iter criminis e seus desdobramentos - TCC On-line

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
RITA DE CÁSSIA ROCHA VEIGA
“ITER CRIMINIS” E SEUS DESDOBRAMENTOS
CURITIBA
2013
RITA DE CÁSSIA ROCHA VEIGA
“ITER CRIMINIS” E SEUS DESDOBRAMENTOS
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Me. Luiz Renato Scroch Andretta
CURITIBA
2013
TERMO DE APROVAÇÃO
RITA DE CÁSSIA ROCHA VEIGA
“ITER CRIMINIS” E SEUS DESDOBRAMENTOS
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____ de _____________ de 2013.
_______________________________________________
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador:
_______________________________________________
Prof. Me. Luiz Renato Skroch Andretta
UTP – Universidade Tuiuti do Paraná
_______________________________________________
Prof. M. / Dr.
UTP – Universidade Tuiuti do Paraná
_______________________________________________
Prof. M. / Dr.
UTP – Universidade Tuiuti do Paraná
Dedico este trabalho a Lucas e Gabriel, meus
amados filhos e fontes de inspiração.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, por me dar forças para trilhar o caminho e
iluminar meus passos.
À minha amada mãe, uma grande lutadora, sempre pronta a me ajudar.
Mulher de fibra, que me serve de inspiração.
Ao meu marido, Wilson, pelo incentivo e apoio durante todo o curso.
Aos meus filhos, Lucas e Gabriel, pela compreensão.
À minha grande amiga, Fátima Marcelino, por quem tenho o maior apreço,
por toda a dedicação e apoio, cuja amizade espero levar comigo para sempre.
Ao meu grande amigo, Jaide Mandolini, pelo incentivo e companheirismo
durante todos esses anos, cuja amizade também espero levar comigo para sempre.
Aos queridos amigos que estiveram comigo nesta jornada, Maria Cristina
Lessi, Reginaldo Bonin, Andréa Mazza, Claudia Gaeski, Luiza Ceccon, Laísa
Cassou, Ana Paula Garcia, Simone Farias, Isabel Oliveira, Ellen Aquino, Bruno
Kruger e Raimundo Domiciano, pelos quais tenho um carinho especial.
Ao meu estimado orientador, Prof. Me. Luiz Renato Skroch Andretta, pela
dedicação e apoio, sempre se colocando à disposição para me auxiliar.
Aos professores, cujos ensinamentos mudaram minha forma de pensar e,
em especial, ao meu grande Mestre, Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite, um
exemplo a ser seguido.
Por fim, não posso deixar de agradecer a todos que contribuíram para o
desenvolvimento e conclusão deste trabalho.
“Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar
contornos definidos e inequívocos à condição, que
o limita”. (RUI BARBOSA, 1892, p. 60)
RESUMO
O estudo do iter criminis tem como objetivo fundamental separar o delito em fases,
com a finalidade de analisar se é cabível ou não a punibilidade do agente. Isso
porque, em certos casos, não existe a efetiva transgressão da norma, mas tão
somente a cogitação do ato delitivo pelo agente transgressor. Nesse sentido, os atos
que não configuram violação ao bem jurídico de terceiro poderão ser avaliados
somente quando da fixação da pena pelo magistrado, como parte integrante do perfil
criminoso do agente. Por tal motivo, de fundamental importância o presente estudo,
em razão do aumento significativo das condutas criminosas em nossa sociedade.
Neste contexto, conforme será exposto no decorrer da pesquisa, analisar-se-á o
conceito de crime, a tipicidade do delito, através da classificação dos crimes, em
especial o tipo doloso e culposo, além das fases que compõem o iter criminis e dos
meios possíveis de redução da pena ou sua exclusão, através de atitudes do agente
que visam evitar a lesão do bem jurídico de outrem.
Palavras-chave:
Crime.
Iter
Criminis.
Tipicidade.
Preparação. Execução. Tentativa. Consumação.
Dolo.
Culpa.
Cogitação.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ...................................................................................................08
2
DO CRIME ........................................................................................................10
2.1 DEFINIÇÃO .......................................................................................................10
2.2 DOS ATOS ILÍCITOS .........................................................................................12
2.3 DO CRIME, DELITO E CONTRAVENÇÃO .......................................................16
2.4 DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ................................................................18
2.5 DO CRIME DOLOSO E CULPOSO ..................................................................22
2.6 DO ERRO DE TIPO ...........................................................................................30
3
DO ITER CRIMINIS ...........................................................................................33
3.1 DA COGITAÇÃO ...............................................................................................33
3.2 DA PREPARAÇÃO ............................................................................................35
3.3 DA EXECUÇÃO .................................................................................................37
3.4 DA CONSUMAÇÃO ...........................................................................................38
3.5 DA TENTATIVA..................................................................................................40
3.6 TEORIAS DA TENTATIVA .................................................................................43
4
DA ESSENCIAL DIFERENÇA ENTRE OS ATOS PREPARATÓRIOS E OS
ATOS EXECUTÓRIOS ............................................................................................45
5
DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ ................49
6
DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR E CRIME IMPOSSÍVEL .....................53
7
CONCLUSÃO ...................................................................................................56
REFERÊNCIAS .........................................................................................................59
8
1 INTRODUÇÃO
O considerável o aumento do número de crimes na sociedade atual
demanda providências urgentes por parte do Estado, através da inserção de
Políticas Criminais que tenham por objetivo coibir a prática da transgressão das
normas.
Entretanto, inobstante essa providência representar uma necessidade social
contemporânea, é importante salientar que os princípios que regem a Constituição
Federal devem ser observados, em especial para evitar a condenação de um sujeito
que não praticou conduta delituosa.
Neste contexto, de fundamental importância a análise de todas as etapas do
iter criminis, vez que, de maneira objetiva, promove a divisão das condutas e ações
praticadas pelo agente, com intuito de avaliar se representam transgressão de
norma e, consequentemente, são passíveis de punição pelo Estado.
Sabe-se que a cogitação de um crime é possível para todas as pessoas,
mesmo para aquelas que não possuem um perfil criminoso apurado. Esse fato pode
decorrer das atividades do dia a dia, como no meio de uma briga, o sujeito pensar
na prática do delito de injúria.
Se a ofensa a terceiro for realizada, inconteste que o crime foi consumado,
ao passo que se o agente somente pensar em ofensas ao terceiro, não existem
motivos para sua punição no âmbito do Direito Penal, eis que nenhum tipo de norma
foi transgredida.
Diante do exposto, o presente trabalho objetiva realizar uma análise acerca
das diferenças existentes entre os atos preparatórios e executórios, no transcorrer
do iter criminis, eis que esse limiar tem o condão de concluir se houve ou não prática
do delito.
Sob esse prisma, inicialmente o crime e sua definição, bem como os atos
ilícitos serão objeto de profunda análise, eis que representam o centro normativo do
iter criminis, sem o qual ele não poderia ocorrer.
Na sequência, será focada a diferenciação existente entre o crime, delito e
contravenção. A classificação dos crimes, bem como o estudo completo do crime
doloso e culposo e sua essencial diferenciação também serão objeto de estudo,
assim como o erro de tipo.
9
O iter criminis, avaliado em todas as suas fases, ganha enfoque, visto que
representa todo o caminho percorrido pelo agente quando da prática do delito.
Assim, separadamente, analisar-se-á a cogitação, a preparação e a execução, que
pode ter como consequência a consumação do delito ou tão somente a tentativa da
transgressão da norma, com ausência de consumação e exaurimento do crime.
Por fim, a pesquisa se encerra com a análise das teorias que norteiam a
tentativa, assim como a essencial diferenciação entre os atos preparatórios e
executórios do iter criminis, aliado aos casos especiais de desistência voluntária,
arrependimento eficaz, arrependimento posterior e crime impossível.
10
2 DO CRIME
2.1 DEFINIÇÃO
A definição de crime é essencialmente jurídica e não consta no Código
Penal brasileiro, cabendo à doutrina conceituar esse instituto.
Luiz Regis Prado (2010, p. 248) conceitua o delito ou crime, sob três
aspectos: “formal ou nominal; material ou substancial e analítico ou dogmático”. De
acordo com o conceito formal ou nominal, o doutrinador entende que “crime é o que
a lei penal vigente incrimina”.
Sob o aspecto formal, o crime é definido por Heleno Cláudio Fragoso (1980,
p. 148) como “toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena”. Manoel
Pedro Pimentel (1983, p. 02), por sua vez, conceitua o crime como “uma conduta
(ação ou omissão) contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena”.
No mesmo sentido, Regis Prado (2010, p. 248) entende que o crime “versa,
portanto, sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei penal”.
Importante destacar os ensinamentos doutrinários de Julio Fabbrini Mirabete
e Renato N. Fabbrini, em que, ao se considerar apenas o aspecto nominal do fato,
sem levar em conta a essência ou lesividade material, as definições:
[...] alcançam apenas um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais
aparente, que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua
ilegalidade como fato contrário à normal penal. Não penetram, contudo, em
sua essência, em seu conteúdo, em sua matéria. (MIRABETE; FABBRINI,
2013, p. 79).
Regis Prado (2010, p. 249) conceitua que o delito diz respeito ao conteúdo
do ilícito penal, ou seja, “o que determinada sociedade, em dado momento histórico,
considera que deve ser proibido pela lei penal”. E acrescenta que “no aspecto
material, o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de
caráter individual, coletivo ou difuso”.
O conceito material de crime, para Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 159),
é “a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a
aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente
tutelado, merecedora de pena”.
11
Fragoso (1980, p. 149), por sua vez, define que “crime é qualquer fato do
homem, lesivo de um interesse, que possa comprometer as condições de existência,
de conservação e de desenvolvimento da sociedade”.
Por fim, com base no conceito analítico, o crime é dividido em suas partes
constitutivas e definido como “toda ação ou omissão típica, ilícita e culpável”.
Importante salientar que, de acordo com o conceito analítico, a conduta
abrange o dolo e a culpa em sentido estrito.
Admitindo-se sempre que o delito é uma conduta humana voluntária, é
evidente que tem ela, necessariamente uma finalidade. Por isso, no
conceito analítico de crime, a conduta abrange o dolo (querer ou assumir o
risco de produzir o resultado) e a culpa em sentido estrito. (MIRABETE;
FABBRINI, 2013, p. 81).
Juarez Cirino dos Santos, por sua vez, entende que:
Definições reais explicariam a gênese do fato punível, importantes para
delimitar o objeto do estudo da criminologia; definições materiais indicariam
a gravidade do dano social produzido pelo fato punível, como lesões de
bens jurídicos capazes de orientar a formulação de políticas criminais;
definições formais revelariam a essência do fato punível, como violação da
norma legal ameaçada com pena; enfim, definições operacionais
identificariam os elementos constitutivos do fato punível, necessários como
método analítico para determinar a existência concreta de ações
criminosas. (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 73-74).
Em suas ponderações, Walter Coelho (1991, p. 36) enfatizava que “o crime
é o fato humano típico e ilícito, em que a culpabilidade é o pressuposto da pena, e a
periculosidade o pressuposto da medida de segurança”.
Diante dos conceitos apresentados e objetivando resumir o disposto pelos
doutrinadores, cumpre salientar o que diz sobre o assunto, com muita propriedade,
Cirino dos Santos:
Definições materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo
fato punível, como lesões de bens jurídicos capazes de orientar a
formulação de políticas criminais; definições formais revelariam a essência
do fato punível como violação da normal legal ameaçada com pena; enfim,
definições operacionais identificariam os elementos constitutivos do fato
punível, necessários como método analítico para determinar a existência
concreta de ações criminosas (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 74).
12
2.2 DOS ATOS ILÍCITOS
Como verificado anteriormente, a existência do crime pressupõe a prática de
uma conduta típica, antijurídica e culpável. Assim, são características do crime a
tipicidade e a antijuridicidade.
O fato típico é o comportamento positivo ou negativo que produz um
resultado previsto como infração penal. Já o fato antijurídico é o que contraria as
normas dispostas no ordenamento jurídico.
No Direito Penal a antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato
típico praticado e o ordenamento jurídico. Se em princípio for injurídico o
fato típico, não será contrário ao direito quando estiver protegido pela
própria lei penal. Exemplificando: matar alguém é fato típico se o agente o
fez dolosa ou culposamente, mas não será antijurídico se o agente praticar
a conduta em estado de necessidade, em legítima defesa, etc. Não há,
nessas hipóteses, crime. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 82).
Cirino dos Santos (2008, p. 75), por sua vez, entende que “o tipo legal é a
descrição da lesão de bens jurídicos e a antijuridicidade é um juízo de valoração do
comportamento descrito no tipo legal, formando o conceito de tipo do injusto”.
Conforme Mirabete e Fabbrini (2013, p. 98) o tipo penal “é composto não só
de elementos objetivos, mas também de elementos normativos e subjetivos”.
Rogério Greco (2011, p. 156) diz que “quando afirmamos que só haverá
tipicidade se existir adequação perfeita da conduta do agente ao modelo em abstrato
previsto na lei penal (tipo), estamos querendo dizer que, por mais que seja parecida
a conduta levada a efeito pelo agente com aquela descrita no tipo penal, se não
houver um encaixe perfeito, não se pode falar em tipicidade”.
A culpabilidade, por sua vez, é a condição para ser impor a pena em razão
da reprovabilidade da conduta praticada pelo agente. Greco (2011, p. 143) diz que
culpabilidade é o “juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do
agente”.
Importante considerar que, são requisitos genéricos do crime, a tipicidade e
a antijuridicidade e, requisitos específicos, as circunstâncias elementares descritas
no art. 30 do Código Penal, a saber: “não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
13
Os elementos constitutivos do crime são a conduta, o objeto material e os
sujeitos do delito, conforme ensinamentos da doutrina pátria, dentre eles o disposto
a seguir:
Os elementos constitutivos do crime são as descrições que determinam a
conduta, o objeto material e o sujeito ativo e passivo do delito. Já as
circunstâncias do crime são aquelas que têm por objetivo o aumento ou
diminuição da pena e se relacionam com gravidade do ato ou as relações
existentes entre os sujeitos, como por exemplo, a prática de crime contra
ascendente ou os crimes que empregam violência extrema como a asfixia.
(MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 83).
Cumpre observar que, conforme relatam Mirabete e Fabbrini (2013, p. 85) “o
fato típico necessariamente é composto pela: conduta (ação ou omissão); resultado;
relação de causalidade e tipicidade. Se algum desses elementos não estiver
presente, não existe fato típico e a conduta não pode ser considerada crime”.
Damásio Evangelista de Jesus (2008, p. 227) conceitua conduta como
sendo “a ação ou omissão humana consciente e dirigida à determinada finalidade”.
Importante observar que, a conduta prescinde de uma atuação do ser humano, não
se considerando conduta o pensamento e a cogitação.
A doutrina é farta em definições sobre conduta e, dentre elas, pode-se
destacar a de Fernando Capez:
Conduta é a ação e omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a
uma finalidade. Os seres humanos são seres dotados de razão e vontade. A
mente processa uma série de captações sensoriais, transformadas em
desejos. O pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na
consciência, não representa absolutamente nada para o Direito Penal.
(CAPEZ, 2005, p. 114).
As formas de conduta são a ação e a omissão, que podem ter como
resultado a prática de um delito. Já o resultado, segundo Fragoso (1980, p. 170)
pode ser entendido como “o efeito natural da ação que configura a conduta típica, ou
seja, o fato tipicamente relevante produzido no mundo exterior pelo movimento
corpóreo do agente e a ele ligado por relação de causalidade”.
A conduta é essencial para a prática do crime, eis que não há delito sem
ação. Nas palavras de Cesar Roberto Bitencourt (2008, p. 217) “ação é o
comportamento humano voluntário conscientemente dirigido a um fim”.
14
Já, Nucci (2007, p. 191), apesar de acreditar que a omissão tem existência
diferenciada da ação, diz que “não é inviável considerar a omissão, para efeito de
estudo da conduta humana, como a ação negativa”.
De modo bastante abreviado, cabe mencionar a existência de três teorias da
conduta, a saber: teoria causalista, finalista e social da ação.
A teoria causalista entende a conduta como a atitude decorrente do
comportamento humano voluntário, consistente em fazer ou não fazer. Foi elaborada
por Liszt, Beling e Radbruch, no final do século XIX e hoje é conhecida como modelo
clássico de ação. De acordo com Bitencourt (2008, p. 218), no que tange à teoria
causalista, “ação é o movimento corporal voluntário que causa modificação no
mundo exterior”.
É possível afirmar que os causalistas examinam só a conduta, sem se
importar com o nexo de causalidade. Sobre este ponto, importante destacar o que
propõe Capez:
[...] a existência do fato típico resulta de uma simples comparação entre o
que foi objetivamente praticado e o que se encontra descrito em lei, sem
qualquer indagação sobre o conteúdo da conduta [...] não importa se o
agente quis ou teve culpa na causação do crime. A configuração da conduta
típica depende apenas de o agente causar fisicamente (naturalisticamente)
um resultado previsto em lei como crime. (CAPEZ, 2005, p. 117).
A teoria finalista, elaborada por Welzel, por sua vez, defende que a conduta
humana não é somente um comportamento causal, mas que decorre de uma
vontade dirigida a um fim. Nas palavras de Bitencourt (2008, p. 220), “somente são
produzidas finalisticamente aquelas consequências a cuja realização se estende a
direção final”.
Por fim, a teoria social, fundada por Eberhard Schmidt e desenvolvida por
Jescheck e Wessels, dispõe que ação é a conduta socialmente relevante e
determinada pela vontade humana.
A teoria social acrescentou a relevância social do comportamento humano, o
que pode ser destacado na lição de Capez:
Embora objetiva e subjetivamente típico, quando um comportamento não
afrontar o sentimento de justiça, o senso de moralidade ou a adequação
social do povo, não será considerado relevante para o direito penal.
(CAPEZ, 2005, p. 129).
15
Importante destacar os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini sobre esta
teoria:
Como o Direito Penal só comina penas às condutas socialmente danosas e,
como socialmente relevante, é toda conduta que afeta a relação do
indivíduo com seu meio, sem relevância social não há relevância jurídicopenal. [...] As críticas feitas a essa teoria residem na dificuldade de
conceituar-se o que seja relevância social da conduta, pois tal exigiria um
juízo de valor, ético. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 88).
Nesse ínterim, Cirino dos Santos define o que é relevância social, a saber,
como:
uma qualidade da ação atribuível por juízo de valor próprio dos conceitos
axiológicos que qualificam a ação como crime e – desse ponto de vista, a
relevância social é atributo do tipo de injusto, responsável pela seleção de
ações e de omissões da ação no tipo legal. (CIRINO DOS SANTOS, 2008,
p. 93).
Diante do exposto acerca das teorias da conduta, de forma sucinta, deve-se
considerar o que salienta Bitencourt:
Assim, a teoria causal leva à imputação do resultado e ao desvalor do
resultado; a teoria finalista destaca a natureza intencional da ação e o
desvalor desta; e, finalmente, a teoria social insere o contexto social geral
na valoração da ação. (BITENCOURT, 2008, p. 224).
Não se pode olvidar, também, da importante conclusão dada por Cirino dos
Santos:
Considerando as funções teóricas, metodológicas e práticas do conceito de
ação, definido casualmente como causação do resultado exterior por
comportamento humano voluntário, finalisticamente como realização de
atividade final, socialmente como comportamento socialmente relevante
dominado ou dominável pela vontade [...], é possível concluir que a
definição capaz de identificar o traço mais específico e, ao mesmo tempo, a
característica mais geral da ação humana, parece ser a definição do modelo
final de ação. (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 102).
A relação de causalidade é a ligação existente entre a conduta e o resultado,
conforme traz Nucci (2007, p. 197) quando diz que o “nexo causal é o vínculo
estabelecido entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado, com relevância
suficiente para formar o fato típico”.
Ocorrida a relação de causa e efeito, não há que se questionar sobre a
inexistência de nexo causal, posto que o art. 13 do Código Penal, dispõe que “ o
16
resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido”.
No que se refere a sujeitos do crime, importante destacar a seguintes
definições de Edgard Magalhães Noronha:
Sujeito ativo é quem pratica a figura típica descrita na lei. É o homem, a
criatura humana, isolada ou associada, isto é, por autoria singular ou coautoria. Só ele pode ser o agente ou autor do crime. (NORONHA, 2003, p.
113).
Sujeito ativo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado. (NORONHA,
2003, p. 114).
Conforme se conclui, sujeito ativo é o agente que pratica a conduta descrita
na lei e sujeito ativo é o titular do bem jurídico atingido, seja por lesão ou ameaça de
lesão.
Jesus ensina que existem duas espécies de sujeito passivo, a saber:
Sujeito passivo formal é o Estado, titular do mandamento proibitivo não
observado pelo sujeito ativo. Por outro lado, considerado o sujeito sob o
prisma material, há sempre aquele que sofre a lesão do bem jurídico de que
é titular (vida, integridade física, honra, patrimônio, etc.). (JESUS, 2005, p.
153).
Nas palavras de Nucci (2007, p. 168), objeto jurídico é “o interesse protegido
pela norma penal, como a vida, o patrimônio, a fé pública, entre outros”. E continua
“objeto material é o bem jurídico, de natureza corpórea ou incorpórea, sobre o qual
recai a conduta criminosa”.
2.3 DO CRIME, DELITO E CONTRAVENÇÃO
A expressão infração penal é utilizada para identificar o crime e a
contravenção. Segundo os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini (2013, p. 113) “o
título da infração penal é sua denominação jurídica. Exemplificando, no art. 121,
caput, o título é homicídio simples, no art. 155, caput, é furto, no art. 42 da LCP é
perturbação do trabalho ou do sossego alheios, etc.”.
A doutrina classifica as infrações penais em duas divisões, o sistema
bipartido e o sistema tripartido. O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema
bipartido, considerando que as infrações se classificam em crimes ou delitos e
contravenções.
17
Quanto à gravidade do fato, há dois sistemas de classificação das infrações
penais. O primeiro, denominado tricotômico ou divisão tripartida, classifica
as infrações penais em crimes, delitos e contravenções. Esse sistema é o
adotado pela França, Alemanha, Bélgica, Áustria, Japão e Grécia.
No sistema dicotômico, ou de divisão bipartida, a classificação é de crimes
ou delitos (como sinônimos) e contravenções, adotado na Itália, Peru,
Suíça, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Holanda e pela nossa legislação.
(PIMENTEL, 1983, p. 1).
Porém,
a
classificação
tripartida
tem
seus
seguidores,
dentre
os
doutrinadores pátrios.
A classificação tripartida (crime, delito e contravenção) além de traduzir de
maneira mais justa a hierarquia dos comportamentos reprováveis, permite
maior diferenciação valorativa das infrações penais. É tida como preferível
também por razões de ordem processual – determinação da competência e
espécie de procedimento aplicável. (REGIS PRADO, 2010, p. 255).
Importante considerar que, não existem diferenças nas infrações penais, eis
que a distinção reside tão somente na espécie de pena aplicada ao caso. Cumpre
destacar nos ensinamentos de Nucci (2007, p. 164) que a diferença entre crime e
contravenção “não é ontológica ou essencial, situando-se, tão somente, no campo
da pena”.
Nesse sentido, de grande valia o entendimento de Cesare Beccaria (2004, p.
23), ao expor que “em todo delito deve o juiz formar um silogismo perfeito: a
premissa maior deve ser a lei geral; a ação, em conformidade ou não com a lei; a
consequência, a liberdade ou a pena [...]”.
Mesmo no caso da contravenção, inexiste diferença substancial com o
crime, sendo essa infração também conhecida como “crime-anão”, nas palavras de
Mirabete e Fabbrini (2013, p. 113), eis que representa os delitos de menor potencial
ofensivo.
Assim, coube à lei definir o conceito de crime e contravenção. O artigo 1º da
Lei de Introdução do Código Penal conceitua o crime como “a infração penal que a
lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa”.
A contravenção, por sua vez, é também definida no art. 1º da Lei de
Introdução do Código Penal como “a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativa ou
cumulativamente”.
18
Pela simples análise das descrições acima, inconteste que quanto maior a
gravidade da infração, mais severa é a punição, sendo possível a reclusão ou a
detenção no caso de crime ou multa ou prisão simples no caso de contravenção.
São exemplos de contravenção as disposições constantes no art. 21 da Lei
das Contravenções Penais, que versa sobre a prática de vias de fato; o art. 59, do
mesmo Código, que trata sobre ociosidade e também o art. 48, que dispõe sobre
comércio de antiguidades, de obras de arte, ou de manuscritos e livros antigos ou
raros, sem a observância das disposições legais.
2.4 DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES
Com base nos ensinamentos de Mirabete e Fabbrini (2013, p. 114-125), os
crimes podem ser classificados em crimes instantâneos, permanentes, instantâneos
de efeitos permanentes; comissivos, omissivos puros e omissivos impróprios;
unissubjetivos e plurissubjetivos; simples, qualificados e privilegiados; progressivo e
progressão criminosa; habitual; profissional; exaurido; de ação única e de ação
múltipla; unissubsistentes e plurissubsistentes; materiais, formais e de mera conduta;
de dano ou de perigo; complexos; comuns, crimes próprios e de mão própria;
principais e acessórios; vagos; comuns e políticos; militares; hediondos; organizado
e infrações de menor potencial ofensivo.
Os crimes instantâneos, segundo Nucci (2007, p. 169) “são aqueles cuja
consumação se dá com uma única conduta e não produzem um resultado
prolongado no tempo”.
Os crimes permanentes, por sua vez, de acordo com Nucci (2007, p. 169)
“são os que se consumam com uma única conduta, embora a situação jurídica
gerada se prolongue no tempo até quando queira o agente”.
Já os crimes instantâneos com efeitos permanentes, nos ensinamentos de
Nucci (2007, p. 170) “nada mais são do que os delitos instantâneos que têm a
aparência de permanentes por causa de seu método de execução”. Portanto, são
aqueles que ocorrem quando, mesmo após a consumação da infração, os efeitos
permanecem, como no caso da bigamia.
Tal distinção é fundamental para compreensão do tema do presente
trabalho, como se pode ver no que ensina Cirino dos Santos:
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O interesse prático da distinção relaciona-se à autoria e participação, assim
como ao concurso de tipos: nos tipos permanentes é possível a co-autoria e
a participação por cumplicidade após a consumação, porque o tipo não
está, ainda, terminado ou exaurido; igualmente durante a realização de um
tipo permanente podem ser realizados tipos instantâneos, em concurso
material, como, por exemplo, estupro da vítima do sequestro ou da violação
de domicílio. (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 114).
Os crimes comissivos, na lição Mirabete e Fabbrini (2013, p. 115) “são
aqueles que exigem uma atividade positiva do agente, um fazer, como por exemplo,
subtrair no crime de furto, descrito no art. 155 do Código Penal”.
Por outro lado, o crime omissivo puro, de acordo com Bitencourt (2008, p.
212-213) “consiste no fato de o agente deixar de realizar determinada conduta,
tendo a obrigação jurídica de fazê-lo”.
No crime omissivo impróprio, ou comissivo por omissão ou comissivoomissivo, “o agente responde não pela omissão simplesmente, mas pelo resultado
decorrente desta, a que estava, juridicamente, obrigado a impedir”, com base no que
orienta Bitencourt (2008, p. 213).
