresentado uma razão molar para Fitato:Ferro (PA:FE), cerca de nove vezes maior que a razão molar da dieta com baixo teor de fitato, os ratos tratados com a primeira além de desenvolverem-se mais, apresentaram hemograma semelhantes. Além dos resultados já referidos a autora conclui que: "a) tais dietas auxiliam na recuperação da desnutrição em ratos, porém parecem ser deficientes em alguns nutrientes. b) a multimistura auxiliou no tratamento da desnutrição em ratos, porém não pode ser considerado um suplemento mineral completo. c) a biodisponibilidade desses minerais na dieta suplementada com multimistura não é um fator limitante do desenvolvimento dos animais tratados com dieta suplementada com multimistura. d) a biodisponibilidade dos sais minerais parece depender mais do adequado balanceamento nutricional da dieta do que do teor de fitato” (Arruda,1999). Martins & Magalhães (1993) acompanharam setenta crianças de seis meses a cinco anos, portadoras de desnutrição, cujas famílias são de baixa renda, assistidas no ambulatório de Nutrição no então PAM 7 Areias (Hoje Hospital Geral de Areias), para identificar o consumo dos produtos alternativos, mais especificamente a multimistura (pó de casca de ovo, pó de folha de macaxeira,e farelo de trigo). Esse estudo demonstrou que 51,9% das crianças faziam uso de todos os produtos na sua alimentação, 35,6% utilizavam alguns produtos, enquanto 12,5 % não o utilizavam. Foi encontrado um percentual de recuperação de desnutrição em 24%, percentual esse, esperado na recuperação da desnutrição em população 33 tratada a nível hospitalar. Vale salientar que o tratamento foi realizado em ambulatório. O Serviço Social da Construção Civil do Rio de Janeiro (Seconci–Rio) (1995), propôs a suplementação da alimentação do trabalhador da construção civil, com multimistura acrescentada, mais especificamente ao feijão, como projeto piloto em uma das empresas da área. Segundo aquela instituição, nada mais foi modificado. Foram realizados exames bioquímicos em 43 trabalhadores. Foram analisados glicose, ácido úrico, colesterol e triglicerídios. Em todos, sem exceção as taxas sofreram redução, com destaque para as últimas, que foram as mais significativas. Além desses houve redução de dispensa por motivo de doença e consumo de álcool, no entanto, o relato mais comum, foi a melhora da disposição física dos operários . Lima ( 1995) relata que O Serviço Social da Construção Civil do Rio de Janeiro, Seconci - Rio, está investindo desde 1995 na complementação alimentar dos operários. A multimistura, composta de farelo de trigo, casca de ovo, folhas secas e sementes, adicionados em pequenas proporções na alimentação dos operários, em torno de dez gramas, o que corresponde a uma colher de sopa. Após a implantação do projeto foi verificada a diminuição de faltas ao trabalho por motivos de doença. Cerca de dois mil trabalhadores estão sendo beneficiados. Aquele autor afirma também que foram reduzidas as queixas quanto à constipação, gripe, insônia, e dores articulares (Lima, 1995). Atualmente o trabalho continua sendo realizado associado à educação em saúde, realizada nos canteiros de obras. A utilização da multimistura se encontra incorporada ao cotidiano daqueles trabalhadores da construção civil. Carvalho (1997) avalia o estado nutricional de crianças de seis meses a dois anos e cinco meses, assistidas pelos programas “Leite é Saúde” e “ Alimentação Alternativa”, para verificar a eficiência dos dois programas, durante três meses, em Teresina-PI, e conclui que ”o Programa “Alimentação Alternativa” recuperou maior número de crianças comparando com o Programa “Leite é Saúde” “. 