MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO OSWALDO CRUZ Mestrado no Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical EPIDEMIOLOGIA DO TRACOMA NO NORDESTE BRASILEIRO: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE RUSSAS, ESTADO DO CEARÁ BRUNO BARBOSA PACIFICO Rio de Janeiro Fevereiro de 2015 INSTITUTO OSWALDO CRUZ Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical BRUNO BARBOSA PACIFICO Epidemiologia do tracoma no nordeste brasileiro: estudo de caso no município de Russas, estado do Ceará. Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências (Medicina Tropical). Orientador: Colaboradora: Prof. Dr. Filipe Anibal Carvalho Costa (FIOCRUZ/PI) Prof. Msc. Vivian da Silva Gomes (SESA/CE) RIO DE JANEIRO Fevereiro de 2015 ii iii INSTITUTO OSWALDO CRUZ Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical AUTOR: BRUNO BARBOSA PACIFICO EPIDEMIOLOGIA DO TRACOMA NO NORDESTE BRASILEIRO: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE RUSSAS, ESTADO DO CEARÁ. ORIENTADOR: Prof. Dr. Filipe Anibal Carvalho Costa COLABORADORA: Prof. Msc. Vivian da Silva Gomes Aprovada em: 26 / 02 / 2015 EXAMINADORES: Prof. Dr. Márcio Neves Bóia – Presidente (IOC/FIOCRUZ) Prof. Dr. Anna Cristina Calçada Carvalho (IOC/FIOCRUZ) Prof. Dr. Eliezer Israel Benchimol (INI/FIOCRUZ) Prof. Dr. Darcílio Fernandes Baptista (IOC/FIOCRUZ) Prof. Dr. Marli Maria Lima (IOC/FIOCRUZ) iv Dedico este trabalho, como mais uma vitória da minha trajetória acadêmico-profissional, a todos aqueles que, assim como eu, se submeteram a diversos esforços para a concretização deste sonho, sobretudo aos meus pais Luiz e Lusimar, aos meus avós maternos José e Severina, e à minha namorada Vivian. v AGRADECIMENTOS A Deus, sobretudo, por ter sempre me abençoado, me dando forças para nunca desistir dos meus sonhos, e por me trilhar em caminhos que, para Ele, são os melhores. Nos momentos de conflito interno, onde pensamentos descabidos que outrora não me pertenciam me assolavam, era Ele o meu grande sustentador e refúgio. Portanto, sem Ele, este trabalho jamais aconteceria. Aos meus queridos e amados pais, Luiz e Lusimar, pelo inimaginável e amoroso esforço que fizeram, desde a minha infância, para garantir que eu tivesse a melhor educação possível, pelo apoio que sempre me deram nas minhas decisões, me fazendo acreditar que eu deveria abandonar as dúvidas e confiar nas minhas convicções, e pelos momentos de alegria, que me fizeram persistir no caminho que escolhi. Por estas e outras razões, foram eles os que garantiram a minha concepção de competência para a condução de todo este processo. Aos meus avós maternos, José e Severina, por tentarem compreender a área que escolhi, mesmo sem entender, em sua grande maioria, a minha pesquisa e, principalmente, pelo suporte financeiro que me concederam ao longo destes anos de pós-graduação. Eles estarão para sempre no meu coração e sua importância neste trabalho deve ser louvada. Aos outros membros familiares, como tios e primos, que a todo momento transmitiram-me palavras de motivação, interesse, esforço, força e ímpeto, para que eu jamais desistisse dos meus anseios e trilhasse, com determinação e coragem, as mais belas veredas desta laboriosa estrada. À Fundação Oswaldo Cruz, por meio do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que abriu as portas para a minha entrada na instituição. Através dela, pude conhecer novas pessoas, descobrir novos gostos, reconhecer valores e princípios com os quais não havia entrado em contato anteriormente, enxergar o que é realmente o mundo técnicoacadêmico-científico e os ofícios inerentes a esses, ampliar os meus horizontes acerca de políticas institucionais, ter novas visões de mundo, aprender coisas incomparáveis e lapidar o meu caráter. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo suporte financeiro, através da bolsa de mestrado, durante o processo de vi desenvolvimento deste estudo. Obviamente, sem este auxílio seria difícil os manejos no mesmo. Logo, de igual importância os demais, registro os meus sinceros agradecimentos à esta instituição de evidente renome no cenário científico nacional. Ao Laboratório de Epidemiologia Sistemática e Molecular, do Instituto Oswaldo Cruz, por me acolher gentilmente e permitir que este trabalho tivesse a assinatura deste local onde são realizadas pesquisas de importante cunho científico nacional. Apesar de não comparecer constantemente ao mesmo durante a maior parte da minha atividade curricular, gostaria de enfatizar a disponibilidade que sempre encontrei em acessar o recinto, bem como conduzir a pesquisa. De igual modo, gostaria de agradecer ao Dr. David Barroso, chefe do laboratório, pela disponibilidade de verba durante o trabalho de campo realizado, sem o qual seria impossível elucidar os achados deste trabalho. Acrescento, ainda, os singelos momentos de conversa e simpatia no tratamento, sempre prezando pela cordialidade. Ao querido Filipe Anibal Carvalho Costa, meu orientador, que me aceitou como seu estudante no Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular, do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), durante a curso de mestrado e o desenvolvimento deste trabalho. Ressalto que, com tamanho e inigualável sentimento fraternal, me ajudou em todos os momentos que precisei, ainda que com seus inúmeros afazeres e compromissos, inicialmente na própria Fiocruz e, em seguida, no Piauí, devido ao seu convite para assumir o cargo de Pesquisador no campus Fiocruz. É admirável a ousadia que teve em aceitar, juntamente comigo, a construir um trabalho de uma doença desvalorizada, quase que totalmente esquecida, para mudar este cenário, ainda que de maneira gradual. Tenho certeza de que todos os momentos de descontração, de companheirismo, de bom tratamento, de aprendizado constante e auxílio, que não foram poucos, me fizeram crescer a cada dia, com o intuito de me tornar um grande profissional, fazendo jus ao tempo de contato que tive com ele. À minha amada Vivian, minha co-orientadora e namorada que, assim como o Filipe, me recebeu carinhosa e espontaneamente como seu estudante, tornando-se muito mais que uma amiga durante este período de trabalho. Ela pôde me ensinar conceitos gerais sobre o tracoma no estado do Ceará e no município de Russas, manejos de diagnóstico e grande parte da sua experiência de vida. Mais do que isso: nos últimos e mais decisivos meses de confecção deste manuscrito, ela esteve vii comigo, me dando apoio, carinho, motivação e me fazendo acreditar que eu conseguiria chegar até aqui. Apesar da distância, ela sempre estará no meu coração, iluminando meus pensamentos, instigando o meu amor e me assegurando de que quero tê-la comigo, segundo a vontade de Deus. Assim como o Filipe, é um exemplo a ser seguido, porque é uma exímia profissional, extremamente competente e sagaz em suas atividades. Tenho a plena certeza de que a amarei eternamente. À Lívia Mangeon, secretária da Coordenação do Curso de Pós-graduação de Medicina Tropical (IOC), pela disponibilidade ao longo do meu tempo no mestrado, me auxiliando nos assuntos e pendências acadêmicas. Mesmo com tantas pendências, atribuições e afazeres, prestou-me atenção na maioria dos momentos solicitados, e cabe mencioná-la aqui. Ao Hermano Albuquerque, doutorando do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical, pelo auxílio em parte da análise espacial, sendo fundamental para o desenvolvimento deste trabalho. Adicionalmente, gostaria de agradecê-lo pela paciência, pelo carinho, pelos momentos inúmeros de descontração, companheirismo e destreza nos momentos de debates, sejam em reuniões, fórum discente, por mídias virtuais, enfim. Do mesmo modo, foi através dele que me interessei por entender melhor os entraves e as características de política institucional, me fazendo candidatar à Comissão Discente do curso. Ao querido e eternamente amado amigo Francisco Neto, por todos os momentos de alegria, companheirismo, conselho, acolhimento e singeleza no tratamento para comigo. Foi ele o homem que me incentivou a continuar com a minha pesquisa (inclusive conseguindo que eu participasse do Curso de Capacitação do Tracoma) e a me mostrar algumas belezas do município de Russas, pelo os quais agradeço de maneira inexpressável. Vale ressaltar a sua importância pela humildade como sempre lidou com as mazelas e as dificuldades municipais, sejam políticas ou individuais, lutando sempre pelo bem-estar e a saúde comuns. Com certeza, o terei para sempre no meu coração, pois é um homem que respeito, admiro e espero ter apenas 10% de seu caráter. Aos “quase-irmãos” João Paulo e Jephenson, que para mim foram muito mais do que agentes de controle de endemias e companheiros de trabalho durante meu trabalho de campo, mas verdadeiros amigos, com os quais posso contar eternamente. Com eles pude aprender o verdadeiro diagnóstico do tracoma, sua conduta e ver os viii cenários conflitantes de pobreza no município. Da mesma forma como os grandes nomes que juntamente comigo fizeram esta obra, eles estarão para sempre na minha memória e no meu coração (sendo que esses faço questão de guardar no melhor local do músculo!). Desejo tudo de bom às suas famílias, com a certeza de que serão valorizados, ainda que demore, pelo o trabalho insano que fazem e pelo amor que tem ao povo russano. Ao querido amigo Raimundo Santiago, Delegado do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Ceará – Regional do Vale do Jaguaribe, por ter cedido gentilmente a sede de sua delegacia para me hospedar durante o trabalho de campo, em novembro de 2013, mediante a solicitação carinhosa do amigo Francisco Neto. Embora pareça uma mera contribuição ao longo do processo, é fundamental ressaltar sua importância, já que sem essa moradia seria muito difícil a condução de todo o estudo. Aos amigos Eliete Gameiro, Josiane Müller, Filipe Murta e Tiara Cascais, mestrandos do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical que, além de não negligenciarem ainda mais o tracoma – que escolhi por amor estudar – ao me ouvir falar sobre e interessar por entendê-lo, contribuíram ainda com palavras de motivação, amizade e ânimo, ao longo da trajetória, na confecção deste estudo. À querida amiga Caroline Ignacio, por sua paciência ao me ouvir nas horas de discussão (e não foram poucas), por sempre abordar aspectos sociais, por ter aceitado comigo, mesmo sem querer, a causa do tracoma em 2013 e ter apresentado uma palestra para os funcionários do sistema de saúde do município de Russas e, finalmente, por ter tido a gentileza de me auxiliar na confecção do abstract deste trabalho. A todos os outros que, de alguma forma, me ajudaram, apoiaram e estimularam o meu ego para continuar a escrever uma história memorável de vida. ix “Sei que o meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor.” (Madre Teresa de Calcutá) x INSTITUTO OSWALDO CRUZ EPIDEMIOLOGIA DO TRACOMA NO NORDESTE BRASILEIRO: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE RUSSAS, ESTADO DO CEARÁ. RESUMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM MEDICINA TROPICAL Bruno Barbosa Pacifico O tracoma é uma afecção ocular ocasionada pelos sorotipos A, B, Ba e C de Chlamydia trachomatis e acomete principalmente crianças até os 10 anos. Caracterizado principalmente pela inflamação da conjuntiva, pode levar à cicatrização, à opacificação corneana e até à cegueira, na idade adulta. Este agravo é endêmico em diversas partes do nordeste brasileiro, porém informações robustas acerca deste fato são poucas. Diversos inquéritos tem sido feitos no país, sobretudo no contexto do Sistema Único de Saúde / Estratégia de Saúde da Família. Neste estudo, a epidemiologia do tracoma no município de Russas (CE) foi estudada por meio de um programa de busca ativa em comunidades (localidades), nos anos de 2010, 2012 e 2013. O tracoma foi investigado através de exames oculares realizados por agentes de endemias treinados, utilizando lupas com 2,5x de aumento, em visitas domiciliares. Na população de estudo, detectou-se tracoma em 426 (14,1%) de 3018 habitantes examinados. A doença foi mais frequente em mulheres (254/1534 [16.6%]) do que em homens (172/1484 [11,6%]), p < 0.001. Foi detectada maior frequência do tracoma em crianças menores de 10 anos e 50% dos casos identificados foram em indivíduos menores de 15 anos. A prevalência da doença foi maior em moradores de casas de barro (Odds ratio [OR] = 1.48; 95% Intervalo de Confiança [IC] =1.07 – 2,04; p =0.020) e que possuíam fogão a lenha no interior do domicílio (OR = 1.83; 95% IC = 1.49 – 2.25; p < 0.001). Dos 426 casos identificados, 360 (85%) enquadravam-se em inflamação tracomatosa folicular (TF), sendo 196 em ambos os olhos, 90 casos apenas no olho esquerdo e 74 apenas no olho direito. Dezessete pacientes (3.9%) apresentavam cicatriz conjuntival tracomatosa (TS) apenas no olho esquerdo, sendo uma criança. Não foram detectados casos de triquíase tracomatosa (TT) e opacificação corneana (CO). Não houve o registro da forma clínica apresentada em 54 pacientes. Do total de casos de tracoma, 60% eram do sexo feminino, 20% tinham acima dos 43 anos de idade, 26% viviam em condições de extrema pobreza e 68% possuíam animais domésticos. Embora seja uma realidade municipal, o tracoma não é reconhecido pelos médicos, o que torna a vigilância ativa de extrema importância. É cogitado que a exposição infantil possa ser responsável pelo maior número de casos da doença em mulheres do que em homens. As formas ativas foram as mais prevalentes, sendo as graves observadas em menor proporção. Moradores e funcionários da saúde devem ter o pleno conhecimento da doença, principalmente aqueles do Programa de Saúde da Família. Palavras-chave: tracoma, georreferenciamento, epidemiologia. xi INSTITUTO OSWALDO CRUZ EPIDEMIOLOGY OF TRACHOMA IN NORTHEASTERN BRAZIL: A CASE STUDY IN RUSSAS, STATE OF CEARÁ. ABSTRACT MASTER DISSERTATION IN TROPICAL MEDICINE Bruno Barbosa Pacifico Trachoma is an eye disease, predominately affecting children under 10 years, caused by the serotypes A, B, Ba and C of Chlamydia trachomatis. Mainly characterized by conjunctivitis, it can lead to scarring, corneal opacification and even blindness in adulthood. Although this disease is endemic in various areas of northeastern Brazil and several studies have been undertaken, especially in the context of the Family Health Strategy of the Brazilian Unified Health System, comprehensive information is limited. Through an active search program, the epidemiology of trachoma in 2010, 2012 and 2013 in communities of the municipality of Russas, Ceará, Brazil was studied. Endemic disease agents searched for cases of trachoma by conducting eye examinations during home-visits using a 2.5x loupe. Trachoma was found in 426 (14.1%) of the 3,018 examined residents. The disease was more frequent in women (254/1534, 16.6%) than men (172/1484, 11.6%, p-value < 0.001). Children under 10 years had the highest prevalence of trachoma and 50% of the cases were among children under 15 years. Residents of homes constructed from adobe (OR= 1.48; 95% CI: 7.1-2.04; p-value= 0.020) and those with wood-burning stoves (OR=1.83; 95% CI: 1.49 to 2.25; p-value < 0.001) had higher prevalence of disease. Of the 426 cases identified, 360 (85%) were of Trachomatous Inflammation- Follicular (TF) with 196 cases of TF found in both eyes, 90 cases in only the left and 74 in only the right eye. Sixteen patients (3.9%), of which one was a child, had Trachomatous Scarring (TS) only in the left eye. No cases of Trachomatous Trichiasis (TT) or Corneal Opacity (CO) were detected. There was no registration of clinical forms in 54 patients. Of all trachoma cases, 60% were among women, 20% were over 43 years, 26% lived in extreme poverty and 68% had domesticated animals. Despite being a local reality, trachoma is not recognized by the doctors making surveillance of extreme importance. It is suggested that contact with children could be responsible for the greater number of women with the disease. The active forms of trachoma were more prevalent, with severe cases to a lesser extent. Residents and health professionals should have full knowledge of the disease, especially within the Family Health Program. Keywords: trachoma, georeferencing, epidemiology. . xii ÍNDICE RESUMO X ABSTRACT XI 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................01 1.1 DEFINIÇÃO............................................................................................01 1.2 AGENTE ETIOLÓGICO.........................................................................02 1.2.1 CARACTERÍSTICAS TAXONÔMICAS......................................02 1.2.2 ASPECTOS BIOLÓGICOS.........................................................03 1.2.3 CICLO BIOLÓGICO....................................................................04 1.2.4 RESERVATÓRIO........................................................................07 1.3 TRANSMISSÃO.....................................................................................07 1.4 IMUNOPATOGENIA..............................................................................08 1.4.1 FASE AGUDA (ATIVA)...............................................................09 1.4.2 FASE CRÔNICA (SEQUELAR)..................................................10 1.5 FORMAS CLÍNICAS..............................................................................12 1.6 DIAGNÓSTICO......................................................................................14 1.7 TRATAMENTO......................................................................................17 1.8 EPIDEMIOLOGIA...................................................................................20 1.8.1 ORIGEM......................................................................................20 1.8.2 HISTÓRIA NATURAL.................................................................21 1.8.3 DISTRIBUIÇÃO..........................................................................22 1.8.3.1 MUNDO.....................................................................22 xiii 1.8.3.2 BRASIL.....................................................................24 1.8.4 ESPAÇO E GEOPROCESSAMENTO........................................28 1.8.4.1 GEORREFERENCIAMENTO E TRACOMA.............29 1.8.5 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS........................................30 1.9 MEDIDAS DE CONTROLE....................................................................31 1.9.1 MUNDO.......................................................................................31 1.9.2 BRASIL.......................................................................................34 1.9.3 RUSSAS.....................................................................................35 2 OBJETIVOS........................................................................................................39 2.1 GERAL...................................................................................................39 2.2 ESPECÍFICOS........................................................................................39 3 PACIENTES E MÉTODOS..................................................................................40 3.1 LOCAL DO ESTUDO..............................................................................40 3.2 DESENHO DO ESTUDO........................................................................43 3.2.1 TIPO DE ESTUDO.......................................................................43 3.2.2 ANÁLISE ESPACIAL..................................................................45 3.2.