Os crimes unissubjetivos ou também denominados unilaterais são “os crimes
que podem ser praticados por uma só pessoa”, e os plurissubjetivos ou de concurso
necessário são “aqueles que somente podem ser cometidos por mais de uma
pessoa”, de acordo com Nucci (2007, p. 172-173).
Para Mirabete e Fabbrini, o crime simples:
é o tipo básico, fundamental, que contém os elementos mínimos e
determina seu conteúdo subjetivo sem qualquer circunstância que aumente
ou diminua sua gravidade. [...] Crime qualificado é aquele em que ao tipo
básico a lei acrescenta circunstância que agrava sua natureza, elevando os
limites da pena. [...] Crime privilegiado existe quando ao tipo básico a lei
acrescenta circunstâncias que o torna menos grave, diminuindo, em
consequência, suas sanções. (2013, p. 116-117).
O crime progressivo, definido por Nucci (2007, p. 173) ocorre “quando um
tipo penal expressamente envolve outro” e a progressão criminosa “trata-se da
evolução na vontade do agente, fazendo-o passar, embora num mesmo contexto, de
um crime a outro, normalmente voltado contra o mesmo bem jurídico protegido”. .
Para Nucci (2007, p. 174), crime habitual é “aquele que somente se
consuma através da prática reiterada e contínua de várias ações, traduzindo um
estilo de vida indesejado pela lei penal”. Ainda para Nucci (2007, p. 172), crime
20
exaurido é “o delito que continua a produzir resultado danos, depois de estar
consumado”.
O crime de ação única, conforme ensina Bitencourt (2008, p. 215) é aquele
“que contém somente uma modalidade de conduta, expressa pelo verbo núcleo do
tipo penal”. Já o crime de conteúdo variado ou ação múltipla, de acordo com o
mesmo autor, é aquele “cujo tipo penal contém várias modalidades de conduta, e,
ainda que seja praticada mais de uma, haverá somente um único crime”.
Os crimes unissubsistentes, conforme Nucci (2007, p. 175) “são os que
admitem a sua prática através de um único ato” e o plurissubsistentes “exigem vários
atos, componentes de uma ação”.
De acordo com Mirabete e Fabbrini:
nos crimes materiais existe a necessidade de um resultado externo à ação,
descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Já
nos crimes formais não há necessidade de realização daquilo que é
pretendido pelo agente, e o resultado previsto no tipo ocorre ao mesmo
tempo em que se desenrola a conduta. (2013, p. 119).
Nos crimes de mera conduta ou simples atividade, por sua vez, a norma não
exige a existência de qualquer resultado naturalístico. Segundo Regis Prado (2010,
p. 256) neste tipo de crime “o comportamento exaure o conteúdo do tipo legal, isto é,
a sua simples realização consuma o delito”.
Quanto ao resultado, os crimes podem ser divididos também em crime de
dano e de perigo. De acordo com Nucci (2007, p. 172), delitos de dano são os que
“se consumam com a efetiva lesão a um bem jurídico tutelado. Trata-se da
ocorrência de um prejuízo efetivo e perceptível pelos sentidos humanos. Os crimes
de perigo são os que se contentam, para a consumação, com a mera probabilidade
de haver um dano”.
Mirabete e Fabbrini (2013, p. 120) trazem que os crimes complexos “são
aqueles que encerram dois ou mais tipos penais em uma única descrição legal”.
Bitencourt (2008, p. 214) define que “crime comum é aquele que pode ser
praticado por qualquer pessoa e crime próprio ou especial é aquele que exige
determinada qualidade ou condição especial do agente”.
O crime de mão própria ou de atuação pessoal, como ensina Bitencourt
(2008, p. 215), “é aquele que só pode ser praticado pelo agente pessoalmente, não
podendo utilizar-se de pessoa interposta”.
21
De outro turno, Mirabete e Fabbrini (2013, p. 21) ensinam que os crimes
principais “independem da prática de delito anterior, enquanto que os crimes
acessórios pressupõem a existência de uma infração anterior”.
Os crimes vagos são definidos por Nucci (2007, p. 176) como “aqueles que
não possuem sujeito passivo determinado, sendo este a coletividade, sem
personalidade jurídica”.
Para Mirabete e Fabbrini (2013, p. 121) “os crimes comuns são aqueles que
ofendem os bens jurídicos do indivíduo, da família, da sociedade e do próprio
Estado, enquanto que os crimes políticos lesam a segurança interna ou externa do
Estado”.
Os crimes militares são aqueles previstos no Código Penal Militar e se
subdividem em crimes militares em tempo de paz e crimes militares em tempo de
guerra. Existem também os crimes militares próprios ou impróprios.
Os crimes hediondos são considerados crimes mais graves e por tal motivo,
são insuscetíveis de fiança, graça ou anistia, nos termos do art. 5º, XLIII da
Constituição Federal.
Esse tipo de delito causa comoção pública e é previsto pelos artigos da Lei
n.º 8.072/1990. São considerados crimes hediondos, tentados ou consumados: o
homicídio, quando praticado em atividade de grupo de extermínio; o homicídio
qualificado; latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante seqüestro
e na forma qualificada; estupro nas formas simples e qualificadas; estupro de
vulnerável na forma simples e qualificada; epidemia com resultado morte;
falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais e genocídio.
Importante considerar que a Lei n.º 11.464/2007 admitiu a possibilidade de
progressão de regime, sendo, entretanto, definido o regime inicial como fechado. Por
outro lado, ainda permanece a proibição da fiança nos casos de crime hediondo.
O crime organizado é aquele que prescinde a existência de uma
organização criminosa e, consoante o art. 1º da Lei n.º 9.034/1995 decorrem “de
ações de quadrilha ou bando”.
Já os crimes de menor potencial ofensivo são aqueles regidos pela Lei n.º
9.099/1995 e consoante disposto no art. 61, abrangem “as contravenções penais e
os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou
não com multa”.
22
Por fim, Regis Prado (2010, p. 260) identifica os dois tipos de crime com
relação ao modo de execução. “O primeiro é o crime de forma livre, que admite
qualquer meio de execução, como o homicídio. Já no crime de forma vinculada, o
tipo penal descreve os possíveis meios de execução da conduta, como no crime de
curandeirismo”.
2.5 DO CRIME DOLOSO E CULPOSO
Antes de discorrer sobre as características essenciais do crime doloso e
culposo, de fundamental importância mencionar as teorias do dolo. Essas teorias
têm por objetivo delimitar o conteúdo do dolo e se dividem em: teoria da vontade;
teoria da representação e teoria do assentimento.
Para Mirabete e Fabbrini (2013, p. 125), segundo a teoria da vontade “age
dolosamente quem pratica a ação consciente e voluntariamente. É necessário para
sua existência, portanto, a consciência da conduta e do resultado e que o agente a
pratique voluntariamente”.
Segundo a teoria da representação, no entendimento de Bitencourt (2008, p.
268), “para a existência do dolo é suficiente a representação subjetiva ou a previsão
do resultado como certo ou provável”.
Por fim, a teoria do assentimento ou consentimento estabelece que a
previsão do resultado faz parte da consciência do agente, sem entretanto,
necessário que ele queira esse resultado, como se pode verificar na lição abaixo:
As divergências das duas teorias anteriores foram consideravelmente
atenuadas, chegando-se à conclusão do que dolo é, ao mesmo tempo,
representação e vontade. Para essa teoria, também é dolo a vontade que,
embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou
possível, consente na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o
risco de produzi-lo. A representação é necessária, mas não suficiente à
existência do dolo, e consentir na ocorrência do resultado é uma forma de
querê-lo. (BITENCOURT, 2008, p. 268).
Importante considerar que o ordenamento jurídico brasileiro “adotou a teoria
da vontade com relação ao dolo direto e a teoria do consentimento no que diz
respeito ao dolo eventual”, afirma Bitencourt (2008, p. 268).
23
O dolo pode ser conceituado como a consciência e a vontade do agente
para a realização da conduta típica prevista legalmente, ou nas palavras de Nucci
(2207, p. 219) “é a vontade consciente de realizar a conduta típica”.
São elementos do dolo a consciência e a vontade. O primeiro elemento diz
respeito ao conhecimento do fato pelo agente, ao passo que o segundo representa
decisão de executar a conduta típica. Para Bitencourt (2008, p. 269) “a vontade,
incondicionada, deve abranger a ação ou omissão, o resultado e o nexo causal”.
Segundo os ensinamentos de Regis Prado (2010, p. 334-335) “os origens do
dolo remontam ao Direito Romano, que o entendia como ofensa intencional à lei
moral e à lei do Estado, apresentada, de modo concreto, como o propósito, a
intenção, de matar, roubar”.
E continua Regis Prado (2012, p. 335) dizendo que, “a partir do século XVIII,
sob influência da filosofia da ilustração, os fundamentos não jurídicos do dolo foram
substituídos pelas doutrinas penais, de Von Weber, Von Feuerbach, Francesco
Carrara, Von Liszt e Reinhard Frank”.
Cirino dos Santos (2008, p. 134) conceitua o dolo como: “a vontade
consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de
realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em
relação às circunstâncias de fato do tipo legal”.
Regis Prado por sua vez doutrina que:
Entende-se por dolo a consciência e a vontade de realização dos elementos
objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo). Dolo, como resolução
delitiva é saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito. [...]
Nesses termos, age dolosamente o agente que conhece e quer a realização
dos elementos da situação fática ou objetiva, sejam descritivos, sejam
normativos, que integram o tipo legal de delito. O dolo é, de certo modo, a
imagem reflexa subjetiva do tipo objetivo da situação fática representada
normativamente. (REGIS PRADO, 2010, p. 336).
O Código Penal, em seu art. 18, I conceitua o crime doloso “quando o
agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. No entanto cumpre
salientar que, na descrição do crime exposta no art. 18, I do Código Penal, o dolo
direto consta na primeira parte enquanto que o dolo eventual representa a ausência
de vontade dirigida à obtenção do resultado, mas sim a conduta que assume o risco
da produção do evento danoso.
De outro ponto, Juarez Cirino dos Santos distingue três espécies de dolo:
24
a) a intenção, também denominada dolus directus de 1º grau;
b) o propósito direto, também denominado dolus directus de 2º grau;
c) o propósito condicionado, ou dolus eventualis (2008, p. 137-139)
E acrescenta que:
Essa tríplice configuração do dolo constitui avanço da ciência do Direito
Penal, porque permite agrupar diferentes conteúdos da consciência e da
vontade em distintas categorias dogmáticas, conforme variações de
intensidade dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, de
comprometimento subjetivo do autor com o tipo de crime respectivo; além
disso, representa desejável e necessária integração da teoria do tipo com a
teoria da ação, cuja dimensão subjetiva compreende esses diferentes
conteúdos do dolo como distintos objetos da vontade consciente do fim.
(CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 138-139).
As espécies de dolo são o dolo direto ou determinado, o dolo indireto ou
indeterminado, o dolo alternativo e o dolo eventual. O dolo direto se caracteriza pelo
agente querer a produção do resultado. Nesse tipo de dolo, a conduta é resultado da
vontade dirigida ao perfazimento do tipo objetivo do crime. Conforme Nucci (2007, p.
220), “a vontade se encaixa com perfeição ao resultado”.
O dolo direto pode ser dividido em mediato e imediato. O dolo direto
mediato, também denominado dolo de segundo grau ou dolo de consequências
necessárias, é caracterizado pela aceitação das conseqüências delitivas pelo
agente, que supõe a lesão a um bem jurídico de terceiro.
Para Nucci, dolo de segundo grau é:
a intenção do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente
desejado, embora, na utilização dos meios para alcançá-lo, termine por
incluir efeitos colaterais, praticamente certos. O agente não persegue os
efeitos colaterais, mas tem por certa a sua ocorrência, caso se concretize o
resultado almejado. (2007, p. 221).
Já o dolo direto imediato, conhecido como dolo de primeiro grau e dolo de
propósito se caracteriza pela busca direta do resultado pelo agente, ao praticar a
conduta descrita no tipo penal. Para Bitencourt (2008, p. 270), “no dolo direito o
agente quer o resultado representado como fim de sua ação”.
A brilhante distinção entre dolo de primeiro grau e dolo de segundo grau,
feita por Bitencourt, merece destaque:
As duas modalidades de dolo direto (de primeiro e de segundo grau) são
compreendidas pela definição do Código Penal brasileiro (art. 18, I, primeira
25
parte). Haverá dolo direto de primeiro grau, por exemplo, quando o agente,
querendo matar alguém, desfere-lhe um tiro para atingir o fim pretendido.
No entanto, haverá dolo direto de segundo grau quando o agente, querendo
matar alguém, coloca uma bomba em um trem, que explode, matando
todos. Inegavelmente, a morte de todos foi querida pelo agente, como
consequência necessária do meio escolhido. Em relação à vítima visada o
dolo direto foi de primeiro grau; em relação às demais vítimas o dolo direto
foi de segundo grau. (BITENCOURT, 2008, p. 271).
No dolo indireto ou indeterminado, a vontade não está claramente disposta.
O dolo alternativo ocorre, segundo Nucci (2007, p. 223) quando o agente “quer um
resultado ou outro”.
Por fim, no dolo eventual, o agente não quer o resultado, mas tem
consciência e assume o risco de produzi-lo.
Segundo Regis Prado (2010, p. 340), no dolo eventual “o autor considera
seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforma com ela. [...]. O
agente conhece a probabilidade de que sua ação realize o tipo e ainda assim age”.
Jesus faz a diferenciação entre dolo alternativo e dolo eventual:
Há dolo alternativo quando a vontade do agente se dirige a um ou outro
resultado. Ex.: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção
alternativa: ferir ou matar. Ocorre dolo eventual quando o sujeito assume o
risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo.
(JESUS, 2005, P. 290).
