UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO AMANDA DE FREITAS PADILHA DETECÇÃO SOROLÓGICA E MOLECULAR DE ESPÉCIES DO GÊNERO Rickettsia EM PEQUENOS ROEDORES DE TRÊS MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS COM DIFERENTES PERFIS DE ENDEMICIDADE OURO PRETO – MG 2010 AMANDA DE FREITAS PADILHA DETECÇÃO SOROLÓGICA E MOLECULAR DE ESPÉCIES DO GÊNERO Rickettsia EM PEQUENOS ROEDORES DE TRÊS MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS COM DIFERENTES PERFIS DE ENDEMICIDADE Dissertação apresentada ao Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências Biológicas, na área de concentração em Bioquímica Estrutural e Fisiológica. Orientador: Márcio Antônio Moreira Galvão Co-orientadora: Renata Nascimento de Freitas OURO PRETO – MG 2010 DEDICATÓRIA A Deus, pela dádiva da vida e por me iluminar em todos os momentos. A meus pais (Maria Bernadete e Ernesto), exemplos de caráter, dedicação, fé e amor. A meus irmãos (Renata e Fernando) pelo companheirismo e amizade. À família Freitas e à família Padilha pela torcida. A meus amigos pela força e incentivo. AGRADECIMENTOS A Deus, que sempre iluminou meu caminho, mesmo nas vezes em que eu insisti em não retribuir todas as graças alcançadas. Aos meus pais, Ernesto e Bernadete, pelo apoio nas horas difíceis e por tantas vezes terem colocado seus sonhos em segundo plano para realizarem os meus. Amo muito vocês... Aos meus queridos irmãos, em especial à Tatá, que é muito mais que minha irmã gêmea, é minha alma gêmea. Obrigado também Nandão, pela torcida e pelo exemplo de profissionalismo. Ao meu quase cunhado e amigo Muleta pela amizade. Às minhas queridas avós, Delmira e Gessy, por sempre me acolherem tão bem, aturando inclusive minhas rebeldias quando adolescente. Quanta saudade do tempo de criança, quando as visitas eram tão mais regulares. Eu era feliz e já sabia... Às minhas queridas famílias Freitas e Padilha, pela torcida, mesmo que à distância. Tenho muito orgulho de cada um de vocês... Obrigada por tudo. Ao meu orientador Márcio Galvão, pela grande oportunidade e por sempre ter acreditado no meu potencial. À professora Renata, por ter sido exemplo de profissionalismo, dedicação e elegância. À FAPEMIG pelo financiamento do projeto. À Prof. Dra. Maria Rita Silvério Pires e a todos os alunos do Laboratório de Zoologia dos Vertebrados pela imensa ajuda nas coletas de roedores na Serra do Ouro Branco. Ao Professor Claúdio Mafra e Marcelo Labruna, pela acolhida em seus laboratórios. Sem a parceria de vocês, esse trabalho não seria possível. Obrigada! Aos amigos e guardas da Fundação Nacional de Saúde: Ércio, Luís Paulo e Carlinhos, pela grande ajuda nos trabalhos de campo e por terem tornado as viagens tão divertidas. Que saudade daquele forrozão ao final das coletas! Aos prefeitos dos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’ Água. A toda equipe do serviço de vigilância epidemiológica desta região por toda boa vontade, acolhida e disponibilidade. Também à Graziele, Elizeu e Dinho por toda atenção e colaboração nas visitas. À Universidade Federal de Ouro Preto, em especial ao Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas, pela realização deste projeto. Aos amigos da turma de mestrado 20082010, Alínia, Ariscu, Luís Henrique, Rafael, Bruno, Guilherme e Sonaly. À Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, em especial às pesquisadoras do laboratório de Doenças Parasitárias, Iara e Fernanda, e ao técnico Renatinho pela acolhida, amizade e por toda atenção e apoio na execução da Biologia Molecular. À Fundação Ezequiel Dias e Dra. Simone Calic pela realização de técnicas sorológicas. Aos meus queridos amigos do Laboratório de Epidemiologia Molecular, especialmente à galera das “Rickettsias” (Bruno, Dárlen, Dicky, Gabriel, Guilherme e Rafael). Vocês tornaram todo esse tempo de convivência muito mais agradáveis e engraçados. Adoro todos vocês!!! Um obrigado especial ao meu amigo Bruno. Só de ter conhecido alguém tão maravilhoso como você já valeu a pena. À queridíssima e fofíssima amiga Dirce, por estar sempre tão otimista e alegre. Você me contagia... Às amigas Vívian, do Laboratório de Doenças Parasitárias, e Irisa, do Laboratório de Zoonoses, pelo incentivo, cooperação, paciência e pelas conversas sempre tão engraçadas. A todos os funcionários e professores da Escola Municipal Dr. Alves de Brito, em especial à amiga Liliane. Vocês me fizeram acreditar na educação básica e pública de qualidade. A todos aqueles que de alguma forma colaboraram na realização deste trabalho. “O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão.” João Guimarães Rosa RESUMO As riquétsias patogênicas constituem um grupo de bactérias gram-negativas, intracelulares obrigatórias responsáveis por transmitir diversas doenças ao homem conhecidas como riquetsioses. Essas doenças são transmitidas através da picada de artrópodes hematófagos como carrapatos, pulgas, piolhos e ácaros. A descrição de casos no Brasil teve início na década de 1920, sendo a febre maculosa Brasileira a mais severa das riquetsioses descritas, com inúmeros casos confirmados no sudeste do país, principalmente nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Pequenos roedores são incriminados nos Estados Unidos e Europa como hospedeiros amplificadores de Rickettsia, entretanto o papel desses animais no ciclo epidemiológico das riquetsioses ainda não foi determinado no Brasil. Em estudos experimentais, os pequenos roedores mostraram ser susceptíveis à infecção por organismos riquetsiais, desenvolvendo riquetsemia temporária em um nível suficiente para contaminar ectoparasitas que deles se alimentassem. Este trabalho investigou a ocorrência de anticorpos em pequenos roedores capturados em três municípios (Pingo D’Água, Santa Cruz do Escalvado e Ouro Branco) de Minas Gerais, Brasil. As espécies de pequenos roedores, bem como de seus ectoparasitos foram identificadas e amostras de soro foram analisadas pela Reação de Imunofluorescência Indireta usando antígenos de diferentes espécies de Rickettsia do grupo da febre maculosa (Rickettsia rickettsii, Rickettsia parkeri, Rickettsia rhiphicephali, and Rickettsia amblyommii), grupo ancestral (Rickettsia bellii) e grupo de transição (Rickettsia felis). Títulos iguais ou superiores a 1:64 foram considerados positivos. No município de Pingo D’Água, 84% (23/31) das amostras de soros de Rattus rattus, 86% (6/7) de Oryzomys subflavus, 86% (6/7) de Nectomys squamipes e 100% (1/1) de Bolomys sp. continham anticorpos contra Rickettsias do grupo de febre maculosa. A reatividade à RIFI das amostras coletadas em Santa Cruz do Escalvado rendeu os seguintes resultados: 94% (30/32) em R. rattus, 22 (5/23) em N. squamipes e 80% (4/5) em Akodon sp. Nenhum dos soros coletados em pequenos roedores da Serra do Ouro Branco tinha anticorpos contra os antígenos testados. Técnicas de biologia molecular também foram utilizadas neste estudo, na tentativa de amplificar fragmentos gênero-específicos de Rickettsia em amostras de tecidos e ectoparasitos retirados dos pequenos roedores. No entanto, nenhuma das amostras testadas foi positiva à PCR. Esses resultados indicam a exposição de pequenos roedores à riquétsias do grupo da febre maculosa em dois dos municípios analisados e sugerem sua participação no ciclo epidemiológico das riquetsioses nas áreas estudadas, sendo necessários estudos adicionais para compreender a real importância destes animais nos ciclos silvestre e doméstico dos agentes causadores de febre maculosa, incluindo suas interações com artrópodes vetores. Palavras-chave: febre maculosa Brasileira, doenças emergentes, zoonoses, pequenos roedoes. ABSTRACT The Order Rickettsiales evolves a group of obligate intracellular parasites, responsible for many diseases know as rickettsioses. Hematophagous arthropods as ticks, lices, fleas and mites, and their hosts are responsible for the disease dissemination to man. The description of cases in Brazil began in the 1920s, Brazilian spotted fever being the most severe rickettsial diseases described, with several confirmed cases in the Southeast, mainly in the Minas Gerais and São Paulo.The wild rodents are incriminated as amplifying hosts of Rickettsia in United States and Europe; however their role in the epidemiological cycle of rickettsial diseases in Brazil is not determined yet. In studies with these animals, some were confirmed to be susceptible to infection with Rickettsia organisms, developing temporary rickettsemia at a sufficient level to infect ectoparasites during their blood meals. This work investigated the occurrence of antibodies against different species of Rickettsia in sera from wild rodents captured in three areas in the state of Minas Gerais, Brazil. The species of captured animals were identified, and serum samples were analyzed by immunofluorescence using antigens of different species of Rickettsia of the spotted fever group (Rickettsia rickettsii, Rickettsia parkeri, Rickettsia rhiphicephali, and Rickettsia amblyommii), ancestral group (Rickettsia belli) and transitional group (Rickettsia felis). Titers equal to or greater than 1:64 were considered positive. In the municipality of Pingo D'Água, 84% (26/31) of serum samples of Rattus rattus, 86% (6 / 7) of Oryzomys subflavus, 86% (6/7) of Nectomys squamipes, and 100% of Bolomys sp. (1/1) contained antibodies against spotted fever group Rickettsia. IFA reactivity of sera in Santa Cruz do Escalvado yielded the following results: 94% (30/32) in R. rattus, 22% (5/23) in N. squamipes, and 80% (4/5) in Akodon sp. None of the sera of small rodents collected in Serra do Ouro Branco had antibodies to the antigens used. Molecular biology techniques were also used in this study, in an attempt to amplify fragments genus-specific of Rickettsia in samples of tissue and ectoparasites removed of small rodents. However, none of the samples tested were positive in PCR. These results indicate the exposure of small rodents to SFG rickettsiae and suggest possible participation in the epidemiological cycle of rickettsial diseases in the areas studied in Brazil, making further studies necessary for understanding the real importance of these animals in the wild and domestic cycles of the spotted fever agents, including their interactions with arthropod vectors. Key-words: Brazilian spotted fever; Emerging diseases; Zoonosis; Small rodents LISTA DE ABREVIATURAS °C: graus Celsius %: porcentagem α: alpha µg: micrograma, 10-6 g µl: microlitros, 10-6 L µM: micromol, 10-6 M cm: centímetros cm3: centímetros cúbicos ddNTP’s: dideoxinucleotídeos trifosfatados DNA: ácido desoxirribonucléico DNTP’s: desoxinucleotídeos trifosfatados EDTA: ácido etilno-diamino-tetracético ELISA: enzyme linked sistem assay et al: e colaboladores FMVZ-USP: Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo FMB: febre maculosa Brasileira FUNASA: Fudação Nacional de Saúde g: gramas GFM: Grupo da Febre maculosa GT: Grupo do Tifo IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica kD: kiloDalton kg: quilogramas km: quilômetros km2: quilômetros quadrados LEM: Laboratório de Epidemiologia Molecular LZV: Laboratório de Zoologia dos Vertebrados M: molar m: metros MEM: meio essencial mínimo mg: miligramas, 10-3 g ml: mililitros, 10-3 L mM: milimolar, 10-3 M NaCl: cloreto de sódio NaOH: hidróxido de sódio ng: nanogramas, 10-9 g OMS: Organização Mundial da Saúde pb: pares de bases PBS: solução de fosfato tamponada PCR: reação em cadeia da polimerase pH: potencial hidrogeniônico primer: oligonucleotídeo iniciador RIFD: reação de imunofluorescência direta RIFI: reação de imunofluorescência indireta RMSF: Rocky Mountain spotted fever sp.: espécie spp.: espécie não determinada SBF: soro bovino fetal SDS: duodecil sulfato de sódio TAE: tampão tris-acetato EDTA Taq: Termophilus aquaticus TBE: tris-borato EDTA Tm: temperatura de anelamento TESP: tifo exantemático de São Paulo UHE: Usina Hidrelétrica UFOP: Universidade Federal de Ouro Preto UFV: Universidade Federal de Viçosa USP: Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................15 2 REVISÃO DE LITERATURA .........................................................................19 2.1 ETIOLOGIA ............................................................................................................20 2.2 VETOR ...................................................................................................................21 2.3 HOSPEDEIROS MAMÍFEROS ..............................................................................24 2.3.1 Pequenos roedores ............................................................................................27 2.3.1.1 Ectoparasitos de pequenos roedores ...............................................................28 2.4 PATOGENIA E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS ...................................................32 2.5 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL HUMANO .........................................................33 2.6 EPIDEMIOLOGIA ...................................................................................................36 2.7 TRATAMENTO .......................................................................................................37 2.8 PROFILAXIA ..........................................................................................................38 3 OBJETIVOS ..................................................................................................40 3.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................41 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ..................................................................................41 4 MATERIAIS E MÉTODOS .............................................................................42 4.1 LOCAIS DO LEVANTAMENTO ..............................................................................43 4.1.1 Ouro Branco ........................................................................................................43 4.1.1.1 Locais e frequência de coletas de amostras ....................................................45 4.1.2 Santa Cruz do Escalvado ....................................................................................48 4.1.3 Pingo D’Água ......................................................................................................50 4.2 CAPTURA DE PEQUENOS ROEDORES E AMOSTRAS BIOLÓGICAS..............51 4.2.1 Serra do Ouro Branco .........................................................................................51 4.2.2 Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água ..........................................................53 4.3 IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA DOS ROEDORES ............................................54 4.4 IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA DOS ECTOPARASITOS ..................................54 4.5 SOROLOGIA ..........................................................................................................55 4.5.1 Produção de lâminas de antígeno .......................................................................55 4.5.2 Avaliação sorológica ............................................................................................56 4.6 ANÁLISE MOLECULAR .........................................................................................56 4.6.1 Extração de DNA de tecidos, carrapatos e pulgas ..............................................56 4.6.2 Extração de DNA dos ácaros ..............................................................................57 4.6.3 Obtenção do controle positivo .............................................................................58 4.6.4 Reação em cadeia da polimerase (PCR) ............................................................58 5 RESULTADOS ..............................................................................................59 5.1 Identificação dos pequenos roedores .....................................................................60 5.2 Identificação dos ectoparasitos ..............................................................................63 5.3 Avaliação sorológica ...............................................................................................66 5.4 Biologia molecular dos tecidos de roedores e de seus ectoparasitos ....................68 6 DISCUSSÃO ..................................................................................................70 7 CONCLUSÃO ................................................................................................77 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................79 9 ANEXOS ........................................................................................................92 1. INTRODUÇÃO 15 As riquétsias são bactérias da ordem Rickettsiales, família Rickettsiaceae e subgrupo α-Proteobactéria. Apresentam o formato de pequenos bastonetes, gram-negativos, corados pela fucsina básica no método de Giménez e são parasitas intracelulares obrigatórias (HACKSTADT, 1996). Identificadas em artrópodes como carrapatos, ácaros, piolhos e pulgas, e destes dependendo para a sua sobrevivência, manutenção, dispersão e transmissão para animais vertebrados, infectam seus ovos e as gerações subseqüentes (RAOULT & ROUX, 1997). Os estádios infectados, após a fixação em um animal vertebrado para a realização de seu repasto sanguíneo, inoculam as riquétsias juntamente com a saliva. Esta transmissão aos vertebrados também pode se dar quando do contato com tecidos e fluidos de um artrópode infectado em situações que o mesmo é esmagado. Em humanos, após a inoculação, a riquétsia se instala nas células endoteliais dos pequenos vasos e capilares sanguíneos, ocasionando lesões que levam a perda de integridade da parede dos vasos e capilares e possibilita a passagem de sangue para tecidos extravasculares. Desta maneira ocorrem as hemorragias intrateciduais, comumente observadas em pacientes. É do século 5 a.C. o relato do que possivelmente foi a primeira epidemia causada por riquétsias no mundo. Nomeada de praga de Atenas, acredita-se que tenha sido uma epidemia de tifo murino, causado pela R. typhi. Apenas no século 16 d.C. houve a confirmação de uma epidemia de tifo murino na Europa e a partir daí existem inúmeros relatos de riquetsioses no mundo. No Brasil, o primeiro relato de febre maculosa foi em 1929, sendo que na época a doença foi denominada tifo exantemático de São Paulo. Os sintomas eram semelhantes aos da Rocky Mountain spotted fever (RMSF), que teve seu primeiro relato no Estado de Idaho, Estados Unidos em 1899. Na década de 1930 foram descritos os primeiros casos em Minas Gerais e o nome tifo exantemático de São Paulo foi alterado para febre maculosa Brasileira (FMB) devido às semelhanças antigênicas à RMSF (DIAS & MARTINS, 1937; MOREIRA & MAGALHÃES, 1935, 1937; RAOULT & ROUX, 1997). Da década de 1950 a meados da década de 1980 houve um período de silêncio epidemiológico da doença, que se suspeita ser devido ao uso indiscriminado de antibióticos, mascarando assim os principais sintomas. Apenas em 1985 a doença foi relatada novamente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo (LEMOS, 1996; GALVÃO, 2003; MELLES, 1992; ROZENTAL, 2002). Em 2002 a FMB foi considerada como sendo de notificação compulsória e atualmente é considerada a riquetsiose mais prevalente no país. 16 A reemergência de casos de FMB a partir da década de 80 no Estado de Minas Gerais e atualmente no estado de São Paulo tem trazido grande preocupação para o sistema público de saúde. Várias evidências demonstram a importância de uma melhor investigação sobre a potencial presença de outras espécies do gênero Rickettsia, bem como da manutenção do ciclo endêmico de Rickettsia spp. na natureza, já que neste grupo estão incluídas espécies de alta, baixa ou nenhuma patogenicidade para humanos. Por apresentar sintomas inespecíficos como febre alta, mialgias e cefaléia, o diagnóstico clínico da FMB não é simples e a doença pode ser confundida com outras doenças febris e exantemáticas como dengue, leptospirose, sarampo, febre tifóide, mononucleose infecciosa, febre amarela, dentre outras. Embora o diagnóstico da FMB se baseie em sinais e sintomas clínicos característicos associados a dados epidemiológicos, a confirmação laboratorial se faz necessária, mesmo este procedimento sendo mais difícil do que o esperado, devido à escassez de anticorpos detectáveis e da esporadicidade e não inclusão pela classe médica desta enfermidade quando da indicação da anamnese do exame clínico, e da solicitação de exames laboratoriais. Identificação imunohistoquímica nas biópsias cutâneas das lesões maculopapulares oferece uma alternativa viável para diagnosticar a fase aguda da doença (DUMLER et al., 1990). O isolamento de riquétsias em cultura de células também pode ser obtido em poucos dias, porém são raros os laboratórios de saúde pública ou de pesquisa que possuem estas facilidades. A metodologia mais utilizada para confirmação do diagnóstico é através da sorologia utilizando a reação de imunofluorescência indireta (DUMLER et al., 1994). Até o momento, não foram desenvolvidas vacinas eficazes para a prevenção das riquetsioses. Assim, a detecção e o tratamento precoces são a melhor forma para reduzir a letalidade e a morbidade destas doenças. No entanto, como muitas vezes os sintomas da febre maculosa são inespecíficos, nem sempre isso é possível. No Brasil, a consolidação da vigilância das doenças riquetsiais é urgentemente requerida, com a finalidade de acessar sua incidência e prevalência, dar suporte ao diagnóstico e tratamento específico dos pacientes, permitindo assim o desenvolvimento e implantação de estratégias de controle e prevenção das mesmas. Técnicas de biologia molecular, como a reação em cadeia da polimerase (PCR) também tem sido utilizada para o diagnóstico da FMB. O seqüenciamento de genes conservados a partir de regiões amplificadas pela PCR permitiu a identificação de riquétsias ainda não cultiváveis. Com esta estratégia foi possível a identificação de uma nova espécie denominada Rickettsi felis, detectada em gambás, pulgas e em pacientes com tifo murino 17 nos EUA (AZAD et al., 1992, SCHRIEFER et al., 1994). A descrição de casos humanos por R. felis em outros países e inclusive no Brasil, abre boas perspectivas na compreensão do papel de novas espécies na epidemiologia das riquetsioses (ZAVALA-VELAZQUEZ et al., 1990; RAOULT et al., 2001). Estudos têm demonstrado que no Brasil a febre maculosa é transmitida ao homem por carrapatos da espécie Amblyomma cajennense, carrapato do cavalo, que apresenta pouca especificidade parasitária, especialmente nas fases de larva e ninfa (DIAS & MARTINS, 1939; GALVÃO, 1996; LEMOS et al. 1997). Esses artrópodes infectam-se ao sugarem animais silvestres. No entanto a doença não depende exclusivamente desse mecanismo para sua manutenção, pois ocorre transmissão transovariana entre os carrapatos, sendo que além de transmissores, são também verdadeiros reservatórios desses patógenos na natureza (BURGDORFER & VARMA, 1967; BALASHOV, 1984). Numa riquetsiose, geralmente, o foco primário envolve os pequenos mamíferos, hospedeiros dos artrópodes vetores e secundariamente, atuam as influências de animais domésticos e de animais sinantrópicos, os quais vão se tornar fonte de infecção para o homem. Os mamíferos são referidos como hospedeiros da maior parte das espécies de carrapatos e, dentro deste grupo de vertebrados, a Ordem Rodentia é a mais parasitada. Alimentam-se em roedores os estágios imaturos, sendo encontrados com menor freqüência em hospedeiros como aves e répteis. Estudos experimentais realizados com pequenos roedores confirmaram que estes animais são sensíveis à infecção e desenvolvem riquetsemia suficiente para infectar os ectoparasitos durante a refeição de sangue, embora apenas num curto período de tempo. Estes micromamíferos têm uma área de dispersão limitada e um tempo de vida curto, sendo considerados bons indicadores da existência de riquétsias numa dada área, se forem encontrados infectados naturalmente. No presente trabalho propusemo-nos a realizar um estudo sobre a participação dos pequenos roedores e de seus ectoparasitos no ciclo epidemiológico das riquetsioses em três municípios de Minas Gerais com diferentes perfis epidemiológicos (Ouro Branco, Santa Cruz do Escalvado e Pingo D´Água). Empregando técnicas moleculares e sorológicas espera-se conhecer melhor a dinâmica de transmissão de riquetsioses nas referidas áreas e estimar o risco a qual a população humana está submetida. 18 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 19 2.1 ETIOLOGIA Riquetsioses são doenças causadas por bactérias da família Rickettsiaceae, a qual inclui os gêneros Rickettsia, Orientia, Ehrlichia, Neorickettsia e Anaplasma (SILVA, 2006). O gênero Rickettsia compreende bactérias da subdivisão alfa da classe Proteobacteria, as quais são coco-bacilos gram-negativos e parasitas intracelulares obrigatórias (WEISS & MOULDER, 1984; YU & WALKER, 2003). As diversas doenças causadas pelas riquétsias patogênicas são transmitidas ao homem e animais pela picada de artrópodes hematófagos como os carrapatos, pulgas, piolhos e ácaros. Durante muito tempo, os membros do gênero Rickettsia foram tradicionalmente classificados dentro de dois grupos: (1) o grupo do tifo, que compreendia as espécies patogênicas R. typhi, agente do tifo murino e R. prowazekii, agente do tifo exantemático epidêmico, e (2) o grupo da febre maculosa, que incluía as espécies transmitidas por carrapatos duros, dentre elas as patogênicas, como a R. rickettsii, agente da Rocky Mountain spotted fever (RMSF) e da FMB (FMB); R. conorii,agente da febre maculosa do mediterrâneo; R. parkeri, agente da riquetsiose parkeri, e R. felis, agente da riquetsiose felis. O advento da filogenética molecular vem revolucionando a sistemática do gênero Rickettsia. Em vários estudos realizados em todo o mundo, diversas novas espécies estão sendo descobertas, incluindo algumas que não se encaixam em nenhum dos grupos previamente reconhecidos. Muitas dessas novas espécies não têm recebido muita atenção, pois parece não representar risco à saúde humana. Weinert (2009) descobriu várias novas relações filogenéticas das riquétsias utilizando técnicas de biologia molecular. Este estudo modificou alguns grupos no cladrograma antigo, rearranjando espécies antigas e novas. Assim, o grupo das bactérias do gênero Rickettsia tomou a seguinte forma: Grupo da Febre Maculosa (GFM), que contêm as espécies Rickettsia rickettsii, R. helvética, R. montanensis, R. massiliae, R. japonica, R. peacockii, R. conorii e R. sibirica; o Grupo do Tifo (GT), que não sofreu modificações, contendo as espécies R. typhi e R. prowazekii; o grupo Canadensis, com as espécies R. canadensis e R. tarasevichiae; e finalmente o grupo de Transição, possuindo as espécies R. australis, R. akari e R. felis. Essa divisão é o sexto grande clado referido por Weinert, sendo que bactérias do gênero Rickettsia ainda estão distribuídas por outros cinco grandes clados divididos em: clado Hydra, que engloba Rickettsias associadas com protistas e outros hospedeiros 20 desconhecidos; o clado Torix, contendo Rickettsias presentes em amebas, sanguessugas e alguns artrópodes; o clado Rhizobius, no qual Rickettsia parasita três tipos de besouros; clado Malloidae, que apresenta Rickettsia parasita de um tipo de besouro e o clado Bellii, que envolve onze linhagens de artrópodes e a espécie R. bellii. Febre maculosa é o nome dado a doenças causadas por riquétsias do Grupo da febre maculosa. Dentro deste Grupo destaca-se a bacteria R. rickettsii, agente da febre maculosa Brasileira e da Rocky Mountain spotted fever (GALVÃO et al., 2006). Além desta, outras espécies causadoras de febre maculosa em humanos nas Américas são R. parkeri, R. africae, R. akari, R. felis e R. honei (LABRUNA, 2004; PAROLA et al., 2005). Quase todas as riquétsias do GFM são trasnsmitidas por espécies de carrapatos pertencentes a distintos gêneros (Dermacentor, Rhipicephalus, Amblyomma, Ixodes, Haemaphysalis e Hyalomma), com excessão da R. akari e R. felis, associadas respectivamente a ácaros Allodermanyssus e pulgas Ctenocephalides (RAOULT & ROUX, 1997; BEATI & RAOULT, 1998). 2.2 VETOR Define-se como vetor o artrópode que carreia organismos capazes de causar uma doença para um hospedeiro vertebrado (GORDON & HEADRICK, 2001). Carrapatos são importantes vetores de vários patógenos que causam doenças em animais e humanos em todo o mundo. De acordo com Jongejan e Uilenberg (2004), carrapatos transmitem uma variedade maior de microorganismos patogênicos do que qualquer outro grupo de vetores, uma lista que inclui protozoários, espiroquetas, vírus e riquétsias. Os carrapatos incriminados como vetores de riquetsioses são exclusivamente da ordem Ixodida. Labruna (2004) descreveu espécies dos gêneros Amblyomma e Ixodes e sua correlação com diferentes espécies de riquétsias no país. Amostras de Rickettsia já foram identificadas e/ou isoladas das seguintes espécies de carrapatos no Brasil: R. rickettsii foi identificada em carrapatos Amblyomma cajennense e A. aureolatum; R. bellii foi identificada em carrapatos das espécies A. cooperi (=dubitatum), A. ovale, A. oblongoguttatum, A. humerale, A. scalpturatum, A. rotundatum, A. aureolatum e Ixodes loricatus; R. amblyommi, nas espécies A. cajennense e A. coelebs; R. parkeri, em A. triste; e R. rhipicephali, em Haemaphysalis juxtakochi. Além dessas, foi detectado riquétsia genotipicamente próxima de R. parkeri em carrapatos A. cooperi e riquétsia genotipicamente próxima de R. amblyommii em A. longirostre. 21 Amblyomma cajennense, vulgarmente conhecido como “carrapato-estrela” e “carrapato-de-cavalo” é um dos carrapatos mais comumente encontrados nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro e é também o principal vetor da FMB nesses estados (REY, 2001). Os principais hospedeiros primários desses carrapatos são cavalos e capivaras, que são infestados por todos os estágios. As fases de larva e ninfa são mais comumente responsáveis pelo ataque a humanos, devido à alta taxa de infestação e por maior dificuldade de visualização destes no corpo. O estágio adulto também pode parasitar os seres humanos, mas são mais facilmente notados e consequentemente removidos (SANGIONI et al.; 2005; PACHECO et al.; 2007). O ciclo de vida desse carrapato na natureza é complexo, passando por quatro estágios: ovo, larva, ninfa e adulto. Essa espécie de carrapato completa uma geração em um ano (FLECHTMANN, 1973; GUIMARÃES et al., 2001). As fêmeas fecundadas e ingurgitadas desprendem-se de seus hospedeiros e caem no solo, realizando a oviposição após 12 dias. Uma única fêmea ovipõe aproximadamente cinco mil ovos, finalizando este ciclo com sua morte. O período de incubação leva em média 30 dias para posterior eclosão dos ovos. Aproximadamente 95% dos ovos dão origem à larvas hexápodes que necessitam realizar repasto sanguíneo. Essas larvas sobem e descem pela vegetação de acordo com as características ambientais (FONSECA & MARTINS, 2007). Esse deslocamento vertical facilita o encontro com o hospedeiro. Depois de fixada ao animal, a larva inicia o período de repasto que dura, em média, de três a seis dias. Logo depois, as larvas descem do hospedeiro em busca de abrigo no solo, onde permanecem por volta de 18 a 26 dias para sofrerem a muda ou ecdise, transformando-se em ninfas. As ninfas octópodes desempenham também o deslocamento vertical. Quando encontram um animal, elas realizam o ingurgitamento durante cinco a sete dias, e assim como as larvas, descem do hospedeiro para procurar abrigo e durante 23 a 25 dias realizam a muda para se transformarem em adultos. Estes, em sete dias já se encontram aptos para realizarem o repasto em novos hospedeiros. Os adultos, macho e fêmea, realizam o acasalamento após o repasto tissular e sanguíneo. Depois de fecundada, a fêmea realiza o ingurgitamento de sangue. Esse período dura cerca de 10 dias, até que as fêmeas desprendem-se da superfície epitelial e caem no solo para realizem a postura. A transmissão de riquétsias para carrapatos de uma população não infectada dá-se pela realização da hematofagia em hospedeiros vertebrados durante a parasitemia. Essa 22 infecção é dependente de alguns fatores, como a riquetsemia do hospedeiro e infectividade da Rickettsia à espécie de carrapato, a qual pode ser determinada através de xenodiagnóstico (DONAHUE et al.,1897). Fatores extrínsecos como o nível populacional dos artrópodes, a susceptibilidade do hospedeiro preferencial ao microorganismo em questão, a imunidade do hospedeiro, as variações geneticamente determinadas pela infectividade do agente e as condições ambientais afetam de maneira significante a competência dos carrapatos como vetores de agentes microbianos e consequentemente afetam a dinâmica de transmissão e o risco das enfermidades decorrentes. Além destes, fatores intrínsecos como questões alimentares, fisiológicas e comportamentais, a passagem transovariana e transestadial, a presença de outros organismos ou substâncias farmacologicamente ativas influenciam o sucesso alimentar e a duração da fixação ao hospedeiro. Segundo Cortinas et al. (2002), a persistência e a distribuição geográfica de um foco de enfermidade veiculada por carrapatos seriam decorrentes da imunidade do hospedeiro expressada no vetor e dependeriam de três pré-requisitos: (1) presença e sobrevivência dos carrapatos, (2) transmissão do patógeno e (3) oportunidade para a exposição humana ou de animais domésticos. A transmissão transovariana é o fator mais importante para a manutenção de R. ricketsii na natureza. Através desse mecanismo, o patógeno é mantido ao longo de várias gerações sucessivas de carrapatos. A transmissão transestadial também desempenha papel crucial na manutenção desses patógenos, já que possibilita a passagem do patógeno entre os diversos estágios de desenvolvimento do carrapato (AZAD & BEARD,1998; MAGNARELLI et al, 1985). A definição clássica diz que hospedeiros reservatórios são animais nos quais os carrapatos se alimentam e que também são capazes de adquirir, manter e doar organismos infecciosos para outros animais (SONENSHINE, 1994). Assim, carrapatos são hospedeiros naturais e servem como reservatórios e vetores para R. rickettsii. A taxa de infecção da população de vetor geralmente é baixa, variando de 0,04 a 1,3% para R. rickettsii (LABRUNA, 2009). Magnarelli et al. (1981) observaram que a prevalência de carrapatos infectados, observados pela técnica de imunofluorescência direta é a mesma tanto em áreas endêmicas como em áreas não endêmicas, constatação que reduz a importância do carrapato como indicador de atividade riquetsial em uma determinada área. Isso pode ser explicado pelo fato de que R. rickettsii é patogênica para o carrapato vetor (BURGDORFER, 1988). Foi demonstrado por Burgdorfer (1975) que 23 infecções riquetsiais reduzem a fertilidade dos carrapatos. Outro fenômeno que explica essa baixa taxa de infectividade na população de carrapatos é o fenômeno conhecido como Interferência riquetsial. Verificou-se em laboratório que, apesar de várias espécies de riquétsia poderem infectar simultaneamente um carrapato, apenas uma é mantida por transmissão transovariana (MACALUSO et al., 2002). Além de A. cajennense, outra espécie de carrapato, A. aureolatum, está envolvida na transmissão da bactéria R. rickettsii na Grande São Paulo. Esse carrapato é nativo da Mata Atlântica, e seus hospedeiros primários são os carnívoros, passeriformes e roedores silvestres. O estágio adulto se alimenta nos carnívoros, enquanto os estágios imaturos se alimentam nos pássaros e roedores silvestres. O estágio responsável por parasitar humanos é o adulto. Na maioria dos locais, onde o carrapato A. aureolatum é o reservatório de R. rickettsii, a espécie A. cajennense é escassa ou mesmo ausente, enquanto R. sanguineus é algumas vezes abundante (MORAES-FILHO et al., 2009; PINTER et al., 2004). 