Imagem da Semana: Ultrassonografia endovaginal Figura 1: US endovaginal mostrando região anexial uterina à direita Figura 2: US endovaginal mostrando útero e fundo de saco, em corte longitudinal Enunciado Paciente primigesta, 26 anos, procura atendimento de urgência queixando-se de dor abdominal intensa e corrimento vaginal marrom, sem odor fétido, há cerca de 2 horas. Relata dois testes de urina positivos para gravidez e suposta idade gestacional de 5 semanas e 5 dias (pela data da última menstruação). Ao exame, fáscies álgica, normotensa, afebril, pulsos cheios, abdome difusamente doloroso a palpação e sinal de Blumberg positivo em fossa ilíaca direita. Ao exame ginecológico, colo longo, fechado e posterior e útero de tamanho habitual; ausência de sangramento ativo. Realizada a ultrassonografia endovaginal em questão. Qual o diagnóstico provável e conduta indicada? a) Gravidez ectópica. Solicitar β-hCG quantitativo e realizar tratamento medicamentoso com metotrexate, uma vez que a gestação é muito inicial e a paciente está estável hemodinamicamente. b) Apendicite aguda. Corrigir distúrbios da volemia, indicar antibioticoprofilaxia perioperatória e realizar apendicectomia em caráter emergencial. c) Gravidez ectópica. Confirmar gravidez através de β-hCG, corrigir distúrbios da volemia e realizar tratamento cirúrgico radical (salpingectomia), pela alta probabilidade de rotura tubária. d) Abortamento inevitável. Corrigir distúrbios da volemia, e, caso não haja resolução espontânea, proceder ao esvaziamento uterino. Análise da imagem Imagem 3 – US endovaginal evidenciando imagem anecoica oval compatível com saco gestacional (em vermelho), com vesícula vitelina em seu interior (em amarelo). Imagem 4 – US endovaginal mostrando cavidade uterina sem saco gestacional visível e presença de líquido no interior (em verde). Presença de grande quantidade de líquido no fundo de saco posterior (em vermelho). Diagnóstico Os achados clínicos de abdome agudo e de sangramento na primeira metade da gravidez, aliado à imagem do saco gestacional nos anexos uterinos, permite firmar o diagnóstico de gravidez ectópica. Apesar de aparentemente não haver instabilidade hemodinâmica, a irritação peritoneal e o líquido em fundo de saco e na cavidade uterina sugerem se tratar de uma gravidez tubária rota, o que indica tratamento cirúrgico radical. O tratamento cirúrgico conservador ou o tratamento medicamentoso são reservados para situações em que se supõe não haver rotura tubária, a massa anexial for menor que 4 cm e haver desejo manifesto pela paciente de procriar. Apesar de se tratar de uma primigesta e a massa medir cerca de 3,5cm, a clínica e a US são fortemente sugestivos de rotura tubária. A apendicite deve sempre ser considerada no diagnóstico diferencial de abdome agudo. Possui incidência de 1/2000 gestações, especialmente no primeiro trimestre, e está relacionada a risco de mortalidade fetal de 3-5% dos casos. Contudo, a US confirma a gravidez ectópica tornando a apendicite muito improvável. O abortamento inevitável é causa de sangramento vaginal na primeira metade da gravidez, mas, geralmente, cursa apenas com cólicas e dor em baixo ventre, sem sinais de peritonite (apenas em abortamento infectado). O colo está aberto e à US são visualizadas sinais de descolamento decidual e saco gestacional intrauterino. Discussão A gravidez ectópica é a implantação do blastocisto fora do endométrio e da cavidade uterina. Tem incidência de cerca de 1,9% das gestações, das quais, aproximadamente, 95% é tubária. A gravidez tubária rota ocorre em 30% dos casos e é responsável por 10-15% de todas as mortes maternas. Os principais fatores de risco para gravidez tubária são gravidez ectópica prévia, cirurgia tubária, exposição ao diestilbestrol, tabagismo, infecções tubárias prévias e subversão da anatomia tubária (cistos, tumores, dentre outros). A clínica da rotura tubária é de dor abdominal súbita em fossa ilíaca e hemorragia