Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 15 a 18 10 2010 ------------------------------------------------------------------Estadão Online – 15/10/2010 O atoleiro das hipotecas Paul Krugman Os representantes do governo americano costumavam dar lições aos outros países a respeito dos problemas econômicos que estes enfrentavam, dizendo-lhes que precisavam emular o modelo dos Estados Unidos. A crise financeira asiática do fim da década de 90, em particular, levou os satisfeitos americanos a distribuir muitas lições de moral. Assim, em 2000, o então secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, declarou que as chaves para se evitar uma crise financeira eram “bancos adequadamente capitalizados e supervisionados, códigos de falência sólidos, governança corporativa efetiva e meios críveis de fazer cumprir os contratos”. Por implicação, estas eram características que nós apresentávamos, mas que faltavam aos asiáticos. Na verdade, nós não correspondíamos a esta descrição. Os escândalos contábeis da Enron e da WorldCom derrubaram o mito da governança corporativa efetiva. Atualmente, a ideia de que nossos bancos eram adequadamente capitalizados e supervisionados soa como uma piada de péssimo gosto. E agora a bagunça das hipotecas está transformando em falácia a sugestão de que dispomos de meios críveis de fazer cumprir os contratos – na verdade, cabe perguntar se nossa economia está sujeita a algum tipo de código de leis. A história até o momento: Uma quebra imobiliária épica e a persistência de um alto índice de desemprego levaram a uma epidemia de inadimplência, com milhões de proprietários de imóveis atrasando o pagamento de suas hipotecas. Assim, os financiadores – as empresas que recolhem os pagamentos em nome dos detentores das hipotecas – executaram muitas dívidas, apropriando-se de muitos imóveis. Mas será que tais empresas têm realmente o direito de se apropriar desses lares? As histórias de horror têm se multiplicado, como o caso do morador da Flórida cuja casa foi tomada apesar de ele não a ter hipotecado. Parece que certos envolvidos têm ignorado a legislação. Os tribunais têm aprovado execuções hipotecárias sem exigir que os financiadores apresentem a documentação apropriada; em vez disso, eles têm confiado em atestados assegurando que a papelada está em ordem. E esses atestados em muitos casos foram produzidos por “burocratas robôs”, funcionários de baixo escalão que não fazem ideia da veracidade destas garantias. Agora uma terrível verdade está chegando à superfície: em muitos casos, a documentação não existe. No frenesi da bolha, boa parte dos empréstimos imobiliários foi feita por empresas suspeitas que tentavam gerar o maior volume possível. Estes empréstimos foram vendidos a “trustes” hipotecários, os quais, por sua vez, os repartiram e misturaram em valores mobiliários lastreados por hipotecas. Os trustes eram obrigados pela lei a obter e manter em sua posse as notas hipotecárias que especificavam a obrigação do solicitante. Mas agora parece claro que tais formalidades foram muitas vezes negligenciadas. E isto significa que muitas das execuções hipotecárias que estão ocorrendo são, de fato, ilegais. Isso é muito, muito ruim. Para começar, é quase certo que um número significativo de solicitantes está sendo alvo de fraudes – recebendo cobranças indevidas e acusações de inadimplência quando na verdade não estão faltando com os termos dos seus acordos de empréstimo. Além disso, se os trustes não forem capazes de provar que realmente são os donos das hipotecas sobre as quais têm vendido participação, os patrocinadores destes trustes enfrentarão processos por parte de investidores que compraram tal participação – uma participação que, em muitos casos, vale hoje apenas uma fração do seu valor nominal. E quem são estes patrocinadores? Grandes instituições financeiras – as mesmas instituições supostamente resgatadas por programas do governo no ano passado. Isto significa que a bagunça das hipotecas representa a ameaça de uma outra crise financeira. O que pode ser feito em relação a isto? Seguindo o próprio perfil, a resposta do governo Obama tem sido a de se opor a medidas que possam desagradar aos bancos, como uma moratória temporária nas execuções hipotecárias enquanto alguns dos problemas são solucionados. Em vez disso, o governo pede educadamente aos bancos que se comportem de maneira exemplar e limpem a própria reputação. Afinal, isto funcionou tão bem no passado, não é mesmo? Entretanto, a resposta da direita é ainda pior, é claro. Os republicanos do congresso estão mantendo a discrição, mas comentaristas conservadores como os editorialistas do Wall Street Journal têm chamado de mera trivialidade a ausência da devida documentação. Com efeito, eles estão dizendo que se um banco diz ser o proprietário da sua casa, o melhor é acreditar na palavra dele. Para mim, isto evoca a época em que os nobres se sentiam no direito de tomar o que quer que desejassem, sabendo que os camponeses nada poderiam fazer nos tribunais. Ao que parece, há pessoas que pensam nesta época como os “bons tempos”. O que deveria ocorrer? Os excessos dos anos da bolha criaram um atoleiro jurídico no qual os direitos de propriedade estão mal definidos porque ninguém possui a documentação adequada. E, onde não existe direito de propriedade definido, cabe ao governo criar tal direito. Isso não será fácil, mas há boas ideias em circulação. O Centro pelo Progresso Americano, por exemplo, propôs conferir aos conselheiros hipotecários e a outras entidades públicas o poder de modificar diretamente empréstimos problemáticos, garantindo a validade de sua decisão a não ser que o financiador da hipoteca entre com recurso. Isto ajudaria a esclarecer as coisas e também a nos tirar do atoleiro. Uma coisa é certa: o que estamos fazendo no momento não está funcionando. E fingir que está tudo bem não vai convencer a ninguém. ------------------------Valor Econômico - 18/10/2010 Câmbio e contas externas: análise e perspectivas José Luis Oreiro e Eliane Araújo A retomada da tendência de valorização do real nas últimas semanas tem suscitado um intenso debate a respeito das possíveis consequências desse movimento na evolução futura das contas externas brasileiras. De um lado, constatamos a existência de uma posição que poderíamos denominar de "indiferença otimista". Segundo essa visão, num regime de câmbio flutuante, a intensificação dos desequilíbrios externos em função do movimento de apreciação da taxa real de câmbio levará, mais cedo ou mais tarde, a um movimento lento e gradual de desvalorização do câmbio devido à crescente escassez de divisas no mercado doméstico. Dessa forma, a ocorrência de uma "parada súbita" da entrada de fluxos externos para a economia brasileira estaria descartada a priori pela própria lógica do regime de câmbio flutuante. Nesse contexto, a permanência do regime de flutuação cambial seria condição necessária e suficiente para que o Brasil fique livre do risco de uma crise cambial. De outro lado, podemos constatar a existência de uma posição que poderíamos chamar de "realismo pessimista". Segundo essa visão, a sobrevalorização da taxa de câmbio desemboca, mais cedo ou mais tarde, numa crise de balanço de pagamentos, com consequências negativas para o nível de atividade econômica. O regime cambial é irrelevante para esse resultado, uma vez que a "exuberância irracional" dos mercados financeiros pode sustentar a sobrevalorização cambial por longos períodos, mesmo num contexto de déficits em conta corrente crescentes, por intermédio da entrada de capitais de curto prazo, atraídos pelo clima de "euforia" criado, ao menos em parte, pela própria valorização do câmbio. Dessa forma, a existência de regimes de câmbio flutuante não elimina a possibilidade de crises de balanços de pagamentos, pois a desvalorização cambial, quando ocorre, tende a ser extremamente rápida, desordenada, e causada por uma mudança súbita no "estado de ânimo" dos investidores internacionais a respeito da sustentabilidade futura das contas externas do país. O regime cambial não é relevante segundo essa visão, o que realmente importa é ter um "câmbio alinhado". Uma questão importante para os que defendem o "realismo pessimista" é identificar o grau de desalinhamento cambial prevalecente na economia brasileira. A metodologia usada pelos economistas, para lidar com esse problema é calcular um nível hipotético de taxa real efetiva de câmbio que prevaleceria na economia no caso em que os movimentos da taxa de câmbio fossem inteiramente explicados pelos "fundamentos", ou seja, por variáveis outras que não a própria "psicologia do mercado". Os autores deste artigo fizeram recentemente esse exercício para a economia brasileira com dados trimestrais para o período do terceiro trimestre de 1995 ao primeiro trimestre de 2010. Como fundamentos da taxa de câmbio selecionamos: índice de preços de commodities, termos de troca, taxa Selic, saldo da balança comercial como proporção do PIB e consumo do governo (dessazonalizado). Dessa forma, foi rodada uma regressão em mínimos quadrados da taxa real efetiva de câmbio contra as variáveis acima listadas, obtendo-se, a partir da mesma, uma série de valores para o que seria a taxa real efetiva de câmbio, determinada apenas pelos fundamentos. Essa série foi então comparada com os valores realizados da taxa real efetiva de câmbio. Ao se realizar essa comparação, constata-se que desde o primeiro trimestre de 2005 a economia brasileira convive com uma situação de sobrevalorização cambial, a qual é temporariamente eliminada no último trimestre de 2008 em função da forte desvalorização cambial ocorrida no Brasil após a falência do Lehman Brothers. Após o primeiro trimestre de 2009, contudo, constata-se o ressurgimento do problema da sobrevalorização cambial com a retomada do movimento de valorização do real. No início de 2010, a taxa real efetiva de câmbio encontra-se quase 20% abaixo do seu valor de referência determinado pelos "fundamentos". Qual o impacto dessa expressiva sobrevalorização cambial sobre a situação das contas externas ? Como é bem sabido, a partir de 2008, o Brasil voltou a exibir déficits em conta corrente após alguns anos de superávit nessa rubrica. Em 2008 e 2009 o déficit em conta corrente ficou em torno de 1,6% do PIB e a expectativa para 2010 é que o déficit em conta corrente alcance 2,5% do PIB. Nesse contexto a pergunta relevante a ser feita é saber em que medida esse comportamento resulta da sobrevalorização cambial verificada após 2005, ou é simplesmente reflexo do crescimento mais acelerado que a economia brasileira vem experimentando nos últimos anos. Para responder a essa pergunta, os autores desse artigo calcularam a elasticidade de longo prazo do saldo em conta corrente (SCC) como proporção do PIB com respeito a taxa real de câmbio e ao PIB real (dessazonalizado) para o período 1994-2009. Essas estimativas foram obtidas a partir de um teste de cointegração entre as variáveis em consideração. Os resultados mostraram que a elasticidade câmbio do SCC é 4,61 e a elasticidade renda é -1,59. Esses números mostram que a sensibilidade do saldo em conta corrente a variações da taxa de câmbio é muito maior do que a sensibilidade a variações da taxa de crescimento. Dessa forma, a sobrevalorização cambial verificada após 2005 tem uma contribuição maior para a deterioração das contas externas do que a aceleração do crescimento. A partir desses números podemos traçar um cenário bastante preocupante para o saldo em conta corrente até 2014. Considerando o crescimento médio de 5% para o PIB e a manutenção da sobrevalorização cambial, o saldo em conta corrente irá alcançar -4,1% do PIB em 2014. Se o câmbio real continuar se valorizando e alcançar o mínimo observado durante o primeiro mandato do presidente FHC, o rombo nas contas externas será ainda pior: 6,7% do PIB. Esses cenários mostram que uma mudança urgente na política cambial é necessária, não só para estancar o processo de valorização cambial, como, principalmente, eliminar a sobrevalorização cambial. Nesse caso, o saldo em conta corrente poderá ser reduzido para cerca de -0,6% do PIB em 2014. José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da UnB. E-mail: [email protected]. Eliane Araújo é professora do departamento de Economia da UEM. E-mail: [email protected]. ---------------------------- O Estado de S.Paulo - 17/10/2010 Que tripé? Eduard Amadeu e Andrei Spacov Vivemos sob a égide do tripé da prudência fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante. Mas é inegável que a política econômica do último ano contradiz a retórica oficial, haja vista a lenta corrosão de cada um desses três pilares. A deterioração do tripé é mais notável na política fiscal. Assistimos a uma manipulação mal disfarçada do superávit primário. Disfarçada porque o saldo oficial inclui receitas como a antecipação de dividendos de estatais e a venda futura de barris de petróleo. Mal disfarçada porque o esforço educativo para dar transparência às contas públicas no governo FHC tem o mérito de tornar óbvias essas artimanhas. O superávit que conta para a evolução da economia é muito menor do que o oficial. Outra manobra é a supercapitalização do BNDES, que, afora o subsídio do Tesouro, produz uma divergência entre as medidas líquida e bruta da dívida pública. A primeira vem caindo graças à igualdade contábil entre os valores dos títulos públicos para capitalizar o BNDES e dos ativos (empréstimos) do banco. Mas o valor de mercado desses ativos é incerto e há descasamento de prazos entre a dívida e os empréstimos do BNDES. Sendo assim, a dívida bruta do governo, que vem crescendo como porcentagem do PIB, se torna cada vez mais relevante que a dívida líquida. A deterioração do pilar fiscal contamina a política monetária. O Banco Central (BC) persegue uma meta de inflação ao calibrar o custo dos empréstimos quando fixa a taxa básica de juros (Selic). Mas o Ministério da Fazenda também atua sobre o custo e a oferta de empréstimos como único acionista do BNDES e da Caixa Econômica Federal e controlador do Banco do Brasil. Ao oferecer condições de crédito que o setor bancário privado não consegue (porque não tem subsídio nem garantia do Tesouro), os bancos oficiais privilegiam seus clientes em detrimento dos clientes do sistema privado. Para