2.3 HOSPEDEIROS MAMÍFEROS Mamíferos são considerados os hospedeiros preferenciais para diversas espécies de ectoparasitos (WOOLLEY, 1988). No Brasil, dentre os animais com estreita relação com as riquétsias podemos citar animais domésticos, como o cão e os equinos, e animais silvestres, como a capivara e o gambá. Nos hospedeiros vertebrados, a infecção pode resultar em riquetsemia, que permite que carrapatos não infectados se tornem infectados no momento do repasto. Isso faz com que o ciclo natural das riquétsias seja mantido. O efeito amplificador que alguns vertebrados desempenham é fundamental para a manutenção da bactéria na natureza, pois como citado anteriormente, algumas espécies de Rickettsia são patogênicas para o carrapato vetor, o que implicaria consequente redução no número de carrapatos capazes de transmitir a bactéria a cada geração. Assim, o hospedeiro amplificador, ao manter a bactéria em níveis altos em sua corrente sanguínea, permite que novos carrapatos se infectem, amplificando a transmissão na população de carrapatos (BURGDORFER, 1988). Labruna (2006) elaborou uma lista com cinco requisitos para que um vertebrado seja considerado um bom amplificador de R. rickettsii na natureza: (1) ser abundante nas áreas endêmicas; (2) ser um bom hospedeiro primário para o carrapato vetor; (3) ser susceptível à infecção pela Rickettsia; (4) ser altamente prolífero, garantindo a introdução de animais 24 susceptíveis na população de vertebrados e (5) apresentar bacteremia suficiente para infectar carrapatos. Os cães não são considerados essenciais à manutenção do ciclo (NORMENT & BURGDORFER, 1984). No entanto apresentam-se como importantes hospedeiros transportadores, colocando os carrapatos em contato com humanos (FENG et al., 1979). No leste dos EUA, os cães apresentam-se como importantes indicadores da RMSF pelo fato de Dermacentor variabilis apresentar-se como o mais importante vetor nesta região. Desta maneira, atuaria como sentinela, alertando as autoridades de saúde pública para focos desta enfermidade (FENG et al., 1979). A este fato também se pode incorporar os equinos (CARDOSO et al., 2006). No Brasil, no mínimo duas espécies são incriminadas como hospedeiros amplificadores para a A. cajennense: capivaras e gambás. Travassos e Vallejo (1942a), comprovaram através de inoculações experimentais com R. rickettsii que capivaras tornavam-se infectadas. Além disso, verificaram que as capivaras não demonstraram sinais clínicos da doença. No mesmo ano (1942b), eles também comprovaram que carrapatos que se alimentavam nestas capivaras adquiriam a infecção, sugerindo um importante papel das capivaras na manutenção do ciclo da FMB. No entanto, como os ectoparasitas usados na pesquisa foram coletados sobre animais silvestres, havia a possibilidade desses vetores já estarem previamente contaminados por riquétsias. Dessa forma, outro estudo, realizado em 2009 por Souza et al., mostrou que, após serem infectadas experimentalmente com R. rickettsii, capivaras infectaram de 20 a 25% das ninfas de A. cajennense que delas se alimentaram durante o período de riquetsemia (aproximadamente 2 semanas). Se pode concluir então que as capivaras preenchem os cinco requisitos elaborados por Labruna (2006), pois são abundantes em várias áreas onde a FMB é endêmica, como em muitos municípios do estado de São Paulo; são consideradas boas hospedeiras primárias para o carrapato vetor; são susceptíveis à infecção; são altamente prolíferas (com média de seis filhotes por fêmea no período de um ano) e apresentam bacteremia suficiente para infectar carrapatos. A capivara é extremamente adaptada a fragmentos de ação antrópica e possuem forte afinidade com a água. Por isso, sua distribuição está sempre associada à presença de coleções ou cursos d’água. Na década de 1950 essa espécie correu sérios riscos de extinção, devido especialmente, à caça predatória. Entretanto, com a implementação no Brasil de leis rigorosas proibindo a caça de espécies silvestres nativas e do reflorestamento de áreas próximas a cursos d’água, o número de capivaras começou a aumentar e hoje já é motivo de preocupação, uma vez que, em função da falta de predadores naturais, uma 25 superpopulação está se estabelecendo em algumas áreas. Nesse contexto, devemos considerar relevante que o aumento de casos de FMB no estado de São Paulo coincide com o aumento da população de capivaras, embora não se possa afirmar com certeza que esse fato seja resultado das modificações ambientais ou simplesmente da melhoria no diagnóstico. Animais do gênero Didelphis, conhecidos popularmente como gambá, saruê, mucura, seriguê e outros também participam do ciclo da FMB. Esses animais são encontrados em todo o continente americano em uma grande variedade de habitats (CERQUEIRA, 1982). São animais da Ordem Didelphimorphia, família Didelphidae (HERSHKOVITZ, 1992) e subfamília Didelphinae (NOWAK, 1991). Essa família compreende 19 gêneros e 92 espécies, das quais 16 gêneros e 55 espécies ocorrem no Brasil (GARDNER, 1993; VOSS et al., 2004; VOSS et al., 2005). São sinantrópicos e com o aumento das áreas desmatadas estão tendo que se adaptar a novos habitats, como cidades, onde buscam alimento e proteção, sendo comumente encontrados nos forros das casas. No Brasil são encontradas quatro espécies do gênero Didelphis: D. albiventris, D. aurita, D. marsupialis e D. imperfecta. Numa revisão feita por Linardi (2006), verificou-se que os gambás são os animais mais importantes para estudos na área de Acarologia, já que albergam várias espécies de ectoparasitos. Em Minas Gerais, no ano de 1935, Moreira e Magalhães realizaram o feito de isolar o agente da febre maculosa em um animal silvestre. Em um experimento, conseguiram reproduzir a doença em cobaia, após inoculação de sangue colhido de um gambá Didelphis marsupialis. Horta et al. (2009) avaliaram a infecção de gambás (Didelphis aurita) por R. rickettsii e o papel desses animais como hospedeiros amplificadores na transmissão horizontal para A. cajennense. Os gambás foram divididos em três grupos, sendo que no primeiro grupo (G1) foi inoculada R. rickettsii intraperitoneamente, enquanto que no segundo grupo (G2) carrapatos infectados pela bactéria se alimentaram nos gambás, ficando o terceiro (G3) como grupo de controle. Esses animais foram submetidos a técnicas de PCR em tempo real, estudos hematológicos e imunofluorescência indireta para confirmação da infecção. Amostras de sangue dos gambás foram coletadas e inoculadas por via intraperitoneal em cobaias. Em outra etapa do trabalho, os gambás dos três grupos foram infestados com carrapatos não infectados de A. cajennense. Esses carrapatos foram retirados dos gambás e transferidos para coelhos não infectados, que também foram testados. Apenas os coelhos infestados com carrapatos derivados do G1 apresentaram soroconversão. Esse estudo demonstrou que R. rickettsii foi capaz de infectar gambás sem 26 causar doença e desenvolveram riquetsemia capaz de causar infecção em cobaias e carrapatos, embora a taxa de infecção em carrapatos tenha sido baixa. 2.3.1 Pequenos roedores Os pequenos roedores constituem um grupo ecologicamente importante, tanto do ponto de vista da abundância e diversidade de espécies, quanto por serem encontrados como componentes fundamentais em quase todos os ecossistemas terrestres (REIS et al., 2008). A diversidade de mamíferos encontradas no Brasil é considerada a maior do mundo, sendo que a maioria dos mamíferos terrestres é de pequeno porte e de difícil visualização, ao contrário do que ocorre na África por exemplo (REIS, 2006). Os pequenos roedores formam o grupo ecológico mais diversificado de mamíferos (PARDINI et al., 2006). Esses animais são fiéis a determinadas características do habitat que vivem, podendo ser fortemente influenciados por alterações ambientais, como queimadas, fragmentação, substituição da vegetação nativa por monoculturas, entre outras perturbações (VIEIRA, 1999). As perturbações decorrentes da presença humana, de maneira geral, podem ser consideradas eventos que reduzem a competição entre as espécies e alteram a disponibilidade de recursos, afetando a diversidade de espécies (SOUSA, 1984). A fauna de pequenos roedores em áreas alteradas, como áreas de plantio, vem chamando a atenção, uma vez que esta pode estar se beneficiando das atividades antrópicas ao encontrar abrigo e oferta de alimento em abundância (BONVICINO et al., 2002). Locais de depósitos de grãos, como paióis e similares, fornecem tais condições, resultando no aumento do contato entre seres humanos e animais silvestres. A alteração dos ecossistemas aliada ao sinantropismo dos roedores cria situações reais e potenciais para a disseminação de patógenos destes mamíferos para seres humanos. Rehacek et al. (1992) demonstraram a susceptibilidade de várias espécies de roedores a diferentes espécies de Rickettsia do GFM. Nos Estados Unidos, várias espécies de roedores têm sido incriminadas como hospedeiros amplificadores de R. rickettsii, com ênfase para a espécie Microtus pennsylvanicus, onde se alimentam estágios imaturos de Dermacentor variabilis. Essa espécie também preenche os cinco requisitos propostos por Labruna (2006), pois são abundantes nas áreas endêmicas para a RMSF; são hospedeiros primários para os estágios imaturos de D. variabilis; são altamente susceptíveis à R. rickettsii; desenvolvem riquetsemia por 6 a 8 dias e são altamente prolíferos, com médias de 5 ninhadas por ano e 5 filhotes por ninhada. Este último requisito é fundamental para que 27 esta espécie seja considerada um bom hospedeiro amplificador, pois esse animal só desenvolve riquetsemia uma vez em seu ciclo de vida. Após esse período, desenvolve forte imunidade contra o agente riquetsial (LABRUNA, 2009). 2.3.1.1 Ectoparasitos de pequenos roedores Em virtude da importância dos carrapatos na sanidade animal e saúde humana, o conhecimento de sua distribuição, biologia e técnicas de controle são essenciais. No Brasil, essas informações se concentram sobre as espécies parasitas de animais domésticos enquanto o conhecimento sobre aquelas de animais selvagens ainda é escasso e fragmentado. As informações sobre carrapatos em roedores selvagens são particularmente deficitárias. Dados que seriam de grande relevância se considerarmos a importância de pequenos mamíferos em geral na alimentação, particularmente de larvas de carrapatos (AESCHLIMANN, 1991). Entre os diversos grupos de ectoparasitos que infestam mamíferos silvestres, os ácaros pertencentes à família Laelapidae são os mais comuns (Bittencourt & Rocha, 2003). Essa família é cosmopolita incluindo ácaros com diversidade de habitats e associações. Entre os gêneros atualmente conhecidos, vários estão associados com artrópodes; vivem livremente pelo solo ou são formas predadoras; ou são ectoparasitos de mamíferos. Dada à sua estreita associação com roedores comensais e silvestres, tais ácaros são de capital importância em Saúde Pública, com algumas espécies podendo atuar na manutenção de tifo murino, peste bubônica e tularemia e outras, na medida em que provocam dermatites. No Leste Europeu, a veiculação de certas riquetsioses (febre Q e febre maculosa do Mediterrâneo) tem sido também, atribuída a pelo menos 12 diferentes espécies de Laelapidae (BOTELHO et al., 2002). Mais de 50 espécies de ácaros lelapídeos associados com pequenos mamíferos já foram descritos no Brasil (LARESCHI et al., 2006). O parasitismo por artrópodes em pequenos roedores foi relatado por diversos autores em várias regiões geográficas do Brasil (BOTELHO et al., 1981; LINARDI et al., 1984; LINARDI et al.,1987; LINARDI et al., 1991a; LINARDI et al.,1991b; GUITTON et al., 1986; BOSSI et al., 2002; NIERI-BASTOS et al., 2004; REIS et al., 2008). Outros ectoparasitos que comumente infestam pequenos mamíferos silvestres estão incluídos na Classe Ixodida (Ixodidae e Argasidae) e na Classe Gamasida (Macronyssidae), na subclasse Acari e Siphonaptera (Ropalopsyllidae) e Phthiraptera (Amblycera, Ischnocera e Haplopleuridae) na Classe Insecta. 28 Os carrapatos da família Ixodidae parasitam uma grande diversidade de hospedeiros, incluindo quase todas as espécies de mamíferos sinantrópicos, silvestres e domésticos, inclusive o homem, aves, répteis e anfíbios (ARAGÃO, 1936). Além da espoliação direta e inoculação de toxinas, podem transmitir agentes patogênicos, comportando-se como vetores (REIS et al., 2008). Membros da Ordem Siphonaptera parasitam animais de sangue quente. A importância parasitológica dessa ordem pode ser vista sob dois enfoques: como agentes infestantes atuando como parasitos propriamente ditos e como vetores permitindo a multiplicação de agentes em seu tubo digestório, que garante a transmissão de agentes entre os hospedeiros parasitados (REIS et al., 2008). Botelho e Williams (1980) analisaram a acarofauna de pequenos roedores silvestres do Município de Caratinga, estado de Minas Gerais. Neste levantamento foram capturados roedores silvestres pertencentes a 10 espécies (Akodon arviculoides, Calomys callosus, Euryzygomatosus guiara, Nectomys squamipes, Oryzomis capito, Oryzomis utiaritensis, Oxymicterus hispidus, Proechimys sp., Thomasomys dorsalis e Zygodontomys lasiurus) e ácaros pertencentes a 11 espécies (Atricholaelaps guimaraesi, Eubrachylaelaps rotundus, Gigantolaelaps barreirai, Gigantolaelaps butantanensis, Gigantolaelaps goyanensis, Laelaps castroi, Laelaps manguinhosi, Laelaps mazzai, Laelaps paulistanensis, Mysolaelaps parvispinosus e Tur turki). E. rotundus foi o ácaro predominante, sendo capturado principalmente em roedores do gênero Akodon. Linardi et al. (1984) descreveram a fauna de ectoparasitos em roedores capturados na região urbana de Belo Horizonte. Duas espécies de roedores foram capturadas (Mus musculus brevirostris e Rattus norvegicus norvegicus). Estes se encontravam parasitados por três espécies de ácaros (Atricholaelaps (Ischnolaelaps) glasgowi, Echinolaelaps echidninus e Laelaps nuttalli), duas espécies de sifonápteros (Ctenocephalides felis felis e Xenopsylla cheopis) e uma de anopluro (Polyplax spinulosa). No município de Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, Linardi et al. (1987) capturaram 96 roedores (oito espécies – Akodon arviculoides, Calomys callosus, Cavia aperea, Nectomys squamipes, Oryzomys utiaritensis, Oxymycterus roberti, Rattus norvegicus norvegicus, R. rattus alexandrinus e Zygodontomys lasiurus) e analisaram a infestação por artrópodes. Em relação à Ordem Acari, as seguintes espécies foram encontradas: A. cajennense, A. guimaraesi, E. rotundus, E. vitzthumi, G. butantanensis, G. goyanensis, G. mattogrossensis, L. paulistanensis, M. parvispinosus e Tur aragaoi. Além de organismos da Ordem Acari foram também encontrados espécies da Ordem Anoplura, Mallophaga e Siphonaptera. 