RELATO DE CASO Lorena Lopes Rebecca Braz Melo Relato de caso Paciente do sexo feminino, 19 a, natural e procedente de Rio Branco (AC). Refere que há 2 anos cursa com ganho de peso progressivo (20 kg), fraqueza, debilidade muscular de aparecimento gradativo. Há um ano apresentou aborto espontâneo, exacerbação deste quadro, amenorréia e lesões cutâneas arredondadas, heterogêneas, pruriginosas com bordos bem delimitados. Procurou o Centro de Saúde, sendo encaminhada para ambulatório de Clinica Medica do estado para acompanhamento. No acompanhamento ambulatorial, observou-se o referido quadro acompanhado de edemas em MMII e PA elevada (150 x 100 mmHg). Com quadro sugestivo de LES. Administrou-se anti-hipertensivo habitual e iniciou-se exame para colagenose. Apos 3 meses, a paciente retornou com FAN neg. e ausência de autoanticorpos, queixando-se de piora do quadro anterior e relatando ter iniciado poliúria, polidipsia, dores lombares, calafrios, febre e vômitos o que a levou a procurar o PS há uma semana, onde foi realizada glicemia= 347 mg/dL. Relato de caso Exame físico PA: 130 x 90 mmHg, FC: 100 bpm, Temp.:37,7ºC Peso: 65 kg, Altura: 1,50m, IMC= 28,8 kg/m2 Encontrava-se lúcida, orientada, cooperativa, com obesidade central, fácies de lua cheia, acne, hisurtismo, lesões na pele, estrias violáceas no abdomen, coxas e braços, gibosidade, edemas nos membros inferiores. Quais as suspeitas diagnósticas?? SÍNDROME DE CUSHING Lorena Lopes Rebecca Braz Melo Síndrome de Cushing • A síndrome de Cushing (SC) é um estado decorrente da exposição prolongada ao excesso de glicocorticóides. • Mais frequente em mulheres do que em homens. • Etiologias variadas, endógenas ou exógenas*. • As causas endógenas de SC têm uma incidência anual estimada de 30 casos/milhão de habitantes. • A doença de Cushing (DC) é a etiologia endógena mais comum (cerca de 70-80% dos casos). • Alta mortalidade → 50% em 5 anos Etiologia 1. Exógena: medicamentosa 2. Endógena: • ACTH – dependente • ACTH – independente Fisiopatologia O cortisol: • Estimula a gliconeogênese, eleva concentração sanguínea de glicose. a • Reduz as proteínas celulares, aumenta as concentrações plasmáticas e hepáticas de proteínas, eleva os aminoácidos sanguíneos, reduz o transporte de aminoácidos para dentro das células extra – hepáticas • Mobiliza ácidos graxos, podendo levar a um excesso de depósito de tecido adiposo com distribuição típica, localizado no abdome, face e região supra–clavicular efeito antiinflamatório. Síndrome de Cushing ACTH-dependente 1. Adenoma Secretor de ACTH – Doença de Cushing • Os adenomas hipofisários são, na sua maioria, microadenomas (tumores menores que 10 mm); contudo, há casos de macroadenomas com invasão de estruturas vizinhas. • Prevalência da doença de Cushing é 8 vezes maior em mulheres que em homens, e a maior parte dos casos ocorre na 3ª a 5ª décadas de vida, embora possa ocorrer da faixa infantil à geriátrica. Síndrome de Cushing ACTH-dependente 2. Secreção ectópica de ACTH • Causada por tumores não hipofisários, em muitos casos o tumor responsável é o carcinoma pulmonar de células pequenas •A secreção ectópica de ACTH é a única causa de Síndrome de Cushing mais comum em homens que em mulheres, com pico de incidência entre a 5ª e a 6ª décadas de vida. Síndrome de Cushing ACTH-dependente 3. Secreção ectópica de CRH • São casos raros, que ocorrem quando um tumor neuroendócrino apresenta produção ectópica do CRH, que irá promover o aumento da secreção de ACTH, com consequente hipercortisolismo. Síndrome de Cushing ACTH-independente • Decorre da secreção autônoma e exagerada de cortisol pelas adrenais. • Níveis elevados do cortisol níveis de ACTH são baixos e não se elevam após estímulo com CRH. • Causadas pelos tumores adrenais e pelas hiperplasias nodulares macronodular ou micronodular Síndrome de Cushing ACTH-dependente Adenomas e carcinomas do córtex da suprarenal • Em crianças, as causas primárias ocorrem em 65% dos pacientes com síndrome deCushing, sendo a frequência de carcinoma 3 a 4 vezes maior do que a de adenomas • Os pacientes com carcinomas adrenocorticais tendem a apresentar uma evolução rápida e progressiva dos sinais clínicos de hipercortisolismo, muitas vezes coexistindo com sinais de virilização (tumores de secreção mista). • Além do quadro clínico secundário à hipersecreção hormonal, queixas de dor e