Com relação à pena, Mirabete e Fabbrini ponderam que:
A quantidade da pena não varia segundo a espécie de dolo como previsto
no art. 18, inciso I. Assim, em homicídio simples, a pena será a cominada
abstratamente para o crime (reclusão de 6 a 20 anos), quer ocorra o dolo
direto quer tenha o agente atuado com dolo eventual. Na aplicação da pena,
porém, o juiz poderá levar em consideração a espécie de dolo. Na lei
anterior, fazia-se referência expressa à intensidade do dolo como uma das
circunstâncias judiciais destinadas a orientar o julgador. A vigente apenas
refere-se à culpabilidade. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 130).
Em outro plano, tem-se o crime culposo. Ao contrário das definições típicas
de dolo, a culpa ainda não possui uma definição determinada na doutrina. Até
mesmo em nosso ordenamento jurídico, o Código Penal dispõe em seu art. 18,
inciso II que o crime é culposo quando “o agente deu causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia”.
Segundo os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini (2013, p. 131) o crime
culposo pode ser entendido como “a conduta voluntária (ação ou omissão) que
26
produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente
previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”.
Nucci (2007, p. 225) conceitua culpa com “comportamento voluntário
desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza
resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”.
Bitencourt (2008, p. 278) define culpa como “a inobservância do dever
objetivo de cuidado, manifestada numa conduta produtora de um resultado não
querido, objetivamente previsível”.
Regis Prado (2010, p. 345), por sua vez, entende que no crime culposo “o
fim perseguido pelo autor é geralmente irrelevante, mas não os meios escolhidos ou
a forma de sua utilização”. O referido doutrinador ainda acrescenta que:
O que realmente importa na configuração do injusto culposo vem a ser a
infração do cuidado objetivo devido, ou seja, a presença de uma conduta
descuidada (ou conduta perigosa antecedente). (...) É ela uma ação final
ainda que o fim ao qual se dirija seja indiferente para o Direito. O Direito não
desvalora essa ação final por sua finalidade senão por ser realizada de
forma descuidada. A ação final deverá ser contrária ao mandato ou
proibição, o que não implica que isso igualmente deva ocorrer com o
conteúdo da finalidade. Nos delitos culposos não é o conteúdo da finalidade
que é contrário ao Direito, mas sim o caráter descuidado da ação (final).
(REGIS PRADO, 2010, p. 345).
Sob esse aspecto, Nucci (2007, p. 225-226) traz como elementos do crime
culposo: a conduta voluntária do agente; a ausência do dever de cuidado objetivo do
agente; o resultado danoso involuntário; a previsibilidade, a tipicidade e o nexo
causal.
A conduta no crime culposo representa o modo e a forma inadequada de
atitude do agente, que acaba por ocasionar o delito, mesmo sem a intenção do
sujeito ativo.
O dever de cuidado objetivo é aquele que se espera do cidadão comum,
mediano. Para Mirabete e Fabbrini:
A cada homem, na comunidade social, incumbe o dever de praticar os atos
da vida com as cautelas necessárias para que de seu atuar não resulte
dano a bens jurídicos alheios. Quem vive em sociedade não deve, com uma
ação irrefletida, causar dano a terceiro, sendo-lhe exigido o dever de
cuidado indispensável a evitar tais lesões. Assim, se o agente não observa
esses cuidados indispensáveis, causando com isso dano a bem jurídico
alheio, responderá por ele. É a inobservância do cuidado objetivo exigível
do agente que torna a conduta antijurídica. (MIRABETE; FABBRINI, 2013,
p. 132).
27
Regis Prado (2010, p. 346) entende que “o cuidado objetivamente devido é o
necessário para o desenvolvimento de uma atividade social determinada”.
O resultado danoso involuntário é necessário para a configuração do tipo
penal, posto que tão somente a inobservância do dever de cuidado não tem o
condão de lesar bem jurídico de terceiro e por tal motivo, não configura nenhum tipo
de resultado no âmbito do Direito Penal. Portanto, conforme ensina Nucci (2007, p.
226), “é imprescindível que o evento lesivo jamais tenha sido desejado ou acolhido
pelo agente”.
Sob esse prisma, consoante estabelecido pelo art. 13 do Código Penal, para
a caracterização do crime culposo deve ocorrer a relação de causalidade entre a
conduta e o resultado.
A previsibilidade do crime culposo diverge da previsibilidade do crime
doloso, haja vista que no primeiro caso não existe uma vontade dirigida à realização
do tipo, mas tão somente o conhecimento acerca da possibilidade de sua
concretização.
Segundo os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini (2013, p. 134) “esse
aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta
descuidada do sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a possibilidade de prever
o resultado conforme o conhecimento do agente”.
Importante considerar, ainda, a relação existente entre a culpa e o princípio
do risco tolerado, que são situações que não podem ser evitadas, como o médico
que realiza uma cirurgia de emergência e em razão das circunstâncias precárias o
paciente falece.
Outro princípio diretamente relacionado à culpa é o princípio da confiança,
que é o dever de todos se comportarem adequadamente em sociedade. Um
exemplo do dever de cuidado é o motorista não esperar que o pedestre atravesse a
rua em um momento inadequado, sem olhar para os veículos que ali transitam. Se
isso ocorre, inexiste a culpa do sujeito ativo.
Regis Prado (2010, p. 347) entende que o princípio da tolerância decorre da
teoria do risco tolerado ou permitido, em que se tolera “socialmente a existência de
certo risco para os bens jurídicos”.
Quanto à questão da tipicidade, cumpre esclarecer que o tipo penal culposo
deve estar, conforme define Nucci (2007, p. 226), “expressamente previsto no tipo
penal”.
28
Consoante doutrina Mirabete e Fabbrini (2013, p. 135) “a tipicidade nos
crimes culposos determina-se através da comparação entre a conduta do agente e o
comportamento presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de
discernimento e prudência ordinários”.
Importante salientar a classificação existente acerca das modalidades da
culpa: imprudência, negligência ou imperícia.
A imprudência, nas palavras de Bitencourt (2008, p. 285) é “a prática de uma
conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo”. Segundo o autor,
negligência é “a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente,
que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz”. Por fim, define imperícia
como “a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos
para o exercício de arte, profissão ou ofício”.
Para Regis Prado (2010, p. 347), a negligência “relaciona-se com a
inatividade (forma omissiva), a inércia do agente que, podendo agir para não causar
ou evitar o resultado lesivo, não o faz por preguiça, desleixo, desatenção ou
displicência”.
Importante considerar que, havendo imperícia fora do âmbito profissional, o
agente responde por crime culposo na modalidade de imprudência ou negligência.
Com relação às espécies de culpa, tem-se a culpa inconsciente, a culpa
consciente e a culpa presumida. A primeira, segundo Nucci (2007, p. 225) “é a culpa
por excelência, ou seja, a culpa sem previsão do resultado”. Já a segunda, “é a
chamada culpa com previsão, ocorrendo quando o agente prevê que sua conduta
pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento
não se realizará”.
Como citado por Mirabete e Fabbrini (2013, p. 137), um exemplo clássico
desse tipo de conduta é “quando o caçador avista seu companheiro próximo ao
animal que deseja caçar, confia em sua habilidade e atira, causando a lesão ou
morte da pessoa”.
Importante considerar a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual,
eis que no primeiro caso o sujeito prevê o resultado, mas espera sinceramente que
ele não ocorra, ao passo que no segundo caso, o agente prevê o resultado e não se
importa se ele vai ocorrer ou não. Tal distinção é extremamente difícil e exige uma
análise profunda do caso concreto, como se vê no julgado do Recurso em Sentido
29
Estrito nº 8387906 PR 838790-6, do Tribunal de Justiça do Paraná, cuja Ementa
está transcrita a seguir:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO SIMPLES. DELITO
COMETIDO NA CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA. PRONUNCIA. ART. 121,
CP E ART. 306 E 309, CTB. DOLO EVENTUAL. RECURSO DA DEFESA.
PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. DISTINÇÃO INTRINCADA ENTRE
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE QUE EXIGE CONTROLE
MAIS ACURADO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA PRONÚNCIA NOS
CRIMES CONTRA A VIDA EM QUE ENVOLVAM ACIDENTE DE
TRÂNSITO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO, DIVERSO DA
EMBRIAGUEZ, QUE DEMONSTRE TER O RÉU ANUIDO, AO DIRIGIR
EMBRIAGADO, COM O RESULTADO MORTE. DESCLASSIFICAÇÃO DO
CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CP) PARA O
CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NA DIREÇÃO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, DO CTN). RECURSO PROVIDO.
- Não havendo, na espécie, outro fator que aliado à embriaguez, a qual, por
si só, configura quebra do dever de cuidado (art. 165, do CTB), que
permitisse aferir que o réu agiu por motivo egoístico, que possibilitasse
amparar um juízo de fundada suspeita de que o réu anuiu com o resultado,
ou seja, de que o réu agiu com Recurso em Sentido Estrito nº 838790-6.
dolo eventual, é de rigor que se desclassifique o crime de homicídio doloso
(art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido na
direção de veículo automotor (art. 302, do CTN).
- É de se frisar que aqui não se está a afastar a competência,
constitucionalmente assegurada, do Tribunal do Júri para julgar os crimes
dolosos contra a vida, o que se faz é, através da distinção do dolo eventual
e da culpa consciente, com amparo em balizas mais concretas, consistente
na necessidade de ficar evidenciado um "plus" que demonstre o agir
egoístico, torpe, do motorista embriagado que possa evidenciar que o
mesmo anuiu com o resultado morte, afastar a configuração do dolo
eventual. Relator: Naor R. de Macedo Neto. Julgado em: 09/02/2012.
Greco também delimita a diferença entre culpa consciente e dolo eventual, a
saber:
Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita
sinceramente na sua não ocorrência: o resultado previsto não é querido ou
mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não
queira diretamente, o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo.
(GRECO, 2011, p. 205).
A culpa presumida se caracteriza quando não se indaga se ocorreram no
caso concreto os elementos da conduta culposa, punindo-se o agente com base na
determinação legal e sua ocorrência.
Cabe ainda mencionar os graus de culpa previstos em nosso ordenamento
jurídico, que são subdivididos em culpa grave, leve ou levíssima. Essa classificação
se baseia na possibilidade maior ou menor de previsão do resultado e dos cuidados
objetivos dispensados para evitar o acontecimento da ação típica. Importante
30
destacar que, essa divisão não é distinguida expressamente em lei, sendo aplicável
somente quando da fixação da pena.
2.6 DO ERRO DE TIPO
Como já estudado no tópico anterior, para a caracterização do dolo é
necessário que o agente tenha consciência e vontade de praticar os elementos
constantes da descrição do tipo penal.
Sob essa perspectiva, não pode ser punido o sujeito que desconhecer ou se
enganar acerca da conduta, pessoa ou coisa prevista na caracterização do delito.
Para Cirino dos Santos, o erro de tipo significa:
[...] defeito de conhecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo, porque
uma representação ausente ou incompleta não pode informar qualquer dolo
de tipo, mas é preciso distinguir: o erro inevitável/exclui o dolo e a
imprudência, enquanto o erro evitável/exclui apenas o dolo, admitindo
punição por imprudência. (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 153).
Nucci (2007, p. 343) define o erro de tipo como “o erro que incide sobre
elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e
agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo
legal da conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime
culposo”.
Segundo Mirabete e Fabbrini (2013, p. 155), o erro de tipo “é uma falsa
representação da realidade e a ele se equipara a ignorância, que é o total
desconhecimento a respeito dessa realidade. No caso do erro de tipo, desaparece a
finalidade típica, ou seja, não há no agente a vontade de realizar o tipo objetivo”.
Assim, concluem os referidos doutrinadores (2013, p. 155) que “como o dolo
é querer a realização do tipo objetivo, quando o agente não sabe que está
realizando um tipo objetivo, porque se enganou a respeito de um de seus elementos,
não age dolosamente: há erro de tipo”.
No mesmo sentido, Regis Prado entende que:
O erro sobre o fato típico diz respeito ao elemento cognitivo ou intelectual
do dolo, sendo sua contraface. É aquele que recai sobre os elementos
essenciais ou constitutivos – fáticos ou normativos – do tipo injusto, sem
que os quais de existir (coisa alheia, no delito de furto – art. 155, CP). Nele
o agente não sabe o que está fazendo, falta-lhe a representação mental
31
exigível para o dolo típico (lado inverso do dolo do tipo). Tanto pode
decorrer de uma equívoca apreciação de ordem fática, como de errônea
compreensão do Direito. O erro de tipo acaba por eliminar a congruência
entre as partes objetiva e subjetiva do tipo legal, indispensável para a
configuração do delito doloso. (REGIS PRADO, 2010, p. 409)
O erro de tipo está previsto no art. 20 do Código Penal que dispõe: “o erro
sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Importante considerar que, o erro de tipo promove uma desclassificação do
crime. Um exemplo desse tipo de prática se dá quando o sujeito injuria um
funcionário público no exercício de sua função, não sabendo se tratar de funcionário
público. Desse modo, este agente ativo não responderá por crime de desacato, mais
sim por crime de injúria.
Assim, fica claro que quando o erro versar sobre uma qualificadora ocorre a
exclusão do tipo doloso, permanecendo, no entanto, a caracterização do delito. Por
outro lado, com relação ao tipo privilegiado, o efeito é de que o agente deve mesmo
responder pelo elemento privilegiado que achou que existia. Um exemplo desse tipo
de prática ocorre quando o agente entende que existe motivo de relevante valor
social ou moral no homicídio qualificado, disposto no art. 121, §1º do Código Penal.
Também está previsto nessa categoria o erro de tipo escusável, como por
exemplo, o sujeito que ao sair de uma padaria levar o guarda-chuva de terceiro
achando ser o seu. Nesse caso, ele não tem conhecimento de que o objeto se trata
de coisa alheia móvel. Nucci (2007, p. 344) define erro escusável como “aquele que,
afastado o dolo, possibilita ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que qualquer
pessoa, ainda que prudente nos seus atos, teria provocado o resultado”.