29 Ainda no Estado de Minas Gerais, em um estudo conduzido no município de Tiradentes por Lopes, Linardi e Botelho (1989), foram capturados 129 roedores de ambientes silvestres e rurais, distribuídas em seis diferentes espécies, as quais foram classificadas como Mus musculus brevirostris, Rattus rattus alexandrinus, Akodon arviculoides, Bolomys lasiurus, Oryzomys subflavus e O. utiaritensis. Foram retirados desses pequenos roedores 895 ectoparasitos. O percentual de roedores parasitados foi de 65,89%. Por ordem de ectoparasitos esta prevalência foi de 66,12% para Acari, 13,95% para Anoplura, 0,78% para Mallaphaga e 13,95% para Siphonaptera. Os organismos da Ordem Acari foram classificados nas seguintes espécies: Androlaelaps fahrenholzi, A. rotundus, Bdellonyssus sp., Cheyletidae Leach, Eulaelaps vitzthumi, Gigantolaelaps wolffsohni, G. vitzthumi, Laelaps manguinhosi, L. paulistanensis, Mysolaelaps microspinosus, M. parvispinosus e Notoedris sp. Barros-Battesti et al. (1998) investigaram a interrelação entre ectoparasitos e roedores silvestres no município de Tijucas do Sul, estado do Paraná. Oito espécies de roedores foram capturadas e indivíduos dessas foram encontrados parasitados por organismos da Ordem Acari, Anoplura, Coleoptera e Siphonaptera. Em relação à ordem Acari, os roedores estavam parasitados pelas seguintes espécies: Akodon sp. (Androlaelaps fahrenholzi e A. rotundus); Akodon montanensis (A. fahrenholzi, A. rotundus, Macronyssidae); Akodon serrensis (A. fahrenholzi, A. rotundus) Oryzomys flavescens (A. rotundus, Gigantolaelaps wolffsohni); Oryzomys nigripes (A. fahrenholzi, A. rotundus, G. wolffsohni, Laelaps paulistanensis, Mysolaelaps parvispinosus); Oxymycterus sp. (A. fahrenholzi, A. rotundus, Macronyssidae); Nectomys squamipes (Amblyomma cajennense) e Sciurus aestuans (A. fahrenholzi). Além de ácaros, foram capturados ectoparasitos das Ordens Anoplura (Haplopleura sciuricola, H. imparata), Coleoptera (Amblyopinus sp.) e Siphonaptera (Craneopsylla minerva, Polygenis occidentalis, P. pradoi, P. pygaerus, P. rimatus e P. tripus). Em estudo semelhante realizado no Parque Estadual da Cantareira, Nieri-Bastos et al. (2004) capturaram as seguintes espécies de roedores: Juliomys pictipes, Mus musculus, Nectomys squamipes, Oryzomys russatus, Oxymycterus hispidus, Rhipidomys mastacalis, Thaptomys nigrita, Akodon sp., Brucepattersonius sp., Delomys sp. e Oligoryzomys sp. Os ectoparasitos coletados destes roedores foram identificados como: Acari: Ixodidae – Ixodes loricatus; Acari :Laelapidae – Androlaelaps fahrenholzi, Eubrachylaelaps rotundus, Gigantolaelaps gilmorei, G. oudemansi, G. wolffsohni, Laelaps castroi, L. navasi, L. paulistanensis, L. thori, Mysolaelaps heteronychus e M. parvispinosus; Siphonaptera: Stephanocircidae – Craneopsylla minerva minerva; Siphonaptera:Rhapolopsyllidae – Polygenis atopus, P. pradoi e P. roberti roberti. 30 Em estudo recente, realizado no estado do Maranhão, Reis et al. (2008) também investigaram a presença de ectoparasitos em mamíferos silvestres, sendo que os seguintes espécimes da ordem Rodentia com seus respectivos ectoparasitas foram identificados: Akodon sp. (Androlaelaps sp. e Laelaps sp.), Oecomys sp. (Androlaelaps sp. e A. cajennense), Oligoryzomys sp. (Androlaelaps sp., Laelaps sp. e Amblyomma sp.) e Oryzomys megacephalus (A. cajennense). Venzal et al. (2001) descreveram o parasitismo por espécies diferentes de carrapatos em roedores Sigmodontinae no Uruguai. Esses autores observaram que das 13 espécies de roedores conhecidas no país, seis estavam parasitadas por carrapatos. Foram registradas larvas de Ornithodoros talaje, um carrapato argasídeo, em Reithrodon typicus, larvas e ninfas de A. triste em Scapteromys tunidus, Oligoryzomys flavescens e Oxymycterus nasutus. Observaram ainda a presença de larvas e ninfas de larvas e ninfas de Ixodes longiscutatum em O. flavescens, O. nasutus, S. tumidus e Necroys obscurus, larvas de I. loricatus em O. nasutus e de ninfas em O. flavescens e ninfas de Ixodes pararicinus em Oligoryzomys delticola. Esses autores destacaram a presença apenas de larvas e ninfas nestes roedores e sugerem que estes hospedeiros cumprem um importante papel na manutenção do ciclo de algumas espécies de carrapatos ao alimentarem as formas imaturas. Exemplar é o caso do A. triste e do Amblyomma longiscutatum, cujas larvas e ninfas só foram descritas em roedores. Em outro estudo, também realizado no Uruguai, Lareschi et al. (2006) fizeram o primeiro registro de ácaros (Gamasida: Laelapidae) parasitas de roedores silvestres neste país. Androlaelaps fahrenholzi foi encontrada parasitando cinco espécies de roedores: Akodon azarae, Scapteromys tumidus, Oligoryzomys delticola, Oligoryzomys sp. e Oxymycterus nasutus. Androlaelaps rotundus parasitava A. azarae, Bolomys obscurus, Deltamys kempi e O. rufus. Observaram também o parasitismo de Gigantolaelaps wolffsohni em roedores A. azarae, B. obscurus, Lundomys molitor, O. delticola, O. flavescens e Oligoryzomys sp. Laelaps manguinhosi foi encontrada parasitando B. obscurus, O. nasutus e S. tumidus. A espécie Laelaps paulistanenses foi encontrada em A. azarae, B. obscurus, O. flavescens, O. delticola e Oligoryzomis sp. Já a espécie Mysolaelaps microspinosus foi encontrada em O. flavescens e Oligoryzomys sp. 31 2.4 PATOGENIA E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A importância do agente da febre maculosa, a bactéria R. rickettsii, reside no fato de que, embora afete relativamente poucos indivíduos é, possivelmente, o agente mais letal para os humanos depois do vírus rábico (LABRUNA & MACHADO, 2006). Essa bactéria causa sérios danos aos vasos sanguíneos e possui grande habilidade em reproduzir-se dentro de células endoteliais. Após a inoculação da riquétsia através da picada do carrapato, o primeiro passo na patogênese da doença é o ataque às células alvo, levando a uma vasculite dos pequenos vasos por infecção direta das células (LI & WALKER, 1992). A replicação bacteriana induz a ativação plaquetária e do sistema de coagulação, podendo ocorrer uma trombose. Como conseqüência das lesões do endotélio ocorre um aumento da permeabilidade capilar, que geralmente é acompanhada por distrúrbios hemostáticos tais como edema periférico, hipotensão e hipovolemia. Em formas mais severas da doença, podem ser observados falência renal e edema pulmonar (WALKER et al., 1987; DAVIDSON et al., 1990). A riquétsia penetra nas células via endocitose induzida, escapando do endossomo no citoplasma das mesmas por um mecanismo que possivelmente envolve a ação de uma fosfolipase A2. No interior da célula, a bactéria se prolifera por divisão binária (VALBUENA et al., 2002). A partir da pele, as riquétsias espalham-se através da corrente sanguínea e linfática para todas as partes do corpo (WALKER, 1989). Nos tecidos e órgãos, após a proliferação, as riquétsias são liberadas e espalham-se de célula a célula devido a sua capacidade de movimentação que envolve a polimerização da actina, infectando células endoteliais adjacentes ou invadindo mais profundamente a parede dos vasos sanguíneos por infectar células musculares lisas (VALBUENA et al., 2002). As manifestações clínicas das doenças riquetsiais correspondem aos danos das principais células-alvo, ou seja, as células endoteliais, particularmente nos pulmões e cérebro (VALBUENA et al., 2002). A doença apresenta um período de incubação que pode variar de 2 a 14 dias e geralmente inicia-se bruscamente com febre contínua, mialgia, astralgia, prostração, mal estar e cefaléia (MELLES et al., 1992). Em casos graves, ocorre edema pulmonar não cardiogênico e síndrome do stress respiratório do adulto, pneumonia intersticial, insuficiência renal aguda, manchas hemorrágicas, edema periférico e hipotensão hipovolêmica. O sistema nervoso central é afetado, podendo levar o paciente a um quadro torporoso, de confusão mental e alterações psicomotoras, chegando ao coma profundo, se não tratado em tempo hábil (RAOULT & ROUX, 1997; VALBUENA et al., 2002). De forma geral, entre o segundo e o sexto dia da doença, surge o exantema maculopapular, predominante nos membros no caso da FMB, acometendo inclusive as 32 palmas das mãos e as plantas dos pés, em 50 a 80% dos pacientes. Geralmente evolui da forma petequial para a forma hemorrágica, constituída por equimoses, as quais, no paciente não tratado, podem evoluir para necrose. Icterícia, manifestações hemorrágicas, insuficiência renal, insuficiência respiratória e manifestações neurológicas também podem ser consideradas complicações observadas com frequência em vários casos (ANGERAMI et al., 2006). Como seqüelas em pacientes gravemente doentes podem ser observadas amputações, surdez, visão debilitada, déficit intelectual, paraplegia, distúrbio comportamental e outras complicações neurológicos (VALBUENA et al., 2002). A letalidade varia de 5 a 80% dos casos e é determinada, em parte, pela idade do paciente, virulência da cepa e tratamento administrado (PRICE, 1954). A antibioticoterapia é muito eficaz no tratamento das doenças riquetsiais, podendo reduzir de forma drástica a ocorrência de casos fatais. Na falta ou atraso de terapia adequada, o óbito pode ocorrer entre 5 a 8 dias após o início dos sintomas (THORNER et al., 1998). 2.5 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL HUMANO O diagnóstico precoce de uma infecção riquetsial é sempre difícil e muitas vezes realizado de forma empírica, baseando-se principalmente nos sinais clínicos da doença. Exames físicos e dados referentes à prevalência endêmica e epidêmica ou enzoótica e epizoótica da doença em determinada região podem levar ao início do tratamento, mesmo antes que o diagnóstico seja confirmado laboratorialmente. Essa iniciação precoce da terapia é necessária em muitos casos, especialmente devido à demora no fornecimento dos resultados dos exames. Dessa forma, como no caso da FMB, esse início do tratamento tem como objetivo reduzir a mortalidade, uma vez que a administração precoce de antibióticos possui efeitos surpreendentes. No entanto, o diagnóstico laboratorial é muito importante, visto que este pode prover informações importantes que podem diagnosticar a fase aguda de infecções com R. rickettsii e outros agentes de doenças riquetsiais, além de permitir o diagnóstico diferencial, já que muitas vezes os sintomas são inespecíficos, havendo necessidade de confirmação laboratorial para o estabelecimento da medicação correta. O diagnóstico diferencial das riquetsioses deve ser considerado em uma extensa lista de doenças, como erliquioses, meningococcemia, trombocitopenia, púrpura trombótica, infecção por enterovírus, febre tifóide, leptospirose, dengue, mononucleose, sepsis, etc (DANTAS-TORRES, 2007). 33 O método de Weil-Felix foi o primeiro a ser desenvolvido em 1921 e consistia na detecção de anticorpos aglutinantes no soro de pacientes, que reagem com diferentes cepas ou espécies de Proteus. Apesar de ser de fácil execução e de baixo custo, esse teste possui alta sensibilidade e baixa especificidade, sendo comum o acontecimento de reações cruzadas. A imunofluorescência indireta (RIFI) é o teste padrão-ouro recomendado pela OMS e utilizado pelo CDC (Center for Disease Control and Prevention) e laboratórios de referência em Saúde Pública no Brasil, como Fundação Ezequiel Dias/MG, Instituto Osvaldo Cruz/RJ e Instituto Adolf Lutz/SP para o diagnóstico de riquetsioses (NASCIMENTO & SCHUMAKER, 2004). Essa técnica utiliza antígenos espécie-específicos de Rickettsia e a detecção de IgM é forte evidência de uma riquetsiose ativa (GALVÃO, 2005). A RIFI possui sensibilidade superior a 94% em amostras de soros convalescentes (MELLES et al., 1999; CHEN & SEXTON, 2008); no entanto, também ocorrem reações cruzadas entre diversas espécies de Rickettsia, não sendo possível desta forma, a distinção entre membros de riquétsias do Grupo da febre maculosa. A RIFI pode não apresentar viragem sorológica durante o início da fase aguda e por isso a terapia não deve depender da confirmação laboratorial. O teste Elisa, com emprego de anticorpos policlonais ou monoclonais tem se mostrado tão sensível e específico quanto à RIFI no diagnóstico de RMSF, sendo inclusive mais sensível que a RIFI na detecção de baixos títulos de anticorpos, verificados após vacinação e no período tardio de convalescença (SCOLA & RAOULT, 1997). Possui como ponto negativo o longo tempo consumido para a purificação dos antígenos, além do fato de que os anticorpos espécie-específicos empregados estão disponíveis para um número limitado de espécies de riquétsias (REGNERY et al., 1991). O Western Blotting é um método indireto que se baseia no padrão eletroforético e na identificação imunológica de epítopos específicos. Em estudos soroepidemiológicos tem demonstrado grande eficácia, tendo grande utilidade na confirmação de resultados obtidos por outros testes por possibilitar a real prevalência das riquétsias, eliminando os falsospositivos. É um método mais sensível e específico que os demais métodos sorológicos disponíveis, sendo capaz de detectar anticorpos em fases mais recentes da doença. Como inconveniente, possui o fato de ser demorado e trabalhoso, pois exige uma purificação rigorosa da amostra sem que ocorram alterações nos epítopos específicos (SCOLA & RAOULT, 1997). Existem ainda vários outros métodos sorológicos para o diagnóstico das riquetsioses, como aglutinação em látex, imunoensaio enzimático, hemaglutinação indireta, microaglutinação, fixação de complemento, dentre outros. Mas a RIFI é, ainda hoje, o 34 método mais usado (WALKER, 1989; JEFFREY & SILBER, 1996; KOSTMAN, 1996; CHEN & SEXTON, 2008). Testes como Imunofluorescência Direta ou imunoperoxidase podem ser rapidamente executados através de biópsia da pele ou tecidos fixados em formaldeído, fornecendo informações úteis que podem diagnosticar estágios agudos de infecções com R. rickettsii e outros agentes de doenças riquetsiais. A sensibilidade da Imunofluorescência Direta para detectar R. rickettsii em biópsia da pele é de aproximadamente 70%, com especificidade de 100%. Entretanto, esse método não está facilmente disponível; e, muitas vezes, existe atraso na obtenção dos resultados. Além disso, pela falta de sensibilidade, um resultado negativo não pode excluir o diagnóstico de febre maculosa, enquanto um resultado positivo é evidência suficiente para paralisar a terapia de outros agentes infecciosos (DANTASTORRES, 2007). Várias metodologias que visam ao isolamento do agente permitindo a sua identificação também podem ser utilizadas no diagnóstico das riquetsioses. Essas amostras incluem sangue com anticoagulante, plasma, biópsias e autópsias. O cultivo de Rickettsias iniciou-se em ovos embrionados. As células de cultura in vitro mais utilizadas em Rickettsiologia são as de embrião de galinha e células VERO (BACELLAR & SOUSA, 2004). O método “shell vial”, utilizado a partir da década de 90 para o isolamento in vitro permitiu o estabelecimento de novas culturas de estirpes de riquétsias, como R. japonica, R. honei, R. africae, R. monacensis, R. massiliae, dentre outras. Assim, o isolamento de riquétsias em cultura ainda é uma das melhores formas de se obter um diagnóstico definitivo sobre a espécie de Rickettsia, embora tenha como fator negativo o fato de que não é um método rápido (BACELLAR & SOUSA, 2004). De acordo com nota técnica do Ministério da Saúde divulgada em agosto de 2009, considera-se como caso confirmado para FMB paciente com caso suspeito de febre maculosa com pelo menos um dos seguintes resultados laboratoriais: Isolamento em cultura do agente etiológico, Imunohistoquímica reagente para antígenos específicos de Rickettsia sp. ou RIFI quando houver soroconversão dos títulos. Esta é entendida como a primeira amostra de soro (fase aguda) não reagente e segunda amostra (14 a 21 dias após) com título igual ou superior a 128 ou aumento de no mínimo quatro vezes os títulos obtidos em duas amostras coletadas com intervalo de 14 a 21 dias. O diagnóstico molecular através da Reação em Cadeia pela Polimerase é uma técnica que consegue amplificar pequenas quantidades de DNA microbiano em sangue e tecidos e representa um caminho adicional para a detecção rápida de uma infecção riquetsial. O uso dessa técnica para o diagnóstico de riquetsioses ainda é limitado, devido à 35 falta de sensibilidade na detecção de DNA de R. rickettsii em amostras de sangue. O número de riquétsia circulante no sangue é tipicamente baixo. Em contrapartida, essa técnica é mais apurada na detecção de R. rickettsii em amostras de tecidos de biópsias da pele ou necrópsias. Na fase aguda da doença, a confirmação laboratorial é reforçada quando a PCR está associada com técnicas imunohistoquímicas (DANTAS-TORRES, 2007). Espera-se assim que a automatização dos métodos de biologia molecular e a evolução da conservação das amostras a processar, tornem possível um diagnóstico cada vez mais rápido, sensível, específico e reprodutível em qualquer laboratório, sem a necessidade de medidas de segurança para o manipulador e para o ambiente que hoje existem (BACELLAR & SOUSA, 2004). 