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO........................................................47 3.3 ASPECTOS ÉTICOS..............................................................................48 3.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA........................................................................48 4 RESULTADOS....................................................................................................49 4.1 FREQUÊNCIA DE DETECÇÃO DE CASOS DE TRACOMA................49 4.2 PERFIL CLÍNICO DOS CASOS DE TRACOMA IDENTIFICADOS.......51 xiv 4.3 FATORES ASSOCIADOS AO TRACOMA............................................52 4.4 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E RECURSOS HÍDRICOS........................55 5 DISCUSSÃO......................................................................................................58 6 PERSPECTIVAS................................................................................................66 7 CONCLUSÕES..................................................................................................68 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................69 9 ANEXOS.............................................................................................................78 xv ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1.1 – Estruturas de Chlamydia trachomatis. À esquerda, formas celulares azuladas preservadas, a partir de um esfregaço; à direita, inúmeros corpos reticulares no interior de uma célula epitelial. Fontes: imagem à esquerda – www.infoescola.com (Acesso em: 2014 Out 10) e imagem à direita – www.looffordiagnosis.com (Acesso em: 2014 Out 12). Figura 1.2 – Ciclo biológico de Chlamydia trachomatis. Adaptado de Brunham & ReyLadino (2005). Figura 1.3 – Corpos de inclusão de Chlamydia trachomatis. À esquerda, corpos elementares maduros, compostos de núcleo (n), camada eletrodensa de ácidos nucléicos condensados (i), porção menos condensada (ii), uma célula mais globosa em evidência (iii) e a membrana do hospedeiro (m), no parasitismo. À direita, corpos reticulados, compostos por membrana endossômica (em), “blebs” de membrana celular (mb). Adaptado de Ward (1983). Figura 1.4 – Muscídeos associados à transmissão vetorial do tracoma. À esquerda, um representante do gênero Musca; na porção central, um exemplo do gênero Hippelates e à direita, um modelo do gênero Liohippelates. Fonte: cedarcreek.edu.br (Acesso em: 29 out 2014). Figura 1.5 – Mecanismos imunológicos ao longo do curso da infecção tracomatosa. Notase a participação dos dois tipos de resposta (inata e adaptativa), o que confere o padrão de lesões. Adaptado de Hafner e cols. (2013). Figura 1.6 – Formas clínicas do tracoma. Por se tratarem de lesões evolutivas, as duas últimas imagens são de olhos de uma paciente diferente das imagens anteriores. N: normal; TF: inflamação tracomatosa folicular; TI: inflamação tracomatosa intensa; TS: cicatriz tracomatosa superficial; TT: triquíase tracomatosa e CO: opacificação corneana. Adaptado de Hu e cols. (2013). xvi Figura 1.7 – Demonstração da técnica de eversão palpebral, utilizando procedimentopadrão com lupa binocular de 2,5x de aumento. À esquerda, nota-se a realização em si e à direita, evidencia-se uma criança com a forma TS do tracoma, com a presença de lamelas cicatriciais e fibrilares no espaço conjuntival. Figura 1.8 – História natural na infecção tracomatosa. Nota-se o predomínio das formas ativas nos primeiros anos de vida e as sequelares, na fase senil. TF: inflamação tracomatosa folicular; TI: inflamação tracomatosa intensa; TS: cicatriz tracomatosa superficial; TT: triquíase tracomatosa e CO: opacificação corneana. Adaptado de Cruz e cols. (2008). Figura 1.9 – Distribuição geográfica do tracoma no mundo, no ano de 2012. Em 2009, a Colômbia passou a registrar casos, ganhando um destaque diferencial (círculo). Adaptado de Lavett e cols. (2013.) Figura 1.10 – Distribuição geográfica do tracoma ativo no Brasil. Fonte: Global Map, 2014. Figura 1.11 – Distribuição geográfica de triquíase tracomatosa (TT) no Brasil. Fonte: Global Map, 2014. Figura 3.1 – Mapa esquemático do município de Russas, estado do Ceará, Brasil. Adaptado do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE, 2009. Figura 3.2 – Marcação de coordenadas geográficas com o GPS na localidade Sitio Gondim, revelando a vegetação local. Figura 4.1 – Distribuição etária dos casos de tracoma identificados, nos anos de 2010, 2012 e 2013, no município de Russas (CE), onde 1 representa o sexo masculino e 2 o sexo feminino. Figura 4.2 – Taxa de positividade e número de casos de tracoma, por faixa etária, em indivíduos examinados, nos anos de 2010, 2012 e 2013, no município de Russas (CE). xvii Figura 4.3 – Visualização geográfica dos pontos referentes às localidades visitadas no município de Russas. Notar os pontos escuros, que são exatamente os de região fronteiriça. Figura 4.4 – Mapa de kernel evidenciando a distribuição espacial de casos, por distritos, de tracoma no município de Russas, no ano de 2013; SJD = São João de Deus. Figura 4.5 – Mapa de tipos de abastecimento de água, por distritos, de tracoma no município de Russas, no ano de 2013; 1 = Lagoa Grande, 2 = Bonhu, 3 = Peixe; 4 = Flores, 5 = São João de Deus e 6 = Russas. xviii LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1.1 – Divisão clínico-biológica de Chlamydia trachomatis. Fonte: Adaptado de Choroszy-Król e cols. (2012). Quadro 1.2 – Propriedade básicas das formas celulares de Chlamydia trachomatis. Fonte: Adaptado de Ward (1983). Quadro 1.3 – Primeiros antibióticos de ação tópica utilizados no tratamento do tracoma. Fonte: Manual de Controle do Tracoma (2001). Quadro 1.4 – Outros antibióticos utilizados no tratamento do tracoma. Fonte: Guia de Doenças Infecciosas e Parasitárias (2010). Tabela 4.1 – Medidas de tendência central e de dispersão das idades dos casos de tracoma das formas clínicas encontradas, nos anos de 2010, 2012 e 2013, município de Russas (CE). Tabela 4.2 – Fatores associados ao desenvolvimento do tracoma pesquisados em pacientes submetidos à busca ativa, nos anos de 2010, 2012 e 2013, no município de Russas (CE). xix LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS a.C Antes de Cristo ANA Agência Nacional de Águas ATP Adenosina Tri-fosfato CO Corneal Opacity CRES Coordenadoria Regional de Saúde CVE-SP Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo DNA Ácido Desoxirribonucléico EB Elementar Body ELISA Enzime-linked Imunosorbent Assay ESF Estratégia de Saúde da Família GET Global Elimination of Trachoma GPS Global Positioning System IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFN-ɣ Interferon-gama IgA Imunoglobulina A IL Inter-leucina IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia do Ceará ITI International Trachoma Initiative IDH Índice de Desenvolvimento Humano IVCM In Vivo Confocal Microscopy LGV Linfogranuloma Venéreo MOMP Major Outter Membrane Protein MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde ONG Organização Não-governamental PCR Polymerase Chain Reaction PMCT Programa Municipal de Controle do Tracoma de Russas RB Reticulate Body RIFI Reação de Imuno-fluorescência Indireta RNA Ácido Ribonucléico SAFE Surgery, Antibiotics Therapy, Facial Cleanliness and Environmental Improvements xx SEMUS Secretaria Municipal de Saúde de Russas SESA Secretaria Estadual de Saúde do Ceará SES-RJ Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro SIG Sistema de Informação Geográfica SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação SVS Secretaria de Vigilância em Saúde TF Trachomathous Inflammation Follicular TI Trachomathous Inflammation Intense TRA Trachoma Rapid Assessment TS Trachomatous Scarring TT Trachomatous Trichiasis UBS Unidade Básica de Saúde UIG Ultimate Intervention Goals UTM Universal Transversa de Mercator WHO World Health Organization xxi 1 INTRODUÇÃO 1.1 DEFINIÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tracoma é definido como uma oftalmopatia crônica, do grupo das ceratoconjuntivites. Neste âmbito, nota-se inflamação da córnea e da conjuntiva, ao longo de sua história natural (WHO 2012). Este agravo também é conhecido como conjuntivite granulomatosa e seu agente etiológico é a bactéria Chlamydia trachomatis. Por sua vez, de acordo com o Guia de Vigilância Epidemiológica, do Ministério da Saúde, o tracoma é definido como uma afecção inflamatória ocular, do mesmo grupo das ceratoconjuntives, de caráter crônico recidivante e que, em decorrência de infecções repetidas, produz cicatrizes na conjuntiva palpebral superior, podendo levar à formação de entrópio (dobramento da pálpebra superior em direção a porção interna do olho) e, consequentemente, à triquíase (fenômeno no qual se percebe a interação dos cílios superiores com a esclera) (MS 2009). O tracoma, de acordo com a literatura, é visto como uma conjuntivite infantil auto-limitada, em sua maioria. Entretanto, quando em condições de infecções múltiplas e recorrentes, tem-se o surgimento de lesões oculares ativas que, se não tratadas, evoluem para as formas sequelares da doença (triquíase e cegueira), na idade adulta (Wright et al. 2007). Do ponto de vista epidemiológico, esta enfermidade enquadra-se na lista de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) preconizadas pela OMS, ou seja, um rol de 17 agravos, causados por diferentes patógenos, endêmicos em 149 países, que acometem um total de 1,4 bilhão de indivíduos, com características distintas e presentes nas populações e regiões mais pobres do mundo (WHO 2015). Cabe ressaltar que este grupo de doenças demandam enormes custos por parte das autoridades de saúde mundiais (a níveis de bilhões de dólares a cada ano). Os sintomas mais comuns relatados por pacientes acometidos pela infecção tracomatosa são vermelhidão, prurido, irritação (Ejere et al. 2012), secreção 1 mucopurulenta, sensação de “areia” ocular, fotofobia e lacrimejamento (WHO 2009). Deve-se ressaltar que o surgimento repentino e insidioso pode acarretar em lesões cicatriciais na conjuntiva, com repetidos traumas na córnea. Tal fenômeno pode evoluir para diminuição ou perda da acuidade visual, opacificação corneal, e risco de cegueira permanente (Macharelli et al. 2013). 1.2 AGENTE ETIOLÓGICO 1.2.1 CARACTERÍSTICAS TAXONÔMICAS O gênero Chlamydia data de muitos anos e se enquadra na seguinte classificação taxonômica: Reino Monera, Filo Chlamydiae, Ordem Chlamydiales e Família Chlamydiaceae (Choroszy-Król et al. 2012). Segundo a mesma autora, as principais espécies de importância médica para os seres humanos são C. trachomatis (Busacca 1935), C. pneumoniae (Grayston et al. 1989), C. pecorum (Fukushi & Hirai 1992) e C. psittaci (Lillie 1930; Page 1968), sendo a última pouco frequente (Mabey et al. 2003). A partir da definição de novos táxons para a Família Chlamydiaceae, as espécies representantes do gênero Chlamydia ficaram divididas em biotipos, com inúmeros sorotipos, responsáveis por diferentes quadros em humanos e animais (Choroszy-Król et al. 2012). Os representantes do Filo Chlamydiae possuem características comuns de bactérias e vírus. Contudo, a partir de 1966, todos eles foram considerados bactérias (Markowska 2002; Pawlikowska & Deptula 2006). Tais organismos são patógenos intracelulares obrigatórios, apresentando parede celular do tipo Gram-negativa e tropismo para células epiteliais dos hospedeiros (Bastidas et al. 2013). Possuem tamanho médio entre 200 e 300 µm e compartilham ciclo de desenvolvimento e antígenos comuns, entretanto apresentam fenótipos e patogenicidade diferentes (Choroszy-Król et al. 2012). A etimologia de Chlamydia trachomatis vem dos radicais gregos “chlamydos” e “trachoma” (Choroszy-Król et al. 2012). “Chlamydos” se origina de “chlamys”, um envoltório de inclusões rico em achatamento de bactérias no interior do núcleo de 2 células do hospedeiro, e “trachoma” oriunda da ceratoconjuntivite que pode conduzir a cicatrizes oculares, podendo levar à cegueira, se não tratada adequadamente, também conhecido como “olho àspero” (Szymulska & Zagórski 1995). 1.2.2 ASPECTOS BIOLÓGICOS Do ponto de vista sorológico, C. trachomatis possui dois biótipos, com diversos sorotipos que causam enfermidades em humanos (Choroszy-Król et al. 2012). O biotipo Tracoma (cepa C/PK-2) alberga os sorotipos A, B, Ba e C (ou A-C) – que delimitam quadros de tracoma (WHO 2010; Hu et al. 2013) – e D, Da, E, F, G, H, I, Ia, J e K (ou D-K), que são responsáveis por infecções oculo-genitais, ou seja, as genitourinárias e as conjuntivites de adultos e crianças (Zdrodowska-Stefanow & Ostaszewska 2000). Já foi descrito que esses sorotipos também ocasionam pneumonia em crianças (Choroszy-Król et al. 2012). Por sua vez, o biotipo LGV (Linfogranuloma Venéreo) – cepa L2/434/BU incorpora os sorotipos L1, L2, L2a e L3 (ou L1-L3), sendo esses associados aos quadros de linfogranuloma venéreo (Bastidas et al. 2013). O Quadro 1.1 mostra a divisão clínica das manifestações provocadas pelos diferentes grupos do agente. Quadro 1.1 – Divisão clínico-biológica de Chlamydia trachomatis. Biotipo Cepa Tracoma LGV C/PK-2 L2/434/BU Sorotipos Manifestação A, B, Ba e C (A-C) Tracoma D, Da, E, F, G, H, I, IOG, Conjuntivites A/C e Ia, J e K (D-K) Pneumopatia Infantil L1, L2, L2a e L3 Linfogranuloma Venéreo Fonte: Adaptado de Choroszy-Król e cols. (2012) IOG – infecções óculo-genitais A/C – adulto/criança A morfologia de C. trachomatis mescla aspectos bacteriológicos e virais (Choroszy-Król et al. 2012) – Figura 1.1. Do primeiro grupo pode-se destacar a 3 presença de parede celular similar à de bactérias Gram-negativas, pois no espaço periplasmático existe pouca quantidade de peptideoglicano, presença de dois ácidos nucleicos no interior da célula – DNA e RNA – diferentes enzimas metabólicas ativas, divisão binária e sensibilidade a antimicrobianos, como azitromicina e tetraciclinas (Bhosai et al. 2012). Por outro lado, características virais, como tamanho muito reduzido (0,2-1,3 μm), ausência de elementos metabólicos sofisticados, desenvolvimento exclusivamente intracelular, utilização de ATP residual do hospedeiro para suprimento energético – parasitismo energético – e o não crescimento em meios bacteriológicos sintéticos podem ser observados nas células de Ct (Choroszy-Król et al. 2012). Sua principal proteína é a de superfície de membrana externa (MOMP), que está presente em 60% dos corpos elementares e consiste em diferentes epítopos, o que confere a manutenção dos diversos sorotipos existentes (Mabey et al. 2003). Figura 1.1 – Estruturas de Chlamydia trachomatis. À esquerda, formas celulares azuladas preservadas, a partir de um esfregaço; à direita, inúmeros corpos reticulares no interior de uma célula epitelial. Fontes: imagem à esquerda – www.infoescola.com (Acesso em: 2014 Out 10) e imagem à direita – www.looffordiagnosis.com (Acesso em: 2014 Out 12). 1.2.3 CICLO BIOLÓGICO O ciclo biológico de C. trachomatis é relativamente simples, envolve apenas o estágio intracelular e se comporta em um sistema bifásico, alternando estágios infeccioso e não infeccioso (Wyrick 2010), já que este patógeno é intracelular obrigatório. O mecanismo é evidenciado na Figura 1.2. 