Anais do II Seminário de Atualização Florestal e XI Semana de Estudos Florestais LEVANTAMENTO COMPLEMENTAR DAS AVES DA FLORESTA NACIONAL DE IRATI, PR Vânia Rossetto Marcelino*, Deborah de Souza Romaniuk *Departamento de Engenharia Florestal – Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO Rodovia PR 153, km 7, Cx. P. 21 - Bairro Riozinho, CEP 84.500-000, Irati/PR,, [email protected] RESUMO A fauna silvestre pode ser utilizada como bioindicadora de ecossistemas. Na Floresta Nacional de Irati procedeu-se ao levantamento complementar das espécies de aves silvestres que residem ou passam em migração, o que indica o quanto o local se aproxima do ecossistema natural original que é a Floresta Ombrófila Mista. É considerado um levantamento complementar aos levantamentos feitos em 1990 e 2009. Para tanto, foram feitas observações aleatórias em vários ambientes, procurando-se identificar visual ou auditivamente as espécies, ou ainda por meio de vestígios. Os objetivos foram gerar e divulgar uma lista de espécies de aves registradas na Floresta Nacional de Irati e usar essa lista como bioindicadora do estado de conservação da unidade. Foram registradas 81 espécies de aves na área de estudo, das quais 40 são de hábitos predominantemente florestais. O fato de cerca de 50% da riqueza de aves ser de espécies generalistas é reflexo da condição de ocupação do solo da Unidade de Conservação, em boa parte composta por vegetação não nativa e nativa em estágio inicial e médio de regeneração, além de áreas abertas naturais como várzeas e brejos. A composição da avifauna da Floresta Nacional de Irati indica a presença de áreas em bom estado de conservação, embora ainda distante do original. Essas áreas, entretanto, possuem enorme potencial de regeneração e alcance do clímax da Floresta Ombrófila Mista. Assim, presume-se o extremo valor de importância de conservação deste remanescente florestal, considerado o maior do estado para este ecossistema. Introdução Em geral, quanto mais espécies nativas presentes no ecossistema em questão, melhor conservado se encontra o mesmo e, de modo contrário, quanto mais espécies exóticas, mais alterada se encontra a vegetação nativa estudada. É uma forma indireta de investigar o estado de conservação de áreas com vegetação nativa, isto é, se estão mais próximas do ecossistema original ou de ecossistemas antropizados. As aves são muito utilizadas como bioindicadores de ecossistemas terrestres por ser um dos grupos mais bem estudados no país, com amplo conhecimento sobre a biologia e a ecologia da maioria das espécies, além da facilidade de reconhecimento em campo (o que significa também economia de tempo e recursos financeiros), e pelo fato de utilizarem tanto ecossistemas terrestres quanto aquáticos e também todos os estratos de uma floresta. Em áreas naturais protegidas, como as Unidades de Conservação, o objetivo é proporcionar condições para que as populações silvestres possam sobreviver. Esses objetivos nem sempre são alcançados, por diversos motivos: tamanho pequeno da área, caça, modificação da vegetação original e outras perturbações. Sobre a Floresta Nacional (FloNa) de Irati, uma Unidade de Anais do II Seminário de Atualização Florestal e XI Semana de Estudos Florestais Conservação de Uso Sustentável no estado do Paraná, ainda não há muitos estudos recentes publicados sobre a caracterização da sua avifauna e nem para verificar se os objetivos de conservação da biodiversidade estão sendo alcançados. Sabe-se que há pesquisas em andamento, mas ainda não disponíveis em publicações científicas. Uma tese de doutorado (VOLPATO, 2009) e um trabalho técnico (FUNDAÇÃO DE PESQUISAS FLORESTAIS DO PARANÁ – FUPEF, 1990) estão disponíveis para divulgação. Estes autores consideram que suas listas de espécies ainda não alcançaram todas as espécies ocorrentes no local, o que significa que trabalhos complementares podem ajudar a nos aproximarmos do número exato de espécies que lá ocorrem ou já ocorreram. Assim, os