2.6 EPIDEMIOLOGIA No Brasil a R. rickettsii foi descrita pela primeira vez como agente da FMB em 1929 no Estado de São Paulo (PIZA, 1932). Na mesma época, foi demonstrada a similaridade desta doença com a Rocky Mountain spotted fever, que ocorre nos Estados Unidos e que é causada pela mesma bactéria. Em 1939, a FMB também foi descrita no estado de Minas Gerais por Dias e Martins. Após esta data até 1980, estabeleceu-se um período de “silêncio epidemiológico”, onde não houve a descrição na literatura médica de novos casos da FMB. Segundo Galvão (1988), uma das hipóteses levantadas para explicar esse “silêncio” poderia ser o advento dos antibióticos. O uso indiscriminado do cloranfenicol e das tetraciclinas poderia ter mascarado sintomas e sinais clínicos importantes como as lesões máculopapulares na pele. Segundo ele, nesse caso a FMB não teria deixado de ocorrer, como reportado por médicos do interior de Minas Gerais Já no início década de 1980 foram diagnosticados novos casos de FMB nos estados de São Paulo, Minas Gerais (GALVÃO et al., 1983) e Rio de Janeiro (GONÇALVES et al., 1981). Essa reemergência de casos levou à elaboração de algumas hipóteses explicativas, dentre elas a invasão de focos naturais e a disseminação de doença a partir da ação antrópica nesses focos levando à formação de focos modificados (GALVÃO, 1988). De 1985 a 2007, 274 casos de FMB foram confirmados no Estado de São Paulo, com 98 óbitos. Em Minas Gerais, de 1995 a 2003 foram confirmados 106 casos, com uma taxa de letalidade de 18%. No Estado do Rio de Janeiro, desde 1997, 36 casos foram confirmados. Além desses Estados citados, que são os responsáveis pela maioria na notificação de casos de FMB, já existem relatos da doença em mais cinco estados: Espírito Santo, Bahia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Os casos de 36 Santa Catarina, embora rotulados como de FMB, podem de fato ser de outras riquetsioses, devido à sintomatologia apresentada. Segundo dados do Ministério da saúde, entre 1995 e 2006 foram notificados 519 casos em todo o Brasil, com prevalência da doença de 73% em pessoas do sexo masculino. Em 1996, no Estado de São Paulo, nas regiões de Campinas e São João da Boa Vista foi elaborado um programa de Vigilância para a FMB, com o objetivo de controlar sua transmissão. Neste mesmo ano, ela foi considerada doença de notificação compulsória nestas regiões. No Brasil, a FMB foi declarada como sendo de notificação compulsória através da Portaria n⁰ 1.934 de 18 de outubro de 2001. No entanto, somente passou a integrar o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-NET) a partir de 2007. As riquetsioses estão incluídas no Código Internacional de Doenças (C. I. D.). No código A77 temos a FMB devida a Rickettsia rickettsii (FONSECA & MARTINS, 2007). 2.7 TRATAMENTO Devido ao fato de casos fatais de FMB muitas vezes estarem associados à demora no diagnóstico laboratorial, este nunca deve ser fator para o atraso da antibioticoterapia. Se o paciente é tratado entre os primeiros 4-5 dias da doença, a febre geralmente regride dentro de 24 a 72 horas depois do uso apropriado de antibióticos. Em pacientes com sinais e sintomas clínicos de riquetsioses a principal droga prescrita é a doxiciclina, que possui ampla margem de segurança e esquema de dosagem conveniente (HOLMAN et al, 2001). O esquema terapêutico de tratamento com doxiciclina são 100 mg, duas vezes ao dia (12 em 12 horas) para adultos e 4 mg/Kg de peso corporal duas vezes ao dia para crianças que pesem menos de 45 quilos (SVS). Essa dose recomendada deve ser administrada por via oral e o tratamento deve ser mantido por 5 a 7 dias (DANTAS-TORRES, 2007). Doxiciclina não deve ser administrada em pacientes com histórico de hipersensibilidade à tetraciclinas. Também é geralmente contraindicada para pacientes grávidas. O uso de doxiciclina é indicado para o tratamento em crianças, devido ao menor risco de provocar pigmentação nos dentes, quando comparada às outras tetraciclinas (CHEN & SEXTON, 2008). Em casos mais severos, que requerem internação e antibioticoterapia por via endovenosa, o cloranfenicol é a droga de escolha. A dosagem indicada é de 500 mg, que deve ser administrada de 6 em 6 horas, por via oral, mantendo-se por três dias até o término da febre. Em casos graves, recomenda-se 1,0 g por via endovenosa, a cada 6 horas, até a 37 recuperação da consciência e melhora do quadro clínico geral, mantendo-se o medicamento por mais de 7 dias, por via oral, na dose de 500 mg de 6 em 6 horas. Cloranfenicol continua a ser indicado como terapia em mulheres grávidas com FMB. Em crianças, a dose deve ser de 50 a 100mg/Kg/dia, de 6 em 6 horas, até a recuperação da consciência e melhora do quadro clínico geral, nunca ultrapassando 2,0 g por dia, por via oral ou venosa, dependendo das condições do paciente. Várias classes de antibióticos de amplo espectro, como penicilinas, cefalosporinas e aminoglicosideos não são efetivas como terapia para doenças riquetsiais (PAROLA et al, 2005). 2.8 PROFILAXIA Até o momento não existem vacinas para o combate das riquetsioses, entre elas a FMB. O desenvolvimento de vacinas contra doenças riquetsiais é de baixa prioridade, já que a terapia com antibióticos é efetiva e segura. A diminuição da ameaça representada por estas doenças também contribuiu de forma relevante para isso (DANTAS-TORRES, 2007). Assim, é essencial enfatizar que evitar locais infestados por carrapatos ainda é a melhor maneira para se prevenir da FMB. Nos casos onde isto não for possível, proteções individuais devem ser sempre adotadas, como o uso de roupas claras, tornando possível uma melhor visualização dos carrapatos; uso de botas ou da calça por dentro das meias, para que os carrapatos não consigam subir pelas pernas; remoção e descontaminação das roupas imediatamente após o contato com áreas de risco (WALKER, 1995). Se ainda assim o carrapato entrar em contato com a pele, sua remoção deve ocorrer o mais precocemente possível, pois este necessita de um mínimo de quatro horas para transmitir a FMB e isso se torna crucial para diminuir o risco de uma possível infecção. Essa remoção pode ser feita com o auxílio de pinças para que o aparelho bucal também seja retirado de forma apropriada. Outra forma para se evitar a doença é o uso da quimioprofilaxia, que consiste no uso de repelentes de carrapatos como Permethrin, DEET ou Butopyronoxyl sobre a roupa exposta. A administração de antibióticos não é recomendada para prevenir a FMB. Ao intervir na população parasitária, será necessária a aplicação de produtos químicos com propriedades carrapaticidas sobre os animais, sendo este o método mais tradicional para combater os carrapatos. No caso de A. cajennense, este método é 38 recomendado somente quando há participação de equinos como hospedeiros primários para o carrapato (FONSECA & MARTINS, 2007). Pacientes que tiveram contato com carrapatos devem informar isso a seus médicos se perceberem algum sintoma, mesmo que inespecífico, como febre ou dor de cabeça, até 14 dias após o contato com o vetor. 39 3. OBJETIVOS 40 3.1 OBJETIVO GERAL Investigar a circulação de espécies do gênero Rickettsia em pequenos roedores e seus ectoparasitos provenientes de três municípios de Minas Gerais com diferentes perfis de endemicidade para riquetsioses. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Identificar as espécies de pequenos roedores de ocorrência nas áreas de estudo. • Identificar artrópodes ectoparasitos de ocorrência nos pequenos roedores coletados, através de estudos morfológicos. • Investigar a presença de anticorpos anti-R. rickettsii, R. felis, R. parkeri, R. bellii, R. amblyommii, R. rhipicephali em soros obtidos a partir de pequenos roedores através da Reação de Imunofluorescência Indireta. • Avaliar a presença de fragmentos do gene citrato sintase (gltA) de riquétsias em tecidos, bem como nos ectoparasitos de pequenos roedores, utilizando-se a Reação em Cadeia da Polimerase. 41 4. MATERIAIS E MÉTODOS 42 4.1 LOCAIS DO LEVANTAMENTO A escassa literatura pertinente a FMB refere-se a regiões endêmicas, onde ocorrem casos fatais. Porém, para o conhecimento do complexo ciclo epidemiológico da doença no Brasil, fazem-se necessários maiores estudos em áreas não endêmicas e de baixa endemicidade com potencial biótico para o estabelecimento do vetor e da doença. Estes conhecimentos gerados teriam grande importância para o subsídio do diagnóstico precoce, considerando que a magnitude dos casos deva ser maior que a encontrada a partir de registros de casos clínicos (GALVÃO, 1988; WALKER, 2002). 4.1.1 Ouro Branco O município de Ouro Branco (Figura 1), Estado de Minas Gerais, está localizado a 96 Km de Belo Horizonte e a 20 Km de Ouro Preto. Situa-se no sul do Quadrilátero Ferrífero e da Serra do Espinhaço, entre as coordenadas (20° 31 ′ 15″ S, 43° 41 ′ 31″ W). O município apresenta uma área de 260,766 Km2 e uma altitude média de 1100 metros. A população total é de 35.475 habitantes de acordo com dados do IBGE/2009. Ouro Branco possui um clima tropical de altitude com temperatura média anual de 20,7 ˚C e precipitação média anual de 1.182,2 mm. As chuvas se distribuem principalmente entre os meses de novembro a fevereiro, com uma estação seca no inverno (fonte: Estação Meteorológica da Gerdau Açominas). A principal atividade econômica é a industrial, com grande ênfase à indústria metalúrgica. Em 1984 foi confirmado através de necropsia e clínica compatíveis com a doença um caso fatal de FMB pela Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais no município de Ouro Branco (GALVÃO et al., 1989). Figura 1: Localização geográfica de Ouro Branco no Estado de Minas Gerais e vista parcial do município. 43 As amostras foram coletadas na Serra do Ouro Branco, que possui área aproximada de 1.614 hectares. É uma elevação abrupta, como pode ser visto na figura 2, formada por um paredão com cerca de 20 Km de extensão a sudeste, que delimita um planalto, cuja altitude varia de 1.250 e 1.568 m, tendo ainda encostas íngremes a nordeste. Os solos, em sua grande maioria, são arenosos, oriundos de rochas quartzíticas e uma pequena porção, a nordeste, é constituída de solos argilosos, provenientes da formação mineral tipo itabirito. É considerada o marco inicial sul da Cadeia do Espinhaço, que compreende um grupo de serras com altitudes variáveis, ao longo de 1100 Km de extensão, até a Bahia. Essa cadeia abriga um dos mais ricos ecossistemas do mundo, os Campos rupestres. A vegetação de Campos rupestres é caracterizada por um mosaico de formações vegetacionais que se desenvolvem em solo arenoso e pedregoso de origem quartzítica. Esse mosaico é constituído de cinco formações: grupos Graminóides, Afloramentos rochosos, Mata de galerias e capões, Campos brejosos e Campo de Velózias (Canela-de-ema). Essa diversidade de ambientes condiciona uma flora rica, diversificada e endêmica A serra do Ouro Branco é uma importante área de recarga das bacias do Rio Paraopeba e Rio Doce. Apresenta uma grande quantidade de nascentes e cursos d’água, que, em sua maioria, formam o Lago Soledade. Além disso, fornece toda a água que é consumida pela cidade de Ouro Branco. Figura 2: Vista da Serra do Ouro Branco, local onde foram feitas as coletas das amostras. 44 4.1.1.1 Locais e frequência de coletas de amostras A amostragem dos roedores utilizando armadilha de queda foi realizada em um período mensal de cinco dias consecutivos de abril de 2008 a abril de 2009, totalizando 13 meses de coletas. As armadilhas foram vistoriadas sempre pela manhã, entre 9h e 11h. Todos os procedimentos de coletas foram realizados em parceria com o Laboratório de Zoologia dos Vertebrados (LZV) da UFOP, que já possuía experiência em coletas na área estudada e realizou projetos à parte. As armadilhas de queda estavam instaladas na propriedade do Sr. Mariano da Silva, em dois fragmentos de mata denominados linha 1 e linha 2 e também um fragmento de borda transitório entre mata e campo denominado linha 3 (Figura 3). Figura 3: Imagem de satélite digitalizada das linhas de armadilha da Serra do Ouro Branco, MG. Fonte: Google Earth. 45 Linha 1 (L1) Sítio Mariano: elevação: 1.223m; 23K 7744029,082/ 655612,663 UTM Essa linha encontra-se em fragmento de floresta estacional semidecidual secundária, com sub-bosque denso ocupado por muitas espécies pioneiras como embaúbas (Cecropia sp.). Além disso, são verificadas algumas espécies da família Melastomatacea. No local, é observada uma alta penetração de luminosidade. As árvores mais altas podem alcançar aproximadamente 17 metros, e a maioria dos indivíduos apresentam valores baixos de cap (circunferência à altura do peito; menor que 15 cm). Figura 4: Linha de armadilha 1 Linha 2 (L2) Sítio Mariano: 23 K 7732627,75/ 643405,341 UTM. Essa linha encontra-se na área aparentemente melhor preservada, com vegetação de mata em mais avançado estado de regeneração apresentando árvores de grande porte e dossel alto, que alcançam cerca de 22 metros de altura. Essa área apresenta em sua proximidade um riacho de corredeira, a partir do qual é desviada água para o abastecimento do sítio. Cria-se dessa forma uma canaleta d’água que segue paralelamente acima da linha de armadilhas. No entanto, é a área mais próxima das benfeitorias do sítio do Sr. Mariano, incluindo culturas diversas de frutas e hortaliças. Aproximadamente a 500 m do local das armadilhas estão localizados a casa, uma lagoa artificial e o recinto do chiqueiro e dos animais domésticos. 46 Figura. 5: Linha de armadilha 2 Linha 3 (L3) - Fragmento de Borda: elevação: 1215m; 23K 7732651,391/643061,631 UTM. Esta linha está localizada em um fragmento de borda, transitório entre Mata Atlântica e campo rupestre. Área de mata secundária, apresenta um sub-bosque denso e indivíduos com baixos valores de cap. Por ser a linha de armadilha localizada ao lado do campo, tornou-se a área de maior acesso onde pessoas e animais transitam facilmente. Figura 6: Linha de armadilha 3 47 4.1.2 Santa Cruz do Escalvado Santa Cruz do Escalvado (Figura 7) está localizado na Zona da Mata e pertence à Bacia Hidrográfica do Vale do Piranga, nascente do Rio Doce, Estado de Minas Gerais. O município apresenta uma área de 258,34 Km2, 87 localidades e população estimada em 5.193 habitantes, sendo que destes aproximadamente 80% vivem na zona rural e se dedicam à atividades agropecuárias, com destaque para o cultivo da cana-deaçúcar. A sede do município se localiza à 20⁰13’36” de longitude sul e 42⁰49’24” de longitude oeste, com altitude de 412 metros (IBGE, 2009). Assim como em grande parte da Zona da Mata mineira, Santa Cruz do Escalvado possui uma vegetação acometida por uma devastação generalizada. Apenas alguns cumes de algumas elevações possuem pequenas manchas de matas residuais secundárias. O município é banhado pelas águas do Rio Doce desde a localidade chamada Taboão até a divisa com o Município de Rio Casca e da localidade de São Sebastião de Soberbo até a divisa com município de Ponte Nova, sendo o restante banhado por pequenos córregos. Figura 7: Município de Santa Cruz do Escalvado (a: localização geográfica, onde A indica o município; b: praça central da cidade; fonte: Wikipédia) De junho de 2001 a março de 2004 foi construída no município, com investimentos da Companhia Vale do rio Doce e Alcan Alumínio do Brasil, a Usina Hidrelétrica de Candonga (Risoleta Neves – Figura 8a). São Sebastião do Soberbo, o povoado mais atingido pela construção da barragem, constituía-se como um típico povoado ribeirinho, composto por famílias, em sua maior parte, de baixa renda e baixa escolaridade (PINTO, 2005). A dinâmica econômica de São Sebastião do Soberbo, essencialmente rural, pautava48 se na agricultura de base familiar, na pesca ao longo do rio e no garimpo. Na época da seca, exploravam o rio, por meio da faiscação do ouro, uma importante fonte complementar de renda. Nos períodos chuvosos, grande parte das famílias trabalhava como meeira ou explorava sua própria terra. Com o alagamento, a maioria dos atingidos foi deslocada para o reassentamento de Novo Soberbo (Figura 8b). Com um formato mais urbano que propriamente rural, o reassentamento não permite o cultivo de terras e apresenta-se muito diferenciado do lugar de vivência anterior, o que colabora para a desestruturação dos processos de identificação individual e coletiva dos sujeitos com seu espaço de vivência e com a desestruturação das relações de produção e de reprodução social anteriormente existentes (PINTO, 2005). Figura 8: Vista parcial da UHE de Candonga e da Nova Soberbo, localidade construída para abrigar os moradores desapropriados pela construção da hidrelétrica. O município de Santa Cruz do Escalvado foi considerado área endêmica para FMB no final da década de 80, e mantém-se como foco silencioso há 23 anos. Por esse motivo foi escolhido para o presente estudo. Além disso levando-se em conta os resultados sorológicos encontrados em pequenos roedores (PENA et al., 2009), optou-se por selecionar outras áreas dentro do município, diferentes da pesquisada pela referida autora. Foram escolhidas áreas aleatórias próximas e distantes da sede com o objetivo de coletarmos diferentes espécies de roedores no intuito de estudar o comportamento da FMB e outras riquetsioses em área de baixa endemicidade. 