PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA COMO FONTE DE MEDICAMENTOS FITOTERÁPICOS Carolina de Paula Veloso Biomédica. Aluna da Pós-Graduação em Vigilância Sanitária, pela Universidade Católica do Goiás/IFAR. E-mail: [email protected] Carina Rau Rivas Larrosa Orientadora: Farmacêutica Industrial graduada pela Universidade Federal do Paraná - UFPR; Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFPR. Professora do Curso de Farmácia do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE. E-mail: [email protected] Resumo O Brasil é possuidor de uma rica biodiversidade e conhecimentos tradicionais. Contudo, apesar de possuir essa megadiversidade, somente uma pequena parcela tem sido pesquisada cientificamente quanto ao seu potencial de produção de fármacos, extratos vegetais, corantes naturais, inseticidas e derivados. A produção de medicamentos fitoterápicos também é um emprego importante da biodiversidade. O uso da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser uma alternativa para a redução de gastos públicos com medicamentos, aliando sua eficácia comprovada com seu baixo custo operacional, visto a facilidade de acesso às plantas no Brasil e integração com a cultura e o saber popular. No ano de 2006, o Ministério da Saúde publicou duas políticas para fazerem parte das políticas públicas de saúde no setor de plantas medicinais e fitoterápicos, que são a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), levando em conta a necessidade do reconhecimento da medicina tradicional como parte integrante dos sistemas de saúde. O objetivo deste artigo é tratar em como a biodiversidade brasileira pode ser utilizada para se tornar fonte de medicamentos fitoterápicos que possam ser explorados e utilizados pelo Brasil. O presente artigo é uma revisão bibliográfica na qual o objeto de estudo foi a produção científica, do período de 2000 a 2011, sobre o tema. É preciso desenvolver uma visão estratégica dos interesses nacionais buscando o desenvolvimento sustentável da biodiversidade brasileira, valorizando a nossa fauna e a nossa flora. Palavras-chave: biodiversidade, fitomedicamentos, SUS, políticas públicas de saúde. . Brazilian biodiversity as phytomedicines source Abstract Brazil has a rich biodiversity and traditional knowledge. However, despite having the mega-diversity, only a small portion has been scientifically researched for their potential to produce drugs, plant extracts, natural dyes, insecticides and derivatives. The production of herbal medicines is also an important use of biodiversity. The use of herbal medicine in the National Health System (SUS) can be an alternative to the reduction of public spending on medicines, combining proven effective with low operating cost, since the ease of access to plants in Brazil and integration with the culture and popular knowledge. In 2006, the Ministry of Health issued two policies to be part of public health policies in the sector of medicinal plants and herbal medicines, which are National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC) and National Policy of Medicinal Plants and Herbal Medicines (PNPMF), considering the necessity for recognition of traditional medicine as part of system health. The objective of this study is to discuss how the Brazilian biodiversity can be used to be a source of herbal medicines that can be exploited and used by Brazil. This article is a literature review in which the object of study was the scientific literature, the period from 2000 to 2011, about the subject. We must develop a strategic vision of national interests seeking sustainable development of Brazilian biodiversity, enhancing our wildlife and our flora. Keywords: biodiversity, phytomedicines, SUS, public health policies. 1 INTRODUÇÃO Biodiversidade é uma palavra que vem da contração da expressão sinônima “diversidade biológica” e é definida como “a variabilidade entre organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas” (BRASIL, 2000, p.15). O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do mundo além da flora mais rica (TAKAKI; MODESTO Jr; FIGUEIREDO, 2007, p.144). De acordo com os dados do Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2011, p. 34), obtidos em um estudo para avaliar o estado do conhecimento da biodiversidade brasileira realizado em 2006, o Brasil possui pelo menos 43.020 espécies vegetais, que representa cerca de 16% da flora mundial, e 103.870 espécies animais que representa em torno de 8% das espécies de animais do mundo. O estudo relata