Cumpre ainda destacar a distinção entre o erro essencial e o erro acidental.
O primeiro é inerente ao elemento do tipo, sem o qual o delito não existiria.
Conforme traz Nucci (2007, p. 344), “essencial é o erro que incide sobre os
elementos constitutivos do tipo, vale dizer, apto a gerar o afastamento do dolo por
falta de abrangência”.
Já o segundo recai sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou coisas
alheias ao tipo, que, sem ele, o crime não deixa de existir. De acordo com Nucci
(2007, p. 344), “o erro é acidental quando incide sobre qualidades dos elementos
constitutivos do tipo, mas que não tem o condão de afastar o dolo, pois o bem
jurídico protegido continua em exposição”.
32
Cabe, por fim, distinguir o erro de tipo do erro de proibição, eis que,
enquanto o primeiro tem o condão de excluir o dolo, o segundo retira a compreensão
da antijuridicidade. De acordo com Mirabete e Fabbrini (2013, p. 156), “o erro de tipo
dá-se quando “o homem não sabe o que faz”; o erro de proibição quando “sabe o
que faz”, mas acredita que não é contrário à ordem pública: o erro de tipo elimina a
tipicidade dolosa; o erro de proibição pode eliminar a culpabilidade”.
33
3 DO ITER CRIMINIS
O iter criminis, também denominado caminho do crime, nas palavras de
Marina Becker (2004, p. 51) “representa um processo que tem origem no foro íntimo
da pessoa, através do surgimento da idéia delitiva na mente do agente” e finaliza
com a realização da prática criminosa.
O estudo do caminho do crime teve início no final da Idade Média, por
glosadores e comentadores italianos. Consoante os ensinamentos de Mirabete e
Fabbrini (2013, p. 143), “na realização do crime há um caminho, um itinerário a
percorrer entre o momento da ideia de sua realização até aquele em que ocorre a
consumação. A esse caminho se dá o nome de iter criminis".
Bitencourt (2008, p. 397) define iter criminis como “o caminho que o crime
percorre, desde o momento em que germina, como ideia, no espírito do agente, até
aquele em que se consuma o ato final”.
No mesmo sentido, Basileu Garcia (1972, p. 230) entende que "para chegar
à fase de consumação, o delinquente transita por uma série de etapas, que
constituem o iter criminis - o caminho do crime, o desenvolvimento da ação
delituosa”.
O iter criminis é composto por duas fases: uma fase interna, que
corresponde à cogitação e uma fase externa que compreende os atos preparatórios,
executórios e a consumação do delito, conforme disposto por Bitencourt (2008, p.
398).
A seguir, analisar-se-á detalhadamente cada uma das fases do iter criminis.
3.1 DA COGITAÇÃO
A cogitação, cuja sinonímia é nuda cogitatio, pode ser entendida como a
representação mental do delito realizada pelo agente, quando ele tem a ideia de
praticar o ilícito.
Importante considerar que, a cogitação possui um cunho estritamente
subjetivo e não é punível, exceto em casos mais graves e tipificados, como por
exemplo, o crime de formação de quadrilha e bando, disposto no art. 288 do Código
Penal, quando a punição se justifica em razão da associação de mais de três
pessoas se dar com o objetivo de praticar delitos. Cumpre observar que, no
34
supracitado caso, não existe qualquer indício de execução, bastando tão somente o
objetivo dos agentes em reunir-se para praticar crimes.
Durante o momento da cogitação, Becker pondera que:
É caracterizado, muitas vezes, por uma profunda e conflituosa batalha que
se desenvolve entre impulsos contraditórios e ambivalentes, provindos do
consciente e do inconsciente do agente. (BECKER, 2004, p. 51).
No mesmo sentido, acerca da cogitação, Bitencourt entende que:
É na mente do ser humano que se inicia o movimento criminoso. É a
elaboração mental da resolução criminosa que começa a ganhar forma,
debatendo-se entre os motivos favoráveis e desfavoráveis, e desenvolve-se
até a deliberação e o propósito final, isto é, até que se firma a vontade cuja
concretização constituirá o crime. São os atos internos que percorrem o
labirinto da mente humana, vencendo obstáculos e ultrapassando barreiras
que porventura existam no espírito do agente. (BITTENCOURT, 2008, p.
398).
Desse modo, inconteste a ausência de punição para a fase de cogitação, eis
que nenhum ilícito foi praticado pelo agente. Tal disposição pode ser comprovada no
julgado do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a saber:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO. CRIME
IMPOSSÍVEL. RECONHECIMENTO. PERCEPÇÃO DA FRAUDE PELA
VÍTIMA. INIDONEIDADE DO MEIO ILUDENTE EMPREGADO.
ABSOLVIÇÃO DECRETADA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
Para que se configure a tentativa de estelionato pelo caput do art. 171 do
CP é necessário que o agente consiga enganar a vítima, mas sem a
obtenção de vantagem ou, se obtida, desde que não lhe cause prejuízo,
nem a terceiro. Em vista do critério do art. 14, II, do CP, nem a cogitação do
crime e nem os atos preparatórios são puníveis. O inciso fala em iniciada a
execução. Assim, se desde o início a vítima percebeu a fraude, inidôneo,
portanto o meio iludente empregado, não há tentativa de estelionato
punível, mas crime impossível. Absolvição decretada. Relator: Antonio de
Melo e Lima. Julgamento 17/12/20019.
No entanto, cumpre observar a possibilidade de influência da cogitação
quando da dosimetria da pena. Sobre essa questão, essencial os ensinamentos de
Becker:
No caso de consumação do delito, a intensidade desta luta interior,
eventualmente manifestada na conduta do sujeito nas etapas que
antecederam a execução, pode ser considerada na apreciação da
personalidade do agente. Não se pode afirmar, portanto, que esta fase seja
sempre juridicamente irrelevante. (BECKER, 2004, p. 51).
35
Por tal motivo, inobstante a ausência de punibilidade da cogitação, tem-se
que essa fase pode ser considerada como um meio de avaliação do agente,
possuindo relevância jurídica e prática no âmbito do Direito Penal.
Por fim, cabe ressaltar que, após a cogitação, vem a fase da decisão, que se
caracteriza pela superação da cogitação e pela decisão da prática do delito, em
razão do prevalecimento da vontade criminosa.
Assim, entende-se que a decisão é tão somente uma consequência da
cogitação, eis que a decisão de praticar ou não o delito será um resultado da
cogitação anteriormente criada.
Segundo os ensinamentos de Jorge de Figueiredo Dias:
A mera decisão de realização de um tipo de ilícito objectivo, independente
de um começo de realização efectiva, não é punível. A esta conclusão
conduz o princípio indiscutido cogitationes poenam nemo patitur. A
justificação deste princípio deriva da própria função do direito penal de
proteção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores morais: se o
direito penal não visa, ao menos directamente, contribuir para a modelação
moral do indivíduo, mas proteger uma ordenação social, só a violação desta
ordenação – e assim, a conduta externa do agente – pode constituir um
ilícito. A decisão de realização analisa-se num puro processo interior,
insusceptível, em si mesmo, de violar interesses socialmente relevantes.
(FIGUEIREDO DIAS, 2007, p. 682).
No mesmo sentido da cogitação, a decisão, também denominada desígnio,
não é passível de punição, vez que sua exteriorização por meio de manifestações
verbais e gestuais não representa sequer a tentativa de realização do crime.
3.2 DA PREPARAÇÃO
A preparação, conatus remotus, representa o início do ato delitivo, por meio
da prática dos atos necessários e essenciais à execução da conduta que promoverá
a agressão ao bem jurídico de terceiro.
Consoante os ensinamentos de Reinhart Maurach, preparação é:
É aquela forma de atuar que cria as condições prévias adequadas para a
realização de um delito planejado. Por um lado, deve ir mais além do
simples projeto interno (mínimo) sem que deva, por outro, iniciar a imediata
realização tipicamente relevante da vontade delitiva (máximo.) (MAURACH,
1967, p. 168).
36
Como exemplo de atitudes que representam os atos preparatórios
praticados pelo agente, tem-se a compra de uma arma para a prática do delito de
homicídio; a observação da movimentação de uma residência e a rotina das
pessoas que ali habitam para a prática do crime de furto ou roubo, etc.
De acordo com René Ariel Dotti (2001, p. 325) “os atos preparatórios
constituem atividades materiais ou morais de organização prévia dos meios ou
instrumentos para o cometimento do crime”.
Importante considerar que, por regra, os atos preparatórios não são
passíveis de punição, exceto nos casos em que o legislador o tipificou como um
crime autônomo, como no caso do delito estabelecido no art. 291 do Código Penal, a
saber: “fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar
maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à
falsificação de moeda”.
No referido caso, o agente já pratica o crime ao possuir uma máquina de
falsificação de moeda, independentemente de produzir ou repassar o dinheiro falso.
Entretanto, se trata de uma exceção, em virtude da gravidade do delito, por sua
própria natureza, vez que o artigo 31 do Código Penal é claro ao estabelecer que os
atos preparatórios não são puníveis, a saber: “o ajuste, a determinação ou
instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se
o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
No entendimento de Capez:
São atípicos o auxílio, a instigação e o induzimento de fato que fica na fase
preparatória, sem que haja início de execução. Ex.: um sujeito pede a um
chaveiro uma chave falsa para cometer furto e é atendido pelo irresponsável
profissional; no entanto, comete o furto por escalada, sem usar o artefato.
Como não houve nenhuma contribuição causal deste chaveiro, este não
será considerado partícipe do furto. Seu auxílio não chegou a ingressar
sequer na fase de execução, sendo, portanto, impunível. (CAPEZ, 2005, p.
357).
Sobre o tema, cumpre destacar as afirmações de Luis César Barbosa Lopes:
Tipificar atos de cogitação e preparação coloca nas mãos do Estado força e
poder que destoam da objetividade necessária para assegurar às pessoas o
mínimo de garantia e proteção contra atos arbitrários praticados pelos
agentes do Estado. Aceitar como normal o ato de anteceder ao início da
execução de um fato para enquadrar o ato como típico e antijurídico é
reconhecer a como natural prender uma pessoa pelo fato de ter pensado
em furtar, por ter imaginado matar alguém, o que é um absurdo, pois assim
37
todo e qualquer policial poderá prender qualquer cidadão tendo como
fundamento o fato de ter obtido a confissão daquele cidadão quanto à
prática futura e incerta de um fato tipificado pela norma penal (2010).
Não menos interessante, as observações do mesmo autor:
O ser humano é dotado de consciência e do direito/poder de decidir sobre a
exteriorização da prática de qualquer ato, sendo que até o momento da
execução de qualquer ato que seja, pode o ser humano voltar atrás e
preferir que aquela conduta fique somente no plano da cogitação ou até
mesmo preparação, sendo inconcebível que o Estado possa interferir nesse
direito/poder para fins de imputar crimes a pessoas que sequer
exteriorizaram atos que iniciados a fase executória são considerados ilícitos.
A realidade vivenciada pela nossa democracia é aquela que garanta ao
cidadão o mínimo de objetividade jurídica para fins de impedir a prática
arbitrária de atos restritivos de direitos e privativos de liberdades sem a
necessária adequação típica do fato à norma penal (2010).
A impunibilidade da preparação se justifica em razão da dificuldade de se
aferir se a atitude do agente é passível de punição ou se efetivamente causou lesão
a bem jurídico de terceiro. Segundo Becker:
A aquisição e o municiamento de arma tanto pode ser ato preparatório de
homicídio, como o apresto para a prática de um esporte de tiro. A aquisição
de veneno pode indicar a preparação de um beneficio, mas pode sugerir,
também, uma cogitação ou desígnio suicida, bem como a intenção de
eliminar insetos. O ato de sair à rua munido de gazuas pode significar a
preparação de um furto, como pode corresponder à necessidade de abrir a
porta do próprio escritório, cuja fechadura apresenta problemas. (BECKER,
2004, p. 56).
Desse modo, inconteste que a regra é de ausência de punibilidade dos atos
preparatórios, sendo estes, tal qual, a cogitação, apenas levados em consideração
quando da dosimetria da pena, com intuito de se avaliar qual o grau de
periculosidade e criminalidade do agente transgressor da norma.
3.3 DA EXECUÇÃO
A terceira fase do iter criminis corresponde à execução, cuja sinonímia é
conatus proximus, que pode ter como consequência a consumação ou tentativa do
delito constante no tipo legal.
De acordo com Nucci:
38
Execução é a fase de realização da conduta designada pelo núcleo da
figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos e unívocos para
chegar ao resultado, mas também daqueles que representarem atos
imediatamente anteriores a estes, desde que se tenha certeza do plano
concreto do autor. (NUCCI, 2007, p. 313).
No entanto, cumpre observar a dificuldade em se identificar quando
terminaram os atos preparatórios e quando tiveram início os atos executórios. Sobre
o tema, de fundamental importância o entendimento de Becker:
A indistinção gera insegurança jurídica, levando a que o limite entre atos
puníveis e impunes permaneça numa zona sombria e insondável,
comprometendo a necessária certeza do direito. Identificadas as imensas
dificuldades para o reconhecimento preciso do início de execução,
originárias das ilimitadas possibilidades dos casos particulares, maiores são
os subsídios requeridos à doutrina, de forma a garantir ao máximo a
segurança jurídica, restringindo o arbítrio na aplicação da lei, praticamente
inevitável quando se trata de esquemas especialmente amplos e gerais.
(BECKER, 2004, p. 133).
No mesmo sentido, Eugênio Raul Zaffaroni e Jose Henrique Pierangeli
ponderam que:
Para determinar a imediatidade da conduta em relação à realização típica
de maneira alguma se apresenta como suficiente a mera consideração do
tipo in abstracto, porquanto há necessidade de apelar-se para a modalidade
particular de considerar a aproximação típica no caso concreto, o que obriga
a tomar-se em conta, de maneira iniludível, o plano concreto do autor
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 1998, p. 53).