49 4.1.3 Pingo D’Água Pingo D’Água (Figura 9) está localizado no Vale do Rio Doce e micro-região da Vertente Ocidental do Caparaó, no Estado de Minas Gerais. Situa-se a 250 Km de Belo Horizonte, e faz divisa com os municípios de Córrego Novo, Dionísio, Marliéria e Bom Jesus do Galho. O município integra a área do entorno do Parque Estadual do Rio Doce e é cercado de 40 lagoas naturais. Possui área de 66,820 Km2, com altitude de 250m. A população estimada é 4201 habitantes (IBGE,2009) sendo que 90% destes vivem na zona urbana, mas se dedicam à atividades agropecuárias, base econômica do município. Grande parte do município é ocupada por florestas de eucalipto das empresas Cenibra Florestal e Acesita. Além do cultivo de eucalipto, dentre as principais culturas do município podemos citar o plantio de arroz, milho, feijão e quiabo. Figura 9: Localização do município de Pingo D’Água no Estado de Minas Gerais e vista panorâmica do município. O clima predominante na região é o Tropical de altitude, com duas estações bem definidas, com um inverno seco e verão com temperatura elevadas e chuvoso. A cobertura vegetal no município em áreas nativas é característico do Bioma Mata Atlântica com árvores de grande porte e espécies variadas em pequenas reservas não totalmente preservadas (Milagres, 2010). Em 2003, foi notificado pela Diretoria de Ações Descentralizada de Saúde (DADS) de Coronel Fabriciano um caso de FMB, fato este que motivou a escolha do município para estudos. 50 4.2 CAPTURA DE PEQUENOS ROEDORES E AMOSTRAS BIOLÓGICAS 4.2.1 Serra do Ouro Branco Nas três áreas de amostragem foi instalada uma linha de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps with drift fence, CECHIN & MARTINS, 2000). Cada linha de armadilhas (Figura 10) é composta por dez baldes de 60 litros, enterrados alinhadamente a cada quatro metros. Ao longo dessas linhas os baldes são ligados por meio de cercas de direcionamento de aproximadamente 70 centímetros de altura, tendo toda a sua extensão enterrada ao solo. Essa cerca é constituída de lona plástica ou tela tipo mosquiteiro, sustentada a cada 2m por estacas de madeira grampeadas à mesma. Os baldes foram perfurados no fundo, para evitar o acúmulo excessivo de água. No interior de cada balde havia uma placa de isopor de 20x20 centímetros, colocada com o intuito de preservar os exemplares vivos, até o momento da vistoria. Assim, foi instalado um total de três linhas de armadilhas, utilizando-se 30 baldes. Os animais coletados nos baldes foram acondicionados em sacos plásticos transparentes ou de pano, contendo anotações de campo, tais como: data, número da linha de armadilha, número do balde, nome do coletor e algumas observações quanto ao animal. Figura 10: Balde de 60 litros ao nível do solo e cerca direcionada de tela do tipo mosqueteiro utilizada para a coleta dos roedores 51 A manipulação dos animais capturados foi realizada por pessoas paramentadas com luvas cirúrgicas, jalecos de manga longa e máscaras, para evitar o contato direto e a aspiração de partículas provenientes dos roedores. Os animais capturados foram anestesiados em um recipiente transparente contendo excesso de anestésico. Logo após, foram coletados os ectoparasitos e amostras de sangue para verificação da presença de bactérias do gênero Rickettsia por técnicas sorológicas e moleculares. Em seguida, os animais foram entregues aos alunos do Laboratório de Zoologia dos Vertebrados da UFOP, que realizaram o sacrifício dos animais e posteriormente a taxidermia dos mesmos. No momento da taxidermia foram separados tecidos (fígado e baço), armazenados posteriormente em álcool 100%. Técnicas de biologia molecular foram aplicadas para a detecção de Rickettsia sp. No momento em que os roedores se encontravam anestesiados, seus corpos foram examinados criteriosamente com auxílio de pinças. Utilizou-se uma pinça, passando-a contra o pelo dos animais de modo a permitir uma melhor visualização de possíveis ectoparasitos. Além dessa técnica, o método do penteado também foi utilizado, escovando por várias vezes o pelo dos roedores, até que os ectoparasitos se desprendessem dos mesmos e caíssem num recipiente. Após a localização dos ectoparasitos, estes foram coletados. Em seguida, foram colocados em microtubos e armazenados em temperatura de -20˚C. Os carrapatos e pulgas foram identificados no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular de Agentes Infecciosos e Parasitários (LBBMAIP) da UFV e, os ácaros, no Laboratório de Doenças Parasitárias (LDP) da Faculdade de Veterinária e Zootecnia da USP. Obteve-se o sangue para sorologia nos roedores por punção da artéria ocular, no forame intraorbitário com auxílio de Pipeta Pasteur com um pouco de anticoagulante na extremidade. Movimentos giratórios eram realizados com muito cuidado para que o animal não fosse ferido, até que por capilaridade o sangue subisse pela pipeta. Após esses procedimentos, o sangue era armazenado em um microtubo e centrifugado a 3.000 rpm por 10 minutos para a obtenção do soro, que era congelado a -20 ˚C. 52 4.2.2 Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água As coletas aconteceram em Santa Cruz do Escalvado entre agosto de 2006 e dezembro de 2007 e em Pingo D’Água entre julho de 2005 e maio de 2006, sendo obedecida uma freqüência trimestral. Esses procedimentos foram realizados em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) - Regional Caratinga e pelos alunos do Laboratório de Epidemiologia Molecula (LEM), sendo o material utilizado neste projeto subamostra de outros projetos desenvolvidos no Laboratório. O método de captura utilizado foi com armadilhas de arame do tipo Sherman, que foram montadas em locais próximos às habitações, incluindo garagens, galpões de estoque de alimentos, plantações de milho, bambuzais, bananais, depósitos de lixo e em regiões peridomiciliares. Figura 11: Distribuição das armadilhas tipo Sherman por um guarda da FUNASA e foto de uma área de captura no município de Santa Cruz do Escalvado. A manipulação dos roedores foi realizada com minuciosa cautela e de acordo com as exigências dos manuais de biossegurança, já que estes são responsáveis por transmitir uma série de doenças graves, como a hantavirose, por exemplo. Após as capturas os animais foram anestesiados, identificados por sexo e fotografados para posterior identificação. Logo a seguir, foi realizada a colheita do sangue, por via intracardíaca. Cada animal foi minuciosamente examinado para a coleta de ectoparasitos. Foi retirado também, fragmentos de tecidos (fígado e baço) para posterior verificação da presença de riquétsias através de PCR. 53 Figura 12: Retirada dos tecidos (fígado e baço) dos pequenos roedores capturados em Santa Cruz do Escalvado. As amostras de sangue foram coletadas através de punção cardíaca. Logo após foram centrifugadas a 3000 rpm por 10 minutos no próprio local da extração para obtenção do soro, os quais foram devidamente etiquetados e acondicionados até o Laboratório de Epimiologia Molecular da UFOP, onde foram armazenados a -20 ⁰C até a realização dos ensaios sorológicos. 4.3 IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA DOS ROEDORES A identificação, quando possível, realizou-se no Laboratório de Zoologia dos Vertebrados da UFOP com base em caracteres morfológicos, como coloração do pelo e medidas do corpo. Para alguns exemplares, a análise de caracteres não foi suficiente para a identificação, e análises morfométricas do crânio devem ser analisadas para futura identificação. 4.4 IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA DOS ECTOPARASITOS A identificação taxonômica dos carrapatos, pulgas e ácaros coletados nos animais foi realizada segundo chaves taxonômicas descritas por Aragão & Fonseca (1961), Linardi & Guimarães (2000) e Fonseca (1935/36, 1939), respectivamente. 54 4.5 SOROLOGIA A avaliação sorológica foi realizada em parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed) e com a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-SP). 4.5.1 Produção de Lâminas de Antígeno Para a confecção das lâminas contendo antígeno especifico de R. rickettsii, R. parkeri, R. amblyommii, R. felis, R. belli e R. rhipicephali, foi adotado procedimento conforme descrito a seguir. De forma resumida, as lâminas foram incubadas em acetona por 15 minutos dentro do fluxo laminar devido à toxidade. Após a secagem das mesmas, realizou-se a limpeza com etanol absoluto e distribuição delas sobre a superfície do fluxo. Em seguida colocou-se em cada poço da lâmina, com assistência de uma haste flexível a solução de poli-L-lisina (Sigma-Aldrich Co., EUA). Mantiveram-se as lâminas distribuídas sobre a superfície para uma nova secagem e aplicação do antígeno. Produziu-se o antígeno, a partir de infecção com a taxa de 90 a 100% feita em cultivo celular por Rickettsia. O grau de infecção foi verificado com o microscópio óptico, pela coloração de Gimenez (1964). Procedeu-se então a raspagem das células juntamente com o meio, com auxilio de um raspador plástico descartável. O conteúdo das garrafas foi colocado em tubo tipo Falcon de 50ml, sendo realizado centrifugação em centrífuga refrigerada com uma Fc de 1832,76N, por 5 minutos e 4°C. Descartou-se o sobrenadante e o precipitado ressuspendido em 16mL de PBS, contendo 10% de soro de bezerro bovino e 0,01% de azida sódica. Após uma nova centrifugação com as mesmas condições, o sobrenadante foi descartado em uma nova ressuspenção realizada com 16mL de PBS. Com ajuda de um micro-pipetador multicanal, colocou-se 10µl dessa suspensão em cada poço da lâmina, visando atingir aproximadamente 10.000 células por poço. As lâminas permaneceram dentro do fluxo até a secagem total. Depois, foram submersas em acetona por 10 minutos para fixação do material, secadas e armazenadas a -70ºC. 55 4.5.2 Avaliação sorológica Alíquotas de soro diluídas em tampão fosfato (PBS pH 7,4) foram depositadas sobre lâminas contendo antígeno específico de R. rickettsii, R. parkeri, R. felis, R. amblyommii, R. bellii e R. rhipicephali e incubadas a 37ºC por 30 minutos em câmara úmida. A cada lâmina foi adicionado o conjugado total Fluorine H (Biolab, Brasil) anti-ratos, marcados com isotiocianato de fluoresceína pela Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI). Os soros foram testado na diluição de 1:64, sendo este o ponto de corte utilizado (DUMLER & WALKER, 1994). Em seguida, as lâminas foram lavadas duas vezes em tampão de lavagem (PBS + Triton 100x a 0,1%) por 15 minutos e secas a temperatura ambiente. A diluição do conjugado foi de 1:200; em seguida foram adicionados 15µl em cada poço da lâmina. Uma nova incubação foi realizada nas mesmas condições anteriores (37°C por 30 minutos) sendo em seguida feita a lavagem com tampão de lavagem acrescido de Azul de Evans (0,1%). As lâminas foram secas em câmara escura. Antes de fazer a leitura e a interpretação das reações em microscópio de fluorescência epifluorescente, foram adicionadas de 2 a 3 gotas de glicerina tamponada sobre cada lâmina, cobrindo-a com lamínula. Foram considerados positivos os títulos iguais ou superiores a 1:64. A leitura foi realizada em microscópio epifluorescente. Os protocolos utilizados seguiram as recomendações de Walker et al. (1992). 4.6 ANÁLISE MOLECULAR 4.6.1 Extração de DNA de tecidos, carrapatos e pulgas A extração de DNA dos ectoparasitos realizou-se de acordo com o protocolo descrito por Billings et al. (1998). Cada pool de ectoparasitas foi lavado com etanol 70% em quantidade suficiente para cobrir os ectoparasitos durante 15 minutos. Em seguida, foram lavados em tampão fosfato (PBS pH 7,2) por 5 minutos (duas vezes). Foram adicionados 200 µL do tampão fosfato para maceração dos vetores, triturados em seguida com auxílio de uma ponteira de polietileno. No mesmo tubo foram acrescentados SDS 10% v/v e Proteinase K (20mg/mL) para uma concentração final de 1% e, em seguida, incubados em banho-maria a 55ºC overnigth. À amostra digerida, acrescentou-se 200 µL de fenol:clorofórmio (1:1), submetendo-a a centrifugação (12000 x g, 2 minutos). A fase aquosa foi retirada e o sobrenadante transferido para um tubo novo. Repetiu-se esse procedimento seis vezes. Adicionaram ao sedimento 200 µL de clorofórmio, seguido de uma nova centrifugação. O sobrenadante foi novamente transferido para um tubo estéril, sendo 56 acrescido 40 µL de NaCl 2,5M, 200 µL de clorofórmio e dois volumes de etanol 100% gelado. Os tubos foram armazenados a -20ºC overnight. Em seguida, as amostras foram centrifugadas a 12000 x g sob temperatura de 4ºC por 15 minutos. Ao sedimento restante, foram adicionados 300 µL de etanol 70% e novamente centrifugados a 13000 rpm sob temperatura de 4ºC por 15 minutos, para ressuspender o DNA previamente precipitado. Por fim, o sobrenadante foi descartado e o precipitado resuspendido em 100 µL de água estéril, destilada e deionizada e posteriormente, armazenados a -4ºC. Desse material foram retirados 20 µL para quantificação em espectofotômetro (260 nm), sendo todas as amostras ajustadas para concentração de 50 ng/µL. A extração de DNA de tecidos (fígado e baço) de roedores foi adaptada de acordo com o protocolo descrito por Sambrook et al. (1989). Fragmentos de tecidos armazenados em etanol foram triturados com a ajuda de um bisturi estéril. Em seguida, houve transferência de aproximadamente 50 mg para um tubo novo. Foram adicionados 500 µl de tampão de lavagem (100mM Tris-HCl, pH 8,0; 100mM EDTA, pH 8,0) e posterior centrifugação (12000g; 10 minutos). O sobrenadante foi descartado e, ao precipitado foram adicionados 500 µl do tampão de digestão (10mM Tris-HCl, pH 8,0; 40 mM EDTA, pH 8,0) acrescido de 12,5 µl de Proteinase K (20mg/ml) e em seguida, incubados em banho-maria a 55ºC overnigth. Posteriormente, o DNA foi purificado com uma extração de fenol-Tris (pH 8,0) seguida de duas extrações de fenol:clorofórmio (1:1). Para a precipitação do DNA utilizou-se acetato de amônia (200 mM) e álcool isopropílico na proporção de 1:1 permanecendo incubado a -20ºC overnigth. Em seguida, o DNA foi lavado com 100 µl de etanol (70%) e ressuspendido em 100 µl de água deionizada estéril, sendo em seguida armazenado a -20ºC, para posterior quantificação. Desse material também foram retirados 20 µL para quantificação em espectofotômetro (260 nm), sendo todas as amostras ajustadas para concentração de 50 ng/µL. 4.6.2 Extração de DNA dos ácaros Para cada lote de ácaro colhido em um determinado hospedeiro, um grupo de no máximo 10 espécimes foi submetido à extração de DNA utilizando o kit “DNEasy Tissue Kit” (Qiagen), seguindo protocolo do fabricante com as modificações propostas por Desloire et al. (2006). 57 4.6.3 Obtenção do controle positivo – Cultura de Células Vero e Infecção com Rickettsias Uma monocamada de células Vero foi obtida por incubação a 37°C, por 24 horas em estufa de CO2, em frasco contendo meio essencial mínimo (IMEM) enriquecido com 10% de soro bovino fetal e L-glutamina (2 mM). Obtida a monocamada nas condições descritas acima, a cultura foi infectada com R. parkeri. As células infectadas foram mantidas em estufa, a 32°C por aproximadamente 5 dias (até come çarem a se desprender da parede da garrafa de cultura). Assim, no quinto dia pós-infecção, uma pequena porção de células foi retirada para visualização e controle da infecção, sendo as riquétsias visualizadas em microscópio ótico através da coloração de Gimenez. Obteve-se o DNA das células infectadas utilizando-se o mesmo protocolo para extração de DNA de tecidos. 4.6.4 Reação em cadeia da polimerase (PCR) Cada amostra de DNA extraído foi testada por PCR para a pesquisa de DNA de Rickettsia spp. através da amplificação de um fragmento de 401 pares de bases do gene citrato sintase (gltA), detectado em todas as espécies de Rickettsia, utilizando-se um par de oligonucleotídeos iniciadores, denominados de CS-62 (GCA AGT ATC GGT GAG GAT GTA AT) e CS-462 (CTT CCT TAA AAT TCA ATA AAT CAG GAT G) (LABRUNA, et al. 2004). O gene ompA, presente apenas em riquétsias do grupo da febre maculosa seria utilizado para a confirmação da infecção por Rickettsia spp, empregando-se oligonucleotídeos iniciadores Rr190.70 (ATGGCGAATATTTCTCCAAAA) e Rr.190.602 (AGTGCAGCATTCGCTCCCCCT) que amplifica um fragmento de 532 pares de bases, presente apenas em riquétsia do GFM (REGNERY et al. 1991). Para cada reação, foram utilizados um controle positivo (DNA de Rickettsia rickettsii) e quatro controles negativos (água) para os genes gltA e ompA. O volume utilizado para a reação de PCR foi de 50 µl por tubo de amostra, sendo 43 µl de mix e 7 µ lde DNA. O mix para a reação de PCR foi preparado com 17,7 µl de água ultramente purificada autoclavada, 10 µl de DNTP; 5 µl buffer; 4 µl de MgCl2; 3 µl primer senso; 3 µl primer anti-senso; 0,3 µl Taq DNA polimerase. Os fragmentos amplificados foram visualizados em gel de agarose a 1,5% utilizando 10 µl de produto de PCR e, posteriormente, corada em brometo de etídio e examinada à transluminação com luz ultravioleta. 