objetivos do trabalho foram: gerar e divulgar uma lista complementar de espécies de aves presentes na Floresta Nacional de Irati e usar essa lista como bioindicadora do estado de conservação da unidade. Procurou-se produzir uma lista complementar, porém ainda preliminar das espécies de aves que ocorrem na área de estudo, já que seria necessário um levantamento exaustivo, inclusive com captura, para se chegar a uma lista quase completa. Desenvolvimento Materiais e Métodos A área de estudo é delimitada por toda a área da Floresta Nacional de Irati, Estado do Paraná, cuja vegetação é constituída de campos antrópicos, florestamentos homogêneos e remanescentes de Floresta Ombrófila Mista. O trabalho de campo consistiu em observações ao longo de caminhadas aleatórias por todos os ambientes. Tais observações ocorreram entre março de 2007 e junho de 2010, em diversos dias, sem contagem de tempo. Foram utilizados equipamentos auxiliares na identificação das aves e mamíferos, como binóculos, guias de campo (DEVELEY e ENDRIGO, 2004; SOUZA, 1998) e literatura especializada (GRANTSAU, 1988; SICK, 1997; SIGRIST, 2006). As espécies foram registradas desde que houvesse certeza quanto à identificação. As aves foram reconhecidas de forma direta, com registros visuais e/ou auditivos. Resultados e Discussão Neste levantamento preliminar foram registradas 81 espécies de aves (Tabela 1) na FloNa de Irati. A lista de aves ainda deve sofrer acréscimos conforme aumenta-se o esforço amostral e utilizase do método de captura como complemento ao de observação. As aves estão apresentadas na Tabela 1 conforme a sua ocorrência registrada: apenas na FloNa (levantamento atual); Colégio Florestal (MARCELINO e ADENESKY-FILHO, 2008); Campus de Irati da UNICENTRO (MARCELINO e SILVA, 2008); e outras áreas da região de Irati (observação pessoal do autor). Também o hábito de cada espécie (florestal ou generalista) é apresentado na mesma tabela. Entende-se como hábito florestal aquele em que a espécie é preferencialmente florestal, raramente ocupando outras áreas. Entende-se por hábito generalista aquele em que a espécie ocupa diversos ambientes, como florestas, capoeiras, áreas abertas, jardins, áreas urbanas e rurais. Nota-se, pela Tabela 1, que 16 espécies foram registradas apenas na FLONA até agora, o que demonstra a importância desta Unidade de Conservação para a manutenção da biodiversidade. Este fato é indicativo de que fora da Unidade a situação da fauna não deve ser a mesma, provavelmente estando em pior situação de riqueza e abundância. Em outras palavras, as demais áreas percorridas devem estar em estado pior de conservação da vegetação nativa. Fora da unidade é bem certo que a fauna também sofra maior pressão de caça. Dessas 16 espécies, 10 são de hábito florestal, ou seja, mais sensíveis à degradação de habitat (desmatamento, fragmentação e retirada seletiva de vegetação). Anais do II Seminário de Atualização Florestal e XI Semana de Estudos Florestais Tabela 1 – Espécies de aves registradas na Floresta Nacional de Irati Nome do Táxon Geranospiza caerulescens (Vieillot, 1817) Herpetotheres cachinnans (Linnaeus, 1758) Phaethornis eurynome (Lesson, 1832) Melanerpes flavifrons (Vieillot, 1818) Chamaeza campanisona (Lichtenstein, 1823) Heliobletus contaminatus Berlepsch, 1885 Mionectes rufiventris Cabanis, 1846 Hemitriccus orbitatus (Wied, 1831) Phylloscartes ventralis (Temminck, 1824) Platyrinchus mystaceus Vieillot, 1818 Procnias nudicollis (Vieillot, 1817) Pachyramphus polychopterus (Vieillot, 1818) Hylophilus poicilotis Temminck, 1822 Trichothraupis melanops (Vieillot, 1818) Icterus cayanensis (Linnaeus, 1766) Brotogeris tirica (Gmelin, 1788) Nystalus chacuru (Vieillot, 1816) Piculus aurulentus (Temminck, 1821) Chiroxiphia caudata (Shaw & Nodder, 1793) Tityra cayana (Linnaeus, 1766) Crypturellus tataupa (Temminck, 1815) Synallaxis spixi Sclater, 1856 Turdus leucomelas Vieillot, 1818 Cairina moschata (Linnaeus, 1758) Amazonetta brasiliensis (Gmelin, 