intraperitoneal, que pode gerar instabilidade hemodinâmica. A hemorragia intraperitoneal pode causar dor à descompressão súbita (sinal de Blumberg), irritação do diafragma gerando dor no ombro (sinal de Laffon) e ainda equimose periumbilical (sinal de Cullen). Há sangramento vaginal pela interrupção do estímulo hormonal ao endométrio em decorrência da rotura e geralmente há dor a mobilização do colo do útero e fundo de saco de Douglas (sinal de Proust). O diagnóstico baseia-se na clínica, dosagem isolada ou seriada de β-hCG e US sugestivo, geralmente com ausência de embrião intrauterino, saco gestacional em região de anexos uterinos, por vezes envolto por halo anecoico devido ao edema da serosa tubária (sinal do halo) e sangramento na cavidade peritoneal. O tratamento depende da estabilidade hemodinâmica, integridade da trompa, desejo de nova gravidez e características do saco gestacional. Pode-se lançar mão de tratamento expectante no caso de β-hCG menor que 1000 e decrescente. O tratamento medicamentoso, com metotrexate, possui eficácia em manter perviedade tubária e é indicado em pacientes estáveis e com saco gestacional menor que 4cm, β-hCG menor que 5000 mUI/ml e feto sem atividade cardíaca. O tratamento cirúrgico pode ser radical, através da salpingectomia, ou conservador, pela salpingostomia linear. A salpingectomia é indicada em casos de rotura tubária, instabilidade hemodinâmica e em pacientes com prole completa. A salpingostomia é utilizada como alternativa em pacientes estáveis e sem rotura, buscando manter a perviedade da tuba e, portanto, indicada para pacientes que manifestem desejo conceber. Aproximadamente 30% das mulheres com gravidez ectópica pregressa têm dificuldade em engravidar novamente, sendo que a taxa de concepção nessas mulheres é de cerca de 77%. A taxa de recorrência de gravidez ectópica varia de 5 a 20%. Aspectos relevantes - A gravidez ectópica é, em 95% das vezes, tubária e pode ser rota em 30% dos casos. - São fatores de risco para gravidez ectópica: gravidez ectópica prévia, cirurgia tubária, uso de diestilbestrol, tabagismo e infecções tubárias. - A clínica é de dor abdominal súbita, podendo haver irritação peritoneal, sangramento vaginal e dor à mobilização uterina. - O diagnóstico baseia-se na clínica, confirmação da gravidez por β-hCG e da ectopia à ultrassonografia. - O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico. O clínico varia desde o expectante ao tratamento medicamentoso com metotrexate. O cirúrgico é a salpingectomia ou salpingostomia, dependendo da estabilidade hemodinâmica, rotura tubária e desejo de engravidar. - Cerca de 30% das mulheres com histórico de gravidez ectópica possuem dificuldade em engravidar e a recorrência varia de 5 a 20%. Referências -American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin No. 94: Medical management of ectopic pregnancy.Obstet Gynecol. 2008 Jun;111(6):1479-85. doi: 10.1097/AOG.0b013e31817d201e. - Crochet, JR; Bastian, LA; Chireau, MV. Does This Woman Have an Ectopic Pregnancy?The Rational Clinical Examination Systematic Review. JAMA. 2013;309(16):1722-1729. doi:10.1001/jama.2013.3914. - Lozeau, AM; Potter, B. Diagnosis and Management of Ectopic Pregnancy. American Family Physhician. 2005 Nov 1;72(9):1707-1714. - Tulandi T; Barbieri R; Falk SJ. Clinical manifestations, diagnosis and management of ectopic pregnancy. In: UpToDate, Basow, DS (Ed), UpToDate, Waltham, MA, 2013. - Tulandi T; Barbieri R; Falk SJ. Methotrexate treatment of tubal and interstitial ectopic pregnancy. In: UpToDate, Basow, DS (Ed),UpToDate, Waltham, MA, 2013. Autor Renato Gomes Campanati – Acadêmico do 10º de Medicina da UFMG. E-mail: renatogcampanati[arroba]gmail.com Orientador Mário Dias Corrêa Junior – Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia UFMG. E-mail: mdcjr[arroba]terra.com.br Revisores Fabiana Resende Pereira, Hercules Hermes Riani Martins Silva, Glauber Coutinho Eliezar e Viviane Parisotto