58 5. RESULTADOS 59 5.1 IDENTIFICAÇÃO DOS PEQUENOS ROEDORES No total foram coletados 235 roedores da família Cricetidae, subfamília Sigmodontina, nas três áreas de estudo. A classificação dos mamíferos seguiu o arranjo taxonômico adotado na obra de Reis et al. (2006). Os resultados obtidos para cada área de estudo estão representados abaixo. Em Ouro Branco, ao longo de 13 meses sucessivos de coletas, de abril de 2008 a abril de 2009, foram capturados um total de 127 animais da Ordem Rodentia, Família Cricetidae e Subfamília Sigmodontina (Quadro 1). Além dos animais citados acima, foram capturadas acidentalmente algumas espécies pertencentes à Ordem Didelphimorphia: 4 Marmosops incanus, 2 Gracilianus microtarsus, 1 Monodelphis americana e 2 Monodelphis sp. Esta ordem inclui a maior parte dos marsupiais americanos viventes. Quadro 1: Relação de espécies de pequenos roedores coletados na Serra do Ouro Branco, MG, no período de abril de 2008 a abril de 2009. Mammalia Ordem Rodentia Família Cricetidae, Subfamília Sigmodontina Akodon sp. Meyen, 1833 Blarinomys breviceps Winge, 1887 Oligoryzomys nigripes Olfers, 1818 Oxymicterus sp. Necromys lasiurus Lund, 1841 Abrawayaomys ruschii Cunha & Cruz, 1979 Calomys sp. Waterhouse, 1837 Rhipidomys sp. Nectomys squamipes Brants, 1827 Na tabela 1, é apresentada a relação de indivíduos coletados de cada espécie de acordo com a respectiva linha de armadilha. 60 Tabela 1: Número de indivíduos encontrados nas três linhas de armadilhas da Serra do Ouro Branco, Minas Gerais. Trilhas Espécies L1 L2 L3 Total Akodon sp. 11 3 1 15 Blarinomys breviceps - - 2 2 Necromys lasiurus - 1 - 1 Oligoryzomys nigripes 33 37 15 85 Oxymicterus sp. 1 - - 1 Abrawayaomys ruschii 1 - - 1 Calomys sp. 1 2 1 4 Rhipidomys sp. - 1 - 1 Nectomys squamipes - 1 - 1 Sem identificação 7 8 1 16 Total de indivíduos 54 53 20 127 A figura 13 mostra a variação no número de indivíduos amostrados em cada mês de coleta. 30 27 25 20 16 14 15 11 10 13 12 11 10 5 3 4 3 1 2 0 Figura 13: Número de indivíduos encontrados ao longo das 13 sessões de coleta, nas Serra do Ouro Branco, MG. A abundância relativa de cada espécie coletada no presente trabalho é apresentada na figura 14. A espécie O. nigripes apresentou uma abundância relativa muito superior às outras espécies. Dos 127 roedores coletados, 85 (66,93%) pertenciam à essa espécie. 61 1,57% 0,79% 0,79% 0,79% 0,79% 0,79% Oligoryzomys nigripes 3,15% Espécie não identificada Akodon sp. 11,81% Calomys sp. Blarinomys breviceps 12,60% Necromys lasiurus 66,93% Oxymicterus sp. Abrawayaomys ruschii Rhipidomys sp. Nectomys squamipes Figura 14: Abundância relativa, em porcentagem, de todas as espécies coletadas na Serra do Ouro Branco, MG. Em Santa Cruz do Escalvado durante o período total de coletas (06/2006 a 12/2007) foram realizadas sete visitas a campo, onde 62 roedores fora capturados. 23 (37,10%) eram da espécie Nectomys squamipes, 2 (3,23%) Oryzomys subflavus, 32 Rattus rattus (51,61%) e 5 (8,06%) Akodon sp. 2,17% 15,22% Rattus rattus Oryzomys subflavus 15,22% Nectomys squamipes 67,39% Bolomys sp. Figura 15: Abundância relativa, em porcentagem, das espécies de pequenos roedores capturadas em Santa Cruz do Escalvado, MG. 62 Já no município de Pingo D’Água, durante todo o período de coletas (07/2005 a 05/2006) foram capturados 46 pequenos roedores, sendo 31 (67,4%) da espécie Rattus rattus, 7 (15,1%) Oryzomys subflavus, 7 (15,1%) Nectomys squamipes e 1 (2,4%) Bolomys sp. 2,17% 15,22% Rattus rattus Oryzomys subflavus 15,22% Nectomys squamipes 67,39% Bolomys sp. Figura 16: Abundância relativa, em porcentagem, das espécies de pequenos roedores capturadas em Pingo D’ Água, MG. 5.2 IDENTIFICAÇÃO DOS ECTOPARASITOS Durante o período de abril de 2009 a abril de 2010, 8 espécies de ectoparasitos foram colecionadas dentre os 127 roedores silvestres capturados na Serra do Ouro Branco. Assim, identificaram-se apenas um carrapato do gênero Ixodes, pulgas Xenopsylla cheopis e Culex irritans e ácaros Gigantolaelaps wolffsohni, Mysolaelaps parvispinosus, Laelaps paulistanensis, Androlaelaps fahrenholzi e Eubrachylaelaps rotundus. Os dados referentes à identificação de ectoparasitos encontrados nos roedores estão apresentados na tabela 2. Dos 127 roedores capturados, 47 (37,0%) estavam parasitados. A infestação constatada foi pelas ordens Ixodida, Acari e Siphonaptera. 63 Tabela 2: Ectoparasitos coletados sobre pequenos roedores da Serra de Ouro Branco, Estado de Minas Gerais, de abril de 2008 a abril de 2009. Ixodida Ixodes sp. Acari Gigantolaelaps wolffsohni Mysolaelaps parvispinosus Laelaps paulistanensis Androlaelaps fahrenholzi Eubrachylaelaps rotundus Siphonaptera Xenopsylla cheopis Pulex irritans Akodon sp. n1=15 No. % n Hospedeiros Calomys sp. n1=4 No. % n O. nigripes n1=85 No. % n Total n1=104 No. % n - - 1 (1,2) 1 1 (0,9) 1 1 (6,6) 1 1 (25,0) 1 22 (25,9) 53 24 (23,0) 55 1 (6,6) 1 1 (25,0) 3 13 (15,3) 41 15 (14,4) 45 1 (6,6) 2 1 (25,0) 9 25 (29,4) 90 27 (25,9)101 7 (46,6) 26 - 12 (14,1) 50 19 (18,3) 76 8 (53,3) 34 - - 8 (7,7) 34 3 (20,0)1 1 (6,6) 1 - - 3 (2,9) 1 1 (0,9) 1 n1: número de hospedeiros examinados; n: número de ectoparasitos coletados; No.: número de roedores infestados. Dentre os ectoparasitos coletados nos roedores analisados, a infestação pela Ordem Acari foi dominante quando comparadas aos outros ectoparasitos encontrados. Em seis das nove espécies de roedores identificadas, nenhum tipo de ectoparasito foi encontrado. No entanto, deve-se ressaltar que o número de indivíduos coletados dessas espécies foi extremamente baixo, não permitindo uma avaliação consistente sobre a relação parasito/hospedeiro nestas espécies. Quanto às outras espécies, apenas um carrapato ixodídeo foi encontrado sobre o pêlo de um roedor da espécie O. nigripes. Essa espécie também estava parasitada por quatro espécies de ácaros: G. wolffsohni, M. parvispinosus, L. paulistanensis e A. fahrenholzi. Em Calomys sp. foi encontrado ácaros das espécies G. wolffsohni, M. parvispinosus e L. paulistanensis. Finalmente, em Akodon sp. foram coletados ácaros de todas as espécies descritas neste trabalho. As infestações de ectoparasitos sobre os roedores variaram de apenas uma até quatro espécies, como pode ser observado na tabela 3. 64 Tabela 3: Infestações simples e múltiplas de ectoparasitos em pequenos roedores da Serra do Ouro Branco, MG, Brasil. Infestação Simples :(14) Ectoparasitos (No.) a d (4) f (2) b (2) e (4) g (2) Hospedeiros (No.) A (1) A (4) B (2) A (2) A (2) - B (2) B (1) Dupla: (16) b – c (2) b – d (5) e – f (6) c – d (1) d – e (1) c – e (1) A (2) A (5) B (6) A (1) A (1) A (1) Tripla: (13) c – d – e (1) b – d – e (5) b – c – d (7) b – d – h (1) A (1) A (5) A (6) - C (1) A (1) Quádrupla: (3) b – c – d – e (2) b – c – d – f (1) A (2) B (1) Legenda Ectoparasitos a Ixodes sp. b Gigantolaelaps wolffsohoni c Mysolaelaps parvispinosus d Laelaps paulistanensis e Androlaelaps fahrenholzi f Eubrachylaelaps rotundus g Xenopsylla cheopis h Pulex irritans Hospedeiros A Oligoryzomis nigripes B Akodon sp. C Calomys sp. Em Santa Cruz do Escalvado apenas um carrapato da espécie Amblyomma cajennense foi coletado dentre os 62 pequenos roedores analisados. Em relação à Ordem Siphonaptera foram coletados 16 exemplares do gênero Rhopalopsyllus e 3 da espécie Xenopsylla cheops. Já em Pingo D’Água foram coletados oito carrapatos (uma ninfa do gênero Amblyomma e sete adultos de A. cajennense) e 21 pulgas (11 da espécie Xenopsylla cheops, 9 Ctenocephalides felis e 1 Pulex irritans). Além de exemplares da 65 Ordem Ixodida e Siphonaptera, foram coletados também ácaros da família Laelapidae, no entanto estes ainda não foram identificados quanto à espécie. Todos os ácaros encontrados sobre os pequenos roedores eram fêmeas. Acredita-se que as fêmeas utilizem os hospedeiros para sua foresia, já que possuem capacidade reduzida de deslocamentro, favorecendo a ocorrência de especificidade (Martins-Hatano et al., 2002). A captura de machos e estágios imaturos sobre o pêlo dos animais é bastante rara, sendo encontrados com mais freqüência nos ninhos dos hospedeiros (Furman, 1972; Martins-Hatano et al., 2002; Dowling, 2006). 5.3 AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Dos 127 roedores coletados em Ouro Branco, 108 tiveram seus soros colhidos e testados. Foi investigada a ocorrência de anticorpos anti-R. rickettsii, R. felis, R. parkeri, R. belii, R. amblyommii, R. rhipicephali e R. akari. Alguns animais não tiveram sangue coletados, pois eram muito pequenos ou se apresentavam muito fragilizados. Como esses animais seriam utilizados para projetos à parte, não poderia se correr o risco de que morressem no procedimento para coleta do sangue. Nenhum dos 108 soros testados reagiu positivamente (título ≥ 1:64) para Rickettsia spp. Em Santa Cruz do Escalvado, dentre os 62 soros coletados de pequenos roedores, 39 se mostraram positivos à RIFI para R. rickettsii, R. parkeri e R. amblyommii (Anexo 1). Rickettsia rickettsii apresentou a maior porcentagem de positividade. Dos 62 soros analisados, 39 (62,91%) foram positivos para R. rickettsii. No entanto, devido à existência de sorologia cruzada, ocasionada pela grande semelhança gênica entre as espécies testadas, não se pode garantir se é mesmo essa bactéria que estava circulando em todos estes roedores. Já para 11 desses 39 soros positivos, pode-se inferir sobre a presença de R. rickettsii, pois apresentaram títulos quatro vezes maiores para R. rickettsii em relação aos outros antígenos testados, excluindo a possibilidade de reação cruzada. Os títulos variaram de 1: 64 a 1: 4096 e novamente a espécie R. rickettsii se destacou por ter os maiores títulos. A espécie de roedor com maior sororeatividade foi R. rattus, com positividade de 93,75%. Foi encontrado também 21,74% de positividade para N. squamipes e 80% em Akodon sp. (tabela 4). Sendo esta espécie de roedor a mais sinantrópica dentre as coletadas, o hábito intradomiciliar da mesma permite um estreito contato com o homem, colocando-o em risco constante de contaminação por patógenos transportados por esses pequenos mamíferos. 66 Tabela 4: Percentual total das amostras reativas para riquetsioses à RIFI, ao título de 1:64 em várias espécies de pequenos roedores coletados em Santa Cruz do Escalvado, Minas Gerais. 1 2 Espécie N1 RIFI2 Total (%) R. rattus 32 30 93,75 N. squamipes 23 5 21,74 O. subflavus 2 0 0 Akodon sp 5 4 80 Total 62 39 62,91 Número total de amostras de soro colhidas e testadas Número de amostras reativas ao título 1:64, testadas pela RIFI No município de Pingo D’Água os soros dos 46 pequenos roedores coletados também foram submetidos à RIFI. 39 (84,73%) soros foram reagentes para R. rickettsii, R. parkeri e R. amblyommi (Anexo 2). Em Santa Cruz do Escalvado a espécie R. rattus se destacou individualmente pela alta taxa de reatividade para os antígenos testados, enquanto que em Pingo D’Água as espécies N. squamipes e O. subflavus também apresentaram altos índices de reatividade, sendo 85,72% para as duas espécies, maiores até que os apresentados por R. rattus, que obteve porcentagem de 83,88% à RIFI. Novamente a espécie R. rickettsii foi a mais prevalente e obteve os maiores títulos, que variaram de 1: 64 a 1: 16384. Tabela 5: Percentual total das amostras reativas para riquetsioses à RIFI, ao título de 1:64 em várias espécies de pequenos roedores coletados em Pingo D’Água, Minas Gerais. 1 2 Espécies N1 RIFI2 Total (%) R. rattus 31 26 83,88 N. squamipes 7 6 85,72 O. subflavus 7 6 85,72 Akodon sp 1 1 100 Total 46 39 84,73 Número total de amostras de soro colhidas e testadas Número de amostras reativas ao título 1:64, testadas pela RIFI 67 Ainda em relação aos resultados sorológicos de Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água, foi observado que a maioria dos roedores possuía titulação dos soros entre 1: 128 e 1: 1024, ou seja, a maior parte dos animais já esteve infectada e possui uma sorologia intermediaria e de prolongada data, o que propõem que a Rickettsia e os roedores possuem uma relação hospedeiro/parasita bem estabelecida. Títulos sorológicos baixos (1:64) nos indica que provavelmente o roedor está no início ou final da infecção. Títulos altos, ao contrário, nos permitem dizer que o roedor possivelmente teve uma infecção recente. 30 26 Nº de Roedores 25 20 14 15 10 12 Santa Cruz 12 9 7 Pingo `D Água 7 5 5 4 5 3 1 1 1 3 1 0 0 0 0 0 0 64 128 256 512 1024 2048 4096 8192 Títulos Sorológicos 16384 Figura 17: Número de pequenos roedores sororeativos de acordo com a titulação. 5.4 BIOLOGIA MOLECULAR DOS TECIDOS DE ROEDORES E DE SEUS ECTOPARASITOS Em Ouro Branco duzentos e trinta e cinco (235) amostras de DNA obtidas através da extração dos tecidos de roedores coletados foram extraídas e submetidas à PCR, sendo que deste total 120 amostras eram de fígado e 115 eram de baço. Desse total de amostras testadas para a amplificação de um fragmento gênero-específico para Rickettsia (gltA), nenhuma das amostras apresentou-se positiva. Também foi extraído DNA dos ectoparasitos encontrados no pêlo dos roedores, como carrapatos, pulgas e ácaros. Essas amostras foram submetidas à reação de PCR com a utilização dos mesmos primers e novamente nenhuma foi positiva. 68 Foi investigada ainda a ocorrência do gênero Rickettsia em todos os artrópodes vetores (pulgas e carrapatos) e tecidos de roedores coletados em Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água. Nenhuma das amostras testadas foi positiva à PCR. Apenas os ácaros coletados nos animais provenientes desses dois municípios não puderam ser submetidos a este procedimento, já que ainda não foram classificados quanto à espécie. Já se sabe, no entanto, que todos são da família Laelapidae. Os ácaros coletados sobre o pelo dos roedores da Serra do Ouro Branco foram testados e nenhuma amostra foi positiva. 69 6. DISCUSSÃO 70 Considerando a biodiversidade total, a área com maior abundância de espécies de pequenos roedores dentre os três municípios analisados foi a Serra do Ouro Branco. Este fato já era esperado, já que as áreas de coleta nesse local se encontravam em ambientes menos alterados pela ação antrópica. A fauna de pequenos roedores da Serra do Ouro Branco apresentou espécies endêmicas do bioma Mata Atlântica como B. breviceps (ABRAVAYA & MATSON, 1977) e A. ruschii (WESKLER & BONVICINO, 2005), consideradas espécies raras. Necromys lasiurus é referida na literatura como espécie que habita formações florestais do cerrado e do ecótone Mata Atlântica-Cerrado (BONVICINO et al., 2008). Dentre as demais espécies, O. nigripes é considerada generalista no uso do ambiente (REIS, 2006) e indica alto grau de perturbação ambiental. A metodologia de coleta favoreceu a captura de algumas espécies anteriormente pouco citadas em trabalhos de fauna de pequenos mamíferos, tratando-se de espécies essencialmente terrícolas, fossoriais ou semi-fossoriais. A espécie B. breviceps já esteve incluída em listas de espécies ameaçadas, mas atualmente sua presença em trabalhos com pequenos mamíferos, utilizando armadilhas de queda, serviu como apoio para que esta espécie fosse excluída dessas listas. Outra espécie que merece menção, embora somente um indivíduo tenha sido coletado, é A. ruschii, já que esta é considerada extremamente rara. Desde a sua descrição em 1979 (Cunha & Cruz, 1979) até o ano de 2008, apenas dois exemplares haviam sido capturados no Brasil (Pereira et al., 2008). O maior número de indivíduos foi coletado no mês de junho, o que segundo Costa (2006), pode ser atribuído à maior movimentação das espécies em busca de alimento e parceiros para o início da época reprodutiva. Entretanto, os meses seguintes tiveram acentuada queda no número de indivíduos coletados. Ao contrário do padrão frequentemente notado em estudos populacionais de pequenos mamíferos, a média de indivíduos capturados na estação chuvosa foi maior do que a observada na estação seca. O histórico de degradação ambiental da Serra de Ouro Branco é antigo e com forte influência da mineração. Hoje, o desenvolvimento da agropecuária na Serra de Ouro Branco também é bastante expressivo. Todos esses fatores acarretaram mudanças na estrutura das comunidades de pequenos mamíferos locais, levando ao predomínio de espécies generalistas, com baixas restrições de habitats, que expressam maior abundância em áreas que sofreram algum tipo de alteração. Todavia, esse trabalho demonstrou a presença de algumas espécies raras e endêmicas, com importância biológica significativa, indicando a necessidade e urgência na conservação da Serra de Ouro Branco. 