manter o custo de financiamento condizente com a meta de inflação, o BC precisa fixar a Selic acima do que seria não fossem as condições privilegiadas oferecidas pelos bancos oficiais. Quanto mais elevada a Selic, maiores os juros sobre a dívida pública e sobre os empréstimos do setor privado. Temos então um sistema dual, em que alguns privilegiados se financiam a juros abaixo do custo de endividamento do Tesouro e os demais, bem acima. Dual também porque o serviço da dívida compete com outros tipos de gastos, como saúde e educação, no Orçamento da União. Por último, a política monetária infesta o pilar cambial. Que governo no mundo paga mais de 10% de juros aos seus credores? O Brasil paga, e isso atrai tsunamis de dinheiro do resto do mundo. O governo, então, começa a construir diques para proteger o País dessas ondas gigantes - coloca IOF na entrada de capitais e intervém no mercado comprando dólares. Diga-se de passagem, esses dólares rendem juros próximos de zero e o governo, para evitar uma explosão de liquidez, vende títulos que pagam Selic. Não parece um bom negócio para o contribuinte. Ao afastar-se do tripé, o governo ressuscitou o modelo dos anos 70 e 80, de hipertrofia fiscal, que leva à distribuição de renda de contribuintes para credores do governo, dos que se financiam no mercado para os favoritos dos bancos oficiais, das gerações futuras para as atuais. Fora isso, está deixando para o próximo governo duas heranças: a piora no balanço dos bancos oficiais e da conta corrente do balanço de pagamentos, além do risco de o embalo do crédito se transformar numa bolha. Não parece óbvio que a principal providência para estancar a apreciação do real é criar as condições para reduzir os juros? Reduzir juros sem acelerar a inflação. Tecnicamente a solução é simples, embora a política, os interesses e a ideologia a tornem quase impossível. O governo bem que podia conter a avalanche de gastos e subsídios, deixar a política monetária para o Banco Central e permitir a redução dos juros. ECONOMISTAS DA GÁVEA INVESTIMENTOS -------------------------------O Globo - 18/10/2010 Falta a dimensão fiscal Paulo Guedes A morte de Tancredo era o prenúncio de uma transição ameaçada. A síndrome da ilegitimidade assombrava a Nova República. O novo presidente, político situacionista durante o regime militar, não resistiria às pressões pelo aumento dos gastos públicos e à busca da popularidade nos palcos esperançosos da redemocratização. Ali nascia a ideia de um combate indolor à inflação. Sem recurso à política monetária, uma insanidade, e à dimensão fiscal, uma temeridade que insistimos em praticar. Os legítimos gastos sociais de uma democracia emergente exigiriam reformas no Antigo Regime. Era uma oportunidade ímpar para a reforma de um aparelho de Estado moldado à sombra do regime militar, sem consideração pelo capital humano brasileiro. Mas políticos despreparados em matéria econômica e economistas preparados em assuntos políticos patrocinaram a mais longa sequência histórica de malsucedidas tentativas de estabilização. Descobrimos eventualmente o papel fundamental do Banco Central no combate à inflação e do câmbio flexível para corrigir desequilíbrios externos. Mas, por desconhecimento ou conveniência política, continuamos ignorando a importância da mudança no regime fiscal para a curta duração de um programa de estabilização bemsucedido. Que durasse dois anos, e não duas décadas. Com a menor taxa de sacrifício em redução de crescimento e destruição de empregos. A crença social-democrata de que a expansão dos gastos públicos é o melhor instrumento para a criação de empregos não se sustenta. Faça o teste você mesmo. Procure um economista de insuspeita simpatia por gastos públicos, um keynesiano, naturalmente. Faça-lhe a pergunta trivial: sob o regime de câmbio flutuante em ambiente de grande mobilidade de capitais internacionais, o que acontece se o governo expande os gastos para criar empregos? Ele dirá que sobem os juros internos, atraindo capitais externos, derrubando a taxa de câmbio, desestimulando exportações e a produção nacional que sofre competição dos importados. O dólar a R$ 1,60 é arma de destruição em massa de empregos. Quanto maior a mobilidade de capitais, bastante elevada nos dias de hoje, mais impotente a expansão dos gastos públicos para criar empregos. E maior a potência da política monetária expansionista. Um regime fiscal robusto permite derrubar juros, desvalorizar o real e estimular a produção e o emprego. --------------------------------O Estado de S.Paulo - 18/10/2010 Ambientalistas opõem-se ao desenvolvimento? José Goldemberg Como acontece em outras áreas - tais como as de tecnologia, de padrões de consumo e até da moralidade pública -, as grandes inovações que marcaram os avanços da civilização demoram a chegar ao Brasil. Essa é uma característica geral de países periféricos que ainda têm um peso relativamente pequeno no cenário internacional. As preocupações com a preservação ambiental caem nessa categoria, como ficou evidente na década de 70 do século passado. Na Conferência de Estocolmo de 1972, que deu origem aos esforços de reduzir a poluição no mundo todo, o Brasil teve um desempenho lamentável, defendendo posições como as que o economista e ex-ministro Delfim Netto expressou recentemente em entrevista ao jornalista Ricardo Arnt: "Se diziam que a indústria do aço ia sair da Europa por causa da poluição, eu respondia: vem para o Brasil, porque temos espaço bastante para a poluição e é mais importante fazer aço; da poluição cuidamos depois" (O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade - Editora 34). As percepções de Delfim Netto sobre meio ambiente, contudo, melhoraram muito desde então. Outro exemplo é dado, no mesmo livro de Ricardo Arnt acima citado, pelo também economista e ex-ministro Maílson da Nóbrega - que naquela época era alto funcionário do Banco do Brasil -, ao lembrar que a Rodovia Transamazônica (BR-230) foi criada "em meio ao clamor para se fazer alguma coisa que permitisse a expansão da fronteira agrícola e fosse capaz de resolver o problema de seca no Nordeste". Por essa razão, a legislação que criou a Transamazônica é a que criou o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), que tornou viáveis migrações para a Amazônia. Conta Maílson da Nóbrega que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a fazer uma usina de álcool na Transamazônica, ignorando que a cana "era belíssima, mas sem sacarose para produzir álcool ou açúcar". A ideia de que reduzir a poluição torna o crescimento econômico inviável é irracional, mas foi, e ainda é, o paradigma usado por muitos economistas e desenvolvimentistas no mundo todo. Foram essas visões incorretas que levaram ao surgimento do movimento ambientalista mais ligado à "esquerda", que atribui o crescimento predatório a um capitalismo selvagem e, portanto, no seu entender, a solução é combater o capitalismo como um todo. Por outro lado, o ambientalismo mais ligado à "direita" vem do século 19 e tem a característica de tentar preservar o meio ambiente e a paisagem, dando a eles um sabor imobilista que às vezes serve a interesses de grupos de pressão. No atual movimento ambientalista essas duas visões coexistem. A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 beneficiou-se do movimento ambientalista ligado à "esquerda". A escolha de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, no mesmo ano, refletiu esse apoio. Mas o que ocorreu é que o zelo da ministra em implementar a legislação ambiental logo se transformou num obstáculo às obras desenvolvimentistas que o governo pretendia realizar, como a transposição do Rio São Francisco e a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia. A ficção de que as teses da ministra Marina Silva eram levadas a sério dentro do governo se dissipou rapidamente, resultando na sua saída do governo - tardiamente, a nosso ver. Como resultado, porém, os ambientalistas acabaram sendo caracterizados como inimigos do desenvolvimento, atrasando desnecessariamente, por motivos fúteis, obras de grande vulto, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O presidente Lula contribuiu consideravelmente para essa tentativa de desqualificação do movimento ambientalista, acusado de se preocupar mais com os "bagres do Rio Madeira" do que com a geração de eletricidade. O problema fundamental aqui é o de distinguir entre o que os economistas chamam de "crescimento sustentável" - entendido como crescimento econômico sem sobressaltos e sem flutuações na taxa de câmbio - e o assim denominado "desenvolvimento sustentável", em que não somente o progresso econômico é levado em conta, como também o uso eficiente dos recursos naturais, com as melhores tecnologias disponíveis e com a preservação ambiental (na medida do possível). A primeira opção ("crescimento sustentável") é até viável por curtos períodos de tempo, mas só a segunda ("desenvolvimento sustentável") é duradoura. A primeira olha o curto prazo e a segunda, o médio e o longo prazos, sendo evidente que o atual governo só teve em mente o curto prazo. Por exemplo, o desmatamento da Amazônia para expandir pastagens para gado é uma atividade de baixo rendimento econômico que terá sérias consequências, porque vai mudar (e está mudando) o regime de chuvas de todo o País, além de contribuir significativamente para as emissões de gases que provocam o aquecimento global. Portanto, é essencial dirigir os rumos do crescimento econômico da região em outras direções, o que não foi feito. Argumentar que a Europa também destruiu suas florestas para progredir e que agora querem impedir-nos de fazer o mesmo reflete pura ignorância: a eliminação das florestas europeias ocorreu ao longo de mil anos e o Brasil está fazendo isso em 30 anos, na Amazônia. As únicas medidas sérias tomadas no Brasil nos últimos anos para orientar o País na direção do desenvolvimento sustentável foram a aprovação de leis propostas pelo prefeito Gilberto Kassab, no Município de São Paulo, e pelo ex-governador José Serra, no Estado de São Paulo, que estabelecem metas e prazos para reduzir as emissões de carbono (e outros poluentes) até o ano 2020. Essas leis vão conduzir o País a uma economia de baixo carbono e não constituem um freio ao crescimento econômico, mas, ao contrário, levarão a uma modernização da indústria brasileira, o que aumentará sua competitividade no comércio internacional. PROFESSOR DA USP, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO -------------------------- O Globo - 16/10/2010 A guerra cambial (II) Paulo Nogueira Batista jr. Volto à questão da “guerra cambial”. Desde que escrevi sobre o assunto nesta coluna há duas semanas, tivemos a reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, aqui em Washington. A “guerra cambial” foi intensamente discutida. Como seria de esperar, entretanto, não houve avanços em matéria de coordenação cambial ou soluções “globais”. A questão será retomada na reunião ministerial do G-20, na Coreia do Sul, semana que vem, e na reunião de cúpula do G-20, em novembro. Parece fácil prever: haverá calor, mas pouca luz. Os Estados Unidos continuarão praticando uma política monetária frouxa, que enfraquece o dólar. A China continuará resistindo a uma valorização substancial do yuan. Os demais países devem intensificar esforços para frear a subida de suas moedas. Formou-se um quadro de “não-apreciação competitiva”, como observou o economista americano Ted Truman. Consequência prática: o Brasil precisa dedicar-se com urgência à definição e implementação, em nível nacional, de medidas para evitar que o país seja prejudicado por esses movimentos cambiais. O aumento do IOF de 2% para 4% nas aplicações de investidores estrangeiros em renda fixa foi uma medida correta, porém insuficiente. Por que o pessimismo quanto à possibilidade de uma solução global? É que as tensões cambiais têm raiz na situação dos EUA e de outras economias avançadas. Essa situação não irá mudar tão cedo. O problema central é a debilidade da recuperação, o que resulta em níveis muito elevados de desemprego. Nos EUA, a política fiscal não produziu os efeitos desejados em termos de reativação da demanda. Há espaço fiscal para introduzir novos estímulos, mas o governo Obama não parece ter condições políticas de seguir esse caminho. Em consequência, a responsabilidade de estimular a economia está recaindo sobre os ombros da Reserva Federal. A política monetária tem sido ultra-expansiva. E o banco central prepara uma nova rodada de “relaxamento quantitativo”, o que significa basicamente injeção de liquidez pela compra de títulos públicos. Não se espera que a expansão monetária tenha grandes efeitos sobre a demanda doméstica nos EUA. Os consumidores estão endividados, desempregados, subempregados, ou com medo do desemprego. As empresas estão com nível elevado de capacidade ociosa e nível reduzido de confiança. Nesse ambiente, a eficácia da política monetária depende sobretudo da depreciação cambial e seus efeitos sobre exportações e importações. A desvalorização do dólar permite que a economia americana ganhe competitividade internacional e cresça ocupando mercados no exterior ou substituindo importações por produção nacional. Contudo, os demais países, a China à frente, não querem aceitar que as suas moedas se valorizem (ou seja, que o dólar se desvalorize). Pretendem preservar sua competitividade internacional e capacidade de exportar. O Brasil já fez a sua parte. Permitiu uma expressiva apreciação do real e desequilibrou seu balanço de pagamentos em conta corrente. Agora é preciso tomar providências para evitar que prossiga a valorização da moeda nacional. Isso inclui apertar a política fiscal para permitir uma queda dos juros internos, continuar acumulando reservas internacionais e adotar medidas de regulação dos fluxos de capital e de natureza prudencial na área financeira (inclusive no que diz respeito a derivativos). Nelson Rodrigues dizia: “Em todo casamento, há uma vítima; e há que se fazer todo o possível para não ser essa vítima”. Da mesma forma, pode-se dizer: em toda guerra cambial há vítimas; e há que se fazer todo o possível para não ser uma dessas vítimas. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal. ----------------------------------Folha de S.Paulo - 17/10/2010 Recuo estratégico Rubens Ricupero MUDARAM TANTO as premissas da economia mundial que é inevitável reavaliar a forma como esperamos nos inserir pelo comércio no espaço globalizado, inclusive em relação à integração da América Latina. Nos primórdios da integração, o mundo aparecia como simples dualidade. Bastaria industrializar a região para exportar manufaturas simples aos abastados: EUA, Europa e Japão. Não existiam, em 1960, riscos de concorrência do lado de outros subdesenvolvidos. Sobretudo não existiam ameaças da China nem da Índia. Hoje, a presença avassaladora da China subverteu todas as premissas. Suas manufaturas deslocam as latino-americanas, mesmo favorecidas por acordos de livre comércio, do mercado dos EUA. Insaciáveis, os chineses invadem também mercados latinos nos nichos antes destinados a outros latinos (por exemplo, os produtos brasileiros substituídos pelos chineses na Argentina). Desaparecem, assim, um a um os possíveis mercados imaginados pela integração. O que sobra para a indústria nacional -até quando?- é parcela cada vez menor do mercado interno. A China cria com seus mercados relação de dependência que alguns confundem com a superação da antiga divisão internacional do trabalho. Compensa os deficits dos EUA comprando dólares, o que lhe permite manter desvalorizada a moeda. Dos asiáticos importa insumos, integrando-os em sua cadeia produtiva. Aos latinos e africanos adquire commodities. Exceto no caso dos asiáticos, a consequência da política comercial chinesa é solapar a indústria dos demais. Ora, a industrialização foi sempre a premissa da integração regional. Não havendo chance de se industrializar, como se integrarão entre si os latinos ou africanos? Pelos serviços, a agricultura? Foram também os empregos industriais que permitiram a transformação de antigos camponeses em operários de classe média nos subúrbios das cidades europeias e dos EUA. Neste último, foi a indústria que integrou os negros emigrados do Sul. A comprovada eficiência da indústria como integradora social está sendo agora utilizada pela China e a Índia a fim de absorver centenas de milhões de camponeses que se transferem às cidades. O único problema é que fazem isso não tanto pelo consumo interno, mas ocupando os mercados alheios, inclusive os nossos. Depois do deficit de US$ 28 bilhões do mês passado, os EUA dão sinais de que estão chegando ao limite. Querem restringir os chineses e dobrar as próprias exportações, entre outros ao Brasil. Com nosso atraso e nossa pobreza, podemos nos dar ao luxo de emprestar o mercado para que os demais resolvam seus problemas? Impõe-se um recuo para reavaliar nossa estratégia global. Primeiro, se quisermos manter a indústria, temos de deter a enxurrada de importações beneficiadas por moeda manipulada e práticas desleais de comércio. Segundo, se vamos depender de commodities, cujos mercados estão na Ásia, os mercados da América Latina passarão a ter importância residual e secundária. Cedo ou tarde, a indústria brasileira, estrangulada em sua expansão interna e de exportação, não terá condições tecnológicas e de custo nem para aproveitar as preferências tarifárias ainda existentes. ---------------------------O Estado de S.Paulo - 18/10/2010 O que há de errado com o País? Fabio Giambiagi Daqui a dois anos farei 50 anos. Formei-me em 1983, no meio da pior recessão do País no pós-guerra. Minha geração viveu o governo militar, a frustração de ver que a redemocratização se revelara inicialmente incapaz de resolver os grandes problemas econômicos do Brasil e os anos cinzas da hiperinflação reprimida entre 1986 e 1994. Quando nós que nascemos no final dos anos 50 ou começo dos anos 60 tínhamos em torno de 30 anos, no começo da década de 1990, a sensação que se tinha era de completa falta de perspectivas: o País estagnado, uma inflação absurda - que chegou a 3% ao dia! -, o crime aumentando nas grandes cidades, o desemprego subindo e uma distribuição de renda que envergonhava a todos. Pensar em "autoestima nacional" nesse contexto era simplesmente inviável. A piada uma espécie de exercício de autoflagelação - de que "a saída para o Brasil é o Galeão" (ou Guarulhos) era voz corrente na classe média carioca ou paulista na época. Duas décadas depois disso, o panorama atual é completamente diferente. A hiperinflação pertence aos livros de História - nossos filhos são incapazes sequer de entender esse conceito. A inflação anual de hoje é equivalente à que se acumulava em dois dias em outras épocas. O crescimento foi se firmando. Os indicadores de violência estão em queda nas grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. O desemprego é baixo e a distribuição de renda tem dado mostras de melhorar de modo contínuo. E, entretanto, o País não irradia otimismo. Um conjunto de dados como os que foram acima citados deveria ser motivo de congratulação do Brasil como um todo, pois são uma conquista coletiva, da mesma forma que o Chile como país se orgulha de estar deixando a pobreza para trás ou que, mal comparando, todo europeu de 50 anos na década de 1970 teria todos os motivos para se orgulhar do que a Europa tinha feito com o desenvolvimento do continente, 25 ou 30 anos depois do cenário de devastação que existia em 1945. Porém, não é de sensação de bem-estar com o Brasil o clima que se vive no País. Que a maioria da população está satisfeita, não resta a menor dúvida. Isso é diferente, porém, de as pessoas estarem satisfeitas com o País em que vivem. Há um clima ruim no ar - e isso não faz bem a ninguém. Os argentinos têm se referido ao ambiente que impera por lá há bastante tempo, acentuado pela radicalização verbal do casal Kirchner, como sendo de "crispación permanente". Em menor escala, algo do gênero pode estar em curso aqui. Como pode um parlamentar oposicionista ameaçar "bater" no presidente da República, como em conhecido episódio ocorrido em meados da década? Como é possível, por outro lado, dos palanques oficiais se pregar a "extinção" de um partido de oposição? Ou como podem algumas pessoas, por conta desse clima, se sentirem como se estivessem na Rússia de Stalin? Em outras palavras, há um clima político que não condiz com o que o País fez de bom nos últimos 20 anos - incluindo os governos tanto do PSDB como do PT. O País precisa de um pouco de concórdia e de algo mais de sabedoria e sensatez, de parte a parte. Quem dará o tom da relação entre as diferentes forças políticas é o futuro presidente (ou presidenta). É ele(a) quem definirá a agenda, estabelecerá a pauta no Congresso Nacional e terá poder de comando sobre os acontecimentos políticos. Dificilmente haverá chances de algum tipo de melhoria de ambiente prosperar, se prevalecer a beligerância que caracteriza as relações entre governo e oposição depois que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - que executava a arte do diálogo com maestria - saiu do governo. O País precisa que sejam desarmados os espíritos, bem como que cada parte saiba entender melhor a lógica de comportamento da outra. O governo tem de entender que o papel da oposição é... ser oposição! E que isso faz parte das regras do jogo da democracia. E a oposição, por sua vez, deve entender que é próprio da função dela fazer denúncias - mas que ela não pode fazer apenas denúncias, sem ter também um elenco claro de propostas, entre outras coisas porque, caso contrário, corre o risco de continuar minguando, como tem ocorrido com sua representação parlamentar desde 2002. O Brasil avançou, mas, se o brasileiro não se orgulha do país em que vive, é porque existe a percepção de que as instituições não funcionam bem. Governo após governo, nos três níveis da Federação e com membros de todos os partidos, os escândalos se sucedem, sem que haja punição, e há grandes massas de recursos muito mal gastos. Atacar essas questões é uma tarefa pendente que demanda um aprimoramento institucional que requer, entre outras coisas, leis modernizantes e um zelo particular das autoridades no combate sem trégua à corrupção e às irregularidades. É para essas questões que se deve voltar o esforço político. O País ganharia se, passada a contenda eleitoral, fosse possível aos diferentes grupos em disputa dar "adiós a las armas". Será que conseguiremos? ECONOMISTA, É AUTOR DE ""REFORMA DA PREVIDÊNCIA"" (ED. CAMPUS) ------------------------------Valor Econômico - 18/10/2010 Descolamento entre ricos e emergentes Luiz Carlos Mendonça de Barros Após um longo período em que os preços dos principais ativos financeiros dos países emergentes flutuaram em sintonia com os dos países ricos, nas últimas semanas os mercados de ações emergentes mais importantes descolaram dos índices do G-7. Uma forte indicação desse novo período de descolamento entre mundo emergente e mundo desenvolvido aparece quando se compara o índice "MSCI - Mercado emergente" e o S&P500, um dos principais índices utilizados por Wall Street para acompanhar o mercado americano de ações. O "MSCI - mercado emergente" é um índice criado pelo Banco de Investimentos americano Morgan Stanley e composto por ações de vários países emergentes. O Brasil participa nesse indice com cerca de 16% do total. No gráfico - que apresenta a relação entre os dois índices - o leitor do Valor pode identificar com clareza esses dois períodos. Mesmo depois do colapso do banco Lehman Brothers em julho de 2008, o valor das ações dos mercados emergentes continuou crescendo bem acima do S&P. Entre janeiro e outubro de 2009 essa diferença chegou a mais de 35%, seguida depois por vários meses de estabilidade. Se utilizarmos outros índices que refletem a dinâmica de preços de outras importantes Bolsas de Valores, como o FTSE em Londres e o DAX em Frankfurt, chegamos ao mesmo quadro. Os grandes investidores institucionais, principalmente fundos de pensão e fundos soberanos, com uma participação desproporcionalmente baixa dos seus recursos alocada no mundo em desenvolvimento, iniciavam naquele momento um movimento mais forte de compra de papéis fora do G-7. Por isso a valorização apresentada no gráfico. Mas a partir do momento em que as incertezas sobre a política econômica chinesa e os riscos de um novo mergulho recessivo das economias desenvolvidas - principalmente os Estados Unidos - começaram a dominar novamente corações e mentes dos investidores, os mercados emergentes começaram a oscilar novamente junto com os mais maduros. Olhemos novamente para o gráfico: entre março e julho de 2010, os temores de recessão global derrubaram todos os mercados, mas desta vez os emergentes caíram mais, penalizados pelas dúvidas sobre China. Mas essa fase de insegurança começou a mudar novamente a partir do terceiro trimestre de 2010. Com a atividade econômica nos países emergentes voltando a dar claros sinais de forte aceleração, nem os receios de um novo enfraquecimento da economia americana conseguiram manter os mercados emergentes no limbo. E o aumento da relação MSCI emergentes / S&P voltou a ocorrer, como mostra o gráfico, no período julho de 2010 ate hoje. A tão proclamada racionalidade dos mercados financeiros parece não fazer parte do dia das Bolsas de Valores, como já se sabe desde que Keynes as comparou com um cassino. Por isso ainda é prematuro considerar como perene essa tendência recente de uma valorização maior dos preços das ações nos mercados emergentes. Com certeza uma nova rodada de números mais fracos sobre a atividade econômica nos Estados Unidos pode jogar os preços das ações emergentes de novo no limbo da insegurança dos investidores do primeiro mundo. Mas para que isso aconteça será preciso um desastre maior do que os analistas têm chamado de "Novo Normal" nas economias avancadas, isto é, um crescimento nos próximos trimestres da ordem de 1,5% a 2% ao ano. Nesse cenário, de uma parte importante do mundo crescendo de forma medíocre e com uma grande capacidade ociosa em seu sistema produtivo, os bancos centrais do G-7 terão que manter a política monetária expansionista de hoje. Ora, os juros internacionais extremamente baixos e a falta de perspectiva para os lucros das ações do primeiro mundo são a combinação que me parece estrutural para perenizar - pelo menos nos próximos meses - a valorização dos mercados acionários dos emergentes. Outro risco sério para a continuidade do otimismo com os mercados como o brasileiro é a chamada guerra de moedas, como bem definiu nosso ministro da Fazenda. O que saiu do encontro do FMI na semana retrasada foi uma clara indefinição sobre as perspectivas de coordenação global. Ainda há tempo para alguma convergência até a próxima reunião do G20 no início de novembro, mas se os países partirem para um tudo ou nada em 2011, inclusive com medidas protecionistas, poderemos mergulhar em uma crise mais profunda. E nessas condições nem mesmo a mais sólida das economias emergentes teria condição de normalidade. Por isso o meu otimismo qualificado com os próximos meses. Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretorestrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações -------------------------------O Estado de S.Paulo - 17/10/2010 Mais inflação, por favor Alberto Tamer Sim, um pouquinho mais de inflação nos países desenvolvidos não faz mal. É o remédio heroico recomendado por muitos economistas para que eles saiam desse clima de inércia e recessão. O Brasil não precisa disso porque já tem bom crescimento e inflação alta, mas, lá fora, a pasmaceira é geral. A inflação média mundial estagnou abaixo de 2%, o indicador mítico e aleatório que inventaram para evitar desequilíbrios "terríveis". Em alguns países, recua. Nos EUA, os preços aumentaram 0,1%(!!!) em setembro. No ano, não passa de 1,7% e, na Zona do Euro, só mais 0,2%. As duas economias pararam de crescer e até enfrentam novamente o risco de recessão. Parece que não há muitas saídas no momento, afirma o Nobel de Economia Paul Krugman, tese que defende há tempos e agora ganha seguidores. E não houve muita surpresa que o mais recente adepto tenha sido agora o presidente do Fed, Ben Bernanke. O banco central americano que, na verdade, está lançando um novo desafio para o mundo. Vamos crescer mesmo com base numa nova política monetária, sem nos preocuparmos muito com as consequências que isso possa ter em outros países. Ora, ora, a inflação. Bernanke afirmou na sexta-feira a intenção do Fed de adotar "medidas especiais de estímulo à economia" que, na verdade, representam mais liquidez no mercado com mais emissão de dólares, como fez no passado. Ele não teme pressão inflacionária e, sim, a deflação provocada pelo desemprego elevado e baixo índice de inflação. "O comitê deve considerar os custos e os riscos associados com o uso de ferramentas não convencionais quando analisar se políticas acomodatícias adicionais podem ser benéficas", disse Bernanke. Em tradução livre, vamos emitir dólares, títulos, facilitar crédito, usar todas as armas disponíveis e fazer tudo o que nos resta para que a economia volte a criar empregos e crescer. Os EUA não podem mais contar com redução do juro básico - negativo em termos reais e muito menos com o mercado externo. Acumulam déficits comerciais que aumentam mês a mês, trazendo desemprego e o consumo. E, apesar dos esforços e da agressividade do governo, não há sinais de que essa tendência possa mudar nos próximos meses. A conclusão é que a economia só pode voltar a crescer por dentro. Com inflação ou sem inflação. Quem paga? Sem dúvida alguma, essa nova política monetária terá um custo para o mundo. Qual? Depende dos reajustes que os outros países fizerem para se adaptarem a essa nova situação. O economista e colunista do Financial Times Martin Wolf lembra que são novos desafios. É preciso haver mudanças, com os países avançados com déficits elevados reduzindo o endividamento; as taxas de câmbio se elevando nas economias com posições externas mais robustas, precisam ser valorizadas, sustentando-se pelo aumento da demanda interna. Tudo isso em ajustamento ao impacto desigual da nova política monetária expansionista americana. Uma fábrica de dólares. Quem vai vencer? "Os EUA porque dispõem de munição infinita: não há limite para o volume de dólares que o Fed pode criar." E Wolf vai mais longe. "O que precisa ser discutido são os termos de rendição do restante do planeta: as mudanças necessárias nas taxas nominais de câmbio e nas políticas internas( dos países) no mundo." Brasil na encruzilhada. E aqui, registra a coluna, chegamos à encruzilhada sem destino previsível. Não precisamos aumentar a inflação para crescer porque ela está alta até demais. Ao contrário, o BC pode até ser obrigado a aumentar o juro para contê-la. Mas isso atrairá aqueles mesmos capitais externos que os EUA jogam agora ainda mais no mercado. Vai haver muita escuridão até o fim do túnel. ------------------------------- O Estado de S.Paulo - 18/10/2010 Nobel de Economia e lições para o Brasil Hélio Zylberstaj O Prêmio Nobel de Economia 2010 concedido a Peter Diamond, Dale Mortensen e Christopher Pissarides é um reconhecimento merecido pela sua contribuição para o entendimento da persistência do desemprego nas economias desenvolvidas. Pretendo, a seguir, fazer uma breve síntese dessa mensagem para, em seguida, extrair uma conclusão aplicável ao caso brasileiro. Para começar, os trabalhos de Diamond, Mortensen e Pissarides reforçaram o reconhecimento da relevância do ambiente macroeconômico para explicar a taxa de desemprego, mas levaram também à percepção de que mudanças na macroeconomia podem ter diferentes impactos no desemprego, dependendo dos detalhes microeconômicos do mercado de trabalho. O desemprego não decorre simplesmente da falta de vagas. Os trabalhos dos laureados reconhecem que, mesmo quando existem vagas de emprego, pode haver gente sem trabalho. Acontece que o mercado está sempre em movimento. Simultaneamente, empregos são destruídos e criados. Trabalhadores são demitidos, outros pedem demissão. Alguns saem do mercado, outros entram. Todos esses fluxos contribuem para a taxa de desemprego, cada um à sua maneira. Tomemos, por exemplo, o fluxo de trabalhadores que pedem demissão. Esse fluxo não aumenta a taxa de desemprego porque, em geral, quando alguém se demite, já tem outro emprego acertado. Muitas vezes começa a trabalhar já no dia seguinte. Por outro lado, quando as empresas demitem, criam um fluxo que engrossa o grupo dos desempregados, porque os demitidos precisarão de algum tempo para encontrar o novo emprego. A forma como se dá a procura de emprego pode afetar a taxa de desemprego também. Desempregados que se esforçam e procuram intensamente novas oportunidades as acabam encontrando mais rapidamente. Já os que procuram com menos esforço ficam mais tempo desempregados. Da mesma forma, as empresas podem anunciar suas vagas para um público maior e encontrar candidatos rapidamente, ou podem ser menos eficientes na procura por candidatos e demorar a preencher suas vagas. O tempo da procura de emprego depende do que os desempregados esperam ganhar no novo posto de trabalho. Cada um tem um salário desejado na cabeça e interrompe a procura quando encontra uma empresa que oferece aquele salário. O salário desejado é uma variável crítica para a taxa de desemprego. Quanto maior, mais tempo leva a procura, mais desempregados permanecem nessa condição e maior a taxa de desemprego. Pesquisadores comprovaram empiricamente que a generosidade do seguro-desemprego pode aumentar o tempo de procura de emprego. O valor e a duração do segurodesemprego aumentam o salário desejado pelos desempregados e provocam dois efeitos. Um, ruim, seria o aumento da taxa de desemprego. Outro, bom, seria a qualidade do "casamento" do desempregado com a nova vaga. Como o segurodesemprego permite uma procura mais calma e cuidadosa, o encontro candidato-vaga é de melhor qualidade e o desligamento será menos provável. Um custo maior para um benefício também maior. A partir do trabalho dos laureados com o Nobel se reconheceu a importância dos contatos pessoais na procura de emprego. Pessoas bem relacionadas socialmente encontram empregos mais rapidamente. Não é à toa que muitas empresas anunciam as novas vagas para seus próprios empregados, pois o boca a boca é uma arma importante e barata para encontrar as pessoas certas. Essa teoria toda serviria para o Brasil? Afinal, nos anos recentes, a taxa de desemprego caiu muito e as perspectivas para o mercado de trabalho são favoráveis. Será que precisamos nos preocupar com esses detalhes microeconômicos, quando os aspectos macroeconômicos são tão exuberantes? Na verdade, sim. Temos de nos preocupar porque o crescimento por si só não está conseguindo trazer todos para o emprego. Há pelo menos dois grupos de brasileiros que ainda sofrem muito com o desemprego: os jovens e os pobres. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego, a taxa de desemprego entre 15 e 24 anos é de 16% (três vezes maior do que entre 25 e 39 anos). De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de desemprego entre os 20% mais pobres é de 42% (sete vezes maior do que entre os 20% mais ricos!). Os trabalhadores pobres e os jovens continuam vulneráveis ao desemprego, apesar do bom desempenho macroeconômico recente. À luz dos ensinamentos de Diamond, Mortensen e Pissarides, pode-se concluir que apenas mais crescimento econômico não garantiria emprego para os pobres e os jovens, porque algo diferente acontece com a sua inserção no mercado de trabalho. Seus empregos têm curta duração, sofrem muita rotatividade. Ficam mais tempo procurando emprego do que empregados. Pode até haver empregos para eles, mas são de curta duração. E, como os jovens e os pobres nessa condição são muitos, a taxa de desemprego permanecerá alta, enquanto não encontrarmos uma solução. Nos últimos anos, o governo tem procurado adequar o perfil desses trabalhadores às vagas existentes por meio de programas de treinamento. O insucesso dessa política sugere que talvez devêssemos inverter o jogo e simplesmente criar empregos adequados para o seu perfil. PROFESSOR DA FEA/USP, É PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES DE EMPREGO E TRABALHO (IBRET) ------------------------------O Estado de S.Paulo - 17/10/2010 Devoção não é tudo Celso Ming A gente já sabe o que a Dilma e o Serra pensam a respeito do aborto. Sabe, também, que são devotos fervorosos de Nossa Senhora Aparecida. Há uma boa dose de informações sobre quanto divergem ambos a respeito da privatização de empresas estatais e do apreço que têm pela segurança, pela saúde e pela educação do povo. Mas até agora nenhum dos dois entendeu que seria importante debater questões vitais para a economia brasileira: o que fazer diante da atual guerra cambial; que tratamento dar para a conta da crise global que os países ricos estão empurrando para os emergentes; como gerenciar as finanças públicas corroídas neste final de governo Lula; e como ficará a política de juros e o sistema de metas de inflação na arrumação que vier a ser dada à economia. Sobre tudo isso, paira uma densa escuridão. É verdade que a candidata Dilma Rousseff tem passado mensagens de que vai dar continuidade à política econômica do atual governo que ela, com boa dose de razão, considera vitoriosa, sem admitir, nem de boca cheia nem de boca vazia, que tudo começou oito anos e meio atrás com o Plano Real, que ela e o PT combateram. Mas falar que tudo vai continuar como antes não diz muita coisa, por duas razões. Primeira, porque o presidente Lula vai terminando seu mandato com tudo meio largado, lançando mão de mandracarias para passar a impressão de que vai cumprir a promessa de um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 3,3% do PIB. Assim, o compromisso de início de governo não está sendo executado e, com isso, não se sabe que política Dilma vai manter, se a da fase 1 ou se a da fase 2. Segunda razão, o mundo não é mais o mesmo, a crise mudou de cara, já não é apenas a do subprime, nem a do estrangulamento do crédito, nem a da quebra dos bancos, nem a da encalacrada fiscal dos países ricos. É isso tudo junto com a guerra de moedas. E essa guerra está despejando um montão de dinheiro sobre economias emergentes, cujo resultado é a asfixia do setor produtivo (e não só da indústria). Isso parece exigir novas medidas que, no entanto, não vêm sendo objeto das propostas apresentadas por Dilma. José Serra também não disse o que pretende. Afirma que "tem ideias próprias" e, com isso, parece deixar claro que não se compromete nem com a política econômica do Fernando Henrique nem com a do Lula. Mas, se é isso, qual seria essa via própria? Alguns dos seus pensamentos já foram externados por aí. Sabe-se que o economista Serra é um fiscalista de velha cepa e que não tolera desequilíbrios orçamentários, o que parece bom. Mas sabe-se também que não é entusiasta do princípio de autonomia do Banco Central. Nos dois ou três últimos anos criticou a política de juros e avisou, sem dizer como, que empurrará para cima a cotação do dólar. Isso também pode ser bom, mas em nenhum momento se soube como seria feita a arrumação da casa sem criar confusão e sem pôr em risco os enormes investimentos que têm de ser feitos em infraestrutura e na formação de gente para o Brasil grande que vem vindo aí. Ainda há três debates na TV e duas semanas de campanha, tempo de sobra para esclarecer o eleitor sobre que programas econômicos, dos quais depende seu emprego e seu salário, estará escolhendo no dia 31 de outubro. Mas será que os candidatos estão dispostos a debater política econômica? Reservas externas O gráfico mostra a pilha de reservas internacionais amealhadas por seis países que têm em comum políticas de defesa de sua economia contra a excessiva entrada de dólares. Legítima defesa Esses países (o Brasil inclusive) começam a ser apontados como obstáculos para o ajuste. Outro jeito de ver a mesma coisa é dizer que são países que tratam de se defender como podem da transferência da conta da crise, que é dos Estados Unidos, para o resto do mundo. -------------------------- Valor Econômico - 18/10/2010 Prioridades na relação com o exterior Sergio Leo Os ministérios da Fazenda e de Relações Exteriores dividirão, neste fim de governo, o protagonismo na atuação da política externa em matéria econômica. Em um campo, pelo menos, nenhum dos dois ministérios deverá exercer muita atividade: as negociações multilaterais de comércio, na OMC, ou negociações entre Mercosul e outros parceiros, como União Europeia, estão em modo inercial: haverá reuniões de técnicos e autoridades para discutir o assunto, mas ninguém em Brasília põe muita fé em resultados práticos. O mesmo não acontecerá nas negociações sobre as ameaças de ressurgimento da crise financeira. As reuniões para debater o tema não só contarão até com a presença do presidente Lula, que vai à Coreia para a reunião do G-20, em novembro, como têm recebido forte atenção, especialmente do Ministério da Fazenda. Trata-se de descobrir como aproveitar esse esforço diplomático, de coordenação de políticas econômicas, para evitar a "guerra cambial" denunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ou, dada a inflexibilidade dos governos envolvidos, tentar reduzir os danos desse salve-se quem puder em que se transformaram as políticas econômicas mundiais. Não será possível atribuir ao fantasioso antiamericanismo do Itamaraty o novo foco potencial de atritos entre Brasil e EUA: os americanos querem aproveitar a reunião do G20 para concentrar forças na pressão contra a China, acusada de depreciar artificialmente sua moeda e inundar de produtos baratos os mercados mundiais. Os brasileiros, embora também temam as hordas de importados chineses, veem com maior preocupação, no momento, as medidas dos EUA para combater o próprio desaquecimento econômico. No esforço para estimular o consumo e evitar a deflação, os EUA combinam política de juros baixíssimos e derrame de dólares na economia, sob a forma de recompra de títulos públicos ou pela liberação de depósitos dos bancos retidos pela autoridade monetária. É uma política que desvalorizará ainda mais o dólar; um favor aos exportadores americanos e uma ameaça a produtores de países como o Brasil. O Brasil vai ao G-20 com um discurso contrário às medidas unilaterais e descoordenadas, e favorável a maior diálogo e articulação entre as políticas monetárias dos países, para uma estratégia global contra a crise. O ambiente de desconfianças e falta de disposição pode ser medido, porém, pelo constrangimento recente das autoridades anfitriãs, na Coreia, acusadas pelo Japão de não ter autoridade para presidir o encontro do G-20. Tudo porque o governo coreano partiu para políticas ativas de intervenção no mercado de câmbio tentando evitar a valorização da moeda nacional. Com a