34 Prates (1998) realiza estudo prospectivo com intervenção, através de grupo controle, em uma população de quarenta e seis crianças de dois a cinco anos com deficit nutricional, de um centro infantil localizado em uma área carente da Cidade de Belo Horizonte, no período de outubro a dezembro de 1996. Nesse experimento é acrescentada a multimistura à dieta do grupo experimental, composta de farelo de trigo, pó de folha de mandioca e pó de casca de ovo, porém semelhante em proteínas e calorias em relação à dieta do grupo controle. Esse estudo demonstra discreta diferença de ganho de peso, porém significativo estatisticamente, concentrações de hemoglobina, hemácias e proteínas totais, também estatisticamente significantes no grupo experimental, no entanto a dieta não apresenta adequação em relação aos requerimentos de proteínas para crianças, porém o mesmo não se observa em relação às concentrações de cálcio, fósforo e magnésio, os quais se encontram dentro dos padrões de requerimento, nos dois grupos. O experimento mostra uma menor ingestão nas crianças do grupo experimental, o que interferiu nos teores de proteínas e calorias efetivamente utilizados por aquele grupo, ao mesmo tempo que para a autora, sugere a não aceitação das crianças àquele suplemento, reconhece a falta de um teste de aceitabilidade dos suplementos, através de ensaios (Prates, 1998). No entanto, um dos aspectos observados nas alternativas alimentares é a diferença do volume ingerido, quando são acrescentados os suplementos, mesmo quando confirmada a sua aceitação. Esse fato sugere que há uma maior concentração de nutrientes em menor volume de alimento, e que por isso pode estar satisfazendo necessidades nutricionais do organismo humano. 35 6- ALTERNATIVAS ALIMENTARES: ESTUDOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS O estudo das alternativas alimentares tem trazido à tona questionamentos sob vários aspectos no campo social e antropológico, no que diz respeito à origem dos alimentos, das culturas alimentares dos povos, aspectos importantes tanto pelo valor nutricional e biodisponibilidade, quanto por sua incorporação ao cotidiano das pessoas, de forma individual ou coletiva, ao mesmo tempo em que procura visualizar a segurança alimentar e o aspecto ético, como garantia de cidadania. A partir da revisão bibliográfica realizada, elaborou-se um resumo dos autores, organizados por ordem alfabética, que apresentam diferentes opiniões sobre o tema, totalizando 57 trabalhos com abordagens diversas sobre o uso de alternativas alimentares, conforme pode ser visualizado no Quadro 1. Foram encontrados 45 trabalhos favoráveis à utilização de alternativas alimentares, inclusive com realização de análises nutricionais, bioquímicas, e com acompanhamento antropométrico do grupo de pessoas submetidas aos estudos. Por outro lado, foram identificados 12 trabalhos cujas análises apontam contrariamente à utilização daqueles suplementos alimentares. Quadro 1. Trabalhos científicos segundo a posição dos autores com relação as alternativas alimentares TRABALHOS AUTORES FAVORÁVEIS CONTRÁRIOS Biodisponibilidade de sais minerais no suplemento alimentar Arruda, 1999 multimistura Impacto da dieta com farelo de trigo sobre o estado nutricional Assis et al, 1992 de crianças de 1 a 7 anos de idade - um estudo de caso. Multimistura: uma alternativa alimentar? Azeredo et al, 2000 Estudio de las bases científicas para el uso de el uso de Beausset, 1992 alimentos alternativos en la nutricion humana. Uso de uma multimistura, como suplementação alimentar: estudo em ratos. Bion et al,1999 36 TRABALHOS AUTORES FAVORÁVEIS CONTRÁRIOS Valor nutritivo da torta de semente de girassol. Bion et al, 1977 Uma alternativa para a política nutricional brasileira? Bittencourt,1998 Influência de alimentos alternativos nos índices de cálcio e Boaventura,1998 fosfato séricos em ratos. Processamento de folha de mandioca para consumo Bokanga, 199...] humano Plano de ação de alimentação alternativa Brandão, 1991 Combate à desnutrição em Santarém-PA, após três anos Brandão & Brandão, 1983 de trabalhos intensivos A recuperação do desnutrido através da educação familiar Brandão & Brandão, 1983 Desnutrição: utilização de "novos" alimentos e "novas" Brandão & Brandão, 1985 técnicas. Alimentação alternativa Brandão & Brandão, 1997 Complementação alimentar Brandão & Tandredi, [19..] Conclusões do grupo de trabalho sobre alimentação Brasil, 1994 alternativa. Gráficos de comparação de valores nutritivos. Brasil, 1996 Projeto controle de qualidade e identidade dos alimentos Brasília, 1992 alternativos Multimistura: composição química, fatores tóxicos e/ou Câmara, 1996 antinutricionais Avaliação do estado nutricional de crianças com idade entre Carvalho, 1997 seis meses a dois anos e cinco meses, assistidas pelo Programa “Leite é Saúde” e pelo Programa da Pastoral da Criança "Alimentação Alternativa". Alternativas Contra a Fome Costa & França, 1993 Propriedades dietéticas e terapêuticas dos farelos Darrigol, 1978 37 TRABALHOS FAVORÁVEIS AUTORES CONTRÁRIOS Fundamentos científicos para criação do núcleo de Dovera & Montaña, 1995 orientação alimentar e saúde Alimentação alternativa: análise crítica de uma proposta de Farfan, 1998 intervenção nutricional Estudo da estabilidade de farelos utilizados na alimentação Fernandes et al, 1992 humana Agentes mutagênicos da alimentação diária Froes, 1988 Utilização do farelo de trigo em crianças constipadas - Galvão, 1998 parecer do Departamento de Gastroenterologia da Sociedade Paulista de Pediatria e Sociedade Paulista de Gastroenterologia e Nutrição Os benefícios do farelo de trigo na alimentação de crianças Gondim & Arruda, de creche Curso de alternativas alimentares - sistemática 1995 HGA, 1996 Avaliação química e nutricional de farinha composta - ITAL, 1995 relatório final. Avaliação biológica da multimistura Jong et al, [19..] Diagnose microscópica da farinha múltipla constituída de Jorge et al, [19...] folhas de Manihot utilíssima pohl (mandioca), Cucubita pepo l. (abóbora), Secchium edule swartz (chuchu), Ipomoea batatas lam. (batata doce), vitis sp (uva) e Hibiscus esculentus l ( quiabo). Alimentação e câncer Lederer, 1990 Alimentação alternativa garante saúde nos canteiros de Lima, 1995 obras. 38 AUTORES FAVORÁVEIS CONTRÁRIOS TRABALHOS Alternativas Alimentares Martins & Magalhães, 1993 Orientação sobre o produto multimistura Montaña; Senff & Dietrich, [199..] Avaliação do conteúdo de umidade e de ácido cianídrico de Montaña; Cardoso & folha de aipim Freimuller, [199..] Alternativas alimentares: multimistura Montaña; Nitzke & Jong, [199..] Levantamento bibliográfico sobre fitato, casca de ovo e folha Moura, 1998 de mandioca Cinética de absorção de cálcio de diferentes tipos de Oguido, 1989 alimentos no intestino delgado de ratos Merenda Escolar: uma experiência com alternativas Palhano, 1994 alimentares Sobre o aproveitamento da folha de mandioca(Manihot sp) Pechinik; na alimentação humana. 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Fatores protéicos antinutricionais (inibidores de tripsina, Pereira, 1998 amilase e lectinas) em multimistura Suplementação da dieta com farelo de trigo e recuperação Prado et al, [19..] da anemia em crianças de 1 a 6 anos de idade Estudo do impacto do farelo de trigo, pó de folha de Prates, 1998 mandioca e pó de casca de ovo, em crianças com risco de nutrição Caderno de alimentação e nutrição Ribas, 1998 Estudo do concentrado protéico da folha de mandioca Salgado & Santos, 1986 obtenção, análises químicas e suplementação com aminoácidos Estudo da semente de gergelim (Sesamm indicun,L.): Salgado& Gonçalves,1988 métodos para obtenção de farinha branca. Caracterização química e biológica da farinha e isolado Salgado protéico de semente de abóbora (Curcubita moschata) & Takashima, 1992 Biodisponibilidade de minerais em uma dieta enriquecida com multimistura: estudos pré-clínicos A alimentação alternativa na saúde do trabalhador da SECONCI-RIO, 1995 Empresa GAFISA Imobiliária S.A. - relatório de 11 meses de Implantação do Projeto de Nutrição do SECONCI-RIO Santos, 2000 40 7-APLICABILIDADE DA PROPOSTA No ano de 1989 a Associação Pernambucana