ainda que cerca de 700 novas espécies animais são reconhecidas por ano no país. Em 1808 criou-se o Museu Nacional do Rio de Janeiro e, a partir daí, começou-se o desenvolvimento de estudos taxonômicos e florísticos no Brasil. O Herbário e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro foram estabelecidos no ano de 1890. Desde então e até por volta da metade do século XX foram poucos os botânicos que eram simultaneamente coletores e taxonomistas, pois a botânica taxonômica estabeleceu-se definitivamente no Brasil somente a partir de 1970 (GIULIETTI et al., 2005, p.53). Desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece o valor das práticas alternativas e tem expressado a sua posição em relação à necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário como recurso terapêutico (BRASIL, 2006b, p. 19). A busca por alívio e cura de doenças pela ingestão de ervas e folhas talvez tenha sido uma das primeiras formas de utilização dos produtos naturais (BOLZANI; VIEGAS Jr; BARREIRO, 2006). Um indicativo da necessidade de se investir em pesquisa que envolva a avaliação da eficácia e segurança de espécies medicinais brasileiras e o desenvolvimento de fitoterápicos é o fato de que, de todas as espécies vegetais com registro, menos de 30% são nativas da América do Sul (CARVALHO et al., 2008, p. 318). As plantas medicinais e seus derivados constituíam a base terapêutica medicamentosa até meados do século XX. Depois disso, a síntese química, que teve início no final do século XIX, começou uma fase de crescimento abrupto. De acordo com Foglio (2007, apud RODRIGUES; REALI, 2008, p. 3), atualmente, cerca de 50% dos medicamentos são de origem sintética e cerca de 25% são de origem vegetal, isolados ou produzidos por semisíntese, ou seja, advém direta ou indiretamente de produtos naturais. A produção de medicamentos fitoterápicos é um emprego importante da biodiversidade. “Esses medicamentos constituem-se em preparações contendo extratos padronizados de uma ou mais plantas, hoje amplamente comercializados em países pobres ou ricos” (CALIXTO, 2003, p. 38). A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) define medicamentos fitoterápicos na RDC nº 14/2010 (que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos) no artigo 1º como sendo os medicamentos “obtidos com emprego exclusivo de matériasprimas ativas vegetais, cuja eficácia e segurança são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos, de utilização, documentações tecnocientíficas ou evidências clínicas.” Ainda no artigo 1º, a Resolução diz que “os medicamentos fitoterápicos são caracterizados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade” (BRASIL, 2010a). “Um terço dos medicamentos mais prescritos e vendidos no mundo foram desenvolvidos a partir de produtos naturais. No caso das drogas anticancerígenas e dos antibióticos, por exemplo, esse percentual atinge cerca de 70%” (CALIXTO, 2003, p. 37). Segundo Matos (2002), as plantas medicinais, sendo corretamente utilizadas, só irão diferir do medicamento a que deu origem pela embalagem e pelas substâncias secundárias que acompanham o princípio ativo (apud RODRIGUES; REALI, 2008, p. 2). Calixto (2003, p. 38) afirma que o grande desafio para o aproveitamento racional da biodiversidade brasileira visando à produção de medicamentos é saber como transformar um patrimônio genético natural tão grande em riquezas, criando indústrias de base tecnológica e gerando empregos qualificados. O objetivo do presente artigo é tratar em como a biodiversidade brasileira pode ser utilizada para se tornar fonte de medicamentos fitoterápicos que possam ser explorados e utilizados pelo Brasil. Neste aspecto, o artigo também discute sobre a vigilância sanitária e a utilização dos medicamentos fitoterápicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 2 METODOLOGIA O presente trabalho se trata de uma revisão bibliográfica sobre a biodiversidade brasileira como fonte de medicamentos fitoterápicos. O objeto de estudo deste trabalho foi a produção científica sobre o tema, existente em periódicos indexados nos bancos de dados disponíveis em bibliotecas virtuais e sítios da rede mundial de computadores, entre as quais as bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Library of Medicine (MEDLINE) e Descritores em Ciências da Saúde (DECs/BIREME), e em outras fontes de dados como livros e no marco regulatório brasileiro. Optou-se por artigos do período de 2000 a 2011. A busca foi feita por meio das palavras chaves biodiversidade e medicamentos fitoterápicos, encontradas nos títulos e nos resumos das publicações. 