desconforto abdominal,acompanhado ou não de massa palpável, são frequentes. Manifestações clínicas e pletórica Preenchimento das fossas supraclaviculares e hiperlipidemia Intolerância à glicose e DM ↑ Risco CV Manifestações clínicas Diagnóstico A avaliação laboratorial é feita em duas etapas: 1. Diagnóstico de Síndrome de Cushing 2. Diagnóstico etiológico do hipercortisolismo. Diagnóstico de SC • Testes utilizados devem ter alta sensibilidade; • Após resultado negativo, repetir em outra ocasião pela possibilidade de um Cushing cíclico. Teste Normal Falso-negativo Falso-positivo Dosagem de Cortisol Urinário Livre (FU) de 24h 5 a 55 mcg/24 h IRC (clearance de creatinina < 30 mL/min); Cushing cíclico, Cushing subclínico Interferentes (carbamazepina, fenofibrato, digoxina) PseudoCushing Cushing cíclico Drogas que acelerem a metabolização da dexametasona (barbitúricos, fenitoína, carbamazepina, rifampicina), aumento da CBG (gravidez, tireotoxicose), pseudoCushing Cushing cíclico Paciente acordado antes da coleta, paciente estressado ou internado há menos de 48 h, pseudoCushing Dosagem de Cortisol Sérico (FS) após Dexametasona (1mg ou Liddle 1) Dosagem de Cortisol Sérico (FS) à meia-noite (> 3-4x sugestivo de SC) < 1,8 mcg/dL < 1,8 mcg/dL (> 7,5mcg/dl sugestivo de SC) Diagnóstico Etiológico da SC • Etapas da investigação etiológica Diagnóstico Etiológico da SC • Investigação etiológica inicial Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-independentes • Adenomas: lesões unilaterais, arredondadas, de limites precisos, com baixa atenuação à TC e hiposinal em T2 na RNM Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-independentes • Carcinomas: geralmente > 4 cm, heterogêneos, retenção do contraste iodado na TC e hipersinal em T2. A RNM possui a vantagem de permitir o estudo do fluxo na veia cava inferior. RM mostrando carcinoma em adrenal direita invadindo a veia cava inferior. Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-independentes • Hiperplasias adrenais: aumento bilateral das adrenais, simétrico ou não. Na hiperplasia macronodular, são óbvios os macronódulos, que se assemelham a adenomas múltiplos. RM com imagens axiais T1 GRE em fase (c) e fora de fase (d) mostram espessamento nodular bilateral das adrenais em paciente com hiperplasia adrenal (setas). Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes • Dosagem de ACTH: auxiliam a diferenciar a DC de um tumor ectópico secretor de ACTH (>300 pg/ml de ACTH). • Teste de supressão com dose alta de dexametasona: Redução do FS > 50% dos níveis basais é sugestivo de DC. • Teste do CRH: identifica a SC de origem hipofisária da síndrome de secreção ectópica. O aumento do FS > 14% do basal e aumento do ACTH > 105% são sugestivos de DC. Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes • Teste do DDAVP: incremento em relação ao basal de 20% para o FS e 35% para o ACTH, após estímulo com 10 mcg desmopressina IV, é sugestiva de DC. Baixa acurácia (50%). • Teste do CRH+DDAVP: valores de corte dos incrementos de FS e ACTH de 38% e 350%, respectivamente. Melhor acurácia diagnóstica em relação aos testes isolados. • Teste do GHRP-6: O GHRP-6 é capaz de estimular a secreção de GH, prolactina e ACTH. Há resposta ao GHRP-6 na DC e sua ausência nos tumores ectópicos. Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes • TC e RMN de tórax e abdome: investigar os principais locais de tumores ectópicos produtores de ACTH. Tumor carcinóide típico em lobo inferior do pulmão esquerdo, bem delimitado, com alto sinal em T2 (seta) Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes • RNM de hipófise: sensibilidade limitada (35 a 60%) devido ao pequeno tamanho dos corticotropinomas (microadenomas). Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes Cateterismo dos seios petrosos inferiores para dosagem de ACTH • Exame padrão-ouro no diagnóstico diferencial entre DC e síndrome de secreção ectópica de ACTH. • Amostras de sangue são colhidas para dosagem de ACTH antes e após estímulo com CRH. Valores comparados com ACTH periférico. • Um gradiente centro-periferia basal > 2:1 ou após estímulo > 3:1 sugere DC (especificidade de 100%). • O gradiente de lateralização maior que 1,4:1 indica que o tumor provavelmente está no lado dominante. Diagnóstico Etiológico da SC Causas ACTH-dependentes • Cintilografia com 111In-Pentreotide (octreoscan) • Uso