4 Os corpos elementares (EB’s), que são metabolicamente inativos e infecciosos, atacam e invadem as células epiteliais do hospedeiro. Após a fagocitose mediada pela presença do agente, nota-se um rearranjo de proteínas bacterianas e do citoesqueleto do hospedeiro, levando à formação do vacúolo parasitóforo, conhecido como inclusão. Figura 1.2 – Ciclo biológico de Chlamydia trachomatis. Adaptado de Brunham & Rey-Ladino (2005). Nesse momento, os EB’s se diferenciam em corpos reticulados (RB’s), que são metabolicamente ativos e não infecciosos. São os responsáveis pela multiplicação bacteriana. Por sua vez, os RB’s se dividem binariamente e as inclusões se expandem, de modo que, por sinalização do próprio patógeno, tem-se o retorno às formas EB’s, dando início a um novo ciclo assincrônico (Bastidas et al. 2013). Dados da literatura demonstram que estruturas como corpos elementares são mais eletrodensos, variando entre 0,2 e 0,3 μm, enquanto os reticulados são menos eletrodensos e medem em torno de 0,8 μm (Wyrick 2010). A Figura 1.3 mostra eletromicrografias desses corpos e estruturas in situ. Deve-se ressaltar que inclusões clamidiais foram descritas, primeiramente, em células epiteliais de paciente com 5 tracoma, em 1907, embora não tenha sido isolada C. trachomatis em meio de cultura até 1957 (Mabey et al. 2003). O Quadro 1.2 compara as referidas estruturas. Figura 1.3 – Corpos de inclusão de Chlamydia trachomatis. À esquerda, corpos elementares maduros, compostos de núcleo (n), camada eletrodensa de ácidos nucléicos condensados (i), porção menos condensada (ii), uma célula mais globosa em evidência (iii) e a membrana do hospedeiro (m), no parasitismo. À direita, corpos reticulados, compostos por membrana endossômica (em), “blebs” de membrana celular (mb). Adaptado de Ward (1983). Quadro 1.2 – Propriedade básicas das formas celulares de Chlamydia trachomatis. Características Corpos Elementares Corpos Reticulados Morfologia Eletrodensos; rígidos Eletrolúcidos; frágeis Infectividade Sim Não Razão RNA:DNA 1:1 (DNA condensado) 3:1 (muitos ribossomos) Metabolismo Relativamente inativa Fortemente ativa Digestão com tripsina Não Sim Fonte: Adaptado de Ward (1983). Sabe-se que esta bactéria causa diversos agravos no hospedeiro humano, como tracoma, linfogranuloma venéreo, conjuntivites do adulto e da criança, pneumonia infantil (Choroszy-Król et al. 2012). Outras afecções como uretrite, salpingite, cervicite e epididimite também são relatadas (Da Ros & Schmitt 2008). 6 1.2.4 RESERVATÓRIO Até o presente momento, segundo a literatura e as informações de saúde, o único reservatório da doença é o Homem, sobretudo crianças até 10 anos de idade. Deve-se ressaltar que apenas aqueles que apresentem infecção ativa, ou seja, a presença da bactéria se multiplicando no tecido epitelial ocular, são fontes de infecção. Nos locais onde a transmissão ocorre com a maior frequência, como comunidades e escolas, nota-se esse fenômeno, pois visualizam-se biofilmes em suas mucosas (WHO 2013). Verificou-se ainda a presença de C. trachomatis nos tratos respiratório e digestório de crianças nessa faixa etária (CVE-SP 2012). O período de transmissibilidade é proporcional ao tempo em que se tem lesões ativas, ou seja, pode perdurar por toda a vida, devido às recidivas comuns. Por sua vez, o período de incubação está entre 5 e 12 dias (WHO 2010). Por serem as crianças os reservatórios em potencial, com alta susceptibilidade (SVS 2009), a transmissão é de fácil ocorrência nos meios intra e inter-domiciliares, não ocorrendo imunidade persistente à infecção (SVS 2009). 1.3 TRANSMISSÃO A transmissão do tracoma deve-se, principalmente, às precárias condições de higiene, à falta de aporte hídrico e à presença de moscas no intra e no peridomicílios, bem como a proximidade entre indivíduos (WHO 2013). A forma primária é o contato direto pessoa-pessoa (WHO 2010), onde um indivíduo infectado, ao entrar em contato com secreções oculares ou nasais contaminadas com a bactéria, pode transmiti-la a um hospedeiro susceptível (Maher et al. 2011). Essa forma é bem evidente no ciclo mãe-filho-mãe. Em um plano secundário, fômites como toalhas, fronhas e lenços, que devem ser de uso individual, podem funcionar como carreadoras do agente, ao serem utilizados. 7 Por fim, menos frequente na área urbana, mas de relevante importância em ambientes rurais, tem-se a transmissão por moscas domésticas (Musca sp.) e “lambeolhos” (Hippelates sp. e Liohippelates sp.) que, ao lamberem regiões contaminadas por Ct, podem veicular a bactéria a outros indivíduos, funcionando como hospedeiros paratênicos (WHO 2010), como indica a Figura 1.4. Esse tipo de transmissão ainda é contestado pela maioria dos grupos de estudo do agravo, entretanto já especulou-se o papel potencial dessa forma de transmissão, ainda que não comprovado, na América Latina (Reilly et al. 2007). Figura 1.4 – Muscídeos associados à transmissão vetorial do tracoma. À esquerda, um representante do gênero Musca; na porção central, um exemplo do gênero Hippelates, e à direita um modelo do gênero Liohippelates. Fonte: cedarcreek.edu.br (Acesso em: 29 out 2014). 1.4 IMUNOPATOGENIA Pouco se sabe sobre os reais mecanismos imunopatológicos no tracoma (Hu et al. 2011). A infecção por C. trachomatis possui caráter complexo e estimula diferentes padrões de resposta imune, com espectros amplo e específico, permeando os cenários das suas duas formas (Choroszy-Król et al. 2012). Sabe-se que o processo patogênico conjuntival se detém majoritariamente ao epitélio local, com rara frequência de lesões profundas e difusas (Burton & Mabey 2009). A Figura 1.5 traça um paralelo dos principais mecanismos imunes envolvidos no tracoma. 8 Figura 1.5 – Mecanismos imunológicos ao longo do curso da infecção tracomatosa. Nota-se a participação dos dois tipos de resposta (inata e adaptativa), o que confere o padrão de lesões. Adaptado de Hafner e cols. (2013). 1.4.1 FASE AGUDA (ATIVA) Durante a fase inicial de infecção – tracoma ativo – nota-se o predomínio da resposta imune não-específica ou inata (Choroszy-Król et al. 2012) e a formação de infiltrado celular, com a liberação de citocinas pró-inflamatórias no espaço conjuntival (Burton & Mabey 2009). Estudos histopatológicos de biópsias conjuntivais demonstram que crianças apresentam hiperplasia epitelial moderada, com grande quantidade de macrófagos, células T e leucócitos polimorfonucleados, configurando um padrão inflamatório misto, ou seja, composto por representantes celulares dos dois tipos de resposta imune (Hu et al. 2013). Células dendríticas podem ser vistas em regiões mais profundas da conjuntiva e plasmócitos ficam, ao mesmo tempo, dispostos abaixo do epitélio e ao redor das glândulas lacrimais acessórias (Hu et al. 2013). A fase ativa do tracoma possui marcadores clínico-patológicos que são fundamentais para a identificação de um paciente suspeito. Tais marcadores consistem em lesões conhecidas como folículos, encontrados no estroma e que 9 apresentam característica linfóide, compostos por macrófagos, células B e T (Hu et al. 2013). Ao redor de cada folículo pode-se observar um “manto” linfocítico, composto de diferentes populações de leucócitos (células T, neutrófilos, macrófagos, mastócitos e eosinófilos), com o objetivo de debelar a infecção recorrente (Hu et al. 2013). Nas primeiras 24-48 horas de processo infeccioso relata-se infiltrado inflamatório de macrófagos e leucócitos polimorfonucleados, que sintetizam um fluido exsudativo formado por diferentes substâncias antimicrobianas, com o papel de auxiliar na eliminação do agente (Choroszy-Król et al. 2012). Modificações celulares, como a formação de fagolisossomos, ocorrem, com a produção de peróxido de hidrogênio, além da formação de ácido clórico (a partir de enzimas de conversão de cloreto), todos esses tóxicos à bactéria (Choroszy-Krol et al. 2012). De 20-24 horas pós-infecção, pode-se notar a síntese e liberação de citocinas por células epiteliais infectadas, como IL-1α, IL-6, IL-8 e IL-10, que recrutam outras células para o local da injúria, tais como neutrófilos, células T e macrófagos. Essa descarga de citocinas potencializa a adesão da bactéria ao epitélio, estimulando a secreção de outras citocinas pró-inflamatórias por macrófagos, e favorece a produção de proteínas de fase aguda (Choroszy-Król et al. 2012). No decorrer da infecção, macrófagos e células T continuam sendo ativados por mediadores inflamatórios, até a próxima fase do tracoma. Neste caso, células B já apresentam discreta relevância (Choroszy-Król et al. 2012). Entretanto, cabe ressaltar que o complexo processo infeccioso nesta etapa é temporário, notando-se a participação da imunoglobulina IgA secretória no controle da multiplicação do patógeno, porém sem a capacidade de eliminá-lo (Choroszy-Król et al. 2012). 1.4.2 FASE CRÔNICA (SEQUELAR) Por sua vez, durante a fase crônica (sequelar) de infecção, que ocorre na idade adulta do paciente, observam-se determinadas modificações nos padrões e tipos celulares no persistente infiltrado inflamatório. Nessa etapa, nota-se a manutenção do microorganismo nas células do hospedeiro (Choroszy-Król et al. 2012). Observa-se a presença maciça de linfócitos T CD4+ e CD8+, embora sejam encontradas células B (Hu et al. 2013). Folículos, ainda que ausentes clinicamente, podem ser detectados 10 por histopatologia, sendo estes formados por monócitos, macrófagos e plasmócitos. Todavia, tem-se a ausência da camada central e germinal de células B localizadas, achado típico em crianças (Hu et al. 2013). A gravidade dos casos de tracoma está diretamente relacionada a outras comorbidades, como episódios de reinfecção e agravos do mesmo grupo das conjuntivites, como infecções ocasionadas por Haemophilus sp. e Streptococcus sp. (SVS 2001). Estudos demonstram que abaixo do epitélio, em fases tardias de infecção, temse um remodelamento estromal, fruto da ação de macrófagos, com a presença de tecido cicatrial de caráter avascular, espesso, compacto e anormal (Hu et al. 2013). Biópsias conjuntivais de lesões cicatriciais revelam infiltrado inflamatório, sobretudo na lâmina própria do epitélio, rico em linfócitos (Burton et al. 2006; Burton et al. 2011; Hu et al. 2011). Tal estrutura é vista como uma membrana fibrosa sub-epitelial e aderente à conjuntiva tarsal, onde geralmente não são encontradas bactérias sendo, portanto, consequencia da resposta imune do hospedeiro (Hu et al. 2013). Relata-se que o grau de cicatrização e sua respectiva evolução se devem, principalmente, a uma complexa interação entre a pressão da infecção (carga microbiana e frequência de episódios da doença) e fatores imunopatológicos do hospedeiro (Burton & Mabey 2009). Acredita-se que, apesar de inúmeras vertentes inflamatórias atuando no combate à C. trachomatis, possam ocorrer falhas na resposta imune ou que ela seja ineficiente, de modo que o dano tecidual – mediado por proteases bacterianas – e os reparos cicatriciais sejam realizados pelo organismo (Burton & Mabey 2009). Descreve-se que folículos da região do limbo ocular podem necrosar, ocasionando em depressões minúsculas, que são patognomônicas da doença, denominadas “Fossetas de Herbert” (SVS 2014). Estudos com antígenos clamidiais revelam, em modelos de infecção, que há modulação de uma forte resposta do tipo Th1, com a consequente produção de interferon gama (IFN-γ). Esse fenômeno é capaz de proteger os indivíduos contra a forma cicatricial de tracoma, bem como debelar a infecção bacteriana (Hu et al. 2011). Por sua vez, Wynn (2004) constata a participação da resposta do tipo Th2 na histogênese cicatricial, como já relatado em outros agravos (ex: esquistossomose 11 mansônica). Tem-se registro, ainda, de estudos que mostram não polarização de padrões imunes Th1/Th2 na cicatriz tracomatosa, como foi visto em ensaios com micro-arranjos de swabs conjuntivais (Hu et al. 2011). Deve-se ressaltar que, mesmo após muitos anos focos crônicos da doença, já foi demonstrado em estudos longitudinais que esses podem retornar como episódios infecciosos (Hu et al. 2013). A partir dessas alterações patogênicas na progressão do tracoma, tem-se os resultados da resposta do hospedeiro frente ao patógeno, fruto de reações inflamatórias recorrentes, como o entrópio (dobramento da pálpebra superior em direção à superfície ocular). Essa manifestação é gradativa, podendo levar à triquíase tracomatosa, ulcerações de córnea, astigmatismo irregular, ptose palpebral, xerose (SVS 2010) e até ao dano corneal, de caráter irreversível (Burton & Mabey 2009; Lucena et al. 2012). 1.5 FORMAS CLÍNICAS No decorrer da história natural do tracoma, o organismo reage de diferentes formas à presença do agente. Segundo o Ministério da Saúde, por meio do Guia de Doenças Infecciosas e Parasitárias (2010), as formas clínicas do tracoma baseiam-se na suspeita do paciente. Considera-se caso suspeito todo aquele indivíduo que apresente história de conjuntivite prolongada ou que refira sintomatologia ocular de longa duração (ardor, prurido, sensação de corpo estranho, fotofobia, lacrimejamento e secreção), especialmente na faixa etária até 10 anos, que constitui o principal grupo de risco da doença. É fundamental durante o diagnóstico avaliar os comunicantes, pois esses também são considerados suspeitos (SVS 2014). Por sua vez, os indivíduos que apresentarem inúmeros sinais diferenciados podem ser considerados casos confirmados de tracoma (Mabey et al. 2003; Wright et al. 2007; SVS 2010). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as principais formas clínicas, representadas na Figura 1.6, com seus achados patognomônicos, e que determinam a classificação são: 12 Inflamação Tracomatosa Folicular (TF): presença, na conjuntiva tarsal superior, de no mínimo 5 (cinco) folículos, com dimensões em torno de 0,5 mm, cada; Inflamação Tracomatosa Intensa (TI): presença de espessamento da conjuntiva tarsal superior, com mais de 50% dos vasos sanguíneos não visualizados; Cicatrização Conjuntival Tracomatosa (TS): presença de cicatrizes na conjuntiva tarsal superior, visíveis facilmente, de bordas retas, angulares ou estreladas; Triquíase Tracomatosa (TT): presença de, pelo menos, um dos cílios em atrito com o globo ocular ou evidência de recente remoção de cílios, associada à visualização de cicatrizes na conjuntiva tarsal superior sugestivas da doença; Opacificação Corneana (CO): opacificação da córnea visível sobre a pupila, obscurecendo, pelo menos, uma parte da margem pupilar. Figura 1.6 – Formas clínicas do tracoma. Por se tratarem de lesões evolutivas, as duas últimas imagens são de olhos de uma paciente diferente das imagens anteriores. N: normal; TF: inflamação tracomatosa folicular; TI: inflamação tracomatosa intensa; TS: cicatriz tracomatosa superficial; TT: triquíase tracomatosa e CO: opacificação corneana. Adaptado de Hu e cols. (2013). Deve-se considerar que as duas primeiras formas, TF e TI, pertencem à fase ativa da doença, onde observa-se formação de folículos e evolução para quadros inflamatórios (Wright et al. 2007). Esses, geralmente na idade adulta, progridem e formam cicatrizes, conhecidas por serem de fácil visualização, formando “bandas” 13 conhecidas por “Linhas de Arlt”, que são inicialmente esparsas no tecido ocular (TS). Entretanto, na doença progressiva, observam-se porções mais espessas com padrões reticulares (Wright et al. 2007). À medida que as recidivas tracomatosas ocorrem nos pacientes, alterações conjuntivais acompanham-nas, configurando a fase cicatricial ou sequelar do tracoma (Mabey et al. 2003). Neste momento, nota-se dobramento da pálpebra superior em direção à superfície do globo ocular, fenômeno conhecido por entrópio (Burton & Mabey 2009). Essa manifestação leva ao quadro de triquíase (TT), que é doloroso e, se não tratado, leva rapidamente à opacificação do tecido corneano (CO). Uma vez lesionado, a perda de visão é de caráter irreversível (Wright et al. 2007). 1.6 DIAGNÓSTICO Com base nos critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), o diagnóstico do tracoma baseia-se, principalmente, nas informações clínicoepidemiológicas dos pacientes (Mabey et al. 2003; SVS 2010). Essas se referem às condições de vida, aos contactantes intra-domiciliados, ao modo de obtenção de fontes hídricas, ao tipo e à apresentação de lesões oculares, além de proveniência ou não de área endêmica. Figura 1.7 – Demonstração da técnica de eversão palpebral, utilizando procedimento-padrão com lupa binocular de 2,5x de aumento. À esquerda, nota-se a realização em si e à direita, evidencia-se uma criança com a forma TS do tracoma, com a presença de lamelas cicatriciais e fibrilares no espaço conjuntival. 14 De modo geral, a principal técnica empregada no exame ocular, preconizada pela OMS, é a visualização de lesões por meio de lupas binoculares com aumento de 2,5x (SVS 2010). Esse procedimento consiste em um exame minucioso da conjuntiva tarsal superior, conforme é representado na Figura 1.7. Para tal, deve-se fazer sua eversão, examinando, ainda, os cílios e a córnea do paciente, com a finalidade de buscar eventuais achados (Mabey et al. 2003). Deve-se ressaltar, com extrema importância, que a presença de folículos, cicatrizes conjuntivais e opacificação corneana, vistos sozinhos, não configuram o diagnóstico de tracoma. Entretanto, se um paciente apresentar um ou mais desses sinais, sendo proveniente de área endêmica, deve-se suspeitar do agravo (Mabey et al. 2003). A partir do diagnóstico, investiga-se a origem do paciente, ou seja, se esse for de uma possível ou constatada área endêmica, deve-se considerar tal relato (SVS 2010). Uma vez detectadas injúrias clássicas da doença, fecha-se o diagnóstico, revelando a forma clínica que o indivíduo apresenta. Na maioria dos casos, suspeitase das formas TF e TI, que são as ativas (Wright et al. 2007). Acredita-se que quase todos os casos de triquíase são frutos do tracoma (Mabey et al. 2003), todavia nem todas as opacificações corneanas, bem como nem todas as triquíases são consequências de entrópios (Rajak et al. 2011). Pode-se empregar ainda o diagnóstico laboratorial, com a finalidade de isolar o agente etiológico nos supostos casos. Nesse aspecto, o objetivo de confirmação de casos não é a nível individual sendo, portanto, utilizado quando se deseja realizar inquéritos epidemiológicos curtos (SVS 2010). A técnica padrão é o cultivo celular, que não é aplicado na rotina. Para avaliações de pesquisa, podem ser utilizadas técnicas como raspagem conjuntival, e posterior confecção de lâminas coradas para a visualização de inclusões citoplasmáticas de Chlamydia trachomatis, conforme já realizado por Medina e cols. (1996), reações imunoenzimáticas (principalmente Enzyme-linked Immunosorbent Assay - ELISA) e de amplificação de ácidos nucléicos, como a reação em cadeira da polimerase (PCR) (Mabey et al. 2003). Atualmente, a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) com anticorpos monoclonais, que apresenta baixa sensibilidade e alta especificada, vem sendo empregada nos laboratórios da rede pública (SVS 2010). 