EVOLUÇÃO RECENTE DOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO NA SIDERURGIA MUNDIAL Germano Mendes de Paula* No dia 5 de março de 2002, o Presidente George W. Bush anunciou a adoção de medidas de salvaguardas, com vistas a proteger a indústria siderúrgica norte-americana. No momento da acalorada discussão sobre os impactos desta decisão para a siderurgia mundial, de uma forma geral, e para a brasileira, de modo particular, é bastante apropriado analisar a evolução recente dos mecanismos de proteção – tarifas, processos de antidumping (AD), direitos compensatórios (CVD) e salvaguardas – nesta atividade econômica. Historicamente, nos países industrializados, observa-se uma tendência contínua de diminuição das alíquotas dos impostos de importação para produtos siderúrgicos. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a tarifa média era de aproximadamente 9% até 1968, tendo regredido para 4% em 1990, embora com grande variação entre as categorias de produtos1. Adicionalmente, constata-se que as tarifas praticadas pelos países em desenvolvimento são nitidamente mais elevadas do que aquelas verificadas nos países industrializados2. Isto não necessariamente denota que a proteção efetiva seja menor nesses países, pois eles vêm se valendo crescentemente de barreiras não-tarifárias (BNT). De acordo com FIFE3, a proteção tarifária sobre as importações de aço está se tornando cada vez mais irrelevante para a análise dos fluxos de comércio. Isso decorre do fato de que a cláusula de nação mais favorecida entre os participantes do Comitê do Aço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba implicando que as tarifas efetivas sejam muito menores do que as máximas permitidas. Além disso, em função de um compromisso assumido na Rodada do Uruguai, para 20 países – Europa dos 15, Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul, Canadá e Austrália – as tarifas aplicadas em janeiro de 1998 estão sendo reduzidas gradativamente, até serem eliminadas em 2004. * Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. Mestre e Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutorado em Economia pela University of Oxford, Inglaterra. E-mail: [email protected]. 1 (HAUGHTON & SWAMINATHAN, 1992, p. 98) (DE PAULA, 1998, pp. 65-66) 3 (2001, p. 53) 2 Ainda segundo FIFE4, para a maioria dos participantes do Comitê do Aço da OCDE, as tarifas aplicadas para produtos siderúrgicos oscilam entre 0% e 10%, dependendo do produto. Na União Européia, por exemplo, as alíquotas variam entre 1,5% a 5%; no Japão, de 2% a 2,6%; e nos Estados Unidos, de 0,2% a 5,3%. O caso extremo é a Noruega, onde todas as importações de produtos siderúrgicos são isentas de impostos de importação. Em compensação, Turquia, Ucrânia, Romênia, Brasil, Polônia e México fazem uso de tarifas mais elevadas para protegerem suas indústrias nacionais. Mesmo assim, muitos países possuem acordos de comércio multilateral ou bilateral que possibilitam importação sem os correspondentes impostos ou o acesso em condições favorecidas. As reduzidas tarifas poderiam indicar uma grande liberdade de importação de produtos siderúrgicos nos países desenvolvidos. Contudo a situação real é bastante diferente, em função da amplitude e da intensidade das BNTs. No passado, os mecanismos mais importantes de proteção não-tarifária eram os chamados “acordos de restrições voluntárias às exportações” (VRAs), utilizados tanto pelos Estados Unidos, quanto pela União Européia. Uma vez que esse tipo de acordo foi proibido pela Organização Mundial de Comércio (OMC), processos AD e CVD se proliferaram, como forma de inibir ou pelo menos minorar o crescimento das importações de produtos siderúrgicos. Assim, a recorrência e a crescente relevância dos processos de AD e CVD podem ser entendidas per se como uma BNT. A indústria siderúrgica destaca-se como sendo uma das atividades nas quais mais se aplicam direitos antidumping e compensatórios no mundo. Por exemplo, no período 19972000, 1.064 novas ações de AD foram iniciadas pelos países-membros da OMC. Deste total, nada menos que 323 (ou 30,4%) foram relativas à siderurgia. Considerando apenas o ano de 2000, o número de novas investigações AD nesta indústria foi de 95 (37,8% do total). Estados Unidos (com 37 casos), Canadá e Argentina (com 16 casos cada um) foram os países que mais recorreram a este mecanismo de proteção, na siderurgia, no ano 2000 – ver Tabela 1. Mais importante, para os Estados Unidos e o Canadá mais de 75% dos processos iniciados durante o ano 2000 tiveram como foco a siderurgia. No que tange aos processos de CVD, a relevância da siderurgia é ainda maior. Dentre as 40 novas investigações abertas, em 1999, pelos países-membros da OMC, exatamente metade dizia respeito a produtos siderúrgicos. No ano seguinte, o setor teve 11 novas investigações (68,8% do total mundial)5. 