guerra cambial em período de movimentação de tropas, os esforços internacionais parecem pouco produtivos, o que aumenta a importância das políticas internas para tratar do problema. No Brasil, a maior discussão é sobre como reduzir a taxa de juros, que atrai investidores, inflaciona o país de moeda estrangeira e valoriza ainda mais o real, agravando a perda de competitividade nacional. Os candidatos à Presidência da República são vagos e às vezes contraditórios ao falar do problema, que parece exigir algum aperto nos gastos públicos e maior controle da entrada de capital no país. Um dos pontos interessantes que deveriam ser cobrados dos candidatos nos próximos debates públicos é a política para o BNDES, forte componente da estratégia de crescimento do atual governo. Economistas ligados aos tucanos acusam o banco de sabotar a política monetária, ao emprestar com juros subsidiados a poucos investidores, obrigando o Banco Central a elevar mais do que deveria as taxas de juros cobradas do restante, para manter a eficácia da política de contenção da demanda inflacionária. No campo governista, não se fala em mudanças nessa política, enquanto personagens ligados à candidata se alternam entre anunciar uma iminente política de contenção de gastos e declarar que ela não é tão necessária assim. Nesse cenário de suspeitas e choques entre governos, lá fora, e de indefinição e disputa eleitoral, no país, faz bem o Itamaraty em aproveitar o pouco tempo que resta ao governo atual insistindo em reforçar os laços entre os países do Mercosul, antes que as tendências de fragmentação comprometam o frágil projeto de bloco regional. Como antecipou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ao Valor, o Brasil, na presidência temporária do Mercosul, quer fixar neste ano cronogramas e tomar decisões para aumentar a coordenação e integração, entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em matéria de tarifas de importação, regras para serviços, compras governamentais e investimentos. É muito, mas ainda insuficiente para conter as ameaças à competitividade das exportações brasileiras, que terão de buscar nas políticas internas as medidas para enfrentar a concorrência estrangeira. Sergio Leo é repórter especial --------------------------------O Estado de S.Paulo - 16/10/2010 Cliente indesejado Celso Ming Os planos de saúde têm horror a associados com mais de 60 anos. Às vezes com um certo jeito, e outras com truculência, fazem de tudo para alijá-los do seu sistema. A expectativa de vida da população está aumentando e os administradores de medicina de grupo parecem despreparados para enfrentar a transformação da pirâmide etária. Comprometeram-se a fornecer um pacote vitalício de serviços de saúde em troca de uma mensalidade previamente acertada, mas não estão entregando o contratado. Há de tudo na história do setor. Há as empresas que cresceram como massa fermentada, sem planejamento estratégico e sem preocupação com alocar adequadamente seu patrimônio e depois quebraram. Há aquelas que fixaram as mensalidades em níveis relativamente baixos, apenas para arrebanhar associados e, depois, repassá-los para frente. E há outras que cresceram sobre bases atuariais relativamente sólidas, mas que, depois, foram apanhadas por essa surpresa demográfica, o rápido envelhecimento da população. O fato é que as mensalidades dos planos deixam de caber no bolso à medida que os cabelos brancos do associado vão aparecendo. No modelo atual de cobrança, os planos individuais chegam a custar até seis vezes mais para uma pessoa acima de 60 anos. O reajuste - na ordem de 500% - foi autorizado pela Agência Nacional de Saúde (ANS), organismo criado há dez anos para colocar em ordem o setor. Uma pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) mostra que as despesas com saúde para os sessentões chegam a ser seis vezes superiores às da primeira faixa etária (0-18 anos). Em geral, atingem uma população financeiramente enfraquecida, ou porque vive de aposentadoria ou porque não consegue (ou não tem) renda complementar. E isso piora tudo. A questão do momento consiste em descobrir a saída para o impasse. O diretor da ANS, Maurício Ceschin, admite que a maioria das operadoras de planos de saúde enxerga o idoso apenas como problema. Para mudar essa percepção, adianta que a agência estuda um novo modelo para o atendimento dessa faixa. Consiste em desenvolver uma espécie de fundo de capitalização cuja mensalidade desde o princípio preveja cobertura para o custo do tratamento de saúde na idade avançada. Isso pode solucionar o problema para os novos associados, mas não os daqueles que já estão no sistema. Investir em prevenção é quase um mantra no setor. Trata-se de evitar as doenças crônicas que aparecem com a idade ou, então, garantir qualidade de vida às pessoas que têm de conviver com elas por anos e anos. "A pessoa mais velha não precisa de helicóptero para uma emergência, precisa de atendimento contínuo", aponta o especialista Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade da Uerj. Mas isso não é tudo. Ceschin diz que este é o momento certo para que as operadoras comecem a pensar novas opções para atendimento específico dessa faixa do mercado. É também o que pensa Veras. Para ele, o erro das administradoras de planos de saúde é tratar todos os segmentos etários do mesmo jeito. "O idoso precisa de mais cuidados, mais exames, remédios, consultas, etc. É necessário tratamento diferenciado", diz. Falta saber em que bases atuariais. Disparada O gráfico mostra o avanço dos preços das commodities desde o início de julho, tal como registrado por um dos mais reputados índices do mercado, o CRB: alta de 14,4%. É a fraqueza do dólar Esse não é apenas o efeito do aumento da procura por matérias-primas e insumos turbinada pelas economias asiáticas. É, principalmente, a reação do mercado à desvalorização do dólar. Essa alta mostra que são precisos cada vez mais dólares para comprar a mesma commodity. ---------------------------------O Globo - 18/10/2010 Impasse fiscal George Vidor O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne esta semana e há uma expectativa geral de manutenção nas taxas básicas de juros em 10,75% ao ano. Poderia haver até uma redução não fosse a política fiscal expansionista do governo, com os gastos de custeio crescendo mais do que deveriam para o momento. Dilma Rousseff e José Serra não dão sinais de que isso poderá mudar em 2011. Em seu último relatório de inflação, o Banco Central se mostrou otimista quanto à possibilidade de a política fiscal vir a dar uma contribuição mais significativa para que a pressão da demanda sobre os preços domésticos diminua. No entanto, os discursos dos dois candidatos à Presidência vão na direção contrária. Dilma se referiu a uma queda da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), mas ao mesmo tempo descartou a necessidade de um ajuste fiscal (talvez porque esse tipo de proposta possa soar como algo neoliberal, conflitando com o mote principal da sua campanha no momento, que é a negação de tudo que foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso). Esse mesmo argumento é defendido pelo atual governo, que joga na hipótese de um ritmo acelerado de crescimento econômico aumentar o denominador (PIB) a ponto de o numerador (dívida pública) não precisar ser alterado pela acumulação de um superávit primário mais robusto — para usar uma palavra da moda — nas finanças governamentais. No entanto, para concretizar todas as promessas de campanha, o eventual governo Dilma teria de gastar mais. E nem poderia, mesmo que de forma suplementar, recorrer a privatizações para alavancar investimentos, pois Dilma tem manifestado horror a essa questão, chegando a embutir críticas à venda da Vale, cujo desempenho como ex-estatal foi reconhecidamente fabuloso. O candidato da oposição, José Serra, por sua vez, promete botar mais lenha na fogueira dos gastos federais, garantindo que aumentará o salário mínimo para R$ 600 e ainda concederá um reajuste de 10% aos aposentados do INSS, sem dizer de onde remanejará recursos do orçamento (pois no rol das suas promessas há uma outra penca de despesas relacionadas com saúde, educação, segurança, etc.). Nesse caso, o déficit da previdência aumentaria de imediato, o que faria o superávit primário das finanças governamentais encolher ainda mais. Para variar, tanto as autoridades como os postulantes à Presidência apostam em um salto na arrecadação (pré-sal, principalmente) que viabilize despesas crescentes. Nenhum dos dois candidatos falou até agora claramente sobre elevação de impostos (Dilma fez apenas uma alusão ao financiamento da saúde no Brasil, que precisa ser equacionado", mas sem mencionar especificamente a ressurreição da CPMF). Então, se o candidato vitorioso tomar posse com o pé afundado no acelerador, o superávit primário acabará encolhendo inevitavelmente, e aí “bau bau” para a expectativa de redução das taxas de juros. Pelo visto, em termos de política fiscal, não teremos para onde correr nessas eleições. Cada um dos candidatos promete gastar mais que o outro... O pré-sal entrou na disputa eleitoral de maneira distorcida, pois Dilma acusou Serra de querer “privatizálo”, com base em declarações que teriam sido dadas por David Zylbersztajn supostamente na qualidade de assessor em energia do candidato da oposição. Testemunhei essas declarações porque fui moderador do debate no qual elas teriam sido feitas. David falou com a autoridade de ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e consultor privado. Não fez menção alguma a propostas de governo Suas críticas, por sinal pertinentes, se endereçavam ao modelo de partilha defendido pelo atual governo para exploração de futuros blocos na camada do pré-sal. Ele frisou que a experiência prática mostra que o estado sabe muito bem arrecadar, mas se passar a estocar e a vender petróleo, por meio de uma nova estatal (a PréSal), o risco de corrupção será enorme. Fora do governo, ou dos habituais defensores do monopólio estatal, é difícil encontrar quem aponte vantagens no modelo de partilha. Os mesmos objetivos seriam alcançados pelo que está em vigor, sem submeter a Petrobras a um desafio que supera a capacidade de qualquer companhia de petróleo existente hoje no mundo. Na verdade, em todos os debates que presenciei sobre o pré-sal, só ouvi UM forte argumento capaz de justificar o modelo de partilha. No novo modelo, o governo teria domínio sobre o ritmo de entrada de produção dos futuros campos — pois a lei proposta garantirá à estatal PréSal poder de veto nos conselhos de administração dos consórcios vencedores das licitações, quaisquer que sejam eles — enquanto no atual sistema esse critério é definido pelo concessionário. A Noruega, porém, encontrou uma fórmula de conciliar isso em seu modelo, que não é o de partilha. Quanto aos demais fatores, o modelo de concessão ganha da partilha por léguas de distância. Os secretários estaduais, que se reúnem periodicamente em um fórum, estão contrariados e discordam de algumas projeções no Plano Decenal de Expansão 2010/2019 elaborado pela Empresa de Planejamento de Energia (EPE). Eles elaboraram um documento de 21 páginas e o encaminharam ao ministro Márcio Zimmermann. O secretário estadual de energia do Rio Grande do Sul, e presidente desse fórum, Daniel Andrade, teme que a oferta não acompanhe o crescimento esperado para a demanda já em 2013, um ano em que o estado abrigará, por exemplo, jogos da Copa das Confederações. ------------------------------------Correio Braziliense - 16/10/2010 Troar de trombetas Antonio Machado Bernanke avisa: a carga da 7ª Cavalaria dos dólares será acionada, talvez dia 3, mas com cautela Ainda não foi dessa vez que as trombetas soaram anunciando tempos de confronto e ajuste de contas entre os EUA e a economia global. Do esperado, na verdade, ansiado, pronunciamento de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), o juiz dos destinos do dólar, sexta-feira de manhã, em Boston, ouviu-se a convicção de que, como está, a meio pau, com desemprego de 10% e a deflação no calcanhar, os EUA não ficam. Mas a 7ª Cavalaria da emissão maciça de dólares, o afrouxamento monetário chamado de QE, quantitative easing, será acionada com cautela e orientada, segundo ele, pelos riscos. O intervalo entre o discurso e a ação indica a intenção de evitar o risco de surpresas e descompassos entre os bancos e governos. É o mínimo: o dólar é o meio de pagamento global e reserva de valor. Embora os mercados já venham precificando a queda do dólar, com o aumento da demanda por ativos reais (commodities, ouro, ações) e a corrida para moedas tidas como mais seguras ao menos por ora, caso da brasileira, o governo Lula tem algum tempo para pensar e agir. O Fed deverá se mover na reunião de seu comitê monetário marcado para 3 de novembro — portanto, depois das eleições no Brasil. Até lá, dá para segurar a onda contra o real com medidas operacionais, como foi o aumento da alíquota do IOF sobre aplicações externas em renda fixa, e avaliar a intensidade da ação do Fed sobre o dólar. Bernanke expôs a situação da economia, não mandou recados para os países que sustentam a moeda depreciada para baratear os custos de exportação, especialmente a China, nem falou da meta do presidente Barack Obama de dobrá-la em quatro anos. Nas entrelinhas, porém, disse tudo que os interessados precisavam ouvir: que, com juros do overnight na casa de zero, não há mais o que o Fed possa fazer com os instrumentos monetários convencionais para ativar a economia. E aumentar os gastos fiscais? Não disse. Não se fala de corda em casa de enforcado, não é? A dívida pública caminha para US$ 13,5 trilhões, o deficit fiscal, a 10% do PIB (Produto Interno Bruto). E dia 2 tem eleições nos EUA. Pelas pesquisas, o Partido Democrata do presidente Barack Obama perderá a maioria na Câmara para os republicanos, hostis a aumento de impostos e hoje, mas não quando governavam com George W. Bush, avessos a aumentar gastos públicos. Ao contrário, querem cortes. Ao mesmo tempo, o desemprego se mostra renitente e o que é visto pelo comportamento da inflação não permite otimismo. A recessão no sentido clássico, de encolhimento do produto, parece ter passado. A recuperação aos níveis anteriores a 2008, porém, está distante. Choque para reanimar Nos EUA, o Fed considera uma