15 Dados da literatura apontam que uma nova ferramenta diagnóstica surgiu no cenário de suporte à identificação do tracoma, entretanto a nível laboratorial e em locais que apresentem condições financeiras para admiti-la. Trata-se da microscopia confocal in vivo – IVCM – técnica onde aplicam-se princípios básicos em si para uma melhor visualização de estruturas oculares (Bhosai et al. 2012). Hu e cols. (2011) aplicaram tal técnica em pacientes com triquíase tracomatosa e inflamação ocular na Tanzânia, um dos países endêmicos de tracoma (Jenson et al. 2013), e obtiveram positividade de 36,2%. Esse foi o primeiro estudo descrito na literatura utilizando a presente técnica (Bhosai et al. 2012). Detectou-se, no mesmo grupo, a presença de infiltrado inflamatório, edema e células dendríticas, com considerável concordância entre os observadores (Hu et al. 2011; Bhosai et al. 2012). Como o tracoma é um tipo de conjuntivite e outros patógenos podem ocasionar quadros clínicos similares a esse, deve-se realizar o diagnóstico diferencial com outras conjuntivites foliculares agudas e/ou crônicas sempre que possível, com o objetivo de evitar os falsos positivos/negativos e conduzir a terapêutica adequada aos pacientes (SVS 2010). Neste caso, a OMS preconiza a diferenciação, principalmente, para os seguintes agravos: adenovirose, herpes simples, conjuntivite de inclusão do adulto e molusco contagioso (SVS 2010). Bhosai e cols. (2012) revelam que, considerando os sinais clínicos de tracoma fracamente associados à evidência de infecção, devem-se estabelecer padrões diagnósticos sensíveis e específicos, adequadamente. Acredita-se que tal afirmação seja, em parte, por causa da fase latente da doença (sem sinais clínicos) ou à fase de recuperação do paciente (com sinais clínicos persistentes). Um dos grandes desafios no diagnóstico de tracoma é a sub-notificação, ou seja, o não repasse de casos identificados às autoridades de saúde locais, já que o tracoma não é uma doença de notificação compulsória a nível nacional (SVS 2010). Neste contexto, muitos indivíduos são tratados sem o conhecimento prévio dos responsáveis por regiões endêmicas (Schellini et al. 2010). Apesar disso, o agravo encontra-se sob vigilância epidemiológica e o MS preconiza a realização de registros sistemáticos de casos detectados e tratados, o que permite avaliar a situação epidemiológica, a evolução e impacto das ações de controle (SVS 2010). 16 No âmbito do fluxo de informações até o MS, o mesmo preconiza o registro de todos os casos positivos confirmados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Além de registrá-los, deve-se preencher suas fichas de acompanhamento, a nível local, para o controle do tratamento e de cura (SVS 2009). 1.7 TRATAMENTO O tratamento do tracoma tem como objetivo eliminar as fontes de infecção e promover o seu controle, interrompendo a cadeia de transmissão (SVS 2001). Diversos medicamentos foram e vem sendo utilizados neste contexto, sobretudo os antibióticos, de diferentes classes, como os macrolídeos e as sulfas (MS 2010). A prescrição terapêutica pode ser realizada somente por enfermeiros, odontólogos e, obviamente, por médicos. Em anos anteriores, quando o tracoma começou a ser melhor investigado e submetido a intervenções, por meio de estratégias de cura e controle, alternativas de tratamento baseavam-se, principalmente, em medicamentos de ação tópica (SVS 2001), como mostrado no Quadro 1.3. Quadro 1.3 – Primeiros antibióticos de ação tópica utilizados no tratamento do tracoma. Composto Apresentação Posologia Período Tetraciclina 1% Pomada 2x/dia 6 semanas Sulfa Colírio 4x/dia 6 semanas Fonte: Manual de Controle do Tracoma (2001). Além desses medicamentos, de ação local, outras fórmulas orais de ação sistêmica, como os macrolídeos, eram utilizadas. Esses eram indicados para pacientes nas formas TF ou TI que não respondiam bem ao tratamento tópico, sempre sob orientação e acompanhamento médicos (SVS 2014). Cabe ressaltar que a azitromicina, que hoje é utilizada como o tratamento de escolha para o tracoma no mundo, era uma estratégia aplicada desde 1999, em pequenos inquéritos, locais com alta concentração de casos e áreas indígenas. 17 Após estudos e observações clínicas, verificou-se, de forma até esperada, que a conduta terapêutica não era a mais indicada. Além dos fármacos serem pouco nocivos ao organismo dos pacientes (na maioria das vezes, crianças) e as apresentações não serem as mais confortáveis para a administração, o tempo de tratamento não era o mais indicado, o que levava à uma baixa adesão ao mesmo (SVS 2014). Devido à falha no sistema de fornecimento de pomadas de tetraciclina a 1% por parte da indústria, começou-se a empregar a azitromicina como um medicamento alternativo nas comunidades, para as mesmas indicações clínicas de outrora – TF e TI (BRASIL 2005). No ano de 2005, então, por meio da Portaria nº 67, de 22 de dezembro, da Secretária de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, um grande avanço no tratamento foi obtido, e consequentemente na redução da frequência do tracoma no Brasil: a inclusão da azitromicina como droga sistêmica. Embora essa forma de tratamento tenha entrado no país há menos de 10 anos, a própria OMS já preconizava sua utilização desde o início da década de 90 (BRASIL 2005). A azitromicina é um antibiótico que pertence à classe dos macrolídeos, especificamente ao grupo dos azalidos, criado para albergá-lo, já que foi o primeiro representante (Barkheit et al. 2014). Sintetizada no início dos anos 90 (Ballow & Amsden 1992), é um composto derivado da eritromicina, que inibe a síntese proteica bacteriana e a formação de biofilmes (Parnham et al. 2014). Do ponto de vista bioquímico, sua estrutura apresenta um átomo de nitrogênio ligado ao anel de lactona, típico de sua classe. Sua ação bactericida é explicada pela ligação à subunidade 50S ribossomal de Ct, impedindo a tradução do RNA mensageiro (Barkheit et al. 2014). No cenário clínico, a azitromicina é utilizada para diversos tipos de infecções, como as respiratórias, urogenitais, dérmicas e crônicas, causadas por diferentes patógenos, como os cocos, as espiroquetas e as clamídias, dentre elas a Chlamydia trachomatis (Parnham et al. 2014). De modo geral, este fármaco é bem tolerado e eliminado do organismo dos pacientes, apresentando poucos ou nenhum efeito colateral (OMS 2012). Entretanto, ainda não totalmente consolidado, tem-se relato de risco cardíaco associado – prolongamento do intervalo QT – a sua utilização, seja por 18 uso indiscriminado ou por já ter uma comorbidade (Maisch et al. 2014). Adicionalmente, um estudo realizado na Etiópia revelou que pacientes tracomatosos de comunidades, de diferentes faixas etárias, toleravam com sucesso o tratamento em massa com a azitromicina, embora tivessem ocorridos efeitos adversos, como dor abdominal, diarreia, dispepsia, constipação, etc. (Ayele et al. 2011). Desde sua introdução como marco histórico no tratamento do tracoma, a azitromicina vem sendo utilizada, com relativo sucesso, nos países onde ocorre a infecção (WHO 2012). A combinação preconizada atualmente é na forma dihidratada, dose única, na concentração de 20 mg/kg em crianças até 12 anos, ou 1 g, em adultos. Mesmo sendo o medicamento mais utilizado nos inquéritos epidemiológicos e de intervenção para a doença, outros antibióticos também podem ser empregados, assim como foi feito há mais de 20 anos atrás, conforme indica o Quadro 1.4. Quadro 1.4 – Outros antibióticos utilizados no tratamento do tracoma. Composto Apresentação Dosagem Posologia Período Eritromicina Comprimido 250 mg 4x/dia 3 semanas Doxiciclina Comprimido 50 mg 2x/dia 3 semanas Sulfa Comprimido 250 mg 4x/dia 3 semanas Fonte: Guia de Doenças Infecciosas e Parasitárias (2010). Todos os casos de tracoma ativo (TF/TI) devem ser reavaliados aos 6 meses e aos 12 meses após o tratamento, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. A alta clínica é fornecida àqueles que, ao exame ocular externo, não apresentarem características clínicas dessas formas da doença. Por sua vez, considera-se alta por cura aqueles que, após obrigatoriamente 12 meses do tratamento, não apresentarem além das mesmas, nenhum sinal cicatricial (SVS 2001). Os casos de entrópio palpebral e TT são avaliados e encaminhados à cirurgia reparadora; os que apresentarem CO serão da mesma forma direcionados a um setor especializado, para a medição da acuidade visual (MS 2010), sendo a Escala Optomética de Snellen a mais frequentemente utilizada nos ambulatórios oftalmológicos. 19 Considerando o tratamento em massa, conforme idealizado pelas autoridades de saúde via estratégia de controle SAFE (Cirurgia, Antibioticoterapia, Limpeza Facial e Melhorias Ambientais), a OMS recomenda a utilização do tratamento sistêmico, em massa, quando as taxas de prevalência do tracoma ativo (TF e/ou TI), em crianças de 1 a 9 anos de idade, for igual ou maior que 10%, em uma localidade, distrito ou comunidade (MS 2010). Apesar do tratamento bem empregado, com sucesso sobretudo nos países africanos (WHO 2013), é fundamental a aplicação da educação em saúde, com o objetivo de conscientização dos indivíduos acerca do agravo, mesmo com entraves político-sustentáveis. Manter uma boa higiene, fazer o destino correto ao lixo e ter atenção aos objetos de uso pessoal auxiliam na diminuição da frequência da doença (SVS 2001). 1.8 EPIDEMIOLOGIA 1.8.1 ORIGEM O tracoma é reconhecido, milenarmente, como uma importante causa mundial de cegueira, sobretudo no continente Europeu, com registros de casos em períodos antes de Cristo (a.C) na Suméria, China, Egito, Grécia e Roma (SVS 2001). A doença tinha ampla distribuição durante a Idade Média, entretanto com as guerras e as grandes migrações, o tracoma foi levado para o restante da Europa, onde se disseminou (SVS 2001). Já na segunda metade do século XIX e início do século XX, o tracoma já era uma realidade em todo o planeta. Embora regiões como Japão, Europa e América do Norte tenham eliminado a doença, o tracoma ainda é considerado um problema de saúde pública, devido a sua morbidade, já que é a principal causa de cegueira totalmente evitável no mundo (SVS 2001; WHO 2012). No Brasil, acredita-se que o tracoma tenha entrado com a colonização européia, pois os povos nativos não possuíam o agravo (SVS 2001). Relata-se que no século XVIII, na região Nordeste, ciganos que haviam sido deportados de Portugal começaram a estabelecer moradias, principalmente no Ceará e Maranhão, 20 consistindo nos primeiros focos da doença no país, sendo o mais famoso o “Foco do Cariri”, no sul do Ceará (SVS 2001). Ao longo dos anos, outros focos foram estabelecidos no Brasil, com destaque para São Paulo e Rio Grande do Sul (SVS 2001). Até o século XX, o tracoma era considerado um importante problema de saúde pública, todavia com um inquérito nacional realizado entre os anos de 1974 e 1976, observou-se que a doença possuía baixa frequência em algumas regiões, o que levou a crer que o agravo estava erradicado e a atenção deveria ser destinada apenas aos “bolsões endêmicos” (Lopes et al. 2013). Entretanto, diversos estudos posteriores foram realizados, encontrando prevalências entre 1,5 a 47,7%, inclusive em populações indígenas, o que fez com que as autoridades de saúde retomassem a vigilância (Lopes et al. 2013). Infere-se que registros de tracoma já foram encontrados em exemplares humanos paleológicos, em diferentes períodos históricos e culturas (Macharelli et al. 2013). Inicialmente, nos séculos XIX e XX, a doença teve uma dispersão surpreendente pelo mundo. Entretanto, com as melhorias nas condições sócioambientais de países desenvolvidos, o número de casos regridiu com louvor e desapareceu da América do Norte, Europa e Japão (Bhosai et al. 2012; Macharelli et al. 2013). Embora tenha havido eliminação de tracoma em determinados locais, ainda é considerado um problema de saúde pública, inclusive na Oceania, sendo a principal causa infecciosa de cegueira (Wright et al. 2007), ainda que evitável (Mabey et al. 2003; SVS 2009; Macharelli et al. 2013). 1.8.2 HISTÓRIA NATURAL Ao longo da infecção tracomatosa, geralmente por inúmeros contatos com a bactéria, notam-se as formas clínicas, sendo as ativas frequentes nos primeiros anos de vida e as tardias, nas idades madura e senil (Wright et al. 2007). Estudos realizados demonstram um comportamento linear no tracoma (Lopes et al. 2012). A Figura 1.8 mostra o gráfico natural da doença. 21 Figura 1.8 – História natural na infecção tracomatosa. Nota-se o predomínio das formas ativas nos primeiros anos de vida e as sequelares, na fase senil. TF: inflamação tracomatosa folicular; TI: inflamação tracomatosa intensa; TS: cicatriz tracomatosa superficial; TT: triquíase tracomatosa e CO: opacificação corneana. Adaptado de Cruz e cols. (2008). 1.8.3 DISTRIBUIÇÃO 1.8.3.1 MUNDO O real número de casos de tracoma no mundo é um fator incerto na literatura. Estimativas confiáveis, como da OMS revelam que o tracoma afeta em torno de 21,4 milhões de indivíduos (WHO 2013). Desses, 2,2 milhões possuem dano visual, 1,2 milhão apresentam algum grau de dano visual, 7,3 milhões de pacientes estão encaminhados para cirurgias reparadoras de TT e 1,8 milhão tem risco de cegueira, em 51 países endêmicos (Noatina et al. 2014). Um total de 232 milhões de pessoas vivem no risco de aquisição da doença (WHO 2015). Segundo a própria OMS, o tracoma é considerado a principal endemia em diversos países e é responsável, atualmente, por 3% da cegueira mundial, apesar da considerável diminuição por advento das condições sócio-ambientais e as intervenções de controle (WHO 2013). Sabe-se que o tracoma é hiperendêmico em muitos países da África, Ásia, Américas do Sul e Central, bem como Austrália e Oriente Médio, sobretudo nas áreas mais pobres e remotas (WHO 2013). No 22 continente Africano, o mais atingido pelo tracoma, estima-se que 18 milhões de indivíduos tenham tracoma ativo (85% do valor mundial) e 3,2 milhões de casos de TT (44% do valor mundial). A Figura 1.9 mostra a distribuição do tracoma no mundo. Do ponto de vista global, o tracoma ocasiona em um grande déficit de produção. Acredita-se que cerca de 2,9 bilhões de dólares sejam defasados da produtividade dos pacientes, afetando, sobretudo, aqueles que chegam às formas graves, como a CO. Infere-se que as mulheres, que são as principais zeladoras dos domicílios, tenham risco duas vezes maior de TT do que os homens (ITI 2012). Figura 1.9 – Distribuição geográfica do tracoma no mundo, no ano de 2012. Em 2009, a Colômbia passou a registrar casos, ganhando um destaque diferencial (círculo). Adaptado de Lavett e cols. (2013). Diversos trabalhos no mundo apontam frequências diferenciadas de tracoma (Burton & Mabey 2009). Estima-se que 48,5% da população com tracoma ativo concentra-se em cinco países: Etiópia, Índia, Nigéria, Sudão e Guinéa. Por sua vez, 50% dos casos de triquíase tracomatosa (TT) estão localizados em três países – China, Etiópia e Sudão (Mariotti et al. 2009). Conforme mencionado, o continente Africano é o mais prevalente, com relatos da doença em 29 dos 47 países da Região Africa (WHO), onde 279 milhões de indivíduos vivem em áreas de risco. A doença ainda esta presente em mais quatro regiões: Leste-Mediterrâneo (12 países e 144 23 milhões de pessoas em áreas endêmicas), Pacífico-Oeste (11 países e 400 milhões de pessoas em áreas endêmicas), Sudeste Asiático (3 países e 362 milhões de pessoas em áreas endêmicas) e as Américas (3 países e 58 milhões de pessoas em áreas endêmicas) (Mariotti et al. 2009). Apesar de existirem dados consolidados, obtidos através de estudos mundiais de prevalência de tracoma, ressalta-se que em locais com elevada frequencia, não há relatos percentuais de casos há décadas. De 11 países que sabidamente são endêmicos para o tracoma (Benin, Botsuana, Costa do Marfim, Guatemala, Iraque, Líbia, Namíbia, Papua Nova Guiné, Somália, Togo e Zimbábue) não existem estudos de prevalência nos últimos 20 anos. No caso da Argélia, República da África Central, Djibuti e Laos, as informações sobre os casos são retidas até o ano 2000 (Mariotti et al. 2009). Um dos continentes onde o tracoma passou a fazer parte da lista de doenças endêmicas foi a Oceania (Wright et al. 2007). O Inquérito Nacional de Pesquisa Ocular Indígena, da Austrália, encontrou prevalência de 3,8% da doença em todas as crianças aborígenes e de Torres Strait Islander, com idade entre 5 e 15 anos. Houve variação neste valor, ou seja, identificou-se prevalência de 0,6% nas principais cidades até 7,3% nas áreas mais remotas (Maher et al. 2011). Verificou-se, ainda, que 15,7% dos adultos dessas localidades apresentavam cicatrização superficial tracomatosa (TS), 1,4% triquíase tracomatosa (TT) e 0,3% opacificação corneana (CO) (Taylor et al. 2010). Outra pesquisa australiana, no estado de Nova Gales do Sul, apontou 8,1% de adultos com cicatrização tracomatosa e 2% de crianças com formas ativas de tracoma (Maher et al. 2011). 