de Nutrição (APN) promove o curso Alimentação Alternativa, ministrado pela Drª Clara Takaki Brandão. O público alvo consta de profissionais, sobretudo da área de Nutrição, e lideranças comunitárias. O curso teve carga horária aproximada de 16 horas, no qual a autora deste trabalho teve o primeiro contato com o assunto, além de outros profissionais de uma mesma unidade, o então Posto de Assistência Médica de Areias (PAM 7), atualmente Hospital Geral de Areias (HGA). Por se tratar de uma proposta que parece nova à equipe de Nutricionistas e do então Setor Materno–Infantil (que inclui profissionais das várias áreas da saúde), e apesar do esforço constante da equipe de sugerir à comunidade atendida opções de alimentos nutritivos e de baixo custo, os conceitos apresentados iam de encontro a alguns já preconizados pela ciência da nutrição. No entanto a equipe de nutricionistas inicia contatos junto ao Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no sentido de desenvolver trabalhos a respeito do assunto. Poucas pesquisas, entretanto, foram realizadas, uma vez que há outras prioridades naquele departamento tão bem conceituado e por isso bastante solicitado. Desta forma, pesquisam-se autores que desenvolvem trabalhos sobre o assunto fora do Estado, nas várias Universidades, Organizações não Governamentais (0NG’s), no então Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN). Naquela época a própria comunidade atendida no PAM 7 praticamente forçava a equipe a tomar um posicionamento, visto que vivenciavam algumas experiências com aqueles alimentos. A partir daí toda a equipe do então Materno-infantil se compromete a usar, em suas casas, os alimentos sugeridos. Após um mês de uso, todos incluem na rotina dos cardápios de suas famílias e concluem que é viável também como orientação para aquelas comunidades. O Serviço de Nutrição então procura aplicar formas de utilização para garantir os aspectos nutricionais e sanitários. 41 Durante as consultas, a orientação é feita como opção, tendo o cuidado de deixar livre a cada mãe a decisão por aquele tratamento, que é sugerido para casos de desnutrição, anemia, baixa imunidade, constipação. Dessa forma, à medida que as mães vão decidindo, percebem, no mês seguinte, a elevação do grau de nutrição de seu filho (nos casos de desnutrição), e os efeitos em casa, no cotidiano, nos demais casos. Essas experiências são relatadas a outras mães, que começam a procurar o serviço unicamente com o objetivo de saber mais a respeito do assunto. Por outro lado, a mídia fez várias formas de divulgação, o que despertou maior interesse às comunidades. Nas atividades de educação em Saúde, são incluídas as oficinas de Alimentação Alternativa, por se entender a importância da técnica dietética no preparo daqueles alimentos, assim como dos convencionais. De início, há no então PAM 7 um pequeno espaço, que logo torna-se inviável, devido à crescente e diversificada demanda, pois profissionais de várias áreas do hospital e de outros locais e secretarias passam a solicitar suas inscrições nas oficinas, além de instituições que também demonstram o interesse de levar aquelas informações aos seus servidores. Torna-se necessário então utilizar espaços específicos, porém com condições de atender àquela realidade. No entanto, em 1994, é inaugurada no já HGA, a Cozinha Experimental, única no estado a fazer parte da rede pública de saúde. Desde então todas as oficinas passam a ser realizadas naquele espaço, que dispõe de uma auxiliar que se responsabiliza pela organização daquele setor e preparo dos produtos. A partir de 1993, o trabalho com alternativas alimentares passa a ser desenvolvido pela Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, através da então Coordenação Materno infantil e adolescente, onde é elaborado o projeto de reorganização das ações com o desnutrido e gestante de risco nutricional. quando a partir de um surto de pelagra, na então 4ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES), especificamente no município de Riacho das Almas, torna-se necessária a atuação urgente, sendo então iniciados treinamentos voltados para os agentes comunitários de saúde (PACS), treinamentos esses estendidos posteriormente às demais DIRES, através do Curso de Educação Alimentar e Alternativas Alimentares, sendo aplicada, portanto, 1998). técnicas de educação em saúde (Pernambuco, 1993; Pernambuco, 42 Também a Vice - Governadoria do Estado de Pernambuco, através do projeto Cozinha-Escola passa a atuar em áreas da Região Metropolitana da Cidade do Recife, em treinamentos itinerantes de alternativas alimentares (Pernambuco, 1996). No HGA as alternativas alimentares são utilizadas, como mais uma das ações básicas de saúde, no combate às enfermidades e síndromes carenciais. São inseridas nas atividades de Saúde Pública, sobretudo adolescentes, gestantes e idosos, na atenção a crianças, de acordo com cada caso, seja de forma individual, seja através de Educação em Saúde, com participação das mães (no caso de crianças), grupos específicos de adolescentes e outros de idosos. São incentivados o uso de alimentos naturais de fácil acesso que fazem parte da cultura regional, como raízes, tubérculos, também como substituição de alguns farináceos industrializados tradicionais na população, porém de pouco valor nutritivo, e de custo significativo, sobretudo para a população de poucos recursos. São orientados o uso de farelo de trigo, pó de folha de macaxeira, folhas verdes escuras frescas, pó de casca de ovo, sementes de jerimum, de melão, de girassol, de melancia. Esses produtos são utilizados como forma de combater a anorexia, desnutrição, subnutrição, ou outras carências nutricionais, sobretudo de ferro, cálcio, mais comuns em nosso meio. São utilizadas também no combate à constipação intestinal, obesidade, hiperlipidemias (atualmente identificadas com freqüência em crianças e adolescentes). Por outro lado, sistematicamente são realizados cursos de treinamento para usuários interessados, oriundos de outros serviços, encaminhados, ou através de demanda espontânea, líderes comunitários, ou usuários do Serviço de Nutrição, profissionais e estudantes, sobretudo das áreas de saúde e educação, possibilitando um maior conhecimento e integração de várias realidades distintas. Os cursos apresentam carga horária de 12 horas, e são realizados em três etapas : a) Uma aula teórica em sala, com uso de técnicas de dinâmica de grupo e recursos audiovisuais, onde são abordados, entre outros assuntos: Epidemiologia da Nutrição (fome, desnutrição, mortalidade infantil), Importância do acesso à terra, ao cultivo natural dos alimentos, à participação popular. São enfocados os aspectos mais ligados à alimentação em si, no que se refere a Leis Fundamentais da 43 Alimentação, grupos básicos de alimentos, incentivo ao aleitamento materno, alternativas alimentares. b) Duas oficinas, na cozinha experimental. Para isso é solicitada contrapartida dos alunos, de forma interativa, visto que há participação de cada componente nas atividades realizadas, o que gera uma maior valorização do trabalho. Nas oficinas são observadas a higiene corporal, ambiental, de utensílios e dos alimentos, através da manipulação adequada, com a utilização dos recursos da técnica dietética. Após a preparação dos alimentos, é realizada a degustação, também chamada por alguns, “prova dos nove”, uma vez que não é suficiente que uma preparação seja nutritiva e de baixo custo, é imprescindível atender às exigências organolépticas, ou seja, quanto à apresentação, aroma e sabor. Um outro momento é o da avaliação, onde são expressas abertamente as impressões acerca da proposta e do própria oficina. De modo geral, há boa participação e interesse, ao mesmo tempo em que se observa a aceitação da quebra de tabus alimentares, e de um outro tabu importante em relação a gênero, uma vez que há participação efetiva de ambos os sexos, inclusive nos grupos de idosos, e, principalmente, nos grupos de adolescentes ( HGA, 1996) Diante desses estudos, os alimentos propostos como Alternativas Alimentares necessitam de formas adequadas de processamento, sobretudo por serem produzidos artesanalmente. Por essas razões há grande diversidade de produtos , formas de preparo e utilização dos mesmos. 