1789) Theristicus caudatus (Boddaert, 1783) Coragyps atratus (Bechstein, 1793) Caracara plancus (Miller, 1777) Gallinula chloropus (Linnaeus, 1758) Jacana jacana (Linnaeus, 1766) Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1817) Pionus maximiliani (Kuhl, 1820) Ramphastos dicolorus Linnaeus, 1766 Dysithamnus mentalis (Temminck, 1823) Poecilotriccus plumbeiceps (Lafresnaye, 1846) Colonia colonus (Vieillot, 1818) Cyclarhis gujanensis (Gmelin, 1789) Stelgidopteryx ruficollis (Vieillot, 1817) Tachyphonus coronatus (Vieillot, 1822) Pipraeidea melanonota (Vieillot, 1819) Conirostrum speciosum (Temminck, 1824) Cacicus chrysopterus (Vigors, 1825) Cacicus haemorrhous (Linnaeus, 1766) Syrigma sibilatrix (Temminck, 1824) Xiphocolaptes albicollis (Vieillot, 1818) Vireo olivaceus (Linnaeus, 1766) Euphonia violacea (Linnaeus, 1758) Patagioenas picazuro (Temminck, 1813) Dryocopus lineatus (Linnaeus, 1766) Xiphorhynchus fuscus (Vieillot, 1818) Nome Popular gavião-pernilongo acauã rabo-branco-de-garganta-rajada benedito-de-testa-amarela tovaca-campainha trepadorzinho abre-asa-de-cabeça-cinza tiririzinho-do-mato borboletinha-do-mato patinho araponga caneleiro-preto verdinho-coroado tiê-de-topete encontro periquito-rico joão-bobo pica-pau-dourado tangará anambé-branco-de-rabo-preto inhambu-chintã joão-teneném sabiá-barranco pato-do-mato pé-vermelho curicaca urubu-de-cabeça-preta caracará frango-d'água-comum jaçanã tiriba-de-testa-vermelha maitaca-verde tucano-de-bico-verde choquinha-lisa tororó viuvinha pitiguari andorinha-serradora tiê-preto saíra-viúva figuinha-de-rabo-castanho tecelão guaxe maria-faceira arapaçu-de-garganta-branca juruviara gaturamo-verdadeiro pombão pica-pau-de-banda-branca arapaçu-rajado Ocorrência F F F F F F F F F F F F F F F F F, C F, C F, C F, C F, C F, C, I F, C, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, I F, U F, U F, U F, U F, U, C F, U, C F, U, C Hábito Ge Ge Fl Fl Fl Fl Fl Fl Fl Ge Fl Ge Ge Fl Fl Ge Ge Fl Fl Fl Fl Ge Ge Ge Ge Ge Ge Ge Ge Ge Ge Ge Fl Fl Fl Ge Fl Ge Fl Fl Fl Fl Fl Ge Fl Fl Fl Ge Fl Fl Anais do II Seminário de Atualização Florestal e XI Semana de Estudos Florestais Synallaxis cinerascens Temminck, 1823 Zonotrichia capensis (Statius Muller, 1776) Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788) Vanellus chilensis (Molina, 1782) Columbina talpacoti (Temminck, 1811) Trogon surrucura Vieillot, 1817 Colaptes campestris (Vieillot, 1818) Sittasomus griseicapillus (Vieillot, 1818) Furnarius rufus (Gmelin, 1788) Camptostoma obsoletum (Temminck, 1824) Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) Troglodytes musculus Naumann, 1823 Turdus rufiventris Vieillot, 1818 Turdus amaurochalinus Cabanis, 1850 Thraupis sayaca (Linnaeus, 1766) Saltator similis d'Orbigny & Lafresnaye, 1837 Basileuterus culicivorus (Deppe, 1830) Basileuterus leucoblepharus (Vieillot, 1817) Penelope obscura Temminck, 1815 Milvago chimachima (Vieillot, 1816) Guira guira (Gmelin, 1788) Dendrocolaptes platyrostris Spix, 1825 Myiodynastes maculatus (Statius Muller, 1776) Megarynchus pitangua (Linnaeus, 1766) Tyrannus melancholicus Vieillot, 1819 Cyanocorax chrysops (Vieillot, 1818) Pygochelidon cyanoleuca (Vieillot, 1817) Coereba flaveola (Linnaeus, 1758) Sicalis flaveola (Linnaeus, 1766) Sicalis luteola (Sparrman, 1789) Molothrus bonariensis (Gmelin, 1789) pi-puí tico-tico gavião-carijó quero-quero rolinha-roxa surucuá-variado pica-pau-do-campo arapaçu-verde joão-de-barro risadinha bem-te-vi corruíra sabiá-laranjeira sabiá-poca sanhaçu-cinzento trinca-ferro-verdadeiro pula-pula pula-pula-assobiador jacuaçu carrapateiro anu-branco arapaçu-grande bem-te-vi-rajado neinei suiriri gralha-picaça andorinha-pequena-de-casa cambacica canário-da-terra-verdadeiro tipio vira-bosta F, U, C F, U, C F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, C, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I F, U, I Fl Ge Ge Ge Ge Fl Ge Fl Ge Fl Ge Ge Ge Ge Ge Fl Fl Fl Fl Ge Ge Fl Fl Fl Ge Fl Ge Ge Ge Ge Ge Nota: A