3 DISCUSSÃO 3.1 Potencial da biodiversidade para a produção de fitoterápicos De acordo com Calixto (2003, p. 37), o interesse pela biodiversidade para a produção de medicamentos tem aumentado depois da conclusão do genoma humano, visto que aumentou de cerca de 500 para mais de 6 mil o número de possíveis alvos terapêuticos. “A terapêutica moderna, composta por medicamentos com ações específicas sobre receptores, enzimas e canais iônicos, não teria sido possível sem a contribuição dos produtos naturais, notadamente das plantas superiores, das toxinas animais e dos microrganismos”. O Brasil possui dois ecossistemas que são considerados hotspots de biodiversidade, ou seja, áreas que contém 1.500 das 300.000 plantas endêmicas conhecidas, e são eles a Mata Atlântica e o Cerrado (QUEIROZ; FARO; MELO, 2009, p. 32). E ainda, considerando a biodiversidade vegetal, a Floresta Amazônica é detentora da maior reserva de plantas medicinais do mundo (FIEAM, 2002 apud BENINI, 2010). Apesar de o Brasil possuir essa megadiversidade, somente uma pequena parcela tem sido pesquisada cientificamente quanto ao seu potencial de produção de fármacos, extratos vegetais, inseticidas, corantes naturais e derivados (TAKAKI; MODESTO Jr; FIGUEIREDO, 2007, p.144). No início da década de 1990, a OMS divulgou que 65 a 80% da população de países em desenvolvimento dependiam de plantas medicinais como única forma de acesso aos cuidados básicos de saúde (SILVA et al., 2008). Acredita-se que cerca de 80% da população mundial use as plantas como primeiro recurso terapêutico (SILVA; FILHO, 2002). “Ainda hoje nas regiões mais pobres do país e até mesmo nas grandes cidades brasileiras, plantas medicinais são comercializadas em feiras livres, mercados populares e encontradas em quintais residenciais.” É através do interesse nessa cultura medicinal que pesquisadores desenvolvem pesquisas envolvendo áreas multidisciplinares como a farmacologia, a botânica e a fitoquímica, que juntas enriquecem os conhecimentos sobre a imensa flora mundial (MACIEL et al., 2002, p. 429). O medicamento possui características de mercado diferentes de outros produtos manufaturados, porque faz parte de um mercado em que praticamente não existe concorrência de escala entre os produtores (MACEDO; GEMAL, 2009, p. 290). De acordo com o estudo de Carvalho e colaboradores (2008), existem 512 medicamentos fitoterápicos registrados na ANVISA, que são fabricados por 119 empresas, sendo que a maior parte delas (57%) encontra-se na região Sudeste do país, seguindo o mesmo padrão das indústrias de medicamentos sintéticos. Conforme Rates (2001, p. 59), “entre os 252 fármacos básicos ou essenciais selecionados pela OMS, 11% são de origem exclusivamente vegetal e uma parcela significativa é preenchida por medicamentos sintéticos, obtidos a partir de precursores naturais”. Além disso, “cerca de 25% dos medicamentos prescritos mundialmente são de origem vegetal, com 121 substâncias ativas sendo utilizadas na terapêutica”. A legislação brasileira trata o registro de fitoterápicos com seriedade, assim como o registro de medicamentos sintéticos. No entanto, existem ainda algumas dificuldades para o controle de qualidade e a comprovação de segurança e de eficácia dos fitoterápicos devido à complexidade química dos derivados de drogas vegetais (KLEIN et al., 2009, p. 246). De acordo com os dados do estudo de Carvalho e colaboradores (2008, p. 316), que mostra a distribuição geográfica das espécies vegetais com registro, temos: 28,40% asiática; 27,16% européia; 25,92% da América do Sul, incluindo as espécies brasileiras; 19,75% da América do Norte e/ou Central; e 8% africana. Dentre as espécies com origem brasileira ou da América do Sul, as que possuem o maior número de registro na ANVISA encontram-se na Tabela 1, com as respectivas indicações terapêuticas. TABELA 1 – Espécies vegetais nativas mais registradas como fitoterápicos simples e respectiva indicação terapêutica. Planta Nº de registros Indicação terapêutica Mikania glomerata (Guaco) 14 Expectorante, broncodilatador Maytenus ilicifolia (EspinheiraSanta) 13 Dispepsias, coadjuvante no tratamento de úlceras gástricas 12 Astenia, estimulante do Sistema Nervoso Central Paullinia cupana (Guaraná) FONTE: CARVALHO et al., 2008. De acordo com Calixto (2003, p. 37), existem, contudo, problemas que dificultam o melhor aproveitamento da biodiversidade para o desenvolvimento de novos medicamentos, como: 1) a falta de leis