4 (2001, p. 54) Tabela 1: Número de Processos de Anti-Dumping na Indústria Siderúrgica, Por País, 2000 País Número de Número Total de Importância Relativa da Siderurgia Investigações AntiInvestigações Anti(%) Dumping na Siderurgia Dumping Estados Unidos 37 46 80,4 Canadá 16 21 76,2 Argentina 16 36 44,4 União Européia 9 31 29,0 Outros 17 117 14,5 Total 95 251 37,8 Fonte: Stevenson (2001) Antes da imposição ocorrida em 5 de março de 2002 das medidas de salvaguardas, o mecanismo prioritário de proteção da siderurgia norte-americana constituía-se de processos de AD. Por exemplo, em dezembro de 2000, 35 produtos siderúrgicos contavam com direitos de AD. O número de países que tinham suas exportações atingidas era 24. Todavia, tendo em vista que freqüentemente um mesmo país estava envolvido com mais de um produto, o número de itens (produto x país) com AD totalizava 95. Na mesma ocasião, 18 produtos siderúrgicos contavam com CVD, afetando 18 países e perfazendo 27 itens distintos. Comparativamente à experiência norte-americana, a intensidade da utilização de processos de AD relacionados aos produtos siderúrgicos na Europa é menor. Em dezembro de 2000, vigoravam, na União Européia, sobretaxas definitivas de AD para 9 produtos e de CVD para 4 produtos. Além disso, 9 produtos estavam sendo investigados6. De fato, pode-se assegurar que, até o final dos anos 90, medidas de salvaguarda (também denominadas de “cláusula de escape”) vinham exercendo um papel secundário como mecanismo de proteção na indústria siderúrgica mundial. Segundo STEVENSON & KEMPTON7, no período 1995-99, o setor teve apenas duas (ou 5,7%) das 35 investigações de salvaguardas iniciadas. Segundo esses autores, ambas foram abertas pelos Estados Unidos. No ano 2000, o número total de salvaguardas atingiu 26, sendo que duas (ou 7,7%) envolviam a siderurgia. 5 STEVENSON (2001, p. 9) (FIFE, 2001, pp. 54-55) 7 (2000, p. 4) 6 Porém, a partir do ano 2000, medidas de salvaguardas começaram a ser mais freqüentes na siderurgia mundial. Já naquele ano, nos Estados Unidos, dois produtos siderúrgicos se beneficiaram de salvaguardas: fio-máquina de aço carbono e tubos com costura de aço carbono. Nos dois casos, foram estabelecidas cotas-tarifárias cobrindo as importações de todos os países, com exceção de Canadá e México, por um prazo de 3 anos. Esses dois países não foram incluídos porque o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) estabelece que os países-membros devem ser excluídos se eles não contribuírem decisivamente para o dano enfrentado pela indústria do país peticionário. Devese lembrar que esses foram os dois primeiros pedidos de salvaguardas levados a cabo pelas siderúrgicas norte-americanas em mais de uma década. Desde meados do ano passado, entretanto, o processo mais importante em termos do comércio internacional de produtos siderúrgicos refere-se à salvaguarda norte-americana. Tratou-se de um processo muito abrangente, tanto que foi dividido inicialmente em 33 categorias de produtos. Em outubro de 2001, a United States International Trade Commission (USITC) concluiu que 16 produtos estavam causando dano sério à siderurgia norte-americana. Em dezembro do mesmo ano, a USITC recomendou ao Presidente a imposição de cotastarifárias para produtos semi-acabados e tarifas para os acabados. Para a maior parte dos produtos, esta Comissão sugeriu uma alíquota adicional de 20%, que seria reduzida gradativamente para 17%, 14% e 11% nos anos subseqüentes. Portanto, a proteção temporária teria duração de 4 anos. O Presidente Bush acatou a sugestão de cotas-tarifárias para produtos semi-acabados, mas impôs para os principais produtos acabados, tarifas adicionais de 30% no primeiro ano, 24% no segundo e 16% no terceiro. Novamente, os outros dois países-membros do NAFTA foram excluídos da proteção. A imposição das salvaguardas, para proteger a siderurgia norte-americana, é muito provavelmente o evento mais importante da indústria nos últimos anos, no âmbito mundial. De início, constata-se a proliferação de medidas protecionistas em outros mercados, seja pela União Européia, México e Tailândia. Esse movimento deve-se intensificar quando se perceberam desvios de comércio. No tange ao setor siderúrgico, é muito provável que outros países adotem medidas de salvaguardas em desfavor de processos de AD e CVD, uma que a abrangência de países e produtos afetados de uma única vez é maior. Se isto se configurar, estaremos presenciando o retorno de medidas protecionistas genéricas na indústria siderúrgica, tal qual na época do VRA, em detrimento de medidas pontuais, como tendem a ser os processos de AD e CVD. Todavia os impactos da referida salvaguarda tenderão a extrapolar a siderurgia, influenciando tanto as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) quanto as da própria OMC. Ao mesmo que se altera a importância relativa dos mecanismos de proteção na siderurgia, a salvaguarda norteamericana pode influenciar o ritmo do processo de liberalização mundial como um todo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: DE PAULA, G.M. (1998). Privatização e Estrutura de Mercado na Indústria Siderúrgica Mundial. Rio de Janeiro, Instituto de Economia / Universidade Federal do Rio de Janeiro (Tese de Doutoramento); FIFE, D. (2001). Steel Trade Policy: patterns and development of steel trade policy. World Steel Forum, 2001: OECD/China Workshop on Steel Markets, Trade and Structural Adjustment. Shanghai, Maio; HAUGHTON, J. & B. SWAMINATHAN (1992). The Employment and Welfare Effects of Quantitative Restrictions on Steel Imports into the United States, 1955-1987. Journal of World Trade, 26 (2): 95-118; STEVENSON, C. & J. KEMPTON (2000). Global Trade Protection and the Steel Industry 1999. London, Rowe & Maw; STEVENSON, C. (2001). Global Trade Protection Report 2000. London, Rowe & Maw.