de análogo da somatostatina marcado com isótopo radioativo objetiva a localização de acúmulos anômalos do radiotraçador. • Estudos mostram baixa especificidade e baixa sensibilidade (30% a 47%) para identificar tumores ectópicos. • Estes fatos, aliados ao elevado custo, limitam a sua utilização. Diagnóstico da SC Tratamento Síndrome de Cushing ACTH-independente • A princípio, o tratamento de todo tumor adrenal hiperfuncionante é cirúrgico. • A adrenalectomia laparoscópica é a via de escolha na maioria dos serviços para os adenomas adrenais. Já para os carcinomas, a cirurgia aberta é a via mais apropriada. Tratamento Doença de Cushing • Cirurgia transesfenoidal: tratamento de escolha, sendo indicada adenomectomia com preservação da hipófise normal adjacente sempre que o tumor for identificável. • Radioterapia: tratamento de 2ª linha, com taxa de sucesso inferior à cirurgia, e controle do hipercortisolismo lento e gradual. • Radiocirurgia • Adrenalectomia: risco de síndrome de Nelson torna esta opção terapêutica menos atrativa, especialmente em crianças. Tratamento Terapia medicamentosa As drogas utilizadas para o controle da secreção/ação do cortisol podem atuar por 4 mecanismos: • Ação adrenolítica; • Ação inibidora enzimática; • Ação inibidora da secreção de ACTH; • Antagonistas de receptores de glicocorticoides. Tratamento Drogas usadas no controle do hipercortisolismo Droga Mecanismo de ação Dose diária Efeitos colaterais Mitotano Adrenolítico; inibição enzimática 0,5 a 12 g Náuseas, ataxia, dislipidemia, sonolência, insuficiência adrenocortical Cetoconazol Inibição enzimática; efeito central? 600 a 1.200 mg Dispepsia, rash cutâneo, elevação de transaminases Metirapona Inibição enzimática 1.750 a 4.000 mg Hirsutismo, hipertensão, hipocalemia Aminoglutetimida Inibição enzimática 750 a 1.500 mg Cipro-heptadina Agonista serotoninérgico Ácido valproico Agonista GABAérgico Bromocriptina Agonista dopaminérgico Cabergolina Octreotida Mifepristona Agonista dopaminérgico Rash cutâneo, tontura, ataxia, letargia e hipotireoidismo Droga não recomendada para o tratamento de Síndrome de Cushing (já utilizada em síndrome de Nelson) Droga não recomendada para o tratamento de Síndrome de Cushing (já utilizada em síndrome de Nelson) Náuseas, vômitos, hipotensão postural, 3 a 30 mg cefaleia, congestão nasal 1 a 3 mg/sem. Agonista somatostatinérgico 600 a 3.000 mcg* Bloqueador receptor glicocorticoide, androgênico e progestagênico 5 a 20 mg/kg Náuseas, vômitos, cefaleia (menos intensos que bromocriptina). Uso prolongado em doses altas pode cursar com disfunção cardíaca valvar Diarreia, dor abdominal, hiperglicemia, colelitíase, náuseas Dor abdominal, hipocalemia, metrorragia, náuseas, vômitos, tontura, dispepsia Relato de caso A paciente foi internada para a confirmação da SC e posterior tratamento. Durante internação diagnosticou-se DM, iniciou tratamento com insulinoterapia, bem como tratamento para HAS, ITU alta e depressão. Dosagem de Fs após o teste de Liddle 1 = 47,7 μg/dL (VR: 8,7 - 22,4μg/dL). Realizou-se nova coleta após 48h, obtendo-se o resultado de 55,37 μg/dL. Dosagem de ACTH = 1 pg/mL → SC ACTH-independente. TC de abdômen com ênfase nas supra-renais revelou massa arredondada na supra-renal esquerda medindo 32x32 mm. TC de sela turca sem anomalias. Realizou-se adrenalectomia esquerda. Exame anatomopatológico da peça favoreceu a possibilidade de adenoma de adrenal. A paciente manteve-se estável, com PA de 120x70 mmHg, glicemia de 88mg/dL, sem medicação, com melhora dos estigmas clínicos da SC. Bibliografia • BARONE, B.; WARSZAWSKI, L.; CALDAS, D. Síndrome de Cushing: um eterno desafio diagnóstico. Revista Brasileira de Medicina. v. 68, n. 4, 2011. • CASTRO, M; MOREIRA, A.C. Diagnóstico laboratorial da Síndrome de Cushing. Arq Bras Endocrinol Metab, v. 46, n. 1, 2002. • DANTAS, T.R.; DANTAS, A.W.; CAMELO, A.A. et al. Síndrome de Cushing ACTH-Independente por Adenoma de Supra-Renal - Relato de Caso. Rev Bras Clin Med, 2008;6:199-201. • FREIRE, D.S. Síndrome de Cushing. São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1696/sindrome_de_cu shing.htm. Acesso em 05/04/2014. • RESTREPO, J.G.; SIERRA, G.L.; MAYA, G.C. Síndrome de Cushing. Medicina & Laboratorio, v. 15, n. 9-10, 2009. • SBEM, CBR. Síndrome de Cushing Independente do Hormônio Adrenocorticotrófico (ACTH). Projeto Diretrizes, 2008.