44 8- ALTERNATIVAS ALIMENTARES E SAÚDE PÚBLICA A Pastoral da Criança é uma Organização não Governamental (ONG), atua em 3277 Municípios brasileiros, e possui atividades diversificadas, sobretudo relacionadas à saúde. O trabalho é desenvolvido através de agentes comunitários, que recebem educação continuada, participam de seminários e de outras atividades necessárias à sua formação. Realizam visitas domiciliares, entrando em contato com a realidade das famílias. Entre as ações básicas desenvolvidas por esses agentes estão o acompanhamento materno-infantil. É incentivada a visita regular ao posto de saúde, para consultas médicas, vacinas, sobretudo para a assistência pré natal. Ainda de acordo com relatório do UNICEF (1991), as líderes da pastoral da criança são orientadas a acompanhar preferencialmente crianças que se encontrem em piores condições de saúde e nutrição. A mesma entidade afirma que a Pastoral da Criança orienta e estimula as mães a aproveitarem melhor os alimentos alternativos disponíveis em cada região, considerando os hábitos alimentares. Devido à regionalização dos hábitos alimentares, não há padronização da orientação, ou mesmo dos alimentos propostos, uma vez que cada região possui suas particularidades. É curioso observar os coeficientes de desnutrição apresentados por aquele órgão, uma vez que mesmo em populações de crianças com maior comprometimento nutricional, os resultados são pelo menos iguais (UNICEF,1991), quando comparados a outras comunidades, ou bem reduzidos em relação às demais localidades atendidas apenas pela rede oficial. Vale salientar o baixo custo e o acesso a essa proposta às comunidades. Esses resultados justificam a indicação da Organização Pastoral da Criança para o Prêmio Nobel da Paz, no ano 2001. A exemplo do modelo de intervenção implementado pela Pastoral da Criança, na rede oficial de saúde, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) vem sendo um forte aliado no enfrentamento de questões básicas e importantes nessa área. De acordo com avaliação do Ministério da Saúde (Brasil,1994), o Agente Comunitário de Saúde (ACS) desenvolve suas atividades extra-muros, com fomento à saúde para o grupo materno infantil e nas atividades de proteção à saúde em geral. Essas ações têm ênfase nos processos educativos e orientações à população. 45 A integração com os serviços de saúde é imperativa, uma vez que os ACS têm competência limitada para não esgotar nem desgastar sua atuação. Ainda de acordo com aquele Ministério, a articulação comunidade e serviços de saúde respalda a participação popular e coopera na expressão das necessidades de saúde da população, construindo um marco de referência importante para o exercício do controle social, como direito de cidadania. A educação em saúde é primordial, visto que permite a mudança de conceitos e desperta a necessidade da participação para a transformação, com vistas a cumprir com seu objetivo de dar à população meios de contribuir para a formação de uma consciência sanitária (Brasil, 1994). Em Goiás, especificamente na Cidade Ocidental, a partir dos trabalhos dos ACS, tendo em vista as precárias condições de renda, é incentivada a formação de horta comunitária, através da orientação da EMATER. Dessa forma, são plantados e colhidos alimentos que suprem parte das necessidades daquela comunidade, contribuindo para a melhoria do estado nutricional. Ainda naquele Estado, na Cidade de Cristalina, trabalho idêntico produz, inclusive, geração de renda, já que os produtos passam a ser comercializados na feira livre [Brasil, 199..]