meta informal de inflação (abatida a variação de preços de alimentos e energia) de 2%. Até setembro, em 12 meses, foi de 0,8%, o menor nível desde 1961, quando Bernanke estava na escola. A re-inflação anunciada por ele mira os tais 2%. A retomada ou pelo consumo, que nos EUA corresponde a 70% do PIB, ou pelos investimentos, improváveis com a capacidade instalada da indústria girando a 65%, ou as exportações — que estão crescendo, mas abaixo das importações, num país com um firme deficit comercial de mais de uma década —, não virá sem dura pancada por meio de monetização da dívida pública. É o tal do QE: emissão de dólares para recomprar títulos do Tesouro nos bancos. Solução de alto risco O Fed já fez isso depois do crash de 2008, retirando mais de US$ 1,5 trilhão de papéis, inclusive privados, empoçados na banca. Não se atribui resultado muito efetivo a tal ação — ou a economia não estaria tão mal. Bernanke sugeriu que estaria muito pior. Se for só o que tem em mãos, no entanto, não poderia dizer outra coisa. Os riscos são grandes, e ele os admite. É fácil fazer inflação. O difícil é domá-la depois, como devolver pasta de dente ao tubo. Depressão? Não com ele No discurso em Boston, disse que “ainda” há espaço para "política acomodatícia". Mas avisou que "as políticas não convencionais têm custos e limitações que devem ser considerados ao se avaliar se e quando elas devam ser utilizadas". Pareceu recado ao Congresso dos EUA, que algemou a opção fiscal, e a países que relutam apreciar a sua moeda, como China, barrando o avanço das exportações dos EUA. Os críticos dizem que Bernanke vai destruir o valor do dólar. Ele não negou os riscos, num aviso talvez aos líderes do Grupo dos 20, que vão reunir-se em Seul 11 e 12 de novembro. Estudioso da Grande Depressão, foi como se avisasse que não será ele, enquanto puder, que levará os EUA de volta ao terror dos anos de 1930. As sequelas no Brasil O discurso de Bernanke foi aos EUA, mas no Brasil será lido como o espaço de manobra para a política econômica do novo governo. Sob a ameaça do ajuste inflacionário dos EUA, torna-se inevitável que o câmbio assuma o topo das prioridades e desencadeie manifestações nacionalistas. Ou de defesa da autonomia da economia brasileira, que é o jeito pragmático de enunciar o problema. As medidas que virão serão no sentido de reprimir a afluência de dólares. No limite, pode-se chegar até a centralização cambial. É isso que se têm ouvido. Falta falar das consequências. Empresas induzidas pelo governo a se endividar em dólares, como Petrobras, terão prejuízos. O deficit externo terá de encolher. Sem um choque fiscal, nenhuma ação afirmativa sobre o câmbio será sustentável. ---------------------------------O Globo - 17/10/2010 Sem lógica Míriam Leitão No primeiro balanço do PAC, o trem-bala não constava, no décimo, ele estava no primeiro lugar absorvendo metade dos investimentos previstos para o setor. Não foram feitos os estudos detalhados necessários para que as construtoras possam calcular suas ofertas, mas a licitação está prevista para o fim do ano. Já foi avaliado em R$18 bilhões, agora em R$34 bi e pode ir a R$70 bi. Os especialistas em logística não sabem como foi que, de repente, o TAV, Trem de Alta Velocidade, virou a prioridade absoluta do país, e acham que pode custar o dobro do calculado. Enquanto isso, o investimento no Ferroanel de São Paulo caiu de R$528 milhões, na previsão do primeiro balanço do PAC, para R$20 milhões, no décimo balanço. O professor Paulo Fernando Fleury, do Instituto Ilos de Logística e Supply Chain, fez um estudo sobre as estruturas viárias do país, uma pesquisa junto às grandes empresas consumidoras de serviços logísticos, e uma análise do PAC. Viu o retrato de um país perdido entre prioridades invertidas, decisões confusas das autoridades e muitos gargalos. - Uma pesquisa do Banco Mundial mostrou que 91% dos empresários brasileiros acham que a logística é uma vantagem competitiva estratégica para as empresas. Num ranking de desempenho logístico em 150 países, o Brasil ficou em 41º em desempenho logístico, mas isso porque a privatização das comunicações melhorou o item infraestrutura. No item "procedimentos alfandegários", o Brasil está em 82º. Existem dez órgãos para carimbar e dar autorização na Alfândega. Em 2008, houve 121 dias em que pelo menos uma das repartições que operam dentro dos portos estava em greve - disse Fleury. A logística mistura uma série de fatores que vão desde o transporte, armazenamento, gestão de estoques, organização de fluxos de insumos e de entrega do produto final de uma empresa. O conceito era quase desconhecido há alguns anos, hoje está no coração das empresas. Fleury conta que numa pesquisa de 1995 em nenhuma das grandes empresas brasileiras havia um responsável por logística. Em 2003, uma pesquisa sobre o nível hierárquico do principal executivo de logística nas grandes empresas brasileiras não havia uma única empresa em que ele fosse presidente ou vice-presidente, mas em 42% delas o responsável era diretor e em 49% era gerente sênior. Agora, em 23% delas o principal executivo de logística está no nível de presidente ou vice-presidente da empresa e em 37% está na diretoria. O setor privado tem investido cada vez mais em logística, o setor público não consegue remover os gargalos, nem tornar eficiente a malha viária do país. A demanda por serviços logísticos vem crescendo de forma explosiva. As exportações cresceram 18% ao ano desde 2001, a movimentação nos portos cresce a 7% ao ano. Nas ferrovias, desde a privatização em 1997 houve um aumento de 102% de carga transportada. Em 1997, havia 35 operadores logísticos, hoje existem 165 empresas que fazem esse trabalho e o faturamento delas saiu de R$1 bilhão para R$39 bilhões. O custo logístico no Brasil é de 11,6% do PIB, nos Estados Unidos é de 8,7%. No Brasil é 30% maior. A comparação com qualquer outro país continental mostra uma enorme disparidade da escolha das formas de transportes, os chamados modais. No Brasil, 62,7% da carga vão por via rodoviária, nos Estados Unidos, 27,7%. Aqui, só 21,7% são por via ferroviária, lá, 41,5%. No Brasil, 3,8% vão por dutos e lá, 19%. No aquaviário estão equivalentes, 11,7% e 11,5%. No aéreo, 0,1% aqui e 0,3% lá. Mas por aviões vai a carga mais valiosa. - Se aplicássemos no Brasil a proporção da matriz dos Estados Unidos, mantendo os custos brasileiros, a economia seria de R$58 bilhões, 2% do PIB. E reduziríamos 35% das emissões dos gases de efeito estufa no transporte. Há uma correlação direta entre desempenho logístico e competitividade na exportação de produtos de alto valor agregado - diz Fleury. Olhada pelas autoridades de forma partida, a logística é o nervo exposto da falta de competitividade brasileira. Um exemplo: os portos. Eles têm dificuldades, mas a pesquisa mostrou que para os empresários o principal problema dos portos é a ineficiência do acesso rodoviário até eles. Quando se pergunta às empresas quais são os principais problemas de infraestrutura do país, só 27% registraram o item "poucos portos", mas 95% apontaram "estradas mal conservadas" e 86% apontaram "malha ferroviária insuficiente". O PAC não melhorou esse quadro, na opinião do especialista. Primeiro, pela falta de visão integrada de logística; segundo, pela falta de sentido de algumas prioridades como a do trem-bala. - Nem foi citado no primeiro balanço do PAC e no décimo balanço aparece como a maior prioridade nos investimentos logísticos do país. Nem foi estudado e já vai ser licitado. Não faz sentido. Além disso, a comparação entre o PAC-1 e PAC-2 mostra sobreposição de ações. Em um e outro, só nos portos há 17 ações repetidas, que estão no PAC-1 e aparecem como coisa nova no PAC-2. Em rodovias e ferrovias há uma série de trechos repetidos nos dois PACs - explica. Isso sem falar no fato de que entre os balanços, as ações são subdivididas para parecerem concluídas, e as obras são fracionadas para permitirem inaugurações sucessivas. Com truques como esses e falta de visão sistêmica, a ineficiência logística continua e vai drenando os esforços das empresas para serem mais competitivas. --------------------------------O Globo - 16/10/2010 Novelo cambial Míriam Leitão A armadilha cambial em que o país está é complexa, difícil de desarmar e, pior, o Brasil não controla fatos que nos afetam como a política monetária americana. No que o país pode influir, o governo não quer mexer, que é o gasto público. Este ano o Brasil está crescendo de 7% a 8% e vai ter um superávit fiscal igual ao do ano passado em que cresceu zero. O sensato seria economizar mais. Ontem, o presidente do Fed, banco central americano, Ben Bernanke, fez um aviso que já era aguardado e foi esmiuçado pelos economistas. Ele disse o que se esperava: que vai pôr muito mais dólares em circulação através da compra de títulos públicos. Os juros estão perto de zero e o Fed tenta ampliar mais a emissão da moeda. Conclusão: se haverá mais dólares em circulação, a moeda americana continuará se desvalorizando em relação às outras. Se o dólar continuar caindo e o real continuar subindo, mais cara fica a produção nacional comparada com o produto importado, e mais caros ficam os produtos brasileiros no exterior. Mas é o emissor da moeda de referência do comércio internacional que está dizendo que tomará decisões que vão desvalorizar o dólar. Ele faz isso para tentar reativar o consumo. Acontece que o consumidor americano estava numa bolha provocada por um superendividamento e se queimou na crise. Perdeu a casa que tinha ou ela ficou mais desvalorizada. Suas dívidas cresceram. Hoje paga contas e tenta economizar. Nem juro zero o convence, e o banco central americano está tentando aumentar a oferta de crédito para esse desconfiado consumidor. Essa é uma parte da moeda. Há outras. Países desenvolvidos estão crescendo pouco e assim devem ficar. Para salvar os bancos, quando os consumidores não puderam pagar as contas, eles aumentaram os gastos públicos. A dívida deles dobrou como proporção do PIB, os déficits estão em níveis recordes. As empresas desconfiadas não investem e por isso não empregam. Aumenta o medo do consumidor de gastar mais. Ao desvalorizar o dólar os Estados Unidos tentam também aumentar a possibilidade de exportar. E para quem? Para os países onde há crescimento. Conversei no programa Espaço Aberto desta semana com dois economistas que foram à reunião do FMI: Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú-Unibanco, e Fernando Rocha, sócio da JGP Gestão de Recursos. Fernando disse que ficou claro que o FMI não tem mais poder para forçar políticas que corrijam as distorções. Ilan disse que o efeito colateral da política monetária expansionista dos países ricos é jogar um fluxo excessivo de dólares nos países emergentes: - Pode levar meses até o dólar se estabilizar. O fluxo vai aumentar para os emergentes, as bolsas podem subir, mas o dólar continuará baixo. Nesse intervalo, os emergentes começam a tentar se proteger com medidas unilaterais como a que o Brasil tomou. O excesso de dinheiro vem para os emergentes por vários motivos, diz Fernando: - Vem pelo diferencial de juros, vem atrás de crescimento. Os dois entrevistados acham que há decisões que o Brasil pode tomar para atacar as causas. A elevação do IOF para as aplicações em títulos do governo foi um ataque ao efeito. A medida que acabou não tendo efeito prático. O que funcionaria seria reduzir os gastos, abrir espaço para derrubar os juros e assim diminuir o fluxo que só vem para aproveitar esse juro alto. A queda dos gastos tem outro efeito prático. - O Brasil está vivendo um boom de consumo, o que é saudável porque vem da ampliação da classe média; está vivendo um boom de investimento, o que é saudável porque é o país investindo mais. Não é bom neste momento ter um boom de gasto do governo. É muito boom para um país só - disse Ilan Goldfajn. Fernando Rocha lembra que este ano o governo está arrecadando mais. Era a hora certa para elevar o superávit primário. - As receitas estão crescendo 12% a 13% e o governo vai ter este ano o mesmo superávit primário que teve no ano passado, só que agora o país está crescendo entre 7,5% a 8% e no ano passado estava em zero - diz. Na verdade, o número pode ser até pior. Ilan acha que o superávit que já foi 3,5% a 4% no atual governo, está em 1,5%, quando são excluídas as receitas apenas contábeis. Com esse crescimento, alimentado em parte pelos gastos do governo, o país está ampliando o déficit em transações correntes. Por isso acaba precisando daquilo que tenta barrar. - Hoje se o governo tiver muito sucesso em evitar o fluxo de capitais especulativos, ele terá problemas de financiar o déficit. Só com investimento direto não dá - diz Ilan. O dólar baixo cria outro curioso dilema. O governo gostaria muito que o câmbio subisse, mas se isso acontecesse a inflação subiria também. Hoje, com altas de preços de alimentos, por causa da seca, e com a pressão da demanda crescente, a inflação só não sobe por causa dos juros altos e do dólar em queda. Para complicar a situação, a China impede que a sua moeda se valorize como as outras moedas de países emergentes como o real, o rand, o dólar australiano, entre outras. Resultado: os produtos chineses ficam cada vez mais baratos. O país está enrolado num novelo cambial. Para começar a desenrolar só cortando gastos públicos. No ano passado os gastos foram ampliados para fazer uma política anticíclica na crise, agora era hora de manter a política anticíclica fazendo o oposto: economizando na abundância. Mas a gastança vai continuar. --------------------------------- Correio Braziliense - 18/10/2010 O protecionismo vem aí? Liana Verdini Em um momento de contas desequilibradas, quem vai querer ficar com o deficit na balança comercial? A profunda depressão do dólar, que já faz vítimas em todo o mundo pela falta de impulso à atividade econômica nas principais economias do planeta, começa a despertar as nações para uma reação perigosa: a proteção de seus mercados internos contra produtos baratos fabricados em países emergentes. Aqui e ali ouve-se autoridades insinuando que estão sendo feitos estudos para a adoção de mecanismos capazes de encarecer essas mercadorias e salvaguardar as indústrias locais, que geram empregos para os cidadãos compatriotas e pagam impostos engordando os caixas dos