Desse modo, tem-se que a execução pode ter como consequência a
consumação do delito ou sua forma tentada, eis que a consumação não se deu por
circunstâncias alheias à vontade do agente.
3.4 DA CONSUMAÇÃO
A última fase do iter criminis é a consumação, em latim meta optata.
O crime consumado é aquele em que o tipo está inteiramente realizado, ou
seja, o que é descrito no tipo penal foi integralmente cumprido pelo ato ilícito
praticado pelo agente.
Cumpre ressaltar o que dizem Mirabete e Fabbrini sobre o assunto:
39
Está consumado o crime quando o tipo está inteiramente realizado, ou seja,
quando o fato concreto se subsume no tipo abstrato descrito na lei penal.
Preenchidos todos os elementos do tipo objetivo pelo fato natural, ocorreu a
consumação. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 142).
O artigo 14 do Código Penal define o crime consumado “quando nele se
reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Assim, por exemplo, considerase crime consumado quando a vítima morre, no crime de homicídio (art. 121); com a
ofensa à integridade corporal da vítima, no crime de lesão corporal (art. 129) e com
a posse de coisa alheia móvel, no crime de furto (art. 155).
Importante considerar que, a consumação do crime se liga diretamente ao
tipo do delito, conforme classificação estudada anteriormente.
Neste sentido, importante considerar o que dizem Mirabete e Fabbrini:
Nos crimes materiais a consumação se dá com a realização do evento
(morte, lesão), enquanto nos formais é dispensável o resultado naturalístico
e, nos de mera conduta este não existe.
Nos crimes permanentes, a consumação se protrai, prolonga no tempo.
(MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 142).
Não menos importantes, outras considerações dos renomados autores sobre
o assunto:
Nos delitos habituais, a consumação somente existe com a reiteração de
atos. Já nos crimes omissivos, a consumação ocorre no momento em que o
sujeito deveria agir, mas não o fez. Por fim, nos crimes qualificados pelo
resultado, a consumação se verifica quando o resultado acrescido do tipo
fundamental foi concretizado. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p. 142).
Greco, ao se posicionar sobre consumação, diz que:
[...] nem todos os delitos possuem o mesmo instante consumativo. A
consumação, portanto, varia de acordo com a infração penal selecionada
pelo agente. [...] ocorre a consumação nos crimes materiais e culposos
quando se verifica a produção do resultado naturalístico, ou seja, quando há
a modificação no mundo exterior. Já nos crimes omissivos próprios, com a
abstenção do comportamento imposto ao agente. Por sua vez, para os
crimes de mera conduta, ocorre com o simples comportamento previsto no
tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico. Os crimes formais se
consumam com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo,
independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que,
caso aconteça, será considerado como mero exaurimento do crime. Para os
crimes qualificados pelo resultado ocorre a consumação com a ocorrência
do resultado agravador. Os crimes permanentes se consumam enquanto
durar a permanência, uma vez que o crime permanente é aquele cuja
consumação se prolonga, perpetua-se no tempo. (GRECO, 2011, p. 246247).
40
3.5 DA TENTATIVA
Consoante os ensinamentos de Bitencourt (2008, p. 400) a tentativa “é a
realização incompleta de uma figura típica descrita na lei. [...] A tipicidade da
tentativa decorre da conjugação do tipo penal com o dispositivo que a define e prevê
sua punição”.
No iter criminis, a tentativa, cuja sinonímia é conatus, representa um ato de
execução em que a consumação não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade
do agente. Assim, tem-se que a execução do fato típico pode deixar de ocorrer: por
desejo do agente ou por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo.
No primeiro caso, não existe tentativa, mas tão somente as figuras de
desistência voluntária ou arrependimento eficaz, que serão objeto de estudo nos
próximos capítulos.
No segundo caso, em razão da interrupção externa, a tentativa está
configurada. Segundo Mirabete e Fabbrini:
Fala-se em duas espécies de tentativa: a tentativa perfeita (ou crime falho),
quando a consumação não ocorre, apesar de ter o agente praticado todos
os atos necessários à produção do evento (a vítima de envenenamento ou
de disparos é salva por intervenção dos médicos, por exemplo), e a
tentativa imperfeita, quando o sujeito ativo não consegue praticar todos os
atos necessários à consumação por interferência externa (o agressor é
segurado quando está desferindo os golpes, o sujeito é preso antes de
obter a posse da coisa alheia que pretenda subtrair, etc.). (MIRABETE;
FABBRINI, 2013, p. 145).
Na doutrina de Bitencourt (2008, p. 401) é possível extrair os elementos da
tentativa. Segundo o autor, a tentativa “deve possuir tudo o que caracteriza o crime,
ou seja, deve conter todas as fases do iter criminis, menos a consumação”.
Para o referido autor, são elementos da tentativa: “o início da execução; a
não consumação do crime, pela própria vontade do agente ou por circunstâncias
alheias a ela e, por fim, dolo em relação ao crime total”.
O art. 14 do Código Penal define a tentativa ao dispor que o crime é
“tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à
vontade do agente”. Já o parágrafo segundo, do mesmo artigo dispõe que “salvo
disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime
consumado, diminuída de um a dois terços”. A aplicação de tais dispositivos legais
pode ser vista no julgado, cuja Ementa está transcrita abaixo, da Apelação Criminal
41
nº 0059810-04.2010.8.26.0050, do Tribunal de Justiça de São Paulo, publicada em
14/02/2012:
FURTO TENTADO - LONGO PERCURSO DO ITER CRIMINIS - PRÁTICA
DELITIVA FARTAMENTE PROVADA - CONDENAÇÃO DE RIGOR –
LONGO PERCURSO DO ITER CRIMINIS - PENA BEM DOSADA SENDO
INCABÍVEL MAIOR REDUÇÃO – O agente que percorre quase todo o iter
criminis não pode ser beneficiado com a redução máxima da pena, pois a
diminuição deve ser feita na proporção inversa do iter criminis percorrido, ou
seja, quanto mais o agente se aproxima da consumação, mais alta deve ser
a pena.
Por outro lado, Fernando Michalizen entende existirem quatro tipos de
tentativa, a saber:
A Tentativa Branca ou Incruenta acontece quando o objeto material não é
atingido pela conduta criminosa. Ocorre quando a vítima sai ilesa. Exemplo:
“A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, sem acertá-lo.
A Tentativa Cruenta ou Vermelha incide quando o objeto material é
alcançado pela atuação do agente. Acontece quando a vítima sofre o dano.
Exemplo: “A”, com intenção de matar, atira em “B”, provocando-lhe
ferimentos, contudo a vítima é socorrida e sobrevive.
A Tentativa Perfeita, Acabada ou Crime Falho é quando o agente esgota
todos os meios executórios que estavam à disposição, e mesmo assim não
sobrevém a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade.
Exemplo: “A” dispara contra “B” todos os cartuchos do tambor do seu
revólver, com a intenção de matá-lo, porém a vítima é prontamente
socorrida e sobrevive.
A Tentativa Imperfeita, Inacabada ou Tentativa Propriamente Dita é quando
o agente inicia a execução sem utilizar todos os meios que tinha ao seu
dispor, e o crime não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade.
Exemplo: “A”, com o propósito de matar “B”, sai a sua procura, portando um
revolver municiado com oito cartuchos. Ao encontrá-lo, efetua dois disparos,
atingindo-o. Quando, contudo, iria efetuar outros disparos, é pego pela
Polícia. A vítima é socorrida e sobrevive. (2012).
Importante considerar que o objeto subjetivo da tentativa é o dolo do delito
consumado, não sendo admissível o dolo especial na tentativa. Segundo doutrina de
Regis Prado:
[...] a tentativa vem a ser um tipo incompleto: o tipo subjetivo (voluntas
sceleris) está perfeito (correspondente à fase consumativa), mas o tipo
objetivo não se perfaz integralmente (ausente um atributo material). Isso
significa: o delito tentado tem uma tipicidade subjetiva completa e uma
tipicidade objetiva defeituosa ou falha. (REGIS PRADO, 2010, p. 419).
De fundamental importância a contribuição de Cirino dos Santos para o
assunto:
42
A tentativa é, sempre, comportamento concreto relacionado a tipos penais
específicos, existente como tentativa de homicídio, de furto, de estupro, etc.
Mas é possível falar de um tipo de tentativa, como generalização de
características existentes em toda e qualquer tentativa, constituído de três
elementos: a) decisão de realizar o crime (elemento subjetivo); b) ação de
execução específica do tipo (elemento objetivo); c) ausência de resultado
(elemento negativo). (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 392).
Segundo o referido Cirino dos Santos (2008, p. 392-393), “a decisão de
realizar o crime, também definível como plano de fato ou programa típico, é o
elemento subjetivo da tentativa, constituído pelo dolo”. Continua dizendo que “já a
ação de execução específica do tipo tem como objeto o comportamento típico
realizado no plano do fato pelo agente”. E conclui que “a tentativa se caracteriza
pela ausência do resultado típico por fatores independentes da vontade do autor”.
A punibilidade da tentativa se justifica em razão da proteção do bem jurídico
de terceiro, visto que a tentativa já proporciona o risco à agressão desse bem
jurídico.
No trabalho de Tarcísio Maciel Chaves de Mendonça pode-se destacar
importante colocação acerca da punibilidade da tentativa, a saber:
À medida que o iter criminis se desenvolve, tendendo à consumação,
aumenta-se, na mesma proporção, o risco de efetiva lesão ao bem jurídico
penalmente tutelado. Vê-se que a redução da pena em crimes tentados,
mostra-se um imperativo constitucional, posto que exigência da regra da
proporcionalidade – estrita -, corolário do princípio da igualdade. A pena
para o crime inacabado evidencia-se adequada, necessária, mas somente
obedecerá a proporcionalidade estrita se a fração de pena a ser diminuída
guardar uma relação de proporcionalidade com o perigo de lesão a que foi
exposto o bem jurídico. (2004).
Cumpre, ainda, observar a impossibilidade de tentativa no crime culposo,
admitida somente no caso de culpa imprópria, vez que nesse caso o agente visa o
evento, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.
Segundo Mirabete e Fabbrini (2013, p. 146), nesse caso, “ocorre na
realidade um crime doloso tentado que, por ter sido executado por erro ou excesso
culposos, tem o tratamento de crime culposo por disposição legal.”
Nos crimes preterdolosos a tentativa não é possível quando não se consuma
o resultado ligado ao tipo fundamental. Não é possível ainda a tentativa nos crimes
unissubsistentes, vez que é impossível o fracionamento dos atos executórios do
delito. Nos casos de injúria, por exemplo, não se admite o crime tentado, pois ou
ocorreu ou houve apenas a cogitação da prática delitiva.
43
Cumpre, por fim, destacar o que dizem Mirabete e Fabbrini sobre os crimes
omissivos puros, frente a tentativa:
Os crimes omissivos puros também não admitem a tentativa, pois não se
exige um resultado naturalístico decorrente da omissão. Nos crimes
omissivos impróprios, admite-se, porém, a tentativa. (MIRABETE;
FABBRINI, 2013, p.147).
3.6 TEORIAS DA TENTATIVA
Existem duas teorias acerca da tentativa: teoria objetiva e teoria subjetiva. A
teoria subjetiva defende que é cabível a aplicação da pena como se o crime tivesse
sido consumado, com fundamento na vontade do agente.
Já a teoria objetiva, tem como proposta uma punição mais branda nos casos
de crime tentado, vez que a lesão ao direito é menor ou não ocorreu qualquer tipo
de resultado lesivo ou perigo de dano.
Importante considerar que essa é a teoria adotada pelo ordenamento jurídico
brasileiro, pois o art. 14, § único do Código Penal estabelece que: “salvo disposição
em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado,
diminuída de um a dois terços”.
Consoante os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini:
A diminuição entre os limites legais deve ter como fundamento elementos
objetivos, ou seja, a extensão do iter criminis percorrido pelo agente,
graduando-se o percentual em face da maior ou menor aproximação da
meta optata; quanto mais o agente se aprofundou na execução, quanto
mais se aproximou da consumação, menor a redução. (MIRABETE;
FABBRINI, 2013, p. 146).
As exceções previstas pela lei, acerca da possibilidade de redução da pena,
acabam por punir o crime tentado tal qual consumado fosse. Tem-se como exemplo
o crime de evasão ou tentativa de evasão, descrito no art. 352 e o crime de votar ou
tentar votar duas vezes, disposto no art. 309 do Código Eleitoral. Com exceção
desses casos, a regra é a redução da pena para o crime tentado.
Cumpre ressaltar que Regis Prado (2010, p. 421) menciona acerca da
existência de uma terceira teoria, denominada eclética ou mista, eis que resulta da
combinação das duas teorias vistas anteriormente. Segundo o doutrinador, de
acordo com essa teoria, a base de punição da tentativa é:
44
A vontade contrária a uma norma de conduta, mas a punibilidade da
exteriorização da vontade dirigida ao delito somente poderá ser afirmada
quando por sua causa possa resultar minada a confiança da comunidade na
vigência da ordem jurídica e resultar prejudicados o sentimento de
segurança e, com ele, a paz jurídica. (REGIS PRADO, 2010, p. 421).
Cirino dos Santos, por sua vez, entende que:
[...] uma teoria moderna da tentativa deve partir da representação do fato
pelo autor e mostrar (a) que o plano do autor se manifesta no início de
execução e (b) que a ausência do resultado é independente da vontade do
autor. (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 387).
Desse modo, tem-se que a teoria objetiva é que a mais se mostra aplicável à
análise do caso concreto, eis que promove a análise dos atos efetivamente
praticados pelo agente, e não sua intenção delitiva que não foi consumada.