. De acordo com o Ministério da Saúde, o modelo de atenção à saúde atualmente em grande expansão no Brasil, é o Programa de Saúde da Família (PSF), que ao lado do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) desenvolve atividades mais direcionadas às realidades de cada localidade. A equipe básica de PSF consta de um médico, um enfermeiro, e cinco a seis agentes de saúde comunitários [Brasil, 199..]. As equipes são instaladas em um pequeno espaço na própria comunidade, e se voltam para atender às diversas necessidades de saúde, problemas esses, muitas vezes que ultrapassam a competência da área da saúde, exigindo contatos e parcerias, por serem transetoriais e transdisciplinares. Esse modelo permite a redução da distância entre os usuários e os profissionais de saúde, os quais elevam a sensibilidade às questões das comunidades atendidas. Ao analisar o PSF, Levcovitz & Garrido (1996) afirmam “ser a porta de entrada do sistema, com a oferta de uma atuação sanitária que incorpora a atenção médica tradicional a uma lógica efetivamente de promoção à saúde (...) opção por uma forma de prestação de serviços que valorize o vínculo”, e que ao mesmo tempo “se assuma responsabilidades”. 46 Entre os desafios das equipes de PSF e PACS estão a redução da desnutrição infantil. Para o UNICEF (1998), “a desnutrição é uma emergência silenciosa. A crise, porém é real, e sua persistência tem profundas e assustadoras implicações para a criança, a sociedade e o futuro da humanidade. Além disso a desnutrição, em grande medida é também invisível. De acordo com o Mistério da Saúde (Brasil, 2000), a mortalidade infantil no Nordeste, em 1998, era da ordem de 57,91 por mil. Ao fazer comparações com os anos anteriores, percebe-se a redução gradual, no entanto, na região sul esse índice é de 22,39 por mil, e ainda, apesar de todos os esforços, o Nordeste continua distante da média nacional que é de 36,10 por mil. Isso reflete a grande discrepância e a necessidade urgente de medidas que produzam resolutividade, por apresentarem magnitude, vulnerabilidade e alta transcendência. No PSF, várias atividades são desenvolvidas, como por exemplo, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças, através do cartão da criança e das consultas e visitas domiciliares, entretanto, a desnutrição, possui raiz estrutural, ligada a questões socioeconômicas. O UNICEF (1998) afirma que há várias formas de desnutrição que se apresentam juntas, reforçando-se mutuamente. E mais, “cada tipo de desnutrição é o resultado de uma complexa interação de fatores que envolve elementos tão diversos quanto o acesso da família a alimentos”. Um outro agravante da desnutrição é a dificuldade de acesso à educação e a informações corretas. Por outro lado, o precário ou até inexistente saneamento básico, gera diversas parasitoses intestinais, que atingem de forma abrupta crianças, sobretudo as portadoras de desnutrição, uma vez que apresentam baixa imunidade, tendo como conseqüência o agravamento daquela carência, gerando um ciclo. As questões estruturais, porém, não são resolvidas, pois fogem à competência das equipes, ou mesmo do setor saúde. No entanto, a exemplo do trabalho desenvolvido pela Pastoral da Criança, o PSF em Lagarto – SE incorporara às suas atividades a orientação de alternativas alimentares, no Projeto Creche Saudável, ainda em fase inicial. 47 O PSF representa uma boa forma de acesso à população e ao conhecimento de suas necessidades. Através dos contatos da equipe com a população, quando se percebe o ser integral fazendo parte de um contexto social e familiar, há maior sensibilização frente a problemas programa apresenta vividos pelas comunidades atendidas. Esse possibilidades de enfrentar o problema da desnutrição, utilizando os recursos das alternativas alimentares, podendo contribuir para a geração de renda das famílias, a exemplo de experiências em alguns locais atendidos pela Pastoral da Criança, como iniciativa da própria comunidade, ou ainda como núcleo de produção como o verificado no Rio Grande do Sul (Dovera & Montaña, 1995). Na atualidade essa experiência vem sendo realizada no Estado de Tocantins, onde pessoas da comunidade são treinadas e confeccionam os produtos preconizados pelas alternativas alimentares, para consumo de suas famílias e para geração de renda. São realizadas parcerias com instituições de educação, que utilizam os produtos na merenda escolar. 