governos. O principal alvo dessas ameaças, claro, é a China, que insiste em manter sua moeda, o iuan, artificialmente desvalorizado em relação ao dólar, enquanto divisas das mais diferentes nações — Brasil incluído — sofrem com o aumento de suas cotações e o encarecimento de seus produtos. Com o dinheiro curto, não há fidelidade que resista e o resultado é a perda de tradicionais parceiros no comércio exterior, com a importação mudando de procedência com o objetivo de economizar alguns dólares na balança comercial. O fenômeno torna-se especialmente preocupante quando se toma conhecimento de que na maior economia do mundo, na qual sempre triunfou a defesa do livre-comércio, a própria população agora acredita que toda essa liberdade atrapalhou a economia norteamericana. Pesquisa do Wall Street Journal e da NBC News mostra que 53% da população dos Estados Unidos afirmam que os acordos de livre-comércio prejudicaram o país, contra 46% que pensavam o mesmo há três anos e 32%, em 1999. O clamor por proteção também começa a ganhar força no Brasil. Na semana passada, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que participava da reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, nos Estados Unidos, afirmou que o Brasil vai tomar providências para proteger sua economia. “Não vamos aceitar assumir desequilíbrios para tentar ajudar o reequilíbrio de outros países”, declarou ele. Observação e críticas Na sexta-feira, foi a vez de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitir que o governo acompanha de perto o comportamento da moeda norte-americana e que novas medidas podem ser adotadas para evitar a supervalorização do real e a perda de espaço no comércio internacional. “Nós temos de observar. Não vamos nos precipitar. Temos de ver se não dá uma acalmada espontânea. Senão tomaremos mais medidas”, disse ele. Era uma resposta aos empresários, que já iniciaram uma campanha pedindo a intervenção do governo no mercado. De volta ao comando da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf — de onde se afastou para concorrer ao governo do estado —, afirmou que a equipe econômica é “lenta demais” e que falta é “coragem” para encarar o problema das importações, que está afetando a competitividade da indústria nacional. “Quando há indícios de prática de dumping, de subfaturamento, de produtos piratas, é preciso agir depressa. Se esperar para comprovar tudo, aí passa um ano e o estrago está feito”, disse. Controle pela importação O fato é que as mercadorias importadas estão ajudando a manter os índices de inflação sob controle. Excetuando os alimentos, cujos preços flutuam ao sabor das condições climáticas no Brasil e no mundo, os demais produtos andam se comportando como nunca, graças à pressão do que vem do exterior. No fundo, o governo não está achando ruim esse freio puxado pelos importados, que tem ajudado a jogar a inflação mais para perto do centro da meta, de 4,5% em 2010. No entanto, a entrada de dólares para aplicação financeira já incomoda as autoridades brasileiras há tempos. Tanto que passou a taxar o investimento estrangeiro em renda fixa com o IOF em 2% no ano passado e mais recentemente dobrou a alíquota desse imposto. A enxurrada de moeda norte-americana ingressando no país não está custando pouco aos cofres públicos. Pelos cálculos de alguns economistas, são R$ 45 bilhões ao ano, ou 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque o Banco Central compra dólares no mercado para impedir uma queda ainda maior da cotação e é obrigado a aplicar esses recursos no exterior — principalmente em títulos do Tesouro dos EUA, que estão rendendo taxas próximas de zero, enquanto no Brasil a taxa básica, a Selic, é de 10,75% ao ano. Sem perspectiva de melhora Apesar de todo esse estrago, não há a menor perspectiva de que a situação melhorará a curto prazo. Pelo contrário. O presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), Ben Bernanke, já defende a adoção de mais medidas de estímulo à economia, uma vez que o desemprego continua elevado, afetando quase 15 milhões de norteamericanos, e a debilidade dos indicadores persiste. A questão é que, com isso, mais dólares encharcarão a economia mundial, reforçando ainda mais a ciranda em que mergulhamos. E até que a economia dos Estados Unidos se fortaleça para exercer a liderança no comércio internacional, as ameaças de imposição de barreiras pelos países parecem cada vez mais efetivas. Afinal, em um momento de contas desequilibradas, quem vai querer ficar com o deficit na balança comercial? Liana Verdini é repórter de Economia ------------------------------Correio Braziliense - 17/10/2010 Unicamp já eleita Antonio Machado Com Dilma ou Serra, ambos ex-Unicamp, real forte e juro alto não terão vez. Diferença é no fiscal Se a indefinição virou a marca do placar entre José Serra e Dilma Rousseff, na questão cambial, ganhe um ou o outro, é absolutamente certo que haverá dura resistência na guerra entre a valorização do real, que ambos repelem, e a corrosão do dólar — o lance arriscado do governo de Barack Obama para tentar reverter a sorte dos EUA. Os interesses políticos que os circundam são rivais, mas eles se aproximam pelas crenças econômicas. Dilma e Serra são egressos da Universidade de Campinas (Unicamp), de cepa desenvolvimentista. Ela, aluna; ele, professor. Eles admiram e costumam ouvir dois expoentes “unicampistas”: o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de quem Dilma foi aluna, e o ex-secretário de Política Econômica no governo Sarney Luiz Gonzaga Belluzzo — cogitado por vezes pelo presidente Lula a substituir Henrique Meirelles no Banco Central. Coutinho e Belluzzo — presidente licenciado do Palmeiras, pois se restabelece de cirurgia —, e os ícones de uma geração anterior da Unicamp João Manoel Cardoso de Mello e Maria da Conceição Tavares, que influenciaram a formação de todos eles, partilham uma visão de desenvolvimento nunca assimilada pelos governos. Pode ser agora. Se não fosse pela recidiva da crise mundial, agora pelo viés da desvalorização induzida do dólar, Dilma e Serra fariam diferença em relação à política econômica atual pela aversão ao controle da inflação basicamente pelo instrumento dos juros. E mais ainda com a estabilidade só alcançada à custa de taxas elevadas. Com o lento deslizar do câmbio nos últimos anos, acentuado pelo que o ministro Guido Mantega — ele próprio filiado à corrente da Unicamp, embora formado pela FGV de São Paulo —, chamou de guerra cambial, a questão dos juros ganhou relevância total. Estudo do economista Carlos Antonio Rocca, do grupo do então czar da economia nos anos 1970 Antonio Delfim Netto, influente junto a Lula, já concluíra que a taxa de juros, mais que tudo, condiciona a direção do real. André Nassif, do BNDES, concluiu a mesma coisa estudando o diferencial nos últimos 11 anos até fevereiro passado entre os juros internos e externos. Ele lembra em artigo no Valor Econômico a chamada “trindade impossível” — estabilidade cambial, inflação estável e liberdade de movimento de capitais. Enrolação dos “ismos”... Dos três objetivos, só dois são possíveis por vez. Tal premissa sustenta o modelo de Índia e China, países líderes do crescimento econômico acelerado, e sem marolas, mais duradouro hoje em dia. Enquanto a bonança global vinha com vento a favor, no Brasil não se deu bola a tais discussões, entendidas como acadêmicas. Agora, não mais. O problema é como fazer, já que há mais de uma maneira. É aí que Dilma e Serra divergem. O “neodesenvolvimentismo”, como Mantega batizou a política econômica do segundo mandato de Lula — e Dilma e Serra se veem desse modo —, é expressão tão vazia quanto o seu oposto, o “neoliberalismo”, se faltar o que os defina. O pressuposto é que o segundo prioriza as soluções pelo mercado e o primeiro, as induzidas pelo Estado. Entre ambas, se inserem taxa de juros, câmbio e tratamento fiscal. Até aí não se disse nada. ... e questões práticas Acima dos rótulos políticos há questões práticas. A principal é o que fazer para desarmar a Selic sem inflação como sequela. Outra é o que priorizar: crescimento movido por investimento, que amplia a oferta de bens e serviços, ou pelo consumo de famílias, vitaminado por crédito e gasto público. Até agora, os dois crescem juntos. Para a frente não vai dar. Menor pressão da demanda ajudará o BC a relaxar a Selic (ou ao menos não elevá-la em 2011), abrindo espaço para o investimento, além de murchar o deficit externo, a condição para o país dar um gelo no capital estrangeiro de curto prazo. Conflito é de digestão Tais questões exigem decisões rápidas, embora a posse seja em 1º de janeiro. A agenda premente está aí, encimada pelo câmbio, que é contraface dos juros — por sua vez, a expressão do conflito entre os gastos públicos e privados. Essa disputa é menos ideológica que digestiva: a economia não digere tantos impulsos para crescer. Não há solução para o câmbio sem considerar os juros, sem atentar para a equação por inteiro. Dilma e Serra disfarçam as intenções, embora conheçam as limitações da economia. O silêncio parece mais revelador que suas promessas. Vai haver aperto fiscal, se choque ou não, não importa. É o jeito de tirar o BC de cena e resolver o binômio jurocâmbio sem crise. Resolvido isso, o resto se acerta. Armadilhas ao sucessor O espaço entre 1º de novembro e 1º de janeiro será mais ou menos confortável para o presidente eleito dependendo do Federal Reserve e do Congresso brasileiro. Ambas as instâncias moldarão os passos iniciais da nova política econômica. Se o dólar desabar, o modelo será um. Se cair com moderação, dá para reformar o que está aí. Já a premissa fiscal está capenga. Como diz o economista Fernando Montero, o BC moldou a trajetória da Selic supondo que a Fazenda entregará superavit primário de verdade em 2011, ao nível de 3,3% do PIB, não maquilado como o deste ano. A lei orçamentária que está no Congresso projeta 3,22%, não 3,3%, e admite abatimento de até 0,82% do PIB por conta de investimentos. Depois da falseta do dólar, essa é a segunda armadilha no caminho do sucessor de Lula. ----------------------------Valor Econômico - 18/10/2010 Juros e inflação movimentam a semana Eduardo Campos A semana tem carregada agenda de indicadores e entre os destaques temos a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) e a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de outubro, que pode confirmar a aceleração da inflação corrente. Para o encontro do colegiado do Banco Central (BC), o consenso, conforme captou pesquisa feita pelo Valor com 30 instituições, é de estabilidade do juro básico em 10,75%. Com isso, a atenção fica voltada ao breve comunicado apresentado junto com a decisão e à ata da reunião, que será apresenta na próxima semana. O economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho, aguarda a ata da Copom para ver como o Banco Central avalia o cenário externo e a força da demanda doméstica. Juros caíram captando mudança no quadro eleitoral Na opinião do especialista, desde a reunião de 1º de setembro, a influência da cena externa vem se mostrando menos favorável à inflação. Afinal de contas, a percepção de juros zero no mundo desenvolvido promove uma derrocada no preço do dólar e uma disparada no preço das commodities. O índice CRB, que acompanha o comportamento de uma cesta de matérias-primas, subiu mais de 10% nesse período. Ainda de acordo com Velho, conforme o Federal Reserve (Fed), banco central americano, acena com mais estímulos, mais dólares tendem a entrar no mercado brasileiro. Parte deles tem caráter especulativo, mas fatia desses dólares também fomenta investimentos e demanda. Pelo lado doméstico, o economista vê a atividade firme e um sinal disso foi dado semana passada com o crescimento de 2% das vendas no varejo em agosto. Outro ponto que traz certo desconforto é o comportamento da inflação. Velho lembra que uma retomada nos preços era esperada, mas que a inflação oscila acima dos 0,30% a 0,40% previstos. O IPCA-15 que sai na quarta-feira pode confirmar isso, já que as previsões estão entre 0,52% e 0,60%. Ainda no capítulo inflação, as expectativas para 2010 e 2011 pioraram no intervalo entre as reuniões. Considerando o boletim Focus de 27 de agosto, e a sondagem de 8 de outubro (a mais recente) o IPCA estimado para o ano subiu de 5,07% para 5,15%. O prognóstico para 2011 passou de 4,87% para 4,98% e a inflação em 12 meses subiu a 5,16% de 4,99%. Tal piora foi acompanhada por um ajuste de 0,25 ponto percentual na estimativa de Selic, que passou de 11,50% para 11,75% no fechamento de 2011. Tais variações não são alarmantes, mas o que preocupa, de fato, é a permanência da expectativa descolada da meta. Segundo Velho, quanto mais tempo o BC demora a atuar, mais difícil é conseguir a convergência posteriormente. Na visão do especialista, esse comportamento das expectativas somado à valorização das commodities e à demanda interna firme pode levar o mercado a projetar uma alta de juros já na primeira reunião de 2011. Pelo calendário oficial, o primeiro encontro do Copom será dias 18 e 19 de janeiro. É claro que o resultado das eleições pode ter influência sobre as percepções do mercado, mas o fato é que entrar o ano com um descolamento de meio ponto percentual entre expectativas e meta não é boa coisa. Segundo Velho, com ajuste fiscal ou não, é algo que requer atenção. Os gráficos abaixo mostram que o dólar oscilou bastante, mas fechou a semana estável. Já os juros futuros caíram com firmeza captando a alteração no quadro eleitoral. Eduardo Campos é repórter ----------------------------------- ECONOMIA E OUTRAS NOTÍCIAS ISTOÉ Dinheiro - 16/10/2010 Água, o petróleo do século XXI A cada ano, o líquido se torna mais escasso - e mais caro. Por isso, as empresas começam a tratá-lo como um tema estratégico. Saiba como elas administram esse valioso insumo Por Rosenildo Gomes Ferreira Durante muito tempo, a expressão escassez hídrica se limitou ao vocabulário de ambientalistas. Afinal, a maior parte das pessoas se recusava até mesmo a imaginar que a água, que cobre dois terços do planeta, poderia algum dia se tornar tão rara quanto o petróleo. Mas essa possibilidade existe. Um estudo conjunto das universidades americanas de Nova York e de Winsconsin dá a dimensão do problema. Os países desenvolvidos e emergentes gastam US$ 500 bilhões