71 A principal espécie capturada nos municípios de Santa Cruz e Pingo D’Água foi R. rattus, também conhecida como rato de telhado, rato preto, rato de forro, rato de paiol, dentre outros. Essa espécie possui comportamento sinantrópico comensal, ou seja, depende unicamente do ambiente antrópico para sua sobrevivência. É cosmopolita e de grande importância, já que é responsável por causar grandes prejuízos econômicos e sanitários ao homem. É o roedor comensal predominante na maior parte do interior do Brasil, sendo comum nas propriedades rurais e pequenas e médias cidades do interior. Possui comportamento arvícola, cultivando o hábito de viver usualmente nas superfícies altas das construções, em forros, telhados e sótãos onde constroem seus ninhos, descendo ao solo em busca de alimento e água. O papel de R. rattus na transmissão de doenças ainda é pouco conhecido, mas seu hábito intradomiciliar permite um contato mais estreito com o homem (BONVICINO et al., 2008). As outras espécies coletadas nestes dois municípios são consideradas sinantrópicas não-comensais, já que se caracterizam por formar colônias no ambiente silvestre longe do contato com o homem. Contudo, em função das modificações ambientais decorrentes dos processos de urbanização e de transformação de ecossistemas naturais em áreas de plantio, a divisão em silvestres sinantrópicos comensais e não comensais não é permanente; visto que pela escassez de alimentos, os roedores acabam expandindo suas colônias por entre e ao redor das plantações e instalações no peridomicílio e no próprio domicílio. Este fato amplia o contato do homem e roedor silvestre, aumentando o risco de contaminação por patógenos transportados por estes animais (BONVICINO et al., 2008). Quanto à fauna de ectoparasitos dos pequenos roedores das áreas estudadas, esta foi composta predominantemente por ácaros da família Laelapidae, sendo baixa a ocorrência de outros artrópodes como carrapatos e pulgas. Organismos pertencentes à ordem Phthiraptera (Mallophaga e Anoplura) e Diptera não foram coletados sobre nenhum dos animais analisados. Gigantolaelaps wolffsohni está comumente associado com roedores do gênero Oryzomys, mas na mostra coletada na Serra do Ouro Branco, este ácaro foi encontrado sobre hospedeiros não-Oryzomys, sendo 1 fêmea em Akodon sp., 1 fêmea em Calomys sp. e 53 fêmeas em Oligoryzomis nigripes. Essas associações com hospedeiros não-Oryzomys já haviam sido relatadas em outros estudos sobre fauna acarológica de pequenos roedores, especialmente com espécies do gênero Oligoryzomys (NIERI-BASTOS et al., 2004; LARESCHI et al., 2006). Laelaps paulistanensis tem distribuição neotropical, sendo associados primariamente com roedores Oryzomys sp. Na Serra de Ouro Branco esta espécie também foi encontrada 72 sobre outros gêneros de roedores como Oligoryzomys, Akodon e Calomys. Reis et al. (2008) encontraram esses ácaros associados com roedores Akodon sp., Oligoryzomis e Juliomys pictipes. No Uruguai esse ácaro foi encontrado sobre Akodon azarae, Bolomys obscurus e mostrou forte associação com Oligoryzomys (MARTINS-HATANO et al., 2004; NIERI-BASTOS et al., 2004). Androlaelaps fahrenholzi é uma espécie cosmopolita, que tem sido encontrada parasitando um grande número de espécies de mamíferos em todo o mundo. Esse achado está de acordo com outros trabalhos, que identificaram essa espécie em roedores do gênero Akodon e Oligoryzomys na Argentina (LARESCHI, 1996). No Brasil, Nieri-Bastos et al. (2004) identificaram esses ácaros sobre diversas espécies de roedores, dentre eles Akodon sp. e Oligoryzomys sp. Eubrachylaelaps rotundus mostrou grande especificidade com Akodon sp. Esse resultado corrobora com vários trabalhos publicados (MARTINS-HATANO et al., 2004). Em áreas onde Akodon sp. não está presente essa espécie foi encontrada sobre Bolomys lasiurus (LINARDI et al., 1984). Na Serra do Ouro Branco E. rotundus não foi encontrada em mais nenhuma espécie além de Akodon sp. Se considerarmos que o número de carrapatos necessários para a manutenção de populações viáveis deve ser elevado, o número de carrapatos parasitando roedores encontrados nas três áreas é desprezível. As capturas ocorreram durante todas as estações do ano; sendo assim, a atividade sazonal dos carrapatos não seria uma possibilidade para explicar a baixa detecção dos mesmos. Outra possibilidade seria a de que os pequenos roedores de Ouro Branco, Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água sejam normalmente pouco infestados por carrapatos. Esta hipótese é respaldada pela constatação em outras regiões do Brasil de baixos níveis de infestação em pequenos roedores (NIERI-BASTOS, 2004). Todavia, essa mesma situação se contrapõe à situação observada no hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, pequenos roedores estão envolvidos no ciclo epidemiológico da Rocky Mountain spotted fever e de outras riquetsioses ao amplificarem bactérias do gênero Rickettsia, dentre elas a R. rickettsii, tornando-se fonte de infecção para carrapatos que deles se alimentem, especialmente os estágios imaturos (LABUDA & NUTTALL, 2004; PIESMAN & GERN, 2004). A taxa de infecção do carrapato vetor pode variar dependendo da virulência do patógeno, da susceptibilidade da espécie do carrapato, da existência de co-infecções e também por modulação da resposta imune do hospedeiro. A R. rickettsii em um nicho ecológico bem delimitado, amplamente distribuída em carrapatos vetores e hospedeiros vertebrados, mantêm-se em baixos níveis de infecção, normalmente abaixo de 1%. 73 Segundo Magnarelli et al. (1981) a prevalência de carrapatos infectados é a mesma tanto em áreas endêmicas quanto não endêmicas, fato este que reduz a importância do carrapato como indicador de atividade riquetsial. Isto também foi comentado por Lemos et al. (1997) no sentido de que a simples presença do carrapato infectado não é suficiente para produzir a doença humana. Entretanto devem ser considerados os casos de alta infestação por carrapatos que podem alterar essa relação. Dessa forma, para que haja atividade riquetsial poderia ser necessária a coexistência de uma relação de positividade entre vetores, hospedeiros e reservatórios, incluindo animais silvestres (Cardoso et al., 2006). Embora poucos carrapatos tenham sido encontrados sobre o pelo dos pequenos roedores em Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água, foi verificado por Milagres (2010) nesses locais a infestação de cães, eqüinos e gambás pelo gênero de carrapato Amblyomma e pelas espécies Amblyomma brasiliense, A. cajennense, A. dubitatum, Dermacentor nitens e Rhipicephalus (Boophilus) microplus. Já na Serra do Ouro Branco, a mastofauna encontrada se resumiu a espécies de pequenos roedores e marsupiais, não sendo comum o acesso de animais domésticos nas áreas de coleta, embora duas das trilhas de amostragem se localizassem dentro de uma pequena propriedade rural. Esse fato é importante, pois segundo Cortinas (2002) a persistência e distribuição geográfica de um foco de enfermidade veiculada por carrapatos seriam decorrentes da imunidade do hospedeiro expressada no vetor e dependeriam de três pré-requisitos: (1) presença e sobrevivência dos carrapatos; (2) transmissão do patógeno; (3) oportunidade para a exposição humana ou de animais domésticos. Diante dos resultados sorológicos e moleculares dos pequenos roedores de Ouro Branco, área considerada não-endêmica para FMB e considerando o fato de apenas um caso humano ter sido relatado no município em 1984, este trabalho indica que esses animais não parecem representar risco imediato de transmissão de FMB e outras riquetsioses na região estudada. Apesar disso é importante manter em mente que as alterações ecológicas impostas pelo homem podem, de forma acidental, criar condições para explosões populacionais de hospedeiros e seus parasitos de forma brusca. Neste contexto, pequenos roedores são seres com alta capacidade de reprodução e com elevada capacidade de contribuir para o estabelecimento ou amplificação de doenças infecciosas para o homem. Já em Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água a alta porcentagem de pequenos roedores positivos à RIFI chamou a atenção e esses resultados indicam a exposição de diferentes espécies de pequenos roedores a riquétsias do grupo da febre maculosa. Assim, podemos afirmar que bactérias causadoras de riquetsioses circulam nessas áreas e que os 74 roedores podem estar envolvidos na manutenção enzoótica desses agentes. Pena et al. (2009) também estudaram o comportamento da FMB no município de Santa Cruz do Escalvado. Embora as duas pesquisas tenham sido realizadas no mesmo município, as localidades-alvo do estudo foram diferentes. Por meio de inquérito sorológico Pena et al. registraram uma soro-prevalência de 38,81% em pequenos roedores, utilizando a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) realizada com antígenos específicos de R. rickettsii, R. felis, R. parkeri, R. belii e R. amblyommii. Se considerarmos apenas os dados sorológicos referentes à espécie Rattus rattus, esse percentual passa para 81,25%, já que nas outras duas espécies analisadas, Nectomys squamipes e Oryzomys subflavus, não houve sororeatividade. Amostras de fígado e baço retiradas desses animais foram submetidas à PCR por Pena (2008), que conseguiu um fato inédito na literatura, que foi a amplificação e posterior seqüenciamento de fragmentos genéticos de bactérias do gênero Rickettsia em tecidos de pequenos roedores. Esses fragmentos foram amplificados através de amostras retiradas das espécies R. rattus e N. squamipes, com positividade de 12 e 11%, respectivamente. Diante do fato de que foi encontrada alta taxa de positividade para o gênero Rickettsia na sorologia, incluindo amostras com titulações bem altas, e de que as análises moleculares dos carrapatos e pulgas foram negativas, surgem as seguintes perguntas: • Esses roedores representariam um reservatório de riquétsias? • Se em diversos trabalhos foi verificado que não é comum a detecção de carrapatos em pequenos roedores, quem está transmitindo a bactéria riquétsia para os pequenos roedores? Seriam ácaros hematófagos da família Macronyssidae? Ainda que nenhum ácaro macronissídeo tenha sido coletado sobre o pêlo dos pequenos roedores neste trabalho não podemos descartar a possibilidade de estes estarem envolvidos na transmissão de bactérias do gênero Rickettsia nas regiões estudadas, visto que esses ácaros possuem comportamento essencialmente nidícola e que as metodologias utilizadas neste trabalho não permitiram a captura desses ectoparasitos. Fonseca (1948) relatou que a espécie Ornithonyssus brasiliensis poderia ser vetor da bactéria R. rickettsii, agente causador da FMB. Segundo Barros-Battesti (2008) este autor estava certo não somente em relação ao táxon O. brasiliensis, mas também para todas as outras espécies do gênero Ornithonyssus coletados em roedores do Brasil. Nieri-Bastos (2008) encontrou alta porcentagem de positividade para Rickettsia sp. (57%) em ácaros macronissídeos de pequenos mamíferos coletados no país, mostrando que esses ácaros fazem parte do elo de transmissão e manutenção das riquétsias na natureza. Essa alta 75 porcentagem encontrada pela autora foi inesperada, já que a taxa natural de infecção em carrapatos da ordem Ixodida geralmente é muito baixa (< 1%). Ante os resultados encontrados e discutidos, se pode concluir que existe atividade riquetsial nos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água e que os pequenos roedores participam do ciclo epidemiológico da doença nessas áreas, sendo necessários estudos adicionais para compreender a real importância destes animais nos ciclos silvestre e doméstico dos agentes causadores de febre maculosa, incluindo suas interações com artrópodes vetores. Esses animais podem representar um risco à população humana que ali habita ou visita. Com base nisso, é imprescindível a manutenção da vigilância epidemiológica permanente para FMB e outras riquetsioses nesses municípios, bem como maior preparação da classe médica para que possam identificar possíveis casos, que muitas vezes, são confundidos e tratados como se fossem outras doenças, mascarando a verdadeira distribuição da febre maculosa no Brasil. 76 7. CONCLUSÕES 77 A partir desse trabalho conclui-se que: 1. A biodiversidade de pequenos roedores foi maior na Serra do Ouro Branco, onde foi capturado um maior número de espécies, dentre elas algumas raras como Blarinomys breviceps e Abrawayaomys ruschii. 2. Não foi encontrado evidência de circulação de organismos riquetsiais em pequenos roedores da Serra do Ouro Branco. 3. A acarofauna dos pequenos roedores das três regiões estudadas foi composta predominantemente por ácaros da família Laelapidae. No entanto a identificação quanto à espécie ainda não foi realizada para os ácaros coletados em Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água. 4. Carrapatos da classe Ixodida foram encontrados em quantidade extremamente baixa sobre o pêlo dos pequenos roedores das três regiões pesquisadas. 5. A presença de resposta imune verificada pela RIFI a antígenos específicos para algumas espécies de Rickettsia em roedores capturados em Santa Cruz do Escalvado (62,91%) é indício de que esses animais possam atuar no ciclo epidemiológico das riquetsioses nesse município. 6. A alta porcentagem de amostras positivas (84,73%) encontrados na avaliação sorológica dos roedores capturados em Pingo D’Água também sugere a participação desses animais no ciclo enzoótico das riquetsioses nessa região. 7. Não foi encontrado DNA de organismos riquetsiais em nenhum dos tecidos e ectoparasitos dos pequenos roedores testados pela técnica da PCR. 8. Em Santa Cruz do Escalvado e Pingo D’Água é necessário manter uma vigilância epidemiológica, já que existe circulação de organismos riquetsiais, que podem servir de fonte de infecção para a população humana que ali habita ou visita. 78 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAVAYA, J. P.; MATSON, J. O. Blarinomys breviceps. 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Identificação R2 Titulo R.ricketsii 1:512 Titulo R.parkeri 1:128 Título R.felis Negativo Título R.amblyommii 1:64 Título R. rhipicephali 1:128 R3 1:512 1:256 Negativo 1:256 1:128 R4 1:512 1:28 Negativo 1:64 Negativo R8 1:512 1:128 Negativo 1:64 1:64 R11 1:512 1:256 Negativo 1:128 1:128 R13 1:256 1:128 Negativo 1:64 Negativo R15 1:128 1:64 Negativo Negativo Negativo R17 1:256 1:128 Negativo 1:64 1:64 R18 1:128 1:64 Negativo Negativo Negativo R19 1:128 1:64 Negativo Negativo Negativo R20 1:256 1:256 Negativo 1:64 1:256 R22 1:512 1:256 Negativo Negativo Negativo R23 1;512 1:256 Negativo Negativo Negativo R24 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 1:256 R25 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 Negativo R29 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 1:256 R30 1:512 1:256 Negativo 1:128 1:128 R31 1;256 1:128 Negativo Negativo 1:64 R32 1:512 1:256 Negativo 1:64 Negativo R34 1:256 Negativo Negativo Negativo Negativo R36 1:256 1:128 Negativo 1:128 1:64 R40 1:512 1:256 Negativo 1:128 1:128 R41 1:1.024 1:1.024 Negativo 1:512 1:256 R42 1:1.024 1:256 Negativo 1:128 1:128 R43 1:512 1:256 Negativo 1:128 1:128 R44 1:512 1:256 Negativo 1:128 1:128 R45 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 1:256 R46 1:1.024 1:512 Negativo 1:512 1:512 R47 1:1.024 1:512 Negativo 1:512 1;512 R51 1:256 1:256 Negativo 1:256 1:128 R52 1:256 1:128 Negativo 1:64 Negativo R53 1:4.096 1:2048 Negativo 1:2048 1:1024 R58 1:512 1:128 Negativo 1:128 Negativo R59 1:1024 1:1024 Negativo 1:512 1:512 R61 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 1:128 R62 1:1.024 1:512 Negativo 1:128 1:64 R63 1:1.024 1:512 Negativo 1:128 1:64 R64 1:512 1:128 Negativo 1:128 1:128 R65 1:64 Negativo Negativo Negativo Negativo R61 1:1.024 1:512 Negativo 1:256 1:128 93 Anexo 2: Resultado sorológico positivo para RIFI de roedores capturados em Pingo D’Água, MG, usando antígenos R. rickettsii, R.parkeri, R.felis, R. amblyommii e R. rhipicephali. Identificação R2 Título R.ricketsii 512 Título R.parkeri 256 R3 2048 512 R4 512 R5 512 Título R.felis Negativo Título R.amblyommii 64 Título R. riphicephali 64 Título R.belli Negativo Negativo 512 512 Negativo Negativo Negativo Negativo Negativo Negativo 256 Negativo 64 Negativo Negativo R8 256 128 Negativo 64 Negativo Negativo R10 1024 256 Negativo 64 Negativo Negativo R13 4096 2048 Negativo 1024 2048 Negativo R14 256 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R15 512 256 Negativo 128 512 Negativo R20 4096 4096 Negativo 4096 2048 128 R3 512 256 Negativo 128 128 Negativo R4 1024 512 Negativo 512 512 Negativo R7 1024 512 Negativo Negativo 512 Negativo R8 512 256 Negativo 128 64 Negativo R10 256 128 Negativo Negativo Negativo Negativo R11 128 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R12 128 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R13 1024 512 Negativo 256 128 Negativo R14 1024 512 Negativo 512 512 Negativo R15 512 512 Negativo 128 128 Negativo R16 1024 512 Negativo 128 Negativo Negativo R17 512 512 Negativo 64 256 Negativo R18 1024 512 Negativo 512 256 Negativo R20 1024 256 Negativo 256 256 Negativo R1 16384 4096 Negativo 1024 1024 Negativo R2 256 256 Negativo 128 128 Negativo R3 512 256 Negativo 128 128 Negativo R4 128 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R1 16384 4096 Negativo 1024 128 Negativo R2 128 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R3 512 128 Negativo 64 Negativo Negativo R4 64 Negativo Negativo Negativo Negativo Negativo R5 256 128 Negativo 64 64 Negativo R6 512 256 Negativo 256 128 Negativo R8 16384 4096 Negativo 1024 2048 Negativo R9 1024 512 Negativo 256 256 64 R12 128 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R13 512 64 Negativo Negativo Negativo Negativo R15 4096 2048 Negativo 512 512 Negativo 94