1.8.3.2 BRASIL A literatura revela, por meio de inquéritos e pesquisas de prevalências, que existem casos de tracoma em diversos estados brasileiros (Schneider et al. 2011), porém esses não são tabulados de forma bruta, já que todo resultado é fruto de inquéritos espacialmente isolados. Os casos de tracoma estão dispersos por todo o território, porém relata-se que nem todos os estados possuam-nos, conforme as 24 Figuras 1.10 e 1.11. Acredita-se, inicialmente, que a prevalência nacional do agravo seja de 5,0% (Lopes et al. 2013). Figura 1.10 – Distribuição geográfica do tracoma ativo no Brasil. Fonte: Global Map, 2014. 25 Figura 1.11 – Distribuição geográfica de triquíase tracomatosa (TT) no Brasil. Fonte: Global Map, 2014. 26 Ferraz e cols. (2010), estudando 1749 crianças, com idade entre 6 e 14, em escolas públicas do município de Bauru (SP), encontraram prevalência de 3,8% (66 casos). As formas clínicas identificadas foram tracoma folicular/intenso – TF/TI (98,5%) e os demais, tracoma folicular – TF (1,5%). Segundo a OMS, Bauru é considerada de baixa prevalência no país (WHO 2006). Os resultados destes estudos corroboram o fato de que a maioria dos casos de tracoma encontra-se em “bolsões” de pobreza, como visto nesta cidade. Outro estudo, conduzido na cidade de Botucatu (SP) encontrou prevalência de 2,9% (79 casos), examinando 2692 escolares entre 7 e 14 anos (Schellini et al. 2010). Todos os achados foram compatíveis com tracoma folicular (TF). Esse resultado foi considerado histórico para o local, pois em inquéritos anteriores, como em 2002, encontrou-se prevalência de 11,9%. Os autores afirmam que a utilização de azitromicina nos portadores da doença a partir de 2003 favoreceu para a considerável redução do número de casos. Os mesmos ainda afirmam que o tracoma possui papel de indicador de subdesenvolvimento, já que tal agravo está associado à falta de água e condições habitacionais/higiênicas inadequadas, o que não foi visto na maioria das localidades pesquisadas neste trabalho. No Ceará, a prevalência geral de tracoma é 8,7% (Lopes et al. 2013). Entretanto, o estado é altamente deficiente em estudos relacionados ao tracoma e, por isso, se faz necessário que municípios endêmicos passem por análises acuradas de sua distribuição, até porque a divergência de resultados é algo presente nas avaliações. No contexto avaliativo, diversos municípios trabalham arduamente no combate ao tracoma, porém ainda encontram dificuldades na consolidação de seus resultados (Lopes et al. 2013). Russas é um município cearense que alberga tais características. Embora tenha um Programa Municipal de Controle do Tracoma, com agentes treinados e vigilância que atende à demanda de casos, aplicando a educação em saúde, as informações acerca dos confirmados são ainda mal padronizadas, nem todas as localidades são investigadas e faltam dados robustos que comprovem a importância da permanência do programa no município. Dessa forma, é esperada uma frequência considerada de tracoma no local, pois determinadas localidades 27 demonstram grande número de casos, constantemente, e as ainda existem focos onde é fortemente notado condições higiênico-sanitárias pouco consolidadas. Deve-se ressaltar que estudos descritivos de prevalência de tracoma já ocorrem pelo país há alguns anos. Trabalhos realizados em diversas regiões do país demonstram diferentes frequências da doença, como se pode observar nos trabalhos de Couto-Junior e cols. (1997) em Duque de Caxias/RJ (8,8%), de Nóbrega e cols. (1998) em Joinville/SC (4,9%), de Garrido e cols. (1999) em São Gabriel da Cachoeira/AM (28,02%) e de Lucena e cols. (2004) na Chapada do Araripe/PE (20,2%) (Schellini et al. 2010). 1.8.4 ESPAÇO E GEOPROCESSAMENTO A expressão da epidemiologia no cenário científico veio por meio do conhecimento aprimorado dos mecanismos de transmissão dos agentes causadores de doenças. Houve, neste contexto, a definição da propagação das epidemias através da compreensão entre o corpo e o meio (Czeresnia & Ribeiro 2000). O conceito de espaço epidemiológico foi compreendido, inicialmente, como o resultado de uma interação entre o organismo e a natureza, desprezando os fenômenos de ação e percepção humanas (Czeresnia & Ribeiro 2000). Para o memorável Milton Santos, a definição de espaço vai muito além das interações do Homem com a natureza; em um sentido amplo, é o lugar de morada, de trabalho e onde Ele pode reproduzir-se naturalmente. Diferentemente de território, que é tido como um dado fixo, delimitado em uma área específica (Saquet & Silva 2008). Os estudos de análise espacial, atualmente, pautam-se na aplicação de modelos matemáticos para já descritos em termos menos quantitativos, com o objetivo de esclarecer as relações socioespaciais entre a saúde e aspectos da distribuição espacial da população (Peiter 2008). Muitos desses buscam descrever determinados padrões precisos que poderiam ter explicação geral. O geoprocessamento é um termo amplo que envolve diversas manobras de trabalho com tecnologia de tratamento e manipulação de dados geográficos, 28 sobretudo por meio de softwares computacionais (Carvalho et al. 2000). Dentre esses, destacam-se os Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). Esses sistemas tem como objetivo geral entender fenômenos e acontecimentos dos espaços, pois possuem a capacidade de reunirem grande quantidade de dados convencionais, facilitando a compreensão dos mesmos (Carvalho et al. 2000). Por meio da tecnologia dos SIGs, a implantação dos registros, nas ações de vigilância em saúde, tornou-se possível, já que os eventos relacionados à saúde transformavam-se em pontos em escala local (Barcellos et al. 2002). Uma das alternativas aplicadas no estudo de mapeamento é o georreferenciamento, que se baseia, principalmente, na construção de indicadores com agregação de dados, nas respectivas unidades de análise. É fundamental que, a partir da escolha de uma área de estudo, haja uma escala de trabalho, a partir de unidades chamadas “unidades espaciais de referência” (Barcellos et al. 2002). Com o objetivo de dispor os dados em mapas que traduzam a realidade do comportamento de determinada condição em um local, deve-se depositálos em diversos sistemas de informação da saúde, constando, dentre outras informações, o georreferenciamento dos mesmos (Barcellos et al. 2002). 1.8.4.1 GEORREFERENCIAMENTO E TRACOMA O georreferenciamento é uma das ferramentas do geoprocessamento que auxilia na capturação de dados pessoais, incluindo-os espacialmente nas características do território onde a doença é endêmica e associando-os às condições sócio-econômicas locais (Macharelli et al. 2013). No contexto da infecção tracomatosa, o objetivo do georreferenciamento é a localização específica de uma porção geográfica individualizada no planeta (Roque et al. 2006). Todo o procedimento, neste caso, é realizado com o auxílio de um GPS (Global Positioning System) que, na atualidade, é o instrumento mais eficiente na coleta de dados pontuais (Roque et al. 2006). 29 Apesar de amplamente utilizada como ferramenta no entendimento dos processos de saúde-doença, o georreferenciamento não é empregado com frequência nos estudos e inquéritos do tracoma. Poucos relatos na literatura demonstram sua aplicação em trabalhos nos países endêmicos, como foi evidenciado por Polack e cols. (2005) que, avaliando o tracoma em vilarejos da Tanzânia, notaram que a distribuição dos casos acompanhava a deficiência de recursos, como a distância até as fontes de água, a presença de latrinas nos domicílios e a conglomeração de casos. A prevalência das formas ativas foi de 20,3% nos habitantes do sub-vilarejo de Kahe Mpya. No caso do Brasil, um estudo interessante conduzido por Macharelli e cols. (2013) verificou que houve associação positiva entre a distribuição dos casos de tracoma, a porcentagem de chefes de família com rendimento menor que três salários minímos e o tempo dedicado à educação menor que 8 anos, como é a realidade em muitos estados do país. É de extrema relevância que mais estudos sejam conduzidos com esta abordagem, pois favorece uma melhor compreensão dos mecanismos inerentes ao tracoma. Quanto maior a identidade entre a população e seu território, mais facilmente podem ser elaborados os diagnósticos e planejadas as ações de saúde (Barcellos et al. 2002). 1.8.5 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS Características peculiares inserem-se no contexto do tracoma. Sabe-se que as formas ativas de tracoma aparecem nas primeiras idades de vida, geralmente até os 10 anos, embora ocorram em pessoas adultas com menor frequência (WHO 2013). Nos locais de hiperendemicidade, o tracoma é mais frequente em pré-escolares, com prevalências entre 60 e 90%. As infecções tracomatosas acometem, majoritariamente, indivíduos de comunidades menos favorecidas, sendo as mulheres adultas as que apresentam maior risco de desenvolver lesões mais graves da doença. Acredita-se que essa informação seja devido a uma maior proximidade entre mães e filhos, já que estes são os únicos reservatórios do agente (WHO 2013). O tracoma é tido como uma doença fortemente associada à pobreza e à aglomeração humana (Maher et al. 2011). Os principais fatores de risco neste caso 30 são esgoto inadequado, aporte hídrico insatisfatório, ausência de banheiros nos domicílios, número aumentado de moscas no seu interior, o que favorece a transmissão secundária do agravo, e higiene facial precária, sendo o último o mais importante, pois propicia a transmissão primária – forma direta (Maher et al. 2011). Wright e cols. (2007) ainda verificaram que a presença de crianças no domicílio e o saneamento básico precário são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de tracoma em comunidades pobres. Tais crianças, por serem as fontes ativas de transmissão, acabam se re-infectando com maior facilidade, o que favorece a recorrência de infecções e maior probabilidade de formações cicatriciais na idade adulta. 1.9 MEDIDAS DE CONTROLE 1.9.1 MUNDO Diversas autoridades de saúde do mundo estão na luta para combater o avanço, ainda que paulatino, do tracoma. A OMS, em parceria com agências nacionais de saúde e organizações não-governamentais (ONG’s), proporam o GET 2020 (Global Elimination of Trachoma by 2020). Trata-se de um programa mundial que objetiva, principalmente, a estratégia SAFE (Surgery, Antibiotics, Facial and Enviroments), que preconiza uma interrelação entre várias intervenções de saúde pública nos países endêmicos (WHO 2006; Wright et al. 2007). Tal estratégia tem-se mostrado efetiva na redução dos casos de cegueira pelo mundo, apesar do alvo ainda estar distante (Wright et al. 2007). Com o objetivo final de eliminação do tracoma como causa de cegueira mundial, a OMS protocolou as UIGs (Ultimate Intervention Goals), que devem estar totalmente associadas ao programa SAFE, com o objetivo de melhoria da saúde pública, segundo proporções numéricas de redução de frequência (WHO 2006). Tratase do seguinte panorama: 31 A meta final para os casos de TT é que se tenha menos de um caso do quadro em 1000 habitantes, dentro de um distrito (daí a importância das cirurgias reparadoras); Considerando as formas ativas, preconiza-se uma frequência menor que 5% em crianças entre 1 e 9 anos de idade, também em um distrito. Se porventura esse percentual for maior que 10%, deve-se empregar os tratamentos em massa (daí a importância da antibioticoterapia); Por fim, tendo como partidas as estratégias de limpeza facial e melhorias ambientais, deve-se verificar tais parâmetros nas diferentes localidades de trabalho, com o objetivo de alcançar, no mínimo 80% de crianças com faces bem higienizadas. Sabe-se que muitos países com altas prevalências de tracoma conduzem o programa SAFE com extrema seriedade. Marrocos, Gâmbia, Malawi, Nepal e Burma são exemplos onde se obteve sucesso, apresentando redução no número de indivíduos com doenças ativa e cicatricial. Essa redução foi devido, sobretudo, à uma singela melhora no poder aquisitivo de populações mais pobres e remotas, bem como a própria implementação das alternativas de combate à doença (Wright et al. 2007). Relata-se que aproximadamente um terço da população com triquíase não tratada por mais de um ano, vai desenvolver opacificação corneana (Bowman et al. 2002). Por ser uma condição dolorosa, a cirurgia pode ser uma alternativa efetiva para os que possuem a forma de triquíase tracomatosa (TT). É nesse contexto que a estratégia S (Surgery) se aplica (Wright et al. 2007). Muitas técnicas cirúrgicas são debatidas, entretanto a reposição de cílios na sua posição original (externos à superfície ocular) é o foco principal. A OMS preconiza a rotação completa do tarso terminal ou de forma bilamelar nos olhos (Bhosai et al. 2012). Infelizmente, esse procedimento não é de fácil realização e aceitação por determinados países é limitada, como a Tanzânia, onde apenas 20% das mulheres com TT são conduzidas ao procedimento cirúrgico. Essa recusa pode ser explicada por algumas razões, 32 dentre elas o desconhecimento da cirurgia, o medo do ato cirúrgico, custos indiretos e dificuldades de transporte (Wright et al. 2007). A distribuição de antibióticos para o tratamento em massa do tracoma é a base da estratégia A (Antiobiotics). Essa proposta está aliada às estratégias F e E, possuindo o objetivo de reduzir a carga bacteriana dos portadores da doença, diminuindo assim a taxa de infecção nos locais endêmicos (Wright et al. 2007). Os pilares F e E auxiliam na manutenção de não reservatório dos pacientes, através da limpeza facial e de melhores ambientais. A OMS estabelece que todos os membros de uma comunidade recebam uma dose oral de azitromicina (20 mg/Kg até 1 g) anualmente, por no mínimo 3 anos, onde a prevalência de tracoma é maior que 10% em crianças de 1 a 9 anos de idade (WHO 2013). Essa droga mostra-se eficiente contra Chlamydia trachomatis, apresenta baixo grau de resistência pelo agente e combate outros patógenos acessórios (Wright et al. 2007). Apesar do tratamento em massa ser preconizado, pesquisas demonstram que a eficácia é relativa, podendo não apresentar o efeito desejado em algumas comunidades, como reações adversas (vômitos e dores abdominais) (Ayele et al. 2011). Outros trabalhos contestam apenas uma dose nos pacientes (Cochereau et al. 2007). Faces mal higienizadas são a via principal de transmissão no tracoma (Maher et al. 2011; WHO 2013). As crianças nesta condição são as que mais compartilham peças de uso pessoal com seus parentes e as que atraem insetos, como moscas, para o interior dos domicílios, o que favorece a dispersão da doença. (Wright et al. 2007). A intervenção F (Facial) tem o objetivo de amenizar esse panorama com a promoção da lavagem facial. Tem-se a evidência de que essa alternativa promove a redução da transmissão em comunidades (Ejere et al. 2012). Em diversos países endêmicos, as circunstâncias dessa prática simples e eficaz revelam seu benefício, como no Sudão e no Vietnã (Wright et al. 2007). Muitos dos fatores ambientais endereçados ao tracoma são frutos da pobreza dos indivíduos (Wright et al. 2007). A estratégia E (Enviroment) atua na melhoria das condições ambientais, com o objetivo de reduzir os riscos associados ao tracoma. A promoção de aporte hídrico adequado, a construção de redes de esgoto favoráveis, a aplicação de inseticidas para eliminação de moscas, a realocação de animais e a educação em saúde também fazem pauta da alternativa (Wright et al. 2007; Bhosai et 33 al. 2012). Estudos demonstram que a alta concentração de moscas está associada a surtos de tracoma (Da Cruz et al. 2002), que a presença de banheiros nos domicílios reduz casos (Burton et al. 2003) e que a distância de fontes hídricas adequadas aumenta o risco de desenvolver tracoma (Wright et al. 2007), por isso sua preconização. Pesquisas de prevalência são fundamentais na implementação de programas de controle do tracoma. Entretanto, podem servir como fontes de alternativas, tais como o TRA (Trachoma Rapid Assessment). Esse programa foi criado pela OMS com o objetivo de triar áreas prioritárias para intervenções (Wright et al. 2007). Essa ferramenta e o grupo de estratégias SAFE trabalham em consonância, com o objetivo de reduzir enfermidades como o tracoma, que faz parte das “Metas do Milênio”, propostas pela OMS no ano 2000, que preconiza erradicar o tracoma em 2020. 