específicas para o acesso a biodiversidade; 2) a grande complexidade das moléculas isoladas a partir de produtos naturais, que as vezes dificulta sua síntese; 3) o tempo necessário para o descobrimento de moléculas líderes às vezes é longo; 4) a descoberta pode ser onerosa; 5) poucas bibliotecas de compostos naturais estão disponíveis; 6) existem poucas informações com relação a estrutura-atividade desses compostos; 7)freqüentemente, moléculas já conhecidas com pouco interesse, são isoladas de produtos naturais; 8) os químicos sintéticos muitas vezes são resistentes em trabalhar com produtos naturais. As indústrias brasileiras são instigadas a importarem plantas consideradas exóticas de seus países de origem devido a sua grande utilização. O mesmo ocorre com os medicamentos sintéticos onde, grande parte da matéria prima também é importada. Essa situação também se repete no mercado nacional de medicamentos fitoterápicos onde se exclui a produção de extratos vegetais nativos em sua cadeia produtiva, conseqüentemente, retirando também do seu contexto o produtor rural, que poderia estar agregando valores à agricultura nacional, especialmente a familiar (SILVA et al., 2001 apud BENINI et al., 2010, p. 14). É importante ainda ressaltar que o Brasil sempre foi alvo de um processo de usurpação do conhecimento tradicional que grupos étnicos e comunidades tradicionais possuem no uso das plantas medicinais. As plantas medicinais que são retiradas do país e levadas para o exterior geralmente retornam na forma de produtos patenteáveis, e isso nos leva a pagar caro por uma riqueza nacional (RODRIGUES; REALI, 2008, p. 2). Muitas plantas brasileiras utilizadas na medicina clássica são estudadas em outros países e os produtos desenvolvidos a partir delas são patenteados. O grande problema é que, geralmente, essas patentes são adquiridas através de um meio conhecido como biopirataria. “Ela é caracterizada pelo contrabando de materiais biológicos e a apropriação dos conhecimentos das populações tradicionais, sem o consentimento das autoridades nacionais”. Hoje, a biopirataria tem sido estimulada pela facilidade de se registrarem marcas e patentes em empresas internacionais e também pelos avanços nos processos biotecnológicos o que tem causado uma verdadeira corrida em busca de recursos naturais patenteáveis (CARVALHO, 2009). Levando-se em consideração a expansão mundial que os mercados de produtos derivados de plantas vêm conquistando, nota-se que os países detentores de grande biodiversidade têm a oportunidade de entrar em mercados bilionários (FUNARI; FERRO, 2005, p. 179), pois os fitoterápicos sempre apresentaram uma parcela significativa no mercado de medicamentos. De acordo com Carvalho e colaboradores (2008, p. 314), o setor movimenta globalmente US$ 21,7 bilhões por ano. No Brasil, não existem dados oficiais atualizados, porém, estima-se que esse mercado gira em torno de US$ 160 milhões por ano. “A cifra brasileira é pequena se comparada aos valores publicados para a Europa e Estados Unidos no ano de 2000, o equivalente a 8,5 e 6,3 bilhões de dólares, respectivamente” (SIMÕES; SHENKEL, 2002, apud CARVALHO et al., 2007, p. 27). Em 1996, a indústria farmacêutica brasileira faturou 8 bilhões e estima-se que 25% advêm de medicamentos derivados de plantas. Considera-se também que as vendas nesse setor crescem 10% ao ano (GUERRA; NODARI, 2003 apud BENINI et al., 2010, p. 12). Segundo Calixto (2003, p. 38), o desenvolvimento de medicamento fitoterápico requer menos recursos e menos tempo de pesquisa, contrariamente ao desenvolvimento de um novo medicamento sintético que envolve grande quantidade de recursos (cerca de US$ 350 milhões a US$ 800 milhões e cerca de 10 a 15 anos de pesquisa). 3.2 A utilização de medicamentos fitoterápicos pelo SUS O uso da fitoterapia no SUS pode ser uma alternativa para a redução de gastos públicos com medicamentos, aliando sua eficácia comprovada com seu baixo custo operacional, visto a facilidade de acesso às plantas no Brasil e integração com a cultura e o saber popular (MATOS, 1994, LORENZI e MATOS, 2002 apud SILVELLO, 2010). A adoção de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos na rede do SUS poderá contribuir para melhorar a qualidade de vida dos usuários das Unidades Básicas de Saúde (UBS), pois se trata da utilização de uma forma terapêutica conhecida e já consolidada nas comunidades (BENINI et al., 2010, p. 15). De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a, p. 18), entre os meses de dezembro de 2004 e janeiro de 