por ano para despoluir rios e córregos. Nesse contexto, não será surpresa se, num futuro bem próximo, esse líquido assumir o mesmo papel representado atualmente pelo petróleo. As empresas, pelo menos, acordaram para isso e a questão já faz parte do planejamento estratégico de corporações de grande porte. “Cuidar da água se tornou sinônimo de mais dinheiro em caixa para as empresas. E, no longo prazo, pode garantir até mesmo a sobrevivência dos negócios”, destaca o engenheiro Diogo de Almeida, dono da consultoria paulistana Sharewater. Afinal, desde a confecção de roupas, passando pela fabricação de aço e a montagem de um automóvel, tudo depende desse elemento. Nos últimos cinco anos, a brasileira Ambev conseguiu reduzir em 12% o gasto de água para cada litro de cerveja produzida. O montante caiu de 4,37 litros, em 2004, para 3,9 litros no ano passado. A empresa atingiu essa meta com programas de reúso da água que seria desperdiçada no processo de produção. Todos os líquidos são tratados e retornam para as linhas industriais da companhia. A Ambev não revela o impacto disso no seu caixa. Mas fica evidente que não se trata de uma cifra pequena. Os 2,4 bilhões de litros economizados são suficientes para abastecer uma cidade de 400 mil habitantes durante um mês. “A gestão da água é uma das prioridades da companhia na área ambiental”, diz Sandro Bassili, diretor de assuntos socio-ambientais da Ambev. “Tanto que está programado um desembolso de R$ 40 milhões em ações ambientais, cujo destaque é a questão hídrica”, completa. Até 2012 a Ambev pretende reduzir o consumo em mais 11%, para 3,5 litros. Apesar de o viés ecológico ter assumido um lugar cada vez maior nos discursos dos executivos, o que move a mudança de postura nessa área são os mandamentos da cartilha capitalista. No setor hoteleiro, a água responde pela segunda maior fonte de custos fixos. Perde apenas para a energia. Para reduzir as despesas, a direção da Accor Hospitality, controlada pelo grupo francês Accor, iniciou uma completa auditoria nas unidades da rede. As medidas incluíram desde o monitoramento e a eliminação de fontes de desperdício (como vazamentos) até a instalação de equipamentos para captação de água da chuva. Por último, foram instalados redutores de vazão em chuveiros, torneiras e caixas de descarga. Um desembolso estimado em R$ 250 mil para um hotel com 100 quartos. Nas unidades em que as medidas foram implantadas, o consumo caiu de 200 litros por hóspede/dia para 120 litros. “Trata-se de um gasto que pode ser recuperado em apenas três anos”, destaca Odair Roque, diretor de implantação da divisão Accor Hospitality. Por conta disso, a empresa tornou obrigatória a inclusão desses equipamentos nos projetos para abertura de novos empreendimentos ou na conversão de hotéis existentes a uma de suas bandeiras. Apesar dos óbvios benefícios, Roque diz que enfrenta dificuldade para convencer os donos de hotéis que usam a bandeira da rede a adotar medidas semelhantes. “Muitos ainda enxergam esse investimento apenas como uma despesa”, lamenta o executivo. Isso, segundo o consultor Almeida, da Sharewater, acontece porque a água ainda é muito barata no Brasil. O custo de captação em rios ou poços artesianos, diz ele, varia de R$ 0,01 até R$ 1,50 por metro cúbico (mil litros). Isso, no entanto, não explica a história toda. Pelo lado estratégico, a interrupção do fornecimento pode fazer, por exemplo, com que a General Motors (GM) pare a área de pintura. O setor responde por 54% de todo o consumo da fábrica situada em São Caetano do Sul (SP). Nos últimos anos, essa unidade recebeu inúmeros investimentos visando reduzir a dependência de fontes externas de abastecimento. Hoje, o Departamento de Água e Esgotos (DAE) supre 30% da demanda da montadora. Além de estações de tratamento de efluentes, toda água que entra no complexo é reprocessada. Nem mesmo a água da chuva escapa. Ela corre por dutos e segue por galerias onde é tratada. “Os investimentos nos últimos 20 anos permitiram que a GM hoje economize US$ 50 no custo de fabricação de cada veículo”, diz Cláudio Eboli, diretor da GM. E isso vai se intensificar. Como a produção de cada unidade absorve 3,4 m³ de água, o equivalente à metade do consumo de uma pessoa por um mês, a ambição da montadora é suprir suas próprias necessidades sem precisar recorrer a empresas de abastecimento. “Vamos começar esse processo já em 2011”, adianta o executivo, sem revelar, no entanto, as plantas nas quais isso será feito. Poucas corporações, porém, foram tão ambiciosas nesse campo, quanto a Usiminas. No período 1995-2008 a siderúrgica mineira desembolsou US$ 130 milhões na construção de Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) e em sistemas de recirculação de água. Por conta disso, as plantas situadas em Ipatinga (MG) e Cubatão (SP) reaproveitam 95,4% da água que entra no sistema. “Só não chegamos a 100% porque uma parte evapora durante o processo produtivo”, diz Ricardo Salgado, superintendente de sustentabilidade da Usiminas. Para se ter uma ideia, os 4,6% que evaporaram em 2009 representam 62,3 milhões de m³ (62,3 bilhões de litros). O suficiente para abastecer uma cidade com população de 860 mil pessoas no mesmo período. E apesar de não pagar hoje pela água que obtém em poços artesianos, a direção da Usiminas mantém um controle rígido. “Em todos os projetos de expansão das fábricas, a gestão de recursos hídricos é colocada em primeiro plano”, conta ele. É bom mesmo porque a água gratuita está com os dias contados. Desde 2003, a Agência Nacional de Água (ANA) iniciou gestões para a cobrança pela captação em rios e lagoas. Esse mecanismo acaba de ser implantado no rio São Francisco e a expectativa é arrecadar R$ 10 milhões até o final do ano. Isso já acontece, desde 2003, nas cidades banhadas pelo rio Paraíba do Sul, no eixo Minas-Rio-São Paulo, e na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (em Minas Gerai e São Paulo). Mas a tarifa de cerca de R$ 0,01 por m³ cobrada pela ANA, diz o dono da Sharewater, não seria, ainda, um elemento capaz de alterar sensivelmente a postura de grandes empresas. Afinal, o gasto adicional pode ser repassado ao preço final do produto ou serviço. “Na realidade, o que move as empresas é o temor da escassez desse produto e como isso poderá afetar seus negócios no futuro próximo”, destaca ele. Com isso em mente, a direção da americana PepsiCo. lançou um programa global para redução de consumo em suas fábricas. As ações incluem ainda projetos de cunho estrutural, como a melhora da qualidade no abastecimento de água para três milhões de pessoas no Brasil, na China, Gana e Índia. Pelo lado empresarial, no entanto, a divisão de salgadinhos da companhia na América do Sul já mostrou resultados. Completou neste ano a meta de redução, de 25% do consumo de água, prevista para 2015. Fez isso por meio de medidas simples e outras que exigiram grandes desembolsos. “Uma delas foi a instalação de um aerador no sistema de jateamento de água do cortador de batatas. Custou R$ 10 por peça e garantiu uma economia mensal de cinco mil metros cúbicos de água nas 29 plantas da região”, conta Jorge Tarasuk, vice-presidente de operações da divisão de alimentos da PepsiCo. para a América do Sul. Na Colômbia, contudo, foi preciso gastar US$ 3 milhões na implantação de um equipamento de raios ultravioleta para o tratamento de esgoto. Dessa forma, a unidade atingiu um índice de 70% no reaproveitamento da água. “O tempo de tomar medidas cosméticas com objetivo de marketing ficou para trás”, opina o dono da Sharewater. ---------------------------------- O Estado de S.Paulo - 16/10/2010 Manter reserva internacional custa R$ 45 bi O forte ingresso de dólares no Brasil levou o Banco Central a acelerar a compra da moeda, o que fez as reservas internacionais subirem 17,2% no ano, para US$ 280,1 bilhões. Estimativas de mercado dão conta de que as reservas custarão cerca de R$ 45 bilhões ao contribuinte brasileiro em 2010, superando o total de investimentos públicos previstos para o período, o que divide analistas sobre a estratégia do BC Reservas externas custam R$ 45 bilhões ao País Manutenção das reservas internacionais superiores a US$ 280 bilhões custa ao contribuinte brasileiro o equivalente a 1,5% do PIB Leandro Modé, de O Estado de S. Paulo SÃO PAULO A manutenção das reservas internacionais superiores a US$ 280 bilhões custa ao contribuinte brasileiro cerca de R$ 45 bilhões ao ano (o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto), segundo estimativas de economistas como o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore e o ex-diretor da instituição Alexandre Schwartsman. O valor supera o total de investimentos públicos previstos para 2010. No primeiro semestre, o governo investiu um recorde de R$ 20,6 bilhões. Se mantiver o ritmo (o que é difícil, porque a lei eleitoral veta desembolsos próximos do pleito), o total no ano chegará a R$ 41,2 bilhões. As reservas custam caro porque o BC aplica a maior parte dos recursos em títulos públicos de países desenvolvidos, notadamente dos Estados Unidos, que hoje em dia pagam taxas de juros próximas de zero. Como o Brasil não tem excedente orçamentário para adquirir os dólares, o governo o faz por meio de endividamento. Só que a taxa básica brasileira está em 10,75% ao ano. A diferença entre o juro externo e interno é o custo das reservas. Sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Brasil caminha rapidamente para chegar a reservas de US$ 300 bilhões. "Nós temos um custo de fato, mas é melhor pagar este custo do que ter uma economia mais vulnerável", disse ele em entrevista à GloboNews. O forte ingresso de dólares nos últimos meses levou o BC a acelerar a compra da moeda, o que aumentou rapidamente as reservas: de US$ 239 bilhões no último dia útil de 2009 para US$ 280,5 bilhões quinta-feira, alta de 17,4%. Como é uma operação cara, provoca intenso debate entre analistas. Há duas semanas, o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, afirmou que se trata de uma "estratégia que leva ao próprio fracasso". Se esse custo fosse analisado de forma isolada, ou seja, sem levar em conta outros fatores, a maioria dos economistas tenderia a concordar com Blanchard. Eles argumentam que os cerca de US$ 200 bilhões que o Brasil tinha no auge da pior crise mundial desde os anos 30 foram suficientes para blindar a economia. No entanto, a "guerra cambial" global, como definiu Mantega, alterou a discussão e levou até mesmo críticos da estratégia a concordar com o ministro. "Para tratar da questão das reservas, é preciso abrir a janela para o que está acontecendo no mundo", pontua Pastore. "Não estamos em um mundo normal. É uma nova fase na sequência de eventos da crise internacional." Essa fase caracteriza-se por dois fatores principais. O primeiro é a fraqueza da economia dos países desenvolvidos, que veem nas exportações uma alavanca para retomar o crescimento. Por isso, muitos têm procurado manter suas moedas desvalorizadas. O segundo ponto é a farta liquidez global, que decorre da política monetária frouxa adotada das nações desenvolvidas. Em outras palavras, há dinheiro sobrando, a despeito da própria crise. E esse dinheiro migra, principalmente, para os emergentes. -------------------------------Valor Econômico - 18/10/2010 Fazenda negocia com Banco Central mudanças na BM&F Restrição na BM&F pode sair nesta semana Claudia Safatle | De Brasília O ministro da Fazenda, Guido Mantega, quer limitar a possibilidade de alavancagem das empresas, bancos e investidores nos contratos de derivativos na BM&F e pode anunciar medidas com esse objetivo nesta semana. Mantega está discutindo com o Banco Central a forma de operacionalizar essa restrição. Uma hipótese seria impor barreiras nas aplicações dos investidores no mercado futuro através das margens de garantia. As margens representam um valor que os investidores têm que depositar na BM&F para garantir o pagamento dos ajustes diários dos preços do mercado futuro. Todo dia pela manhã eles pagam o que perderam ou recebem o que ganharam no dia anterior. A bolsa calcula quanto o ativo pode variar e estabelece um valor que possa ser suficiente para pagar alguns dias de ajuste - a BM&F submete ao BC o cálculo técnico, que representa uma fração do contrato de câmbio de compra ou venda. O governo pode determinar à BM&F que duplique ou triplique as garantias, o que seria uma medida ousada de intervenção na bolsa e que elevaria o custo das operações dos estrangeiros para especular contra a moeda local. As posições em aberto no mercado de câmbio subiram de US$ 6 bilhões no começo do mês para US$ 11 bilhões na semana passada, sendo que os estrangeiros estão vendidos em dólar e os bancos locais, comprados. Há duas semanas, técnicos do governo esmiúçam quais podem ser as iniciativas para desestimular as operações que consideram "especulativas" na BM&F e que estão contribuindo para a valorização do real frente ao dólar. Embora a moeda americana esteja em franca desvalorização em relação às principais divisas do mundo, o ministro da Fazenda está convencido de que há espaços a vedar por onde a apreciação do real se acentua. Nos últimos dias, o governo retomou os estudos sobre a tributação das garantias pelo IOF, mas concluiu que, juridicamente, não há como fazer dado que o universo do imposto é definido pela Constituição de 1988. Há alguns anos, quando o real também estava sob intensa valorização, o governo chegou a cogitar a criação de uma Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) sobre as garantias, mas engavetou a ideia. Agora, o alvo são os contratos de dólar na BM&F. Mantega exemplificou, em entrevista à Globo News, o que quer impedir: que os investidores estrangeiros com um depósito de margem de US$ 10 milhões fechem um contrato de derivativo de US$ 100 milhões (alavancagem de até dez vezes). Com as compras de dólares pelo Tesouro Nacional este ano, as reservas cambiais já somam cerca de US$ 300 bilhões (US$ 280 bilhões comprados pelo BC e quase US$ 20 bilhões adquiridos pelo Tesouro). Ainda assim, e com um custo estimado de carregamento das reservas na casa dos R$ 30 bilhões ao ano, o governo acha que deve prosseguir acumulando dólares. Agora a acumulação não mais se justifica como um seguro do país contra crises, mas se mostra necessária para segurar a apreciação do real.