1.9.2 BRASIL Em inquéritos de prevalência realizados pelo Ministério da Saúde (MS), verificou-se que o tracoma ainda constitui em um problema de saúde pública local, em virtude de altas prevalências em algumas populações, inclusive os indígenas (SVS 2012). Com base nisso, deve-se adotar medidas iminentes para evitar o avanço do tracoma e o surgimento de deficientes visuais nas regiões brasileiras (SVS 2012). O Brasil está de acordo com o planejamento da OMS de eliminar o tracoma até o ano de 2020. Para alcançar esse objetivo, preconiza o grupo de estratégias SAFE. O país foca na ação primordial de intensificação das práticas de busca ativa de tracoma em sua forma inflamatória transmissível (TF), em populações infantis de 1 a 9 anos, e em uma das formas sequelares (TT) em população adulta, acima dos 14 anos. Todo esse trabalho é realizado em comunidades rurais com alta endemicidade para a doença (SVS 2012). Os planos de eliminação da cegueira por tracoma são embasados na intensificação na busca de casos de triquíase tracomatosa (TT), todas as áreas cobertas pela atenção básica de saúde, com ênfase em áreas rurais. Por sua vez, nas 34 áreas quilombolas e indígenas, faz-se a busca de casos de inflamação tracomatosa folicular (TF) (SVS 2012). Foram definidos como critério de maior risco para tracoma os municípios que apresentaram piores indicadores de pobreza e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), prevalência de tracoma > 5%, na série dos últimos 10 anos, e aqueles com áreas com alta frequência de tracoma, além de áreas indígenas e quilombolas. Para os demais municípios, não enquadrados nessas condições, devem-se mapear as áreas de risco, considerando os setores censitários, territórios e comunidades que apresentam os mais baixos indicadores de qualidade de vida (SVS 2012). Em locais mapeados por risco, serão realizados inquéritos para a verificação da situação epidemiológica em crianças de 1 a 9 anos de idade e intervenção com tratamento de casos de acordo com o preconizado. Por sua vez, nas antigas áreas hiperendêmicas, haverá a ampliação da busca ativas de casos de TT em população adulta para triagem, com o encaminhamento e realização de cirurgias, se necessário (SVS 2012) 1.9.3 RUSSAS A vigilância para o tracoma no município de Russas (CE) segue a mesma direção da proposta de monitoramento do estado do Ceará, onde nota-se parceria entre a SESA, a 9ª CRES e a SEMUS. Assim como preconizado pelo MS e pela própria SESA, todos os casos positivos são identificados, diagnosticados e tratados com a terapêutica adequada, seguindo os protocolos já estabelecidos (VS Gomes, comunicação pessoal). Russas é uma das poucas cidades do país com uma sistematização bem articulada dos mecanismos de vigilância e controle do tracoma, mesmo com problemas pontuais. Trata-se do Programa Municipal de Controle do Tracoma (PMCT), implantado no ano de 2010, a partir das diretrizes preconizadas no Manual de Controle do Tracoma (2001) e na Portaria nº 67, de 22 de dezembro de 2005, que 35 normatiza o tratamento do agravo por meio da inclusão da azitromicina (VS Gomes, comunicação pessoal). O programa tem o objetivo de diagnosticar e tratar os infectados residentes no município. Tal metodologia é possível através de busca ativa em localidades de zona urbana e principalmente as de zona rural que apresentam aporte hídrico insatisfatório, prevalência do agravo e onde é conhecida a demanda. Esse trabalho é feito por agentes de endemias capacitados por cursos específicos, propostos pela coordenação estadual em períodos também pré-estabelecidos, totalizando 40 horas. Adicionalmente, um seriado de avaliação de casos em três períodos, cada um composto de 20 crianças entre casos e não-casos de tracoma, é realizado. Em cada momento, será necessário um quantitativo de acertos de no mínimo 80% para a devida habilitação (VS Gomes, comunicação pessoal). Desde a sua criação, o PMCT sofreu diversas re-estruturações no âmbito operacional, sobretudo em como proceder a busca ativa e em que faixa etária alocála. Inicialmente, ainda no ano de 2010, todo o planejamento anual pautou-se em inquéritos domiciliares, com a busca ativa de casos em crianças na faixa etária de 1 a 9 anos. Caso encontrasse um caso positivo, apenas as crianças eram tratadas com azitromicina, mantendo-se a dosagem recomendada (VS Gomes, comunicação pessoal). No ano de 2011, por motivos de desinteresse e articulação complexa do estado em relação à dinâmica do tracoma, não houve vigilância, com ausência de busca ativa nos pacientes. Portanto, uma “janela epidemiológica” ficou estabelecida no planejamento de combate ao agravo (VS Gomes, comunicação pessoal). Em 2012, como uma forma de retomada à estratégia de vigilância empregada outrora, decidiu-se que novamente o inquérito domiciliar seria o foco e apenas as crianças pertencentes à faixa etária de 1 a 9 anos se enquadrariam à busca ativa proposta pelos agentes. O calendário foi cumprido e as mesmas foram submetidas ao protocolo com azitromicina (VS Gomes, comunicação pessoal). Entretanto, em reuniões com o MS, verificou-se que o número de casos no município não houvera reduzido com repercussões positivas, mesmo seguindo a 36 metodologia aplicada pelos gestores. Desse modo, optou-se por modificar a estratégia da busca ativa, saindo dos ambientes domiciliares e migrando para os escolares, onde tem-se maior concentração de crianças e, potencialmente, uma maior capacidade de transmissão entre os estudantes (VS Gomes, comunicação pessoal). Portanto, em meados do ano de 2013, já começou a estruturação de visitas e busca ativas a escolas selecionadas em uma amostra municipal, tendendo sempre a uma maior cobertura possível (VS Gomes, comunicação pessoal). Desta vez, crianças de 05 a 14 anos de idade foram incluídas e, caso diagnosticadas como casos positivos, eram tratadas, porém seus contactantes próximos – aqueles que residiam na mesma moradia que ele – também recebiam a medicação, pois sabe-se que a contaminação por C. trachomatis acontece, na maioria das ocasiões, nos ambientes domiciliar e/ou escolar (Wright et al. 2007). Todavia, conforme novas reuniões sobre frequências das infecções tracomatosas no estado, e consequentemente, no município, mais uma vez observouse que esse modelo de estratégia ainda não respeitava uma boa escolha na redução da prevalência do agravo. Como uma manobra imediatista de coibição de espalhamento do agravo, decidiu-se, para o ano de 2014, que a faixa etária de escolha para a busca ativa seria de 5 a 14 anos, pois acredita-se que os primeiros anos da adolescência possam representar uma fonte em potencial de risco para a aquisição da doença (VS Gomes, comunicação pessoal). Atualmente, encontra-se em vigor no PMCT, pautado nas decisões do MS, por meio do Programa Nacional de Controle do Tracoma, está descrito abaixo, considerando um ambiente escolar: Na classe: caso a prevalência seja igual ou maior a 10%, deve-se tratar os pacientes positivos e todos os contactantes dos mesmos; Na escola: caso a prevalência seja igual ou maior que 50%, deve-se tratar todos os alunos, independente se positivos ou não, os respectivos contactantes, e todos os funcionários diretamente relacionados aos estudantes, como merendeiras, faxineiras, diretores, inspetores, etc. 37 É fundamental salientar que, apesar da existência de um programa de vigilância bem estabelecido no município de Russas, pouco se sabe a respeito da prevalência da doença, dos mecanismos ambientais associados e da situação das formas clínicas no local. Neste aspecto, é preciso reconhecer que o problema existe na região e, com o conhecimento inicial sobre a epidemiologia do agravo, poder mapear melhores estratégias de prevenção, educação em saúde e combate ao tracoma. A proposta deste estudo enquadra-se no fomento à eliminação do mesmo neste município, no estado do Ceará. 38 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL Descrever aspectos da epidemiologia do tracoma no município de Russas, área endêmica da doença, no estado do Ceará, Brasil. 2.2 ESPECÍFICOS Determinar a prevalência das formas clínicas do tracoma no município estudado; Descrever a distribuição espacial da doença em distritos do município de Russas, no ano de 2013; Identificar fatores sócio-demográficos associados ao desenvolvimento do agravo; 39 3 PACIENTES E MÉTODOS 3.1 LOCAL DO ESTUDO Todo o trabalho foi conduzido no município de Russas, no estado do Ceará. Esta cidade situa-se a 165 km de Fortaleza, tendo como principal acesso a BR-116. Do ponto de vista geográfico, este município se localiza na mesorregião do Vale do Jaguaribe, dentro da microrregião do Baixo Jaguaribe (IPECE 2012). O gentílico-nato é denominado russano. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), o município de Russas foi fundado em 1766, sem nenhum município de origem. Seu topônimo se baseia em uma proveniente criação de cavalos e éguas por um fazendeiro local, que era de extrema valia na região. Do ponto de vista climático, Russas apresenta um clima tropical semi-árido. Considerando o ano de 2012, o local teve temperatura média entre 26ºC e 28ºC e pluviosidade de 857.7 mm, sendo o período chuvoso de janeiro a abril. Considerando os componentes ambientais, o município de Russas é permeado por um relevo do tipo depressão sertaneja e planície fluvial, apresentando diversos tipos de solos, como os aluviais, as areias quartzosas, os cambissolos, os planossolos e os vertissolos. Sua vegetação é mista, sendo composta predominantemente pela caatinga, dividida em arbustiva aberta e arbustiva densa. É complementada ainda pelo complexo vegetacional da zona litorânea e floresta dicotillo-palmácea. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2013, sua população era de 73.436 indivíduos, sendo a maioria vivendo em área urbana, em uma área de 1.590.214 km2, sendo sua densidade demográfica de 43.91 hab/km2. Sua latitude é de 04º 56’ 25” e sua longitude, 37º 58’ 33”. O IBGE, por meio do Censo realizado no ano de 2010, revelou características de diversos âmbitos municipais que devem ser apontadas: a maioria da população encontrava-se na faixa etária de 15 a 64 anos, representando 68,1% do total; existiam cerca de 20.448 domicílios, sendo 13.427 urbanos e 7.021 rurais, com média de moradores de 3,41. Cabe ressaltar que esse valor é inferior à média estadual – 3.56. 40 No que diz respeito à saúde, verificou-se que, das unidades existentes no município, 28 (90.3%) eram públicas e apenas 03 (9.7%) privadas. Por se tratar de um município do interior, onde a atenção primária é amplamente utilizada pelos residentes, essa disparidade percentual no quantitativo foi fruto do número de Unidades Básicas de Saúde (UBS) disponíveis. Considerando ainda os resultados do Censo 2010, proposto pelo IBGE, o município de Russas apresentou grau considerado de analfabetismo, pois apenas 42.339 pessoas, de 15 anos ou mais, são letradas. A taxa de analfabetismo funcional no mesmo grupo corresponde à 19,59%. Esses dados representam ainda um retardamento educacional, já que quanto menos indivíduos detentores de conhecimento existirem no local, maior será a disseminação de informações equivocadas, com alienação pessoal e desenvolvimento de alguns agravos, como o tracoma. Em relação à população extremamente pobre, ou seja, aquelas em que a renda per capita mensal é inferior ou igual a 70 reais, encontrou-se 7.313 pessoas nesta situação, o que representa 10,47% do município, sendo a maioria residente da zona rural – 3.960 habitantes. Levando em consideração os dados do IPECE, no preâmbulo da infraestrutura, no ano de 2011, foi verificado que, embora o abastecimento de água seja ótimo, com cobertura de 93.6% da população, em algumas regiões isso não representa a realidade, sobretudo nas áreas rurais. Observou-se um total de 14.028 ligações reais, sendo 13.760 ativas, produzindo um valor próximo de 2.600.000 m 3 de água. Da mesma forma, o esgotamento sanitário no município ainda está aquém do ideal, com apenas 35,04% de cobertura. Do total de 4.286 ligações reais, 3.765 são ativas, o que representa 0,83% do total do estado. Deve-se notar que, para a elucidação deste resultado, é feita a contagem de ligações regulamentadas, pautadas na companhia de águas do município. A realidade do ambiente rural é obscura, sendo os resultados não coletados ou pouco elucidados ao longo das inferências. Na divisão político-administrativa, o município de Russas faz fronteira com os outros municípios do Vale do Jaguaribe (Beberibe, Quixeré, Jaguaruana, Palhano, Morada Nova e Limoeiro do Norte). É composto por seis distritos – Russas (é o distritosede, fundado em 1766), Bonhu (1933), Flores (1951), Lagoa Grande (1988), Peixe 41 (1988) e São João de Deus (1963). A Figura 3.1 mostra um esquema representativo do município. Figura 3.1 – Mapa esquemático do município de Russas, estado do Ceará, Brasil. Adaptado do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE, 2009. 42 3.2 DESENHO DO ESTUDO 3.2.1 TIPO DE ESTUDO O estudo foi realizado no período de 18 de novembro a 13 de dezembro de 2013, com base em uma busca ativa de casos de tracoma, realizada nos anos de 2010, 2012 e 2013. Esse procedimento foi conduzido por agentes de endemias (funcionários de nível médio, devidamente treinados e capacitados pela Secretaria Estadual de Saúde do Ceará, e pertencentes ao quadro da Secretaria Municipal de Saúde de Russas – SEMUS), utilizando-se a seguinte metodologia: Informou-se à SEMUS a situação de localidades suspeitas para o tracoma; Encaminharam-se os agentes até os locais para fazer a visitação dos domicílios, independentemente da posição geográfica. Essas visitas ocorriam no período da manhã, sem aviso prévio, e a partir de uma demanda da própria localidade, pautada num planejamento realizado pelo agente responsável pelo programa municipal de controle; Realizou-se a visualização da conjuntiva tarsal superior dos olhos, com o auxílio de lupa de 2,5x de aumento, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde (SVS 2010). Esse procedimento era realizado por meio de fonte luminosa natural (luz solar), com a cabeça do indivíduo levemente inclinada para cima, possibilitando a eversão palpebral e a observação dos achados clínicos; Anotaram-se as informações domiciliares e transportou-se as mesmas para um banco padrão, gerenciado pelo MS, que era alimentado a cada seis meses; Orientaram-se os indivíduos confirmados para tracoma a procurarem à UBS da sua região, pois lá haveria uma consulta com um médico e/ou enfermeira e já levaria a medicação, segundo sua dosagem (azitromicina di-hidratada). Ainda na residência do paciente, os agentes utilizaram formas simples de educação em saúde com os moradores, baseado em dicas de como evitar a aquisição da doença e faziam a distribuição de um folder educativo com alertar sobre a doença, sendo este desenvolvido pela própria SEMUS; Realizaram-se visitas semestrais para verificação de cura clínica, sendo os casos recidivantes ou não curados listados para a continuação no esquema de tratamento, em um processo de follow-up, com o objetivo de redução da frequência intra-domiciliar e, consequentemente, na localidade. 43 Os casos de tracoma encontrados foram classificados em inflamação tracomatosa folicular (TF), inflamação tracomatosa intensa (TI), cicatrização conjuntival tracomatosa (TS), triquíase tracomatosa (TT) e opacificação corneana (CO), de acordo com as diretrizes do MS (SVS 2010). Durante a busca ativa, fichas de inquérito foram preenchidas (Anexos 2, 3 e 4), considerando variáveis individuais e relacionadas aos domicílios, pois essas informações são de extrema importância para a análise epidemiológica do agravo. Estas variáveis incluíram: i) tempo de residência na localidade; ii) unidade de atendimento (UBS); iii) sexo; iv) idade; v) profissão; vi) presença de atividade remunerada; vii) se dormia só ou com mais alguém no leito; viii) se havia sujeira visível no rosto; ix) presença de secreção ocular, além de variáveis relacionadas diretamente ao exame conjuntival, como: x) inflamação tracomatosa folicular (TF) no olho direito (OD); xi) inflamação tracoma folicular (TF) no olho esquerdo (OE); xii) inflamação tracomatosa intensa (TI) no olho direito (OD); xiii) inflamação tracomatosa intensa (TI) no olho esquerdo (OE); xiv) cicatriz conjuntival tracomatosa (TS) no olho direito (OD); xv) cicatriz conjuntival tracomatosa (TS) no olho esquerdo (OE); xvi) triquíase tracomatosa (TT) no olho direito (OD); xvii) triquíase tracomatosa (TT) no olho esquerdo (OE); xviii) opacificação corneana (CO) no olho direito (OD) e xix) opacificação cornena (CO) no olho esquerdo (OE). No grupo de variáveis domiciliares, destacavam-se: i) características físicas da residência; ii) número de moradores; iii) renda familiar; iv) disponibilidade de água; v) fonte de água; vi) destino dos dejetos e vii) destino do lixo. Com base na renda familiar e no número de moradores, calculou-se a renda per capita domiciliar, classificando as residências cujo valor fosse inferior ou igual a 70 reais como nível de pobreza extrema, dado esse também levado em consideração pelo MS. Portanto, todas as informações coletadas nesta etapa foram pautadas em dados secundários da SEMUS, tendo como base o procedimento clínicoepidemiológico descrito. Dessa forma, identificou-se a prevalência do tracoma na população submetida à busca ativa, assim como fatores associados à doença. Foi 44 possível ainda analisar o panorama socioeconômico dos moradores, o que auxiliou na verificação da distribuição da doença. 