2005, foi realizado um levantamento junto a estados e municípios com o objetivo de se obter informações, no âmbito das secretarias estaduais e municipais de saúde, a respeito das experiências com plantas medicinais e/ou fitoterápicos. Esse levantamento demonstrou que existem diversos programas de fitoterapia implantados ou em fase de implantação, em todas as regiões do Brasil. Devido à própria concepção do sistema público de saúde no Brasil, que confere ênfase à municipalização dos serviços, a maioria das experiências ocorre a partir das secretarias municipais de saúde variando apenas nos modelos adotados com a intenção de facilitar o acesso da população às plantas medicinais e aos seus derivados e também às informações quanto ao manejo e uso correto das plantas medicinais (BRASIL, 2006a, p. 18). Dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a, p. 20) relatam que a produção oficial de medicamentos fitoterápicos, tanto em laboratórios de manipulação como em farmácias públicas com manipulação, acontece em 66,6% dos estados/municípios. “Já em nove deles (25,0%), o programa disponibiliza fitoterápicos adquiridos em farmácias com manipulação (privadas) ou plantas medicinais em sachês, para preparo de infusões (chás)”. Também se obteve o levantamento de 184 espécies vegetais que são utilizadas nos programas, com seus respectivos nomes científicos e populares. Muitas delas, porém, ainda necessitam de maiores pesquisas de avaliação de sua eficácia e segurança de uso. Os resultados dos estudos completos demonstraram que essas experiências com plantas medicinais e fitoterápicos ocorrem de modo desigual, descontinuado e, muitas vezes, sem o registro, sem o fornecimento adequado de insumos ou de ações de acompanhamento e avaliação, apesar dos resultados dessas experiências na rede pública (estadual e municipal) terem caracterizado um aspecto positivo e colaborado para o crescente aumento da demanda por parte da população (BRASIL, 2006a, p. 23). Porém, de acordo com Oliveira (2005), mais de 50% da população brasileira ainda não tem acesso aos medicamentos por falta de recursos financeiros, apesar de o Brasil estar entre os 10 maiores mercados de medicamentos. “Segundo Marques (2000), o mercado governamental, no país, corresponde a 35% do mercado total de produtos farmacêuticos, e apenas 15% são comprados de modo centralizado pelo SUS e distribuídos para cerca de cem milhões de brasileiros pobres (dados de 2000)” (apud OLIVEIRA, 2005). Na Portaria nº 4.217 de 28 de dezembro de 2010 o Ministério da Saúde estabeleceu, em seu Elenco de Referência Nacional do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, os “medicamentos fitoterápicos e homeopáticos com aquisição pelos municípios, Distrito Federal e/ou Estados, conforme pactuação nas Comissões Intergestores Bipartite e financiamento tripartite” (Tabela 2). O Elenco de Referência Nacional, que também é composto por medicamentos que integram a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME 2010), destina-se a atender aos agravos prevalentes e prioritários da Atenção Básica (BRASIL, 2010b). Tabela 2 – Medicamentos fitoterápicos e homeopáticos com aquisição pelos municípios, Distrito Federal e/ou Estados, conforme pactuação nas Comissões Intergestores Bipartite e financiamento tripartite. Nome popular Nome científico Espinheira-santa Maytenus ilicifolia Guaco Mikania glomerata Alcachofra Cynara scolymus Aroeira Schinus terebenthifolius Forma farmacêutica Indicação cápsula, comprimido,emulsão, solução e tintura cápsula, solução oral, tintura e xarope Dispepsias, coadjuvante no tratamento de gastrite e úlcera duodenal Expectorante e broncodilatador Colagogo e colerético em dispepsias associadas a disfunções hepatobiliares Produtos ginecológicos antiinfecciosos tópicos simples Constipação ocasional cápsula, comprimido, drágea, solução oral e tintura gel e óvulo Cáscara-sagrada Rhamnus purshiana cápsula e tintura Garra-do-diabo Harpagophytum procumbens cápsula; comprimido revestido Isoflavona-de-soja Glycine max cápsula e comprimido Unha-de-gato Uncaria tomentosa cápsula, comprimido e gel Antiinflamatório (oral) em dores lombares, osteoartrite Climatério (Coadjuvante no alívio dos sintomas) Antiinflamatório (oral e tópico) nos casos de artrite reumatóide, osteoartrite e como imunoestimulante FONTE: BRASIL, 2010b. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2011) criou um banco de dados da Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS) que é constituída de espécies vegetais com potencial de avançar nas etapas da cadeia produtiva e de gerar produtos de interesse ao SUS. A idéia é que a relação sirva de base para uma ampliação do número de fitoterápicos que hoje são financiados com verba federal. Com isso, a expectativa do Ministério da Saúde é que os pesquisadores, as empresas e os pequenos produtores interajam para estudar as espécies e gerar produtos que possam ser agregados ao SUS, “pois só assim serão garantidos à população plantas medicinais e fitoterápicos com qualidade, segurança e eficácia, como também a promoção do uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.” 3.3 Vigilância sanitária de fitoterápicos No ano de 2006, duas políticas foram publicadas para fazer parte das políticas públicas de saúde no setor de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil. A primeira foi a Portaria Ministerial MS/GM nº 971, de 03 de maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS e a segunda foi o Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e dá outras providências (CARVALHO et al., 2008, p. 318). A PNPIC – SUS contribui para o fortalecimento dos princípios fundamentais do SUS uma vez que atua nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção e recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada na integralidade do indivíduo. Nesta Política se destaca como prioridade do Ministério da Saúde a melhoria dos serviços e o incremento de diferentes abordagens, tornando disponíveis opções preventivas e terapêuticas aos usuários do SUS (BRASIL, 2006b, p. 4). Outra parte essencial das políticas públicas em saúde é a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), que foi elaborada com o intuito de estabelecer as diretrizes para a atuação do governo na área de plantas medicinais e fitoterápicos. Alguns princípios que nortearam sua elaboração foram a melhoria da atenção à saúde, uso sustentável da biodiversidade brasileira e fortalecimento da agricultura familiar, geração de emprego e renda, desenvolvimento industrial e tecnológico e perspectiva de inclusão social e regional, além da participação popular e do controle social sobre todas as ações decorrentes dessa iniciativa (BRASIL, 2006c, p. 9). A maioria dos programas estaduais e municipais de fitoterapia respeita a obrigatoriedade da necessidade de indicação médica, ou seja, as plantas medicinais e os fitoterápicos devem ser prescritos pelo médico para que a unidade de saúde realize a dispensação. Entretanto, existem casos de programas públicos em que essa premissa não é respeitada, ocorrendo a distribuição de plantas medicinais sem receita médica. Tal fato pode acarretar problemas, uma vez que as plantas medicinais e os seus derivados também podem causar reações adversas, efeitos colaterais e interações entre outras plantas medicinais, medicamentos e/ou alimentos (BRASIL, 2006a, p. 19). “Por isso, é importante que seja realizado o controle sanitário destes produtos e a conscientização da população sobre seus riscos, visto que a idéia de que produto de origem natural não faz mal à saúde ainda encontrase amplamente disseminada” (CARVALHO et al., 2007, p. 27). Os fitoterápicos estão ligados à automedicação e à orientação farmacêutica por se tratarem de produtos de venda livre. Tal situação não deveria ocorrer devido ao fato de que o profissional farmacêutico ainda não está suficientemente preparado para a orientação farmacêutica direcionada ao uso racional de fitoterápicos. “Vários trabalhos demonstram que a qualidade da informação fornecida ao paciente na farmácia é baixa e que a principal fonte utilizada pelos profissionais é a literatura promocional, como folhetos e compêndios de laboratórios fabricantes” (DIAS, 1997; RATES e SANTOS, 1997; ZUCULLOTO et al., 1999 apud RATES, 2001, p. 58). A vigilância sanitária é um conjunto de ações exercidas pelo órgão competente do Ministério da Saúde, a ANVISA, que tem por finalidade institucional, de acordo com a Lei nº 9.782/99, “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária...” (BRASIL, 1999). O controle sanitário de produtos abrange as atividades educativas e de informação ao setor regulado e aos consumidores, a normatização, registro de produtos, controle de processo produtivo, distribuição, comercialização, publicidade, consumo e descarte, além de análises laboratoriais. “O intuito deste é o gerenciamento dos possíveis riscos à saúde em todas as fases da cadeia dos produtos, onde se incluem os fitoterápicos (CARVALHO et al., 2007, p. 27)”. Os medicamentos fitoterápicos industrializados devem