45
4 DA ESSENCIAL DIFERENÇA ENTRE OS ATOS PREPARATÓRIOS E OS ATOS
EXECUTÓRIOS
Como verificado nos tópicos anteriores, os atos preparatórios são distintos
dos atos executórios, em especial com relação à punibilidade a ser imposta ao
agente em consequência da prática do delito.
Segundo Bitencourt (2008, p. 399) os critérios mais aceitos para a distinção
entre os atos preparatórios e os atos executórios são os do “ataque ao bem jurídico”,
critério material, quando se verifica que houve perigo ao bem jurídico, e o do “início
da realização do tipo”, critério formal, adotado pelo Código Penal.
Nas palavras de Capez, quanto à essa distinção, procura-se uma forma de
elucidar o problema, a saber:
Torna-se, assim, bastante difícil saber quando o agente ainda está
preparando ou executando o crime. O melhor critério para tal distinção é o
que entende que a execução se inicia com a prática do primeiro ato idôneo
e inequívoco para a consumação delito. Enquanto os atos realizados não
forem aptos à consumação ou quando ainda não estiverem
inequivocamente vinculados a ela, o crime permanece em sua preparação.
(CAPEZ, 2005, p. 218).
É fundamental a diferenciação, posto que dela depende o reconhecimento
da tipicidade da conduta do agente, como se pode verificar no julgado, cuja Ementa
está transcrita abaixo, do Habeas Corpus do Superior Tribunal de Justiça, nº
152.433 SP (2009/0215757-3), cuja relatoria foi da Ministra Laurita Vaz, publicado
em 01/08/201.
HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGA TENTADO. ART. 12 DA
LEI N.º 6.368/76. NAO CONFIGURAÇAO. INEXISTÊNCIA DE ATO DE
EXECUÇAO. ITER CRIMINIS NAO INICIADO. ATIPICIDADE DA
CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Não configura início do iter criminis a ação do Acusado que, estando
preso, solicita que lhe sejam levadas drogas, cuja aquisição por ele não se
conseguiu comprovar no curso da ação penal.
2. A hipótese seria, no máximo, ato preparatório, via de regra, impunível,
mas não ato de execução do delito, seja na conduta de "adquirir", a qual se
entendeu subsumir a ação do Paciente, seja nas demais modalidades
previstas no tipo penal descrito no art. 12 da Lei n.º 6.368/76, vigente à
época dos fatos.
3. No caso, segundo o decidido pelas instâncias ordinárias, o Paciente
solicitou à sua companheira que lhe levasse entorpecentes no presídio em
que se encontrava recolhido, para "pagamento de dívidas" com outros
detentos. Não houve, contudo, a concretização da entrega, em razão de ter
46
sido a droga apreendida na revista que antecedia a visita ao
estabelecimento prisional.
4. Ordem concedida para reconhecer a atipicidade da conduta e, nos
termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, absolver o
Paciente da imputação contra ele deduzida nos autos da Ação Penal n.º
907/04 - Desmembrado, da 3ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da
Comarca de São Vicente (SP), cassando, em consequência, a condenação
nela proferida e posteriormente mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo na Apelação n.º 990.08.087358-0.
De acordo com Regis Prado (2010, p. 421), com o objetivo de estabelecer
uma delimitação entre as fases preparatória e executória, “foram criadas cinco
teorias, a saber: teoria objetivo-formal ou da ação típica; teoria objetivo-material ou
da unidade natural; teoria da univocidade; teoria do começo do perigo concreto para
o bem jurídico e teoria subjetiva limitada”.
A teoria objetivo-formal, criada por Beling, defende que o ato de execução
da conduta típica somente ocorre quando o agente dá início à realização do tipo
penal. Essa teoria entende que a diferença ente o ato preparatório e executório
repousa no núcleo do tipo penal, eis que o início do ato executório se dá com a
conduta do agente, destinada a prática do delito.
De acordo com Mirabete e Fabbrini (2013, p. 144) o “Código Brasileiro
adotou a teoria objetiva (formal) e exige que o autor tenha realizado de maneira
efetiva uma parte da própria conduta típica, penetrando, assim, no “núcleo do tipo””.
Segundo Sandro Loureiro Marones:
A teoria objetivo-formal tem como ponto de partida a punição de condutas
adequadas tipicamente. Nesta linha, o começo de execução somente
ocorreria tipo por tipo, ou seja, exigir-se-ia que o agente realizasse,
efetivamente, de modo concreto, uma parcela da própria conduta típica
descrita em abstrato na norma. (2013).
A teoria objetivo-material prega que o perigo representado ao bem jurídico
de terceiro, diretamente relacionado à conduta do agente, só poderia ser
considerado um ato executório se promovesse o ataque o bem jurídico de outrem.
Regis Prado (2010, p. 421) cita que “o ato de empunhar uma arma e apontála em direção à vítima, por exemplo, já representa do ponto de vista material, o
princípio de execução da ação de matar”.
Consoante os trabalhos de Marones:
47
Essa teoria, sem dúvida, complementa o dito critério material, no qual há ato
executório quando a conduta do agente ataca o bem jurídico e o critério
formal, que se aperfeiçoa quando o agente dá início à realização do tipo,
sendo que, como ressaltado, o critério material possui severas
impropriedades, pois diversos são os casos em que os atos preparatórios
geram perigo ao bem jurídico. O critério formal, por sua vez, também possui
imperfeições gritantes, pois o começo da execução exige o início da
realização do tipo, ou seja, da conduta descrita no verbo nuclear, fato que
não soluciona grande parte dos casos postos em julgamento no sistema
jurisdicional. (2013).
A teoria da univocidade, consoante os ensinamentos de Regis Prado (2010,
p. 421), “entende que os atos preparatórios são equívocos, podem ser dirigidos à
prática de um delito ou à realização de uma ação lícita, enquanto que os atos
executivos são unívocos, encaminham-se à comissão delitiva”.
No entanto, cumpre mencionar o que diz Marones sobre o assunto:
O entendimento exposto pela teoria da univocidade promove uma repetição
de terminologias de proximidade e afastamento do tipo, que se tornam
insuficientes para a resolução do problema, servindo, tão somente como um
complemento à análise sistêmica da matéria. (2013).
Segundo a teoria do começo do perigo concreto para o bem jurídico, um ato
pode ser considerado como executório se põe em perigo concreto um bem jurídico,
haja vista que os atos preparatórios, segundo esta teoria, não representam nenhum
tipo de ameaça ao bem jurídico de outrem.
Por fim, a teoria subjetiva limitada prega que os tipos delitivos penais não
descrevem meras possibilidades de resultado, mas sim, processos determinados e
orientados pela conduta do agente.
Diante do exposto, é fundamental salientar o que diz Regis Prado sobre o
tema:
Nessa linha de pensar, ressalte-se que constitui tentativa toda atividade que
apareça, no plano do agente, como integrante da ação executiva típica,
naturalmente considerada. O juízo sobre o início de execução deve ser feito
tendo por base o plano individual do autor.
[...]
O problema da delimitação entre o ato preparatório e executivo consiste
fundamentalmente na fixação dos limites da ação típica. (REGIS PRADO,
2010, p. 422).
Bitencourt, por sua vez, entende que:
48
Os distantes seriam equívocos e os próximos (executórios) seriam
inequívocos. E, à medida que os atos distantes se aproximam do momento
executório, vão perdendo o seu caráter equívoco e tornando-se, cada vez
mais, expressão inequívoca de uma vontade criminosa dirigida a um fim
determinado, merecedora da atenção da justiça penal. (BITENCOURT,
2008, p. 399).
Já Marones é enfático ao entender, acerca da teoria subjetiva, que:
Outrossim, cumpre referir que tal teoria seria de aplicação inviável na nossa
legislação penal, pois a determinante do conceito de “começo de execução”
não poderia ficar restrita a subjetivismos e aspectos internos e abstratos da
finalidade do próprio autor do ilícito. (2013).
Importante considerar, após a análise das diversas teorias que buscam
delimitar o término dos atos preparatórios e o início dos atos executórios, que
somente uma conjugação entre todas poderia promover a análise almejada com o
presente trabalho, qual seja, distinguir os atos preparatórios dos atos executórios no
iter criminis.
O problema de determinar qual o exato momento do início da fase de
execução poderá ser resolvido de forma mais fácil se for considerado cada tipo de
crime e o fim realmente visado pelo agente.
Grego (2011, p. 250), ao se posicionar sobre o assunto diz que “embora
existam os atos extremos, em que não há possibilidade de serem confundidos, a
controvérsia reside naquela zona cinzenta na qual, por mais que nos esforcemos,
não teremos a plena convicção se o ato é de preparação ou de execução”.
49
5 DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz encontram fundamento
no art. 15 do Código Penal Brasileiro, que dispõe que “o agente que,
voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se
produza, só responde pelos atos já praticados”.
Importante considerar que na desistência voluntária, também denominada
tentativa abandonada, o agente desiste ou abandona por vontade própria a
execução do delito, quando poderia concluí-la.
Já no arrependimento eficaz, conhecido também por tentativa qualificada,
ocorre o esgotamento do processo de execução. No entanto, o autor age para evitar
a produção do resultado.
Conforme ensinam Zaffaroni e Pierangelli:
Chama-se tentativa qualificada a que se dá quando o delito que se pretende
cometer abrange, simultaneamente, a consumação de outro delito.
Verificando-se ausência de culpabilidade superveniente no curso da mesma
ou desistindo o agente posteriormente à consumação do Delito-meio, ficará
impune tão-somente a tentativa como tal, mas não os delitos que se tenham
consumado no seu curso. (ZAFFARONI; PIERANGELLI, 1998, p. 112).
Celso Delmanto, por sua vez, entende que:
Na desistência voluntária, o agente interrompe o processo de execução que
iniciara; ele cessa a execução, porque a quis interromper (mesmo que haja
sido por medo remorso ou decepção) e não porque tenha sido impedido por
fator externo à sua vontade. No arrependimento eficaz, embora já houvesse
realizado todo o processo de execução, o agente impede que o resultado
ocorra. Em ambos os casos, sempre voluntariamente. (DELMANTO, 2010,
p. 141-142).
Sob essa perspectiva, tem-se que na desistência voluntária, o iter criminis foi
interrompido pelo agente, enquanto que no arrependimento eficaz, o agente busca
reverter a ação praticada.
Regis Prado ensina quais são os requisitos da desistência voluntária e do
arrependimento eficaz:
Requisitos da desistência voluntária: a) objetivo – interrupção definitiva do
processo executivo pelo agente; b) subjetivo – voluntariedade da
desistência (não é necessário que seja espontânea)
50
Requisitos do arrependimento eficaz: a) objetivo – impedimento eficaz do
resultado; b) subjetivo: voluntariedade. (REGIS PRADO, 2010, p. 424).
A voluntariedade, nos dois casos, compreende a opção de escolher entre
duas condutas, sendo uma de interromper a prática do ato delitivo e outra de
consumar o crime. De acordo com Regis Prado (2010, p. 424), “não se reconhece a
voluntariedade da desistência em razão do medo do agente de ser preso em
flagrante ou da clara insuficiência dos meios por ele utilizados”. Tal afirmação pode
ser evidenciada nos dois julgados transcritos abaixo, o primeiro do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, na apelação nº 70043363050, publicado em
21/11/2011, em que foi afastada a ocorrência da desistência voluntária, justamente
pela falta da voluntariedade e o segundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, na
Apelação nº 990092420666, publicado em 09/09/2010, em que foi configurada a
desistência voluntária.
APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO TENTADO.
DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. A prova produzida sob contraditório judicial
não deixa dúvidas quanto à existência do fato e sua autoria, essa
confessada pelos réus. Ambos, com revólver, tentaram tomar o veículo da
vítima, sem sucesso, pois não conseguiram colocá-lo em movimento, após
tê-lo ligado, em face das peculiaridades do sistema de mudanças. Diante
dos gritos da vítima e da chegada de populares, os acusados abandonaram
a empreitada criminosa e foram presos. Afastada a desistência voluntária.
Reduzida a pena e concedido o sursis. TJRS – Publicado em 21/11/2011.
DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA - Réu que, após ter arrombado a porta do
veículo, tendo acesso aos bens de seu interior, deixa de subtraí-los por ato
voluntário, responde apenas pelos eventuais danos causados - Desistência
voluntária configurada, afastada a condenação. TENTATIVA DE FURTO Réu preso durante a execução do furto do segundo veículo - Ausência de
laudo que comprove o arrombamento - Condenação mantida, bem operada
a desclassificação para tentativa de furto simples. REGIME PRISIONAL Inicial fechado que decorre de expressa previsão legal, considerada a
recidiva, a teor do art. 33, do Código Penal. Recurso parcialmente provido.
TJSP – Publicado m 09/09/2010.
Nos trabalhos de Renato Rodrigues Gomes, sobre desistência voluntária, é
possível destacar as seguintes afirmações:
[...] Pode-se entender que a desistência será voluntária nas hipóteses em
que o agente constituiu a sua nova vontade, livremente, no transcurso do
procedimento de execução, sem estar coagido por alguma ação especial do
sistema penal, circunstâncias estas que suprimir-lhe-ia a opção de poder
agir de outro modo. Ademais, mesmo se presente a possibilidade real de
agir diversamente, a voluntariedade estará ausente se todos os demais
caminhos disponíveis a serem seguidos representarem um risco ou uma
desvantagem desproporcional, que qualquer ser humano de padrões
normais não suportaria. A nova vontade, impulsionadora da conduta de
51
desistência, não seria livre em tais hipóteses, mas,
imposta coativamente pelas circunstâncias a seu redor. (2003).
sim,
O mesmo se diz quando o agente suspende, por tempo determinado, a
execução, voltando a praticá-la e se aproveitando dos atos anteriormente praticados.
Cumpre destacar que, inexistem motivos para a valoração ética acerca das razões
que levaram o agente a interromper a execução do delito.