48 9- CONCLUSÃO A proposta de alternativas alimentares representa uma opção, entre as várias apresentadas e experimentadas em várias partes do país, no combate a doenças carenciais, sobretudo à desnutrição. Diversos grupos, em várias partes do país, têm se dedicado ao estudo das alternativas alimentares, embora apresentem resultados diferentes. Alguns fatores podem estar interferindo nesse processo, como por exemplo, a metodologia aplicada, a variedade dos alimentos propostos. Esta última tem sido um facilitador de acesso às comunidades e a possibilidade do resgate de uma cultura alimentar, porém, torna difícil a padronização da qualidade e da quantidade dos produtos. Apesar das divergências, os vários grupos demonstram o interesse de verificar a realidade. Em suma, todos buscam a otimização da terapia nutricional adequada para a desnutrição e outras doenças carenciais, nas populações sob risco, e as já acometidas pelas enfermidades. Porém, esse fato não descarta a garantia da segurança alimentar, como direito de cidadania. Alguns órgãos oficiais e não governamentais utilizam e/ou procuram aprofundar a proposta das alternativas alimentares, entretanto, não houve espaço suficiente para debates no intuito da troca de experiências e tentativa de um mínimo de sistematização das atividades. As ações e os estudos são isolados, e de difícil acesso aos profissionais interessados na proposta, pois existe pouco investimento em Ciência e Tecnologia voltados para aprofundar o tema. Desta forma, torna-se urgente o debate a respeito das alternativas alimentares, através de eventos programados e apoiados por órgãos oficiais e não governamentais, sobretudo os ligados à saúde pública, com o intuito de reunir pesquisadores e profissionais que atuam no cotidiano, junto às populações. Neste sentido, as estratégias apontadas para o setor saúde, especialmente através do PSF e PACS, possibilitam o enfrentamento real dos problemas nutricionais da população, contribuindo para minimizá-los em curto período de tempo, uma vez que além da produção dos alimentos alternativos para o próprio consumo, poderá tornar-se uma fonte de renda familiar. 49 È necessário, para tanto, que haja maior investimento em estudos que procurem aprofundar o tema “Alternativas Alimentares”, além de capacitação das equipes de PSF e PACS quanto ao problema nutricional do país, introduzindo, ao mesmo tempo, através da utilização das alternativas alimentares, o modelo proposto para reduzi-lo. A introdução das alternativas alimentares em projetos voltados para a questão nutricional no país, não se coloca como o único caminho viável, uma vez que a solução de problema tão complexo requer o desenvolvimento de políticas sociais acessíveis à população, ações essas que promovam a saúde e elevem a qualidade de vida de todos os cidadãos. 50 10-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGENTES EM AÇÃO. Educação Nutricional. Alimentando uma vida saudável. Produção do Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Brasília:Ministério da Saúde. [19...]. 1 fita de vídeo (30 min.), VHS, son., color. ARRUDA, Sandra Fernandes. Biodisponibilidade de Sais Minerais no Suplemento Alimentar Multimistura.1999. 81 p. Dissertação (Mestrado em Biologia Molecular) – Departamento de Biologia Celular, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Brasília, Brasília. ASSIS, Ana M.; PRADO, Vera B.F. ; CONCEIÇÃO, L.H. 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