ser registrados na ANVISA dentro dos padrões requeridos pela legislação brasileira (Lei nº 6.360/76 – Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências) antes de serem comercializados, com a finalidade de garantir que a população tenha acesso a medicamentos eficazes, seguros e de qualidade comprovada (CARVALHO et al., 2007, p. 28). Para tanto, deve-se fazer testes para validação do medicamento que é obtido realizandose diversos ensaios como controle de qualidade, farmacológicos, toxicológicos, tecnológicos, pré-clínicos, clínicos toxicológicos e ensaios clínicos (Brasil, 2007 apud KLEIN et al., 2009, p. 244). O registro sanitário de medicamentos é de competência exclusiva da ANVISA. Esta é a primeira intervenção da autoridade sanitária no produto, que só poderá ser comercializado após aprovação (CARVALHO et al., 2007, p. 28). “O registro de medicamentos tem validade de cinco anos e pode ser renovado por períodos iguais e sucessivos. A realização de qualquer alteração, referente ao produto ou à empresa, deverá ser comunicada à ANVISA e submetida à nova análise técnica para aprovação” (Netto et al., 2006 apud KLEIN et al., 2009, p. 246). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil possui a maior biodiversidade do planeta, além de capacidade técnica instalada e competência em recursos humanos, porém ainda falta articulação entre pequenos produtores, empresários e instituições de pesquisa, porque, apesar da extensa e variada biodiversidade, os produtos derivados da flora brasileira e que atualmente estão no mercado não são muitos. Nosso país possui ainda uma rica medicina popular proveniente da miscigenação de diferentes culturas. Devido a essa grande riqueza natural o país tem grande potencial para o desenvolvimento de fármacos e medicamentos. Nesse aspecto, os fitoterápicos aparecem como descobertas eficientes para o avanço da medicina. Por serem mais baratos que os medicamentos alopáticos e possuir a mesma eficiência, pode-se apostar nos medicamentos fitoterápicos como sendo uma solução eficiente para o Brasil tanto em termos ecológicos como também econômicos e sociais. Os medicamentos fitoterápicos podem proporcionar, além dos benefícios à saúde individual e coletiva, uma grande economia às políticas de saúde pública do país. Apesar da distribuição pelo SUS ajudar a popularizar os fitoterápicos, esses medicamentos só podem ser consumidos com orientação médica. É importante conscientizar a população sobre os perigos do uso indiscriminado de plantas sem a comprovação da sua segurança e eficácia, além de incentivar a prescrição de medicamentos fitoterápicos por parte dos profissionais capacitados ligados aos serviços de saúde público e privado. Outro aspecto a ser considerado é que evitar a biopirataria no Brasil é um trabalho difícil e talvez a forma mais eficiente seja incentivar pesquisas científicas, através de investimentos em ciência e tecnologia e em pesquisas de validação e desenvolvimento de fitoterápicos para que os resultados de pesquisas sejam otimizados, gerando novos produtos potenciais para o país explorar economicamente. É importante utilizar o conhecimento tradicional das comunidades de cada bioma para gerar produtos novos e de qualidade e que sejam recompensadores também para os pequenos agricultores. Nesse intuito, é preciso desenvolver uma visão estratégica dos interesses nacionais buscando o desenvolvimento sustentável da biodiversidade brasileira, ou seja, um desenvolvimento que não esgote os recursos para o futuro. Valorizar a nossa fauna e a nossa flora contando com investimentos nacionais é um grande passo para o desenvolvimento da farmacologia, da saúde e da medicina em prol dos brasileiros. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENINI, E. B. et al. Valorização da flora nativa quanto ao potencial Fitoterápico. Revista Destaques Acadêmicos. ano 2, n. 3, CCBS/UNIVATES, 2010. BOLZANI, V. S.; VIEGAS Jr, C.; BARREIRO, E. J. Os produtos naturais e a química medicinal moderna. Revista Química Nova. vol. 29, no. 2, 326-337, 2006. BRASIL, Congresso Nacional. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Lei nº 9.782 de 26 de janeiro de 1999. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Política Nacional de Biodiversidade: roteiro de consulta para elaboração de uma proposta. Biodiversidade, 1. 48p, Brasília, 2000. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Quarto Relatório Nacional para a Convenção Sobre Diversidade Biológica: Brasil. 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