3.2.2 ANÁLISE ESPACIAL Considerando todas as localidades com vigilância ativa pelo Programa Municipal de Controle do Tracoma, nos três anos desejados – 2010, 2012 e 2013 – foram escolhidas aquelas onde ocorreram pelo menos um caso de tracoma nos anos de interesse. A partir daí, identificaram-se 42 localidades. Durante três dias consecutivos, visitas foram realizadas, para o georreferenciamento dos pontos, sendo 15 localidades no primeiro dia, 17 no segundo e 10 no terceiro, totalizando 643 km percorridos. Utilizou-se o veículo de trabalho normalmente empregado pelos agentes de endemias na rotina diagnóstica. Todo a movimentação teve a companhia dos mesmos. A Figura 3.2 mostra o panorama ambiental de uma localidade mapeada. Figura 3.2 – Marcação de coordenadas geográficas com o GPS na localidade Sitio Gondim, revelando a vegetação local. As localidades de interesse foram georreferenciadas através de GPS Garmin®, obtendo-se as coordenadas geográficas X e Y, contidas na projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), utilizando-se o sistema de coordenadas South American Datum 69 (SAD69), devido à localização de estudo pertencer à America do Sul. Os pontos de marcação foram retirados no centro da localidade, pois era a 45 unidade de análise. Esses locais apresentavam características rurais e/ou periurbanos, nos quais havia dados no sistema sobre a frequência de tracoma. Foi construído um banco de dados com as coordenadas X e Y. Entretanto, além dessas informações, este banco possuía as seguintes variáveis: i) casos confirmados de tracoma em 2013; ii) data de marcação do ponto; iii) código do distrito pertencente à localidade; iv) nome da localidade; v) nome do distrito; vi) tipo de abastecimento de água. Estes dados foram obtidos do PMCT e do IBGE. As localidades visitadas, nos seis distritos, foram: Sítio Ingá, Gracismões, Timbaúba do Simplício, Miguel Pereira, Ramal de Flores, Miguel Pereira do Mauro, Santa Therezinha, Lagoa do Peixe, Sussuarana de Cima, Lagoa dos Cavalos, Barracão, Capim Grosso, Assentamento Mufumbo, Santo Antônio, São Pedro, Sítio Gondim, Melancias, Escudeiro, Sítio Piauí, Sítio Bom Jardim, Assentamento Mundo Novo, Lagoa Grande, Assentamento Croatá, Croatá Sede, Fazenda Bom Jesus, Boqueirão do Cesário, Assentamento Baú, Assentamento Luiz Carlos, Divertido, Sossego, Cajazeiras, Assentamento Chico Mendes, Sítio Malacacheta, Assentamento Santa Fé, Pedras, Cantinho de Pedras, Boa Vista, Córrego do Capim, Carão, Lagoinha, Sítio Bandeira e Bernardo Marinho II. Com as informações provenientes das marcações dos pontos e o apontamento de suas coordenadas geográficas nas localidades, foram confeccionados diferentes mapas. Devido à ausência de arquivos no formato shape (.shp), que consiste no plano de fundo das análises e da disposição dos dados tabulares no programa, houve um remanejamento das localidades dentro de seus respectivos distritos, sendo esses as unidades de análise na configuração geográfica. Realizou-se a construção de mapas de Kernel, para verificar a distribuição do tracoma no ano de 2013, levando em consideração os setores censitários e a divisão distrital. Adicionalmente, construiu-se um mapa considerando a distribuição do tracoma segundo o número de fontes de água, a malha hidrográfica municipal e a presença de corpos d’água, que estão diretamente relacionados com a epidemiologia da doença. As informações hidrográficas foram retiradas da Agência Nacional de Águas (ANA). 46 O mapa que revela a posição dos pontos no município de Russas foi confeccionado utilizando o software TerraView, na versão 7.2. Por sua vez, todos os outros no software ArcGIS®, na versão 10.0. Esta metodologia foi utilizada para mapear a superfície da região e interpolar com a frequência de casos, indicando as áreas quentes (hotspots) do tracoma, segundo literatura anterior (Macharelli et al. 2013). As malhas territoriais do estado do Ceará foram obtidas por meio do IBGE. Ressalta-se que todo o aporte financeiro para o desenvolvimento do presente trabalho foi concedido pelo Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular e pela Pós-graduação em Medicina Tropical, do Instituto Oswaldo Cruz, na Fundação Oswaldo Cruz. 3.2.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Os critérios de inclusão envolvidos para a determinação dos pacientes e das localidades foram simples. Considerando os pacientes, no estudo baseado em dados secundários de busca ativa, realizada nos anos de 2010, 2012 e 2013, foram escolhidos todos aqueles examinados, dentro dos respectivos domicílios, em ambos os olhos, com o auxílio de uma lupa de 2.5x de aumento, pelos agentes de controle de endemias. Essas informações estavam contidas em um banco de dados já préestabelecido pelo MS. Por sua vez, para as análises espaciais, partindo do pressuposto que nem todas as localidades do município de Russas foram investigadas nos anos propostos, bem como não haveria verba o suficiente para percorrer todas que participaram dos processos de vigilância e controle, escolheu-se um total de 42 localidades. Todas estas tiveram a ocorrência do tracoma em 2010, 2012 e 2013 e desde o início do programa estão preconizadas para o monitoramento epidemiológico, realizado pela SEMUS. 47 3.3 ASPECTOS ÉTICOS O presente trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz, e aprovado em 10 de fevereiro de 2014. (Anexo 1). 3.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA Definiu-se as variáveis individuais e domiciliares com base nas fichas de inquérito já estabelecidas, conforme mencionadas anteriormente. Utilizou-se o teste de chi-quadrado (χ2) para a análise uni-variada das condicionantes. Este tipo de teste foi empregado porque tratava-se de variáveis qualitativas, dependentes e independentes, onde o desenvolvimento da doença era a variável-desfecho. Do ponto de vista estatístico, considerou-se determinada variável com associação estatisticamente significativa aquela que apresentava o p-valor menor ou igual a 0,05. Isso significa dizer que a chance da associação desta mesma variável com o desenvolvimento do tracoma não ter ocorrido ao acaso é igual ou maior que 95%. 48 4 RESULTADOS Foram analisadas 3018 fichas de inquérito domiciliar, provenientes de indivíduos pesquisados para tracoma, através da busca ativa, nos anos de 2010, 2012 e 2013. Encontraram-se casos da doença espalhados por diversos distritos do município, sendo o de Lagoa Grande com o maior número deles. Deve-se notar que, apesar de terem sido diversas localidades visitadas pelos agentes de controle de endemias desde o início do PMCT, em 2010, nem todas apresentavam casos nos anos propostos. 4.1 FREQUÊNCIA DE DETECÇÃO DE CASOS DE TRACOMA A partir dos exames conjuntivais, obteve-se a taxa de positividade de 426/3018 (14,1%) nas localidades pesquisadas. A média de idade dos casos foi de 23 anos. Do total de casos de tracoma, 50% eram menores de 15 anos, 60% eram do sexo feminino, 20% tinham acima dos 43 anos, 26% viviam em condições de extrema pobreza e 68% possuíam animais de estimação. Considerando o sexo dos participantes, a frequência de detecção foi de 254/1534 (16,6%) para o sexo feminino e de 172/1484 (11,6%) para o sexo masculino (Odds ratio [OR] = 1,51; 95% Intervalo de Confiança [IC] = 1,23 – 1,86; p < 0,001). A distribuição etária dos casos está indicada na Figura 4.1. 49 Figura 4.1 – Distribuição etária dos casos de tracoma identificados, nos anos de 2010, 2012 e 2013, no município de Russas, onde 1 representa o sexo masculino e 2 o sexo feminino (CE). Dentre os grupos etários, verificou-se maior frequência de tracoma em crianças menores de 10 anos. Até os primeiros anos de vida (0-2 anos), pode-se observar que a taxa de positividade em mulheres era maior, embora o número de casos seja superior para os indivíduos do sexo masculino. Nos anos subsequentes os valores apresentam configuração diferenciada, ou seja, o número de casos torna-se similar e, na idade adulta, nota-se um aumento do número de casos em mulheres, o que corrobora para um aumento de sua taxa de positividade (Figura 4.2). 50 Casos em homens (n) Tx de positividade em homens (%) Casos em mulheres (n) Tx de positividade em mulheres 35 30 100 25 80 20 60 15 40 10 20 5 0 0 0 to 2 3 to 6 7 to 10 11 to 18 19 to 40 41 to 65 Tx de positividade (%) Nº de casos de tracoma detectados 120 > 65 Faixa Etária Figura 4.2 – Taxa de positividade e número de casos de tracoma, por faixa etária e sexo, em indivíduos examinados, nos anos de 2010, 2012 e 2013, no município de Russas (CE). 4.2 PERFIL CLÍNICO DOS CASOS DE TRACOMA IDENTIFICADOS Dos 426 casos identificados como tracoma, 360 (85%) foram classificados como inflamação tracomatosa folicular (TF). Desses, 196 (54%) apresentavam-na em ambos os olhos (OD/OE), o que é razoavelmente comum no diagnóstico, 90 (25%) apenas no olho esquerdo (OE) e 74 (21%) apenas no olho direito (OD). Devido à dificuldade de se estabelecer visualmente a forma TI – inflamação tracomatosa intensa, complexou-se os casos de TF com TI, em um grupo único. Portanto, não houve o encontro de pacientes com somente TI. Considerando as formas de maior complexidade do tracoma, verificou-se que apenas 17 (3,9%) pacientes apresentaram a forma TS – cicatrização tracomatosa superficial – apenas no olho esquerdo. A média de idade destes pacientes foi de 46 anos. Entretanto, de forma curiosa e pouco frequente, houve o encontro desta forma em uma criança. Não foram detectados casos de TT – triquíase tracomatosa – e de CO – opacificação corneana, provavelmente pelo monitoramento constante da vigilância municipal, incluindo o diagnóstico precoce e o encaminhamento de casos mais graves, o que impede o surgimento de formas clínicas mais complexas. Não houve o registro da forma clínica em 54 pacientes, por motivos desconhecidos. 51 Considerando-se a distribuição etária dos casos, nas diferentes formas clínicas, observou-se que os pacientes com TS pertenciam principalmente às faixas superiores (Tabela 4.1). Tabela 4.1 – Medidas de tendência central e de dispersão das idades dos casos de tracoma das formas clínicas encontradas, nos anos de 2010, 2012 e 2013, município de Russas (CE). Inflamação Tracomatosa Cicatriz Conjuntival Folicular (TF) Tracomatosa (TS) Média 22,6 anos 46,4 anos Mediana 13,5 anos 46 anos Moda 4,0 anos 30 anos Desvio-padrão 20,72 anos 20,9 anos Intervalo inter-quartil 6-35 anos 30-62 anos Parâmetros 4.3 FATORES ASSOCIADOS AO TRACOMA A Tabela 4.2 revela características bem interessantes que foram evidenciadas neste estudo, como a participação de fatores associados ao desenvolvimento do tracoma, com base em uma análise uni-variada. Considerando o tipo de moradia dos pacientes, verificou-se maior chance de desenvolver tracoma entre os indivíduos que moravam em casas de barro (pau-apique) (OR = 1,48; 95% IC = 1,07 – 2,04; p < 0,001); por sua vez, a menor frequência do tracoma reteve-se àqueles que habitavam em residências de alvenaria (OR = 0,71; 95% IC = 0,53 – 0,96; p = 0,027). De modo similar, indivíduos vivendo com chão de terra batida tiveram maior taxa de positividade de tracoma durante a busca (OR = 1,54; 95% IC = 1,12 – 2,12; p = 0,007). No âmbito da disponibilidade de água, houve associação entre a frequência do agravo e residir em domicílios com água encanada fora de casa (OR = 1,54; 95% IC = 1,12 – 2,12; p = 0,007). Em contra-partida, o menor índice ficou estabelecido àqueles que dispunham de banheiro no interior da residência com água encanada (OR = 0,81; 95% IC = 0,66 – 0,99; p = 0,043). 52 Constatou-se, nas avaliações, que a presença de determinados equipamentos de cocção de origem antiga nos domicílios pode representar forte associação com o desenvolvimento do tracoma. É o caso do fogão a lenha, importante indicador de pobreza (OR = 1,83; 95% IC = 1,49 – 2,25; p < 0,001). Do ponto de vista econômico, observou-se que a proporção de pessoas vivendo em pobreza extrema foi de 26%. Foi visto ainda que a proporção de pessoas com tracoma foi semelhante entre as pessoas vivendo em extrema pobreza – 109/818 (13,3%) – e com renda familiar per capita mensal > 70 reais – 307/2129 (14,4%); pvalor = 0,444, não apresentando associação estatisticamente significativa. Considerando-se as variáveis possuir poço, possuir privada no interior da casa, evacuar a céu aberto, uso de toalhas e possuir animais domésticos, não houve associação estatisticamente significativa entre essas variáveis e o desenvolvimento da doença. 53 Tabela 4.2 – Fatores associados ao desenvolvimento do tracoma pesquisados em pacientes submetidos à busca ativa, nos anos 2010, 2012 e 2013, no município de Russas (CE). Variáveis Positivos (%) Negativos (%) OR (IC 95%) P-valor Casa própria Sim Não 366 (14,4%) 60 (12,8%) 2178 (85,6%) 410 (87,2%) 1,15 (0,86-1,54) 0,354 Casa de alvenaria Sim Não 367 (13,6%) 59 (18,2%) 2322 (86,4%) 266 (81,8%) 0,71 (0,53-0.96) 0,027 Casa de barro Sim Não 52 (18,9%) 372 (13,6%) 223 (81,1%) 2362 (86,4%) 1,48 (1,07-2,04) 0,020 Chão de terra batida Regular Irregular 34 (18,9%) 392 (13,8%) 146 (81,1%) 2442 (86,2%) 1,45 (0,98-2,14) 0,060 53 (19,6%) 373 (13,6%) 218 (80,4%) 2370 (86,4% 1,54 (1,12-2,12) 0,007 116 (14,0%) 310 (14,2%) 710 (86,0%) 1878 (85,8%) 0,99 (0,78-1,24) 0,930 373 (13,9%) 53 (16,2%) 2314 (86,1%) 274 (83,8%) 0,83 (0,61-1,14) 0,254 Privada com descarga Sim Não 196 (13,1%) 230 (15,2%) 1304 (86,9%) 1284 (84,8%) 0,84 (0,68-1,03) 0,094 Dejetos no mato Sim Não 38 (14,6%) 388 (14,1%) 223 (85,4%) 2365 (85,9%) 1,04 (0,72-1,49) 0,836 Banho interno com água encanada Sim Não 226 (13,0%) 200 (15,6%) 1508 (87,0%) 1080 (84,4%) 0,81 (0,66-0,99) 0,043 Banho interno sem água encanada Sim Não 152 (14,7%) 274 (13,9%) 885 (85,3%) 1703 (86,1%) 1,07 (0,86-1,32) 0,550 Uso de toalha Individual Coletivo 317 (13,9%) 109 (14,8%) 1961 (86,1%) 627 (85,2%) 0,93 (0,73-1,18) 0,545 Presença de animais Sim Não 288 (14,5%) 138 (13,5%) 1695 (85,5%) 888 (86,5%) 1,09 (0,88-1,36) 0,423 Pobreza extrema Sim Não 109 (13,3%) 307 (14,4%) 709 (86,7%) 1822 (85,6%) 0,91 (0,72-1,15) 0,444 Fogão de lenha na casa Sim Não 237 (18,4%) 189 (11,0%) 1053 (81,6%) 1535 (89,0%) 1,83 (1,49-2,25) 0,000* Água encanada fora de casa Sim Não Possui poço Sim Não Privada no interior da casa Sim Não OR = odds ratio; teste de chi-quadrado (χ2), com significância estatística de 95% (p < 0,05). 54 4.4 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E RECURSOS HÍDRICOS Considerando as 42 localidades visitadas, pode-se evidenciar que todos os pontos espaciais eram pertencentes de fato ao município. Entretanto, nove localidades eram fronteiriças com cidades vizinhas – Palhano e Morada Nova. A Figura 4.3 detalha o posicionamento dos mesmos. Figura 4.3 – Visualização geográfica dos pontos referentes às localidades visitadas no município de Russas. Notar os pontos escuros, que são exatamente os de região fronteiriça. A Figura 4.4 mostra o mapa de Kernel (construção de áreas com maior chance de desenvolver a doença – hotspots). A presente figura indica que, embora os pontos iniciais das localidades estejam distribuídos heterogeneamente ao longo do mapa territorial do município de Russas, evidenciou-se certa focalização na distribuição dos casos de tracoma, considerando os distritos. A própria condensação das localidades, seguindo suas respectivas localizações municipais, pode ser a responsável por essa confluência. 55 Figura 4.4 – Mapa de kernel evidenciando a distribuição espacial de casos, por distritos, de tracoma no município de Russas, no ano de 2013; SJD = São João de Deus. Considerando o tipo de abastecimento de água distrital, verificou-se que o mesmo é diferente nos locais pesquisados, conforme a Figura 4.5. A disposição de pequenas coleções de água, como açudes, córregos, poças, etc, fornecidos pela ANA, encontram-se sobretudo na metade norte do município. Foi observado que, exatamente onde ocorreu uma maior concentração espacial de casos, a oferta hídrica não era satisfatória, analisando-se as possibilidades de abastecimento. 56 Figura 4.5 – Mapa de tipos de abastecimento de água, por distritos, de tracoma no município de Russas, no ano de 2013; 1 = Lagoa Grande, 2 = Bonhu, 3 = Peixe; 4 = Flores, 5 = São João de Deus e 6 = Russas. 57 5 DISCUSSÃO Este estudo representa a consolidação de medidas de frequência de ocorrência do tracoma no município de Russas, pois até então as informações encontravam-se apenas armazenadas, sem que houvesse análise acurada dos dados. Tais achados são de relevante interesse para o município porque medidas de controle mais eficazes poderão ser aplicadas para combater efetivamente a doença (WHO 2012). De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) de Russas, o Programa Municipal de Controle do Tracoma deu início as suas atividades no ano de 2010 e, desde então, é responsável pela vigilância do agravo. Nos anos de 2010, 2012 e 2013, notou-se monitoramento efetivo, através de visitas domiciliares, exames conjuntivais no diagnóstico, educação em saúde e possibilidade de encaminhamento de formas graves da doença (TT e CO) a especialistas do estado. Com base nos resultados, observou-se alta prevalência de tracoma na população sob vigilância (14,1%). Este achado discorda da maioria dos inquéritos epidemiológicos realizados no Brasil. A revisão da literatura realizada por Lopes e cols. (2013), com amostras de crianças de todos os estados brasileiros, totalizando 6030 casos da doença, revela prevalência nacional de 5,0%, em escolares. Esse mesmo relato demonstra prevalência no estado de Ceará de 8,7%. Logo, o município de Russas encontra-se em estado crítico e medidas de controle mais eficazes são necessárias. Outros trabalhos corroboram a alta frequência do tracoma no município estudado, já que em outras regiões do país os valores de prevalência não se afastam significativamente da média nacional, como pode ser evidenciado por Cruz e cols. (2008), que estudaram 1702 adultos e crianças em uma comunidade na região Norte do país – Baixo Rio Negro (AM) e encontraram prevalência de 8,9%. Ainda na região Amazônica, Medina e cols. (2011) realizaram o levantamento epidemiológico em escolares do estado de Roraima e encontraram prevalência de 4,5%, analisando 6986 escolares. Na região Sudeste, um estudo conduzido no município de Bauru (SP), com 1749 crianças, dos ensinos fundamental e médio, demonstrou prevalência de 3,8% (Ferraz 58 et al. 2010). Da mesma forma, Schellini e cols. (2010), estudando 2692 escolares, registraram prevalência de 2,9%. Portanto, nas regiões onde o tracoma apresenta maior endemicidade no país, como as regiões Sudeste e Norte, as prevalências foram bem menores do que aquelas observadas em Russas (CE). Este fato pode ter ocorrido devido à presença marcante de precárias condições de vida, como insuficiência na regularidade do aporte hídrico, grande número de moradores nos domicílios e higienização inadequada, que foram evidenciados neste trabalho, e ainda a quantidade inesperada de casos de tracoma em adultos com idade acima dos 40 anos, o que não era inicialmente imaginado. Ainda que Russas tenha alta frequência de tracoma, outros locais do mundo evidenciam valores muito maiores que os encontrados no presente estudo. Ejigu e cols. (2013), que estudaram crianças e adultos de toda uma comunidade, transversalmente na Etiópia, encontraram 25,2% de prevalência. Outro estudo, realizado em comunidades do Níger, revelou incrível frequência de 43% de tracoma (Abdou et al. 2007). Essas outras realidades demonstram que a estratégia SAFE, proposta pela OMS e que tem registrado diminuição no número de casos no continente africano, não atinge a todos de maneira satisfatória, cabendo à mesma rever determinados pontos de sua articulação para com as populações de alta endemicidade. Evidenciou-se, neste trabalho, maior frequência do tracoma em indivíduos do sexo feminino (16,6%), comparando com os do sexo masculino (11,6%). Este achado concorda com valores de países africanos, como mostrado por Ejigu e cols. (2013), que encontraram prevalências de 27,2% em mulheres e 23,4% em homens, em uma comunidade da Etiópia. Por sua vez, este resultado discorda de vários relatos, como o de Cruz e cols. (2008), que não evidenciaram diferença significativa entre os dois gêneros (10,4% para o sexo masculino e 10,6% para o sexo feminino) e ainda afirma que os estudos brasileiros falham em demonstrar maior prevalência em mulheres. Outros relatos continuam na mesma linha contrária aos dados do presente trabalho: Medina e cols. (2011) encontraram prevalências de 4,0% para indivíduos do sexo feminino e 4,9% para o sexo masculino, e Caninéo e cols. (2012) encontraram valores de 3,2% e 3,0%, para os sexos masculino e feminino, respectivamente. Acredita-se que essa diferença no presente trabalho seja devido a uma maior 59 quantidade de mulheres adultas em Russas e que o contato entre mães e filhas é muito mais marcante do que com filhos, bem como o fato de que a maioria delas estava na presença de comunicantes, sejam familiares ou não, que estavam infectados por C. trachomatis. Todo esse panorama aumenta a chance do sexo feminino ser mais acometido, realidade essa encontrada neste estudo. Considerando a faixa etária, nossos resultados demonstraram prevalência considerável em indivíduos menores de 15 anos, que correspondeu a 50% dos casos, sendo a maior frequência de tracoma ativo em crianças menores de cinco anos (19,9%) e entre 6-10 anos (17%). Estas informações concordam com estudos prévios, como o de Miller e cols. (2010) que evidenciaram prevalência de tracoma ativo, em escolares de 5-14 anos, de 18,4%. Outro estudo, realizado em Roraima, evidenciou prevalência de 13,5% de tracoma ativo em escolares menores até 10 anos (Medina et al. 2011). Estas informações corroboram o fato do ambiente escolar, bem como maior contato com indivíduos infectados, além do sistema imune pouco estimulado, serem fatores preponderantes em crianças (Cruz et al. 2008; SVS 2010; Medina et al. 2011). Ainda no âmbito infantil, por outro lado, os resultados do presente estudo discordam da média nacional, pois Lopes e cols. (2013), através de um inquérito nacional de tracoma, encontraram frequência de tracoma entre 5,3 e 8,2%, baseandose na mesma faixa etária. Adicionalmente, uma pesquisa realizada com 6424 crianças e adolescentes de escolas do estado de Alagoas (AL) evidenciou prevalência de 4,5% de tracoma (Damasceno et al. 2009). Essas informações tornam este assunto delicado e de extrema importância nas diretrizes governamentais de saúde, pois são as crianças as principais disseminadoras do patógeno (WHO 2010). Considerando os achados clínicos, verificou-se que nem todas as formas foram encontradas, sendo TF a mais prevalente, com 85% dos casos. Este resultado é interessante, pois na medida em que concorda com outros inquéritos, com relação à frequência identificada das formas clínicas, discorda de alguns estudos. Sendo assim, Lucena e cols. (2004) relatam que as formas cicatriciais (TS) são responsáveis por mais da metade dos casos, em Pernambuco (PE). Nossos resultados concordam com Ferraz e cols. (2010), que relatam grande predominância da forma TF em São Paulo (SP). 60 Na presente pesquisa, não foram encontradas todas as formas graves da doença, como TT e CO, apenas formas cicatriciais em pacientes adultos – TS (3,9%). Estas formas são as de maior preocupação prognóstica, pois indicam recidivas fruto da própria endemia, bem como um fator de risco para o dobramento palpebral. Assim como neste trabalho, Paula e cols. (2002) revelam o encontro de TS em índios Yanomami do estado do Amazonas (AM), inclusive em crianças, entretanto em níveis bem superiores aos comumente registrados (13,9%). Esta informação é consequência, sobretudo, do comportamento nômade dessas tribos indígenas, já que o fato de migrarem entre territórios alheios e próximos, favorece a dispersão da doença e sua manutenção (Paula et al. 2002), dificultando o acesso ao tratamento. Por sua vez, os nossos resultados discordam de Miller e cols. (2010), pois estes autores encontraram todas as formas clínicas do tracoma em comunidades do departamento de Vaupés (Colômbia). De maneira inesperada, foi observada alta frequência de tracoma em indivíduos com mais de 40 anos (20% apresentavam 43 anos ou mais, sendo 46 anos a média etária). Esta situação não foi relatada na literatura, respaldando-se nas mesmas condições. Acredita-se que uma maior quantidade de mulheres no município, assim como o encontro de formas cicatriciais (TS), devido aos resquícios de infecções repetidas, mal controladas ou ao próprio prognóstico, sejam responsáveis por esse dado alarmante (Lopes et al. 2013). Deve-se ressaltar também que a maioria dos inquéritos são realizados em crianças, o que pode mascarar tal situação. Embora não tenha associação estatisticamente significativa, verificou-se que 68% das pessoas que foram confirmadas com tracoma nos anos de 2010, 2012 e 2013, apresentavam animais domésticos no interior dos domicílios. Um estudo realizado na África verificou que a maioria das pessoas infectadas que residiam em domicílios nas comunidades avaliadas possuíam animais (Abdou et al. 2007). Esse achado é importante pois, determinados animais, como bovinos, caprinos, cães e gatos podem atrair muscídeos para o interior das casas, o que pode agravar a situação epidemiológico da doença. No aspecto comportamental e sua relação com o desenvolvimento do tracoma, houve associação significativa entre este e possuir o fogão a lenha, ainda não registrada na literatura. Na verdade, essa associação possivelmente é indireta, pois a 61 presença deste tipo de construção na residência indica menor poder aquisitivo, e este sim é um fator importante no desenvolvimento da doença (D’amaral et al. 2005). Um fator indireto, mas não menos importante, é o clima. Este também pode estar ligado a uma maior ou menor frequência de tracoma. Um estudo conduzido por Ramesh e cols. (2013) avaliou os impactos climáticos na distribuição e na prevalência do tracoma e verificou que, assim como relatos anteriores de que o continente Africano é o mais castigado pela doença (Abdou et al. 2007; Ejigu et al. 2013), de fato as áreas áridas e de savana são as mais relevantes. No caso de Russas, que possui períodos de seca e falta de água, o raciocínio segue a mesma lógica, já que a higiene fica comprometida, desencadeando a doença. Verificou-se, neste trabalho, que não houve diferença significativa entre casos de tracoma em pessoas de extrema pobreza (renda per capita menor que 70 reais) e não (acima de 70 reais), com frequências de 13,3% e 14,4%, respectivamente. Temse relato de que famílias que façam parte das classes mais pobres da sociedade (C, D e E) tenham mais chance de desenvolver a doença, como ficou evidenciado no estudo de 8727 escolares do município de São Paulo (SP), onde 90% das pessoas infectadas estavam nesta condição (D’amaral et al. 2005). Por outro lado, acredita-se que nem sempre a pobreza está diretamente relacionada à prevalência de tracoma, pois se trata de uma doença multifatorial, onde aspectos sócio-econômicos se mesclam e perfazem o agravo (Macharelli et al. 2013). Um trabalho em Botucatu (SP), um município em que a periferia é composta de imóveis de boa apreciação física, constatou prevalência de tracoma considerável (2,9%), inclusive próximas da média nacional, como identificado por Schellini e cols. (2010). O tracoma ganha importância no cenário mundial a partir do momento que é responsável por inúmeros casos ativos no mundo, bem como a presença de indivíduos cegos e grande parte deles residindo em áreas de risco (WHO 2010). É fundamental que as medidas de controle sejam mais eficazes, pois um agravo que é cercado de circunstâncias sociais, econômicas e políticas, acredita-se que a doença não deveria ser tratada da maneira que é vista pela maioria das lideranças governamentais do Brasil e de outros países. 62 Concomitante ao fato de que o tracoma possua extrema relevância no cenário clínico, nota-se despreparo por parte daqueles que deveriam ser os mais diretamente envolvidos com os pacientes: os médicos. O ensino acurado da doença, com raras exceções, nas escolas de Medicina, não é feito de forma regular, o que leva a um déficit de informação por partes desses profissionais, sobretudo os oftalmologistas (Schellini & De Sousa 2012). Desse modo, um melhor entendimento da doença poderá, no futuro, favorecer a erradicação Considerando propriamente a população russana, constata-se que a mesma não segue um fluxo natural de desencadeamento epidemiológico em relação ao tracoma. Na população de estudo, verificou-se que fatores de risco frequentemente relatados na literatura, como limpeza facial e presença de secreção ocular e/ou nasal (Maher et al. 2011) não foram encontrados na análise uni-variada. É possível que o papel dos caracteres genéticos da doença, neste grupo, tenha um papel relevante (Abdelsamed et al. 2013). Cabe ressaltar que a dinâmica do tracoma em Russas, portanto, é diferenciada e merece investimentos, bem como fomento a estudos de maior porte que entendam o seu real comportamento epidemiológico. Este é o primeiro inquérito que considera aspectos espaciais da doença no município e obtém estimativas epidemiológicas do tracoma para agregar no controle e na vigilância do agravo. Para tanto, foram empregadas ferramentas geográficas e epidemiológicas que auxiliassem nessa direção, sobretudo o geoprocessamento, conforme trabalhos anteriores (Polack et al. 2005; Schellini et al. 2010). Evidenciou-se que todos os pontos referentes às localidades visitadas estavam presentes no território, mesmo aqueles próximos à região fronteiriça. Esta evidência concorda com a observação encontrada por Macharelli e cols. (2013) que, estudando tracoma em domicílio no município de Bauru (SP), encontraram todos os pontos de residências positivas no mesmo. Pelo fato das malhas digitais disponíveis pelo IBGE serem somente ao nível de setores censitários e, como estes representam um grande número no município, resolveu-se fazer as devidas análises de distribuição geográfica por pontos (hotspots) com a consequente configuração de Kernel apenas com os distritos. 63 O ano de 2013 foi escolhido para o foco de análise porque houve restrição de informação de casos provenientes da SEMUS, onde apenas para este ano existiam informações mais fidedignas. Cabe ressaltar que no ano de 2011, por motivos políticos, não houve interesse em realizar o programa de monitoramento epidemiológico no município. Esse fato corresponde a uma limitação forte durante toda a realização da análise espacial, o que dificultou uma avaliação mais acurada da mesma, já que levamos em consideração somente um ano. Deste modo, a idéia de risco espacial da doença fica comprometida, pois não há um intervalo de tempo a ser considerado (Peiter 2008). Verificou-se, através do mapa de Kernel, que os hotspots mantém certa relação espacial com as zonas do município onde as fontes de oferta hídrica são menores. Este resultado concorda com Polack e cols. (2005) que, estudando casos de tracoma em domicílios da Tanzânia, verificaram que existia apenas uma fonte de água no local de estudo. Dessa forma, a distância até a principal fonte de água para os moradores de Russas pode representar um problema que contribua diretamente para o agravo. É interessante afirmar que, dependendo do tipo de marcação dos pontos e da viabilidade de informações, a aquisição de dados para a confecção dos mapas tornase mais ou menos complexa. Tem-se registro na literatura de trabalhos que mostram a dificuldade de sobrepor aspectos geográficos e, subsequentemente, fazer as análises. Schellini e cols. (2010), estudando tracoma em escolares no município de Botucatu (SP), não obtiveram sucesso ao separar as escolas como unidade de área, fato esse bem próximo ao que aconteceu neste trabalho com as localidades, tendo que ser realocadas, obrigatoriamente, em distritos. Esta limitação geográfica dificulta muito análises mais confiáveis da doença e deve ser considerada no desenvolvimento do estudo. De modo geral, o trabalho não foi de fácil execução. Diversos entraves estiveram presentes ao longo do mesmo, tais como quantidade de combustível limitada, difícil acesso a algumas moradias, verba escassa para a visita de outras localidades, o que poderia aumentar a confiabilidade dos resultados encontrados, a disposição de dados totalmente mal organizada nos bancos principais da SEMUS, o que demandou mais da metade do tempo do estudo no seu preparo para a aquisição da análises e as 64 estradas rurais, que sabidamente são de tráfego complexo e com grande deposição de barro. Embora tenhamos todas estas adversidades ao longo da realização deste estudo, o mesmo foi possível e acredita-se que este terá grande importância como um dado, ainda que isolado, de um município onde o tracoma é sim uma realidade e clama por uma atenção mais efetiva e melhorada por parte das autoridades locais. O objetivo com este trabalho e ver o aprimoramento das estratégias de monitoramento e controle, não só no Brasil, mas nos países onde a doença enfrenta grandes problemas político-socais, como os localizados no continente Africano. 65 6 PERSPECTIVAS Com este trabalho, tornou-se mais evidente a realidade do tracoma e sua necessidade de monitoramento no município estudado. É fundamental reforçar que este foi o primeiro passo na construção de uma melhor região, com bons índices epidemiológicos e, o principal, com a devida atenção às doenças negligenciadas, como o tracoma, que não representa a única endemia de Russas. A busca por uma vigilância de qualidade neste país deve ser constante e efetiva. Ampliar os estudos e inquéritos sobre a doença em todo o Nordeste é o ponto de partida, bem como comparar os futuros resultados com outros já realizados e aqueles que ainda virão, nos municípios e estados. É desta forma que as informações vão sendo consolidadas e, à medida em que haja um melhor entendimento do agravo, as iniciativas de eliminação são melhor programadas. Sabe-se que o tracoma, com base no próprio relato, é um agravo de origem multifatorial e não somente as condições de higiene estão atreladas ao mesmo. É intrínseco compreender melhor os fatores sócio-demográficos associados ao desenvolvimento da doença e, de grande importância no país como um todo, é entender como é encarada as formas e o manejo de tratamento, pois constata-se que este não é fornecido de maneira igualitária àqueles que necessitam, principalmente em áreas rurais, onde tende-se a uma maior frequência. Considerando o tratamento, mais uma vez, deve-se afirmar que existe uma desmotivação grande por parte dos especialistas na área, não por culpa dos mesmos, mas por uma negligência na formação. Este trabalho vem para somar e contribuir na divulgação mais ampla, democrática e real da doença no município, de modo que sirva como um mote para a atração dos oftalmologistas para uma melhor compreensão da doença. Este trabalho em conjunto favorecerá uma maior promoção da saúde no município de Russas, bem como auxiliará e muito no controle. Por fim, esta pesquisa vem agregar experiência a outros estados que, a partir deste ano, irão assumir o desafio de criarem estratégias de vigilância e controle do tracoma, como é o caso do Rio de Janeiro. Atendendo a uma demanda do MS, por meio da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), o estado abraçou 66 esta ideia e, com base nos nossos achados, os gestores utilizarão do conhecimento adquirido para estabelecer as metas do programa. Com isso, a atenção primária ganha, além de seus papéis normalmente desempenhados, mais uma função, pois este nível de saúde será o responsável pelo monitoramento nas escolas, parceria essa entre a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e da Escola. 67 7 CONCLUSÕES O tracoma é endêmico no município de Russas, estando presente em todas as faixas etárias e em todas as localidades pesquisadas; A taxa de positividade na busca ativa foi significativamente maior em mulheres; Foram detectadas, considerando todos os anos propostos, formas ativas da doença com a maior frequência. Não houve o encontro de todas as formas graves, apenas a TS; essas foram mais frequentes nos grupos etários superiores; Alguns fatores sócio-demográficos estiveram significativamente associados ao desenvolvimento do tracoma, com ênfase para certas características domiciliares, como a disponibilidade de água para banho, a própria construção da residência e a presença de forno a lenha no interior do domicílio; Na análise espacial por distritos, conclui-se que a disposição dos casos se deteve mais à região central do município, onde a oferta hídrica era menor. 68 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abdelsamed H, Peters J, Byrne GI 2013. Genetic variation in Chlamydia trachomatis and their hosts: impacts on disease severity and tissue tropism. Future Microbiol 8: 1129-1146. Ayele B, Gebre T, House JI, Zhou Z, McCulloch CE, Porco TC, Gaynor BD, Emerson PM, Lietman TM, Keenan JD 2011. Short report: adverse events after mass azithromycin treatments for trachoma in Ethiopia. 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