nomenclatura das espécies segue o proposto pelo CBRO (2006). Convenções: F = FLONA de Irati U = Campus da UNICENTRO em Irati C = Colégio Florestal de Irati I = outras áreas da região Fl = hábito florestal Ge = hábito generalista Das 81 espécies registradas na FLONA, 40 são de hábitos predominantemente florestais. O fato de cerca de 50% da riqueza de aves ser de espécies generalistas é reflexo da condição de ocupação do solo da Unidade de Conservação, ocupada em boa parte por vegetação não nativa (como áreas abertas e plantios homogêneos) e Floresta Ombrófila Mista em estágio inicial e médio de regeneração, além de áreas abertas naturais como várzeas, brejos e ambientes lênticos. Em 1990 foram identificadas 114 espécies de aves na FloNa de Irati (FUNDAÇÃO DE PESQUISAS FLORESTAIS DO PARANÁ - FUPEF, 1990). Volpato (2009) também registrou 114 espécies de aves 19 anos depois, em um levantamento com maior esforço amostral por observação; destas, 48 foram classificadas como espécies florestais-dependentes e 66 como espécies florestaisgeneralistas. Aqui a proporção de espécies generalistas é ainda maior. Em um levantamento feito em 2007 pelo autor, foram identificadas apenas 44 espécies (Relatório Técnico). As visitas feitas à FloNa neste ano, entretanto, foram eventuais e não tinham o objetivo primário de levantar todas as espécies de aves. Anais do II Seminário de Atualização Florestal e XI Semana de Estudos Florestais Conclusões A composição da avifauna da FLONA de Irati indica a presença de áreas em bom estado de conservação, embora ainda distante do original. Essas áreas, entretanto, possuem enorme potencial de regeneração e alcance do clímax da Floresta Ombrófila Mista. Assim, presume-se o extremo valor de importância de conservação deste remanescente florestal, ainda mais se considerarmos que há outras unidades de conservação e remanescentes florestais particulares em áreas adjacentes, caracterizando um possível corredor de biodiversidade (já considerado assim pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP). Recomenda-se esforços na conscientização da população local, de modo a extinguir hábitos como a caça e a retirada ilegal de vegetação, e o incentivo para o manejo de recuperação. Ainda há ampla área de pesquisa a ser explorada. Referências CBRO – Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2006) Listas das aves do Brasil. Versão 10/12/2006. Disponível em http://www.cbro.org.br. Acesso em: 25 de março de 2006. DEVELEY, P. F.; ENDRIGO, E. Guia de Campo: Aves da Grande São Paulo. São Paulo: Aves e Fotos Editora, 2004. FUNDAÇÃO DE PESQUISAS FLORESTAIS DO PARANÁ – FUPEF. Aspectos faunísticos da Floresta Nacional de Irati. Projeto Manejo de Florestas Nacionais. Curitiba: IBAMA/FUPEF, 1990. GRANTSAU, R. Os beija-flores do Brasil: uma chave de identificação para todas as formas de beija-flores do Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1988. MARCELINO, V. R.; ADENESKI-FILHO, E. 2008. Aves e mamíferos registrados no Colégio Floresta de Irati, Paraná. In: SEMANA DE ESTUDOS FLORESTAIS, 10, Irati, 2008. Anais... Guarapuava: Editora da UNICENTRO, 2008. MARCELINO, V. R.; SILVA, M. M. 2008. Aves e mamíferos registrados no Campus de Irati da Unicentro. In: In: SEMANA DE ESTUDOS FLORESTAIS, 10, Irati, 2008. Anais... Guarapuava: Editora da UNICENTRO, 2008. SICK, H. Ornitologia brasileira. Ed. Revista e ampliada por José Fernando Pacheco. 2. impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. SIGRIST, T. Aves do Brasil: uma visão artística. São Paulo: Avis Brasilis, 2006. SOUZA, D. Todas as aves do Brasil: guia de campo para identificação. Feira de Santana: Dall, 1998. VOLPATO, G. H. Comunidades de aves em mosaico de habitat formado por Floresta Ombrófila Mista e plantações com Araucaria angustifolia e com Pinus elliottii, no sul do estado do Paraná, Brasil. 2009, 58p. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas – Zoologia) – Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, UFPR, Curitiba.