No caso do arrependimento eficaz, é necessário que o agente tenha êxito
em evitar a lesão do bem jurídico de terceiro, afim de que se justifique a aplicação
do art. 15 do Código Penal. De acordo com Regis Prado (2010, p. 424), “se, por
outro lado, ocorreu a consumação do delito, o arrependimento não possui relevância
penal em virtude da ausência de eficácia da atitude do agente”.
Já Gomes (2003) entende que, tanto no caso da desistência voluntária como
no caso do arrependimento eficaz, “mister se faz que a conduta contrária e
neutralizante da causalidade, movimentada pela exteriorização da vontade inicial e
criminosa do agente seja eficaz, evitando (ou impedindo), que a lesão típica se
consume”.
Quanto à desistência voluntária, Regis Prado entende que:
Em relação à desistência voluntária, indaga-se se o adiamento do propósito
delitivo, quando acompanhado da efetiva interrupção da conduta, impede a
aplicação da causa pessoal de isenção da pena. Cumpre observar, por
oportuno, que a nova ação não passa de mero projeto do autor, que pode
ou não se concretizar. Portanto, não deve representar obstáculo algum ao
reconhecimento da desistência o simples adiamento da execução, desde
que este último não signifique uma pausa na execução: se o agente tão
somente suspende o iter criminis com vistas a ultimá-lo em melhor
momento, valendo-se das etapas já percorridas, não há desistência.
(REGIS PRADO, 2010, p. 424).
Regis Prado (2010, p. 424) também entende que “a natureza jurídica da
desistência voluntária e do arrependimento eficaz é de causa pessoal de exclusão
da punibilidade ou isenção de pena, decorrente de razões de política criminal”.
De acordo com Gomes, não se pode admitir a natureza jurídica da
desistência voluntária e arrependimento eficaz como excludente da adequação
típica, visto que:
O fato de o tipo de desistência voluntária tornar impune os atos de
execução abrangidos pelo tipo de delito tentado, não significa que inexistiu
a incidência da norma de extensão da tentativa, mas, sim, que o agente,
apesar de inicialmente ter cometido uma conduta injusta e culpável, agiu
52
posteriormente e com eficácia suficiente para neutralizar a causalidade em
curso, sendo, por isso, merecedor da impunidade, por força de lei (tipo de
desistência voluntária). A benesse legal não é causa excludente de
adequação típica da tentativa. É, indubitavelmente, uma norma jurídica
criada a servir de estímulo ao agente, para que redirecione a causalidade
lesiva, por ele instaurada, à esfera da licitude. Por esse motivo e por
respeito aos princípios da culpabilidade e da justiça penal, a impunidade
não se estende aos coautores e partícipes que também não tenham
contribuído para a neutralização dos efeitos dos atos de execução já
realizados. Ademais, considerar-se a desistência voluntária (ou o
arrependimento eficaz) como causa excludente de adequação típica
significa
dar-se
o
mesmo
valor
e
tratamento
a
condutas axiologicamente diversas, desconsiderando-se o conteúdo da
formulação do tipo e sua função de garantia da liberdade individual. (2003).
Assim, o melhor entendimento é o que concebe a natureza jurídica da
desistência voluntária e arrependimento eficaz como sendo causa pessoal de
exclusão da punibilidade.
Por outro lado, cumpre ressaltar que, tal qual na tentativa, os atos já
praticados na desistência voluntária e arrependimento eficaz são passíveis de
punição.
53
6 DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR E CRIME IMPOSSÍVEL
O arrependimento posterior encontra fundamento no art. 16 do Código
Penal, que dispõe: “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa,
por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.
A Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, em seu item 15,
estabelece que se trata de “providência de Política Criminal e é instituída menos em
favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um
estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos “sem violência ou grave
ameaça à pessoa””.
Consoante os ensinamentos de Regis Prado:
O arrependimento posterior não constituí causa extintiva de punibilidade ou
hipótese de atipicidade da conduta: é, na realidade, causa obrigatória de
redução de pena e sua natureza é exclusivamente político-criminal. Seu
fundamento reside, portanto, em razões de política criminal (utilidade),
relacionadas sobretudo a fins preventivos especiais. O arrependimento não
significa, porém, um sentimento de pesar ou de tristeza pelo delito
praticado. Não é fenômeno de ordem afetiva ou emocional, mas implica a
vontade de promover o restabelecimento da ordem jurídica alterada pelo
crime, manifestada quer pela reparação do dano, quer pela restituição da
coisa. (REGIS PRADO, 2010, p. 427).
Não menos importante, os ensinamentos de Regis Prado (2010, p. 428-429)
sobre os requisitos essenciais para a configuração do arrependimento posterior são
de que “o delito não ter sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa; a
reparação do dano ou restituição da coisa ao sujeito passivo do delito; o limite
temporal, que deve ser até o despacho judicial de recebimento da denúncia ou
queixa e o ato voluntário do agente, que se apresenta como um requisito subjetivo”.
Importante considerar que a redução da pena, se atendidos os requisitos
previstos no art. 16, é aplicável aos crimes culposos, dolosos, consumados,
tentados, simples, qualificados e privilegiados.
Já a reparação que se dá após o recebimento da denúncia é considerada
como atenuante genérica, conforme disposto no artigo 65, II, b, do Código Penal ou
até mesmo motivo para a obtenção do sursis especial pelo agente, nos termos do
artigo 78, § 2º do Código Penal.
54
Para Mirabete e Fabbrini:
O arrependimento posterior não repousa só na inexistência de prejuízo, mas
tem por fundamento indissociável a exteriorização do estado psíquico do
agente, ou seja, o próprio arrependimento que identifica a causa de redução
da pena. É indispensável que se colha da restituição da res ou reparação do
dano uma evolução positiva na vontade do agente, o repensar da atividade
delituosa. Por isso, somente a restituição ou reparação pelo agente e não
por terceiros acarreta a redução da pena. (MIRABETE; FABBRINI, 2013, p.
150).
Já o crime impossível encontra fundamento no art. 17 do Código Penal, que
estabelece: “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
A partir daí, entende-se que o crime impossível decorre de circunstâncias
que tornam o fato atípico e, consequentemente, impunível. Esse tipo de crime,
conforme Bitencourt (2008, p. 407) “é chamado tentativa inidônea, tentativa
inadequada ou quase-crime”.
Importante considerar que, o art. 17 identifica duas possibilidades de
caracterização do crime impossível, sendo a primeira no caso de ineficácia absoluta
do meio e a segunda no caso de absoluta impropriedade do objeto.
A ineficácia absoluta do meio representa uma conseqüência da atitude do
agente ou por elementos estranhos a ele, como por exemplo, a tentativa de
homicídio por envenenamento com o uso de substância inócua ou através da
utilização de revólver sem munição.
A
absoluta
impropriedade
do
objeto,
por
sua
vez,
representa
a
impossibilidade da realização do tipo penal, como o disparo de arma contra um
cadáver ou a ingestão de remédios abortivos por uma mulher que não está grávida.
O crime impossível representa uma excludente de tipicidade ante a
ineficácia do meio ou impropriedade do objeto destinado a atingir o bem jurídico de
terceiro, como pode ser observado no julgado, cuja Ementa é transcrita abaixo, na
Apelação nº 70042155911, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
FURTO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME IMPOSSIVEL. A constante
vigilância da vítima sobre o réu, que fora visto por dois empregados do
supermercado escondendo mercadorias sob a roupa e a pronta abordagem
dele, ainda no interior do estabelecimento, permite identificar a figura do
crime impossível, por ineficácia do meio utilizado à subtração. Rejeição da
denúncia mantida. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. (Apelação Crime
55
Nº 70042155911, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 25/05/2011).
Quanto ao tema acima exposto, são de grande valia os ensinamentos
doutrinários de Regis Prado:
[...] configura a tentativa se o meio for relativamente ineficaz ou o objeto
relativamente impróprio. O meio relativamente ineficaz é aquele que,
normalmente eficaz, não operou como o esperado, devido às circunstâncias
ou à sua forma de utilização. Exemplos: veneno insuficiente, arma com
defeito.
De outro lado, o objeto é relativamente impróprio quando, ocasionalmente,
não está onde poderia ser atingido ou quando um elemento acidental do
objeto obsta a lesão. Exemplos: ladrão procura no bolso errado; objeto
metálico que desvia o projétil dirigido à vítima. (REGIS PRADO, 2010, p.
430).
Desse modo, resta claro que somente nos casos de impropriedade absoluta
do objeto ou ineficácia absoluta do meio, tal qual, disposto no art. 17 do Código
Penal, é que se pode admitir o crime como sendo impossível, sendo os outros
casos, passíveis de punição no âmbito do direito penal.
56
7 CONCLUSÃO
Após a análise dos conceitos necessários acerca do assunto proposto,
importante elencar os principais pontos que foram levantados e esclarecidos no
decorrer da pesquisa.
Primeiramente, cumpre salientar que o crime possui diversos conceitos de
ordem formal, material e analítico, sendo majoritário o entendimento que o concebe
como uma conduta típica, antijurídica e culpável.
Já os atos ilícitos têm o condão de analisar pormenorizadamente os
elementos constitutivos do crime, quais sejam, a tipicidade, antijuridicidade e a
culpabilidade do agente.
Resumidamente, pode-se dizer que o fato típico é aquele comportamento
positivo ou negativo que tem como resultado uma infração no âmbito do Direito
Penal, enquanto que o fato antijurídico contraria as normas estabelecidas no
diploma penal. Por fim, a culpabilidade diz respeito à capacidade ou não do agente
ser punido em razão da prática do delito.
Consoante exposto no decorrer do presente trabalho, existem diferenças
entre os conceitos de crime e contravenção, eis que aquele corresponde a delitos de
menor potencial ofensivo e por tal motivo, as espécies de penas previstas para cada
tipo de infração são diversas.
No mesmo sentido, a exposição acerca da classificação dos crimes foi de
vital importância, eis que se relaciona diretamente à possibilidade ou não do crime
ser consumado ou tentado, visto que alguns crimes não admitem sua forma tentada
ou até mesmo culposa.
Quanto à diferenciação entre o crime doloso e culposo, a análise das teorias
que orientam esses conceitos representou um ponto essencial, visto que no dolo o
agente tem vontade de praticar o ato lesivo ou assume o risco de produzi-lo,
enquanto que na culpa, a conduta do agente decorre de atos permeados por
imprudência, negligência ou imperícia.
Acerca do erro de tipo, restou claro que não representa uma transgressão da
norma, em virtude de que o agente desconhece a tipicidade inerente ao seu ato,
pessoa ou coisa prevista na caracterização do delito. Entretanto, cumpre observar
que existe a possibilidade, nos casos previstos em lei, do agente responder pelo
crime na forma culposa.
57
A análise do iter criminis, por meio do estudo de todas as suas fases, desde
a cogitação até a execução do crime, representou o ponto essencial do trabalho.
O estudo da cogitação leva à conclusão de que essa fase não é passível de
punição, assim como a decisão, eis que a vontade de transgredir a norma não foi
exteriorizada pelo agente, sendo restrita a representação mental da figura típica. É
admitida somente uma exceção a esse caso, com relação ao delito previsto no art.
288 do Código Penal, eis que a formação de quadrilha e bando já é considerada por
si só um delito punível.
A preparação, por sua vez, representa a prática de atos necessários e
essenciais à execução da conduta que lesará bem jurídico de terceiro. Nessa fase,
tal qual a fase de cogitação, não se mostra plausível a punição do sujeito, eis que
ausente a prática do delito, exceto pelo crime previsto no art. 291 do Código Penal.
Outrossim, cumpre observar que essa fase possui relevância quando da dosimetria
da pena, afim de que analisar a capacidade delitiva do agente.
Por outro lado, configurando a realização perfeita ou não do tipo penal, os
atos executórios são passíveis de incriminação do agente, através da consumação
ou tentativa do delito pelo autor.
Importante considerar que o crime consumado é aquele em que houve a
realização integral do tipo, enquanto que o crime tentado é a realização incompleta
do tipo penal, por circunstâncias alheias a vontade do agente. Com relação às
teorias da tentativa, restou cristalina a aplicação da teoria objetiva pelo ordenamento
jurídico, eis que o referido diploma legal determina a aplicação de penas mais
brandas para os casos de crimes tentados.
Na sequência, o estudo com intuito de se chegar à diferenciação entre os
atos preparatórios e executórios, permite concluir que o critério objetivo-individual é
o mais adequado para se identificar o momento do início da execução e
consequentemente da possibilidade de punição do agente transgressor, eis que
somente as atitudes que realmente configuram a lesão ao bem jurídico de terceiro é
que são objeto de punição.
Por fim, discorreu-se sobre casos especiais que podem ocorrer durante ou
após a prática da conduta típica, como desistência voluntária, que representa o
abandono voluntário do agente durante a fase do iter criminis e o arrependimento
posterior, que configura a reversão da consequência inerente ao cometimento da
infração. No mesmo sentido, restou conceituado o arrependimento posterior e o
58
crime impossível, sendo o primeiro a caracterizado pela ausência de violência à
pessoa e reparação do dano até o recebimento da denúncia ou queixa e o segundo,
como uma excludente de tipicidade, ante a impropriedade do objeto ou a ineficácia
do meio utilizado pelo agente para atingir e lesar bem jurídico de outrem.
Assim, com base em todo o assunto pesquisado e, ainda, nos ensinamentos
doutrinários, conclui-se que o estudo do iter criminis é essencial para o
desenvolvimento de um Direito Penal mais justo e eficaz, eis que promove a
delimitação e estratificação das condutas do agente, que são ou não passíveis de
punição, possibilitando a correta e justa aplicação da norma.
59
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Vicente Sabino Júnior. São